Processo nº 360/2014
Relator: João Gil de Oliveira
Data: 23/Abril/2015
Assuntos:
- Direito a atribuição de moradia do recrutado ao exterior
- Arrendamento de moradia da RAEM
SUMÁRIO:
Um funcionário recrutado ao exterior, não obstante ter estado em Macau por mais de vinte anos, com sucessivos contratos individuais de trabalho, tendo-lhe sido atribuído o direito a alojamento, ao cessar funções por ter atingido o limite de idade, com consequente cancelamento de inscrição no Fundo de Pensões, não tem direito a continuar na moradia que lhe foi atribuída, pela razão simples de que não tem a qualidade de arrendatário de uma moradia da RAEM, estando sujeito a um regime próprio e específico que em tudo se aparta de uma relação contratual de natureza arrendatícia, materializada nas condições de atribuição, gozo, entrega, devolução da casa e demais condicionalismos constantes de um particular regime enquadrado por lei.
O Relator,
João A. G. Gil de Oliveira
Processo n.º 360/2014
(Recurso Contencioso)
Data : 23 de Abril de 2015
Recorrente: B
Entidade Recorrida: Secretário para a Economia e Finanças
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I - RELATÓRIO
1. B, mais bem identificado nos autos, inconformado com o despacho do Exmo Senhor Secretário para a Economia e Finanças, de 4 de Abril de 2014, exarado sobre a Proposta n.º 012/NAJ/DB/14, de 31 de Março, que lhe indeferiu o recurso hierárquico necessário por si apresentado em 12 de Dezembro de 2013 e, assim, a pretensão de continuar na casa que lhe fora atribuída, após a cessação do exercício das suas funções públicas que vinha exercendo na RAEM, vem interpor recurso contencioso, alegando, em síntese conclusiva:
1. É entidade recorrida o Senhor Secretário para a Economia e Finanças e acto recorrido o seu despacho de 4 de Abril de 2014, exarado sobre a Proposta n.º 012/NAJ/DB/14, de 31 de Março;
2. O acto recorrido indeferiu o pedido de manutenção do arrendamento da moradia sita em Macau, na Avenida do ......, n.º ..., Edifício ......, 7.° "AC" e de alteração do procedimento para pagamento da renda;
3. A moradia é a residência do recorrente e do seu agregado familiar;
4. O recorrente, que foi contratado para o exercício de funções públicas em Macau, aderiu ao Regime de previdência dos trabalhadores dos serviços públicos, como consentido pela alínea 5) do n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 8/2006;
5. Pela alínea 1) do n.º 1 do artigo 13.º do Regime, cessou funções por limite de idade em 30.11.2013 e, ao abrigo do artigo 20.º, requereu a manutenção do arrendado, o que, tendo sido indeferido, motivou o presente recurso;
6. O acto recorrido restringe ilegalmente o artigo 20.° do Regime porque este admite no seu objecto um universo vasto de trabalhadores públicos e não só os funcionários públicos (proémio do n.º 1 do artigo 3.º do Regime);
7. Todos estes trabalhadores beneficiam da universalidade de direitos e deveres do regime, incluindo os direitos especiais do seu artigo 20.º;
8. É ilegal a interpretação do artigo 20.º que limita a manutenção do direito ao arrendamento aos funcionários públicos integrados no Decreto-Lei n.º 31/96/M, de 17 de Junho;
9. Existem leis especiais como a que se aplica ao ora recorrente, o Decreto-Lei n.º 71/92/M, de 21 de Setembro, que garantiu ao recorrente o acesso a habitação em moldes iguais aos do funcionalismo público;
10. As especificidades de cada um dos diplomas aproximam os trabalhadores da administração pública ao invés de os apartarem: o Decreto-Lei n.º 71/92/M condiciona a ocupação do arrendado a um despacho de atribuição de moradia e apelida de contraprestação o preço contratual e o Decreto-Lei n.º 31/96/M reporta-se a um contrato de arrendamento e a uma renda;
11. Estas diferenças são puramente formais pelo que a materialidade que as une leva a que, em ambos os casos, exista um arrendamento de moradias da Região;
12. O recorrente é arrendatário da moradia da Região;
13. A manutenção do arrendamento encontra-se garantida pelo artigo 20.º do regime desde que a inscrição no Regime de Previdência tenha sido cancelada por qualquer um dos motivos referidos no artigo 19.º do mesmo Regime o requerente tenha um tempo de contribuição igualou superior a 15 anos;
14. O recorrente preenche ambos os requisitos pelo que tem direito à manutenção do arrendamento;
15. Ao ter negado esse direito o acto recorrido enferma de vício de violação de lei sobre o artigo 20.º da Lei n.º Lei n.º 8/2006, na vertente do erro sobre os pressupostos de direito, devendo, ao abrigo da alínea d) do n.º 1 do artigo 21.º do CPAC e dos artigos 124.º e 125.º, ambos do Código do Procedimento Administrativo, ser anulado.
Nestes termos e nos mais de Direito que V. Ex.ªs entendam por bem suprir, se requer, de acordo com o artigo 21.º do CPAC, a anulação do acto recorrido por vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto, ao abrigo do artigo 124.º do Código do Processo Administrativo, que conduziu à incorrecta aplicação da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 22.º, ambos do DL n.º 31/96/M, de 17 de Junho.
2. XXX, Secretário para a Economia e Finanças, entidade recorrida nos autos à margem identificados, contesta, em síntese:
1. O acto recorrido tem por objecto o Despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças de 4 de Abril de 2014, exarado na Proposta n.º 012/NAJ/DB/14, de 31.03, que indeferiu o recurso hierárquico necessário apresentado em 12 de Dezembro de 2013 e a pretensão do recorrente de reconhecimento do direito a manter o arrendamento da moradia em que vive com o seu agregado familiar, ao abrigo do artigo 20.° do Regime de Previdência dos Trabalhadores dos Serviços Públicos, aprovado pela Lei n.º 8/2006.
2. O recorrente foi recrutado ao exterior em 1992 para prestar serviço no Território de Macau, de acordo com o previsto no n.º 1 do artigo 69.° do Estatuto Orgânico de Macau, por contrato além do quadro.
3. Ao recorrente foi atribuída moradia ao abrigo do artigo 21.° do Decreto-Lei n.º 60/92/M, de 24 de Agosto, que atribuía direito a alojamento aos recrutados ao exterior.
4. O recorrente celebrou em 19 de Abril de 2004 um contrato individual de trabalho com o Governo da RAEM, regime em que se manteve até ter atingido os 65 anos de idade.
5. O recorrente aderiu ao Regime de Previdência dos Trabalhadores dos Serviços Públicos, criado pela Lei n.º 8/2006, tendo cessado definitivamente funções por limite de idade em 30.11.2013, de acordo com a alínea a) do n.º 1 do artigo 13.°.
6. Ao abrigo do n.º 1 do artigo 20.° do Regime veio solicitar a atribuição da moradia onde reside.
7. Estipula o artigo que "o contribuinte que à data do cancelamento da inscrição seja arrendatário de moradia da RAEM ou de outras entidades públicas e cuja inscrição tenha sido cancelada por um dos motivos referidos no n.º 1 do artigo anterior, pode manter o direito a arrendamento daquela moradia."
8. A manutenção do direito ao arrendamento pretendido pelo recorrente está pois dependente da verificação de dois requisitos, a saber, um tempo de contribuição não inferior a 15 anos para aqueles cuja inscrição seja cancelada por atingir 65 anos de idade e ser o contribuinte arrendatário de moradia da RAEM.
9. Ora se o primeiro requisito se verifica na pessoa do recorrente, já o mesmo não se pode dizer relativamente ao segundo, uma vez que os recrutados ao exterior não são arrendatários das moradias onde habitam.
10. O Decreto-Lei n.º 71/92/M, de 21 de Setembro, que regula o alojamento do pessoal recrutado ao exterior, nunca se refere aos mesmos como arrendatários, mas como "titulares do direito a alojamento" (n.º 2 do artigo 8.°), sendo a atribuição de moradia feita por despacho, não existindo qualquer contrato de arrendamento. (artigo 16.°) e estando os mesmos sujeitos ao pagamento de uma contraprestação de valor equivalente ao da renda devida pelos trabalhadores da Administração Pública de Macau (artigo 9.°).
11. Por outro lado, ao requerente foi-lhe atribuída uma moradia ao abrigo do artigo 21.° do Decreto-Lei n.º 60/92/M, de 24 de Agosto, uma das duas modalidades do direito a alojamento dos recrutados ao exterior, sendo a outra a atribuição de um subsídio para arrendamento e a um subsídio para equipamento, no caso de não ser atribuída moradia.
12. O direito a alojamento do pessoal recrutado ao exterior veio a ser regulamentado pelo Decreto-Lei n.° 71/92/M, de 21 de Setembro, onde se previu que a opção pela atribuição de moradia ou de subsídios compete à Administração (art. 5°) e implica o pagamento pelo trabalhador de uma contraprestação de valor equivalente ao da renda devida pelos trabalhadores da Administração Pública de Macau (artigo 9.°) bem como que o trabalhador devia devolver a moradia até à data da cessação de funções. (n.º 6 do artigo 19.°)
13. Esta legislação muito embora não tenha sido adoptada como lei da RAEM, as práticas dela decorrentes mantêm-se, nos termos consignados na Lei n.º 1/1999, de 20.12 (Lei da Reunificação), número 2 do Anexo II.
14. O recorrente é pois um trabalhador abrangido pelo regime do recrutamento ao exterior cujo direito a alojamento é um direito contratual previsto no estatuto desse pessoal e a moradia a atribuir no âmbito desta contratação reveste a modalidade de casa-função, pelo que no caso de cessação definitiva de funções, tem de devolver a moradia à DSF até ao último dia da vigência do contrato.
15. Tal como aliás estava previsto na cláusula 15ª do Contrato Individual de Trabalho que assinou em 2004 e vigorou até cessar funções.
16. Pretende pois fazer-se valer de uma disposição vigente no Regime de Previdência que entrou em vigor em 2006, para se manter numa moradia que lhe foi atribuída ao abrigo de outra legislação, clara quanto à obrigação de devolução da moradia aquando da cessação de funções.
17. A razão de ser do n.º 1 do artigo 20.° foi permitir que os funcionários da Administração Pública arrendatários de moradias da RAEM, atribuídas ao abrigo do Decreto-Lei n.º 31/96/M, e que transitaram para o Regime de Previdência, ao abrigo do n.º 1 do artigo 26.°, pudessem manter o direito ao arrendamento uma vez cancelada a inscrição neste regime, tal como manteriam se se aposentassem ao abrigo do Regime de Aposentação e Sobrevivência.
18. Isto porque quem se aposentasse ao abrigo do regime de Aposentação, para além do direito a uma pensão, mantinha alguns direitos de que era titular como trabalhador da Administração, como o acesso aos cuidados de saúde (alínea c) do n.º 1 e n.º 3 do art. 147.° do ETAPM) e a manutenção do contrato de arrendamento nas moradias da RAEM que lhes estivessem atribuídas, sem necessidade sequer de o requerer. (n.° 2 do art. 20° do Decreto-Lei n.º 31/96/M, de 17 de Junho).
19. Por último, da pretendida aplicação do artigo 20.° da Lei n.º 8/2006 aos recrutados ao exterior resultará uma situação de desigualdade e consequente injustiça para aqueles recrutados que beneficiaram de alojamento na modalidade de subsídio para arrendamento, uma vez que estes últimos não foram incluídos na referida lei, que apenas se refere, expressamente, aos arrendatários de moradias da RAEM.
20. Isto é, haveria um tratamento diferenciado para as duas modalidades do mesmo direito a alojamento dos recrutados ao exterior, mantendo uns o direito a alojamento na moradia e perdendo outros o subsídio para arrendamento, quando a opção pela atribuição de um ou outro foi da exclusiva responsabilidade da administração, consoante as disponibilidades habitacionais (cfr. n.° 1 e 2 do artigo 21.° do Decreto-Lei n.º 60/92/M e artigo 2.° e 5.° do Decreto-Lei n.º 71/92/M).
Nestes termos,
deve o presente recurso contencioso de anulação ser julgado improcedente, em virtude de não padecer o acto administrativo recorrido dos alegados vícios, mantendo-se, em consequência, o acto praticado em 4 de Abril de 2014.
3. B, recorrente nos autos de recurso contencioso à margem ofereceu oportunamente alegações facultativas, dizendo, no essencial:
1. É entidade recorrida o Senhor Secretário para a Economia e Finanças e acto recorrido o seu despacho de 4 de Abril de 2014, exarado sobre a Proposta n.º 012/NAJ/DB/14, de 31 de Março.
2. O acto recorrido indeferiu o pedido de manutenção do arrendamento da moradia sita em Macau, na Avenida do ......, n.º ..., Edifício ......, 7.° “AC” e de alteração do procedimento para pagamento da renda.
3. A moradia é a residência do recorrente e do seu agregado familiar.
4. O recorrente, que foi contratado para o exercício de funções públicas em Macau, aderiu ao Regime de previdência dos trabalhadores dos serviços públicos, como consentido pela alínea 5) do n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 8/2006.
5. Pela alínea 1) do n.º 1 do artigo 13.º do Regime, cessou funções por limite de idade em 30 de Novembro de 2013 e, ao abrigo do artigo 20.°, requereu a manutenção do arrendado, o que, tendo sido indeferido, motivou o presente recurso.
6. O acto recorrido restringe ilegalmente o artigo 20.º do Regime porque este admite no seu objecto um universo vasto de trabalhadores públicos e não só os funcionários públicos (proémio do n.º 1 do artigo 3.º do Regime).
7. Todos estes trabalhadores beneficiam da universalidade de direitos e deveres do regime, incluindo os direitos especiais do seu artigo 20.°.
8. É ilegal a interpretação do artigo 20.º que limita a manutenção do direito ao arrendamento aos funcionários públicos integrados no Decreto-Lei n.º 31/96/M, de 17 de Junho.
9. Existem leis especiais como a que se aplica ao ora recorrente, o Decreto-Lei n.º 71/92/M, de 21 de Setembro, que garantiu ao recorrente o acesso a habitação em moldes iguais aos do funcionalismo público.
10. As especificidades de cada um dos diplomas aproximam os trabalhadores da administração pública ao invés de os apartarem: o Decreto-Lei n.º 71/92/M condiciona a ocupação do arrendado a um despacho de atribuição de moradia e apelida de contraprestação o preço contratual e o Decreto-Lei n.º 31/96/M reporta-se a um contrato de arrendamento e a uma renda.
11. Estas diferenças são puramente formais pelo que a materialidade que as une leva a que, em ambos os casos, exista um arrendamento de moradias da Região.
12. O recorrente é arrendatário da moradia da Região.
13. A manutenção do arrendamento encontra-se garantida pelo artigo 20.º do regime desde que a inscrição no Regime de Previdência tenha sido cancelada por qualquer um dos motivos referidos no artigo 19.º do mesmo Regime o requerente tenha um tempo de contribuição igualou superior a 15 anos.
14. O recorrente preenche ambos os requisitos pelo que tem direito à manutenção do arrendamento.
15. Ao ter negado esse direito o acto recorrido enferma de vício de violação de lei sobre o artigo 20.° da Lei n.º Lei n.º 8/2006, na vertente do erro sobre os pressupostos de direito, devendo, ao abrigo da alínea d) do n.º 1 do artigo 21.º do CPAC e dos artigos 124.° e 125.°, ambos do Código do Procedimento Administrativo, ser anulado.
Nestes termos e nos mais de Direito que V. Ex.ªs doutamente suprirão, se requer seja dado provimento ao presente recurso e, em consequência, anulado o acto recorrido, com base na sua ilegalidade, na vertente do erro sobre os pressupostos de direito, tudo nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 21.º do CPAC e dos artigos 124.º e 125.º, ambos do Código do Procedimento Administrativo.
4. O Secretário para a Economia e Finanças também ofereceu alegações facultativas, concluindo:
I. O acto recorrido tem por objecto o Despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças de 4 de Abril de 2014, ex arado na Proposta n.º 012/NAJ/DBI14, de 31.03, que indeferiu o recurso hierárquico necessário apresentado em 12 de Dezembro de 2013 e a pretensão do recorrente de reconhecimento do direito a manter o arrendamento da moradia em que vive com o seu agregado familiar, ao abrigo do artigo 20.° do Regime de Previdência dos Trabalhadores dos Serviços Públicos, aprovado pela Lei n.º 8/2006.
II. O recorrente foi recrutado ao exterior em 1992 para prestar serviço no Território de Macau, de acordo com o previsto no n.º 1 do artigo 69.° do Estatuto Orgânico de Macau, por contrato além do quadro, tendo-lhe sido atribuída moradia ao abrigo do artigo 21.° do Decreto-Lei n.° 60/92/M, de 24 de Agosto, que atribuía direito a alojamento aos recrutados ao exterior.
III. O recorrente celebrou em 19 de Abril de 2004 um contrato individual de trabalho com o Governo da RAEM, regime em que se manteve até ter atingido os 65 anos de idade.
IV. O recorrente aderiu ao Regime de Previdência dos Trabalhadores dos Serviços Públicos, criado pela Lei n.º 8/2006, tendo cessado definitivamente funções por limite de idade em 30.11.2013, de acordo com a alínea a) do n.º 1 do artigo 13.°.
V. Estipula o artigo 20.° do Regime, ao abrigo do qual requereu a atribuição da moradia em que reside, que "o contribuinte que à data do cancelamento da inscrição seja arrendatário de moradia da RAEM ou de outras entidades públicas e cuja inscrição tenha sido cancelada por um dos motivos referidos no n.º 1 do artigo anterior, pode manter o direito a arrendamento daquela moradia."
VI. A manutenção do direito ao arrendamento pretendido pelo recorrente está pois dependente da verificação de dois requisitos, a saber, um tempo de contribuição não inferior a 15 anos para aqueles cuja inscrição seja cancelada por atingir 65 anos de idade e ser o contribuinte arrendatário de moradia da RAEM.
VII. Ora se o primeiro requisito se verifica na pessoa do recorrente, já o mesmo não se pode dizer relativamente ao segundo, uma vez que os recrutados ao exterior não são arrendatários das moradias onde habitam.
VIII. O Decreto-Lei n.º 71/92/M, de 21 de Setembro, que regula o alojamento do pessoal recrutado ao exterior, nunca se refere aos mesmos como arrendatários, mas como "titulares do direito a alojamento" (n.º 2 do artigo 8.°), sendo a atribuição de moradia feita por despacho, não existindo qualquer contrato de arrendamento. (artigo 16.°) e estando os mesmos sujeitos ao pagamento de uma contraprestação de valor equivalente ao da renda devida pelos trabalhadores da Administração Pública de Macau (artigo 9.°).
IX. Ao requerente foi atribuída uma moradia, uma das duas modalidades do direito a alojamento dos recrutados ao exterior, sendo a outra a atribuição de um subsídio para arrendamento, opção que competia à Administração (artigo 5º do Decreto-Lei n.º 71/92/M), com a menção clara de que devia devolver a moradia até à data da cessação de funções. (de acordo com o previsto no n.º 6 do artigo 19.° do Decreto-lei n.º 71/92/M).
X. O recorrente é pois um trabalhador abrangido pelo regime do recrutamento ao exterior cujo direito a alojamento é um direito contratual previsto no estatuto desse pessoal e a moradia a atribuir no âmbito desta contratação reveste a modalidade de casa-função, pelo que no caso de cessação definitiva de funções, tem de devolver a moradia à DSF até ao último dia da vigência do contrato, como estava previsto na cláusula I sa. do contrato individual de trabalho que assinou em 2004 e vigorou até cessar funções.
XI. Pretende pois fazer-se valer de uma disposição vigente no Regime de Previdência que entrou em vigor em 2006, para se manter numa moradia que lhe foi atribuída ao abrigo de outra legislação, clara quanto à obrigação de devolução da moradia aquando da cessação de funções.
XII. A razão de ser do n.º 1 do artigo 20.° foi permitir que os funcionários da Administração Pública arrendatários de moradias da RAEM, atribuídas ao abrigo do Decreto-Lei n.º 31/96/M, e que transitaram para o Regime de Previdência, ao abrigo do n.º 1 do artigo 26.°, pudessem manter o direito ao arrendamento uma vez cancelada a inscrição neste regime, tal como manteriam se se aposentassem ao abrigo do Regime de Aposentação e Sobrevivência.
XIII. Isto porque quem se aposentasse ao abrigo do regime de Aposentação, para além do direito a uma pensão, mantinha alguns direitos de que era titular como trabalhador da Administração, como o acesso aos cuidados de saúde (alínea c) do n.º 1 e n.º 3 do art. 147.° do ETAPM) e a manutenção do contrato de arrendamento nas moradias da RAEM que lhes estivessem atribuídas, sem necessidade sequer de o requerer. (n.º 2 do art. 20° do Decreto-Lei n.º 31/96/M, de 17 de Junho).
XIV. Por último, da pretendida aplicação do artigo 20.° da Lei n.º 8/2006 aos recrutados ao exterior resultará uma situação de desigualdade e consequente injustiça para aqueles recrutados que beneficiaram de alojamento na modalidade de subsídio para arrendamento, uma vez que estes últimos não foram incluídos na referida lei, que apenas se refere, expressamente, aos arrendatários de moradias da RAEM.
XV. Isto é, haveria um tratamento diferenciado para as duas modalidades do mesmo direito a alojamento dos recrutados ao exterior, mantendo uns o direito a alojamento na moradia e perdendo outros o subsídio para arrendamento, quando a opção pela atribuição de um ou outro foi da exclusiva responsabilidade da administração, consoante as disponibilidades habitacionais (cfr. n.º 1 e 2 do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 60/92/M e artigo 2.° e 5.° do Decreto-Lei n.º 71/92/M).
Termos em que se requer a V. Ex.ª que o presente recurso seja declarado improcedente sendo, consequentemente, mantido o despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças, de 4 de Abril de 2014, com as devidas consequências legais.
5. O Exmo Senhor Procurador Adjunto emite o seguinte douto parecer:
Imputa o recorrente ao acto sob escrutínio - despacho do S.E.F. de 4/4/14 que, em sede hierárquica, conservou denegação de pretensão daquele no reconhecimento do direito em manter o arrendamento de moradia onde reside com o seu agregado familiar - vício de violação de lei, mais concretamente do art. 20° da Lei 8/2006, na vertente de erro sobre os pressupostos de direito, entendendo que, tendo aderido ao regime de previdência dos trabalhadores dos serviços públicos, conforme consentido pela al. 5) do n.º 1 do art. 13°, deveria beneficiar do direito ao arrendamento contemplado no dispositivo acima citado, revelando-se, a seu ver, ilegal a interpretação restritiva que a Administração empreende, já que, no seu critério, o Dec. Lei 71/92/M de 21/9 lhe garantiu o acesso à habitação, em condições idênticas aos do funcionalismo público.
Não se vê, porém, como lhe possa assistir qualquer razão.
Da concatenação do disposto nos artigos 20°, n.º 1, 19°, n.º 1, al. 2) e 13°, n.º 1, al. 1), do diploma citado em 1° lugar, resulta claro que a manutenção do direito ao arrendamento, no caso específico do recorrente, dependeria de deter tempo e contribuição não inferior a 15 anos, ter a inscrição sido cancelada por ter 65 anos de idade e ser arrendatário de moradia da RAEM.
Serve o sublinhado para acentuar ser esta a condição que o visado não preenche, já que, sendo trabalhador abrangido pelo regime de recrutamento ao exterior, nos termos conjugados dos artigos 5°, 8°, n.° 2, 9C, 15°, 16° e 19°, n.º 6 do citado Dec Lei 71/92/M, que regula o alojamento de pessoal recrutado ao exterior, a atribuição de moradia àquele constitui uma das duas modalidades passíveis de concretização do direito (sendo a outra a atribuição do subsídio de arrendamento), cuja opção competia à Administração, sendo que, em tais parâmetros, o diploma não os classifica como "arrendatários" mas como "titulares do direito de arrendamento", sendo a atribuição da moradia efectuada mediante despacho e ficando os visados obrigados ao pagamento de contraprestação de valor equivalente ao da renda devida pelos trabalhadores da Administração Pública de Macau e à devolução da moradia até à data de cessação de funções, o que, aliás, não deixou de se reflectir no contrato individual de trabalho celebrado pelo visado em 2004, ainda vigente (cfr. cláusula 15ª).
Como bem acentua a entidade recorrida, a proceder a argumentação do recorrente, deparar-nos-íamos com inadmissível diferenciação de tratamento entre as duas modalidades do direito ao alojamento dos recrutados ao exterior, mantendo uns o direito ao alojamento na moradia atribuída e perdendo outros o subsídio de arrendamento, sendo certo que tal opção foi da exclusiva responsabilidade da Administração.
Porque assim e sem necessidade de maiores considerações ou alongamentos, somos a entender não merecer provimento o presente recurso.
6. Foram colhidos os vistos legais.
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito.
III - FACTOS
Com pertinência, têm-se por assentes os factos seguintes:
1. O recorrente foi recrutado ao exterior em 1992 para prestar serviço no Território de Macau, de acordo com o previsto no n.º 1 do artigo 69.° do Estatuto Orgânico de Macau, por contrato além do quadro nos termos da alínea b) do n.º 1 e n.º 2 do artigo 8.° do Decreto-Lei n.º 53/89/M, de 28 de Agosto, com a redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 37/91/M, de 8 de Junho, conjugado com o artigo 25.° e 26.° do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau (ETAPM), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 87/89/M, de 21 de Dezembro, com direito a transporte de vinda para Macau e regresso ao local de recrutamento, extensivo à família a seu cargo, bem como a transporte de bagagem e habitação, nos termos da legislação em vigor.
Mediante o despacho n.º 113/FIN/92 de 12 de Novembro, foi ao recorrente atribuída a moradia 15.º C do Edifício ......, sito na Avenida ......, conjuntamente com os móveis e equipamentos que constituem o seu apetrechamento, ao abrigo do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 60/92/M, de 24 de Agosto, que atribuía direito a alojamento aos recrutados ao exterior.
Posteriormente, atendendo à alteração do seu agregado familiar, foi-lhe igualmente atribuída a moradia 15 "A" do mesmo Edifício, mediante o despacho n.º 68/M/FIN/96, de 5 de Dezembro, ao abrigo do disposto da alínea a) do artigo 28.º do Decreto-Lei n.º 71/92/M.
Finalmente, por se verificar impossibilidade de uso e fruição da anterior moradia, foi-lhe atribuída por transferência a moradia 7 "A/C" do mesmo edifício, onde ainda reside, mediante o despacho n.º 13/M/FIN/2003, de 19 de Junho, conforme a alínea b) do artigo 28.º do mesmo Decreto-Lei.
Nesse local habitava igualmente o seu agregado familiar composto pelo cônjuge e 3 descendentes.
O recorrente celebrou em 19 de Abril de 2004 um contrato individual de trabalho (CIT) com o Governo da RAEM, regime em que se manteve até ter atingido os 65 anos de idade em 30.11.2013, no qual se continuou a prever na Cláusula 15.ª o "direito à moradia equipada que lhe foi atribuída pela RAEM, de acordo com a composição do seu agregado familiar" e a obrigação de "devolver a moradia até à data da cessação de funções."
No dia 31.10.2013 o ora recorrente requereu junto da Direcção dos Serviços de Finanças (doravante "DSF"), que lhe fosse mantido o direito ao arrendamento de moradia da Região, estribando-se para o efeito na legislação mais recente da Região sobre esta matéria, a saber, o artigo 20.0 da Lei n.º 8/2006, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 3/2009.
Mais requereu que o pagamento da correspondente renda passasse a processar-se por depósito junto da DSF.
Na base da atribuição da referida fracção autónoma encontra-se o exercício de funções públicas em Macau, as quais cessaram em 30 de Novembro de 2013, em virtude de ter transitado para a situação de aposentado, passando, neste sentido a incorporar o que se designa por "classe inactiva".
"No momento do termo do Contrato Individual de Trabalho que o mantinha como trabalhador no activo da administração pública detinha o ora recorrente a categoria profissional de Chefe de Serviço Hospitalar da área de Cirurgia Geral, a prestar serviço no Centro Hospitalar Conde de S. Januário.
O fundamento de facto para que o ora recorrente tivesse passado para a classe inactiva reside no facto de ter atingido o limite de idade de 65 anos que a lei estipula.
Por via da alínea 5) do n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 8/2006, que regula o Regime de previdência dos trabalhadores dos serviços públicos, passou a ser admitida a inscrição de trabalhadores no exercício de funções públicas cujo vínculo laboral fosse o CIT.
Neste sentido, por ser essa a modalidade do seu vínculo laboral, o ora recorrente aderiu ao Regime, o qual passou a ser-lhe integralmente aplicável.
Resultando da alínea 1) do n.º 1 do artigo 13.º do Regime que deve de imediato ser cancelada a inscrição no Regime dos trabalhadores que completem 65 anos de idade, o recorrente cessou funções por força da sua idade em 30 de Novembro de 2013.
Concomitantemente, fazendo uso das prerrogativas legais do Regime, requereu ao abrigo do seu artigo 20.°, o reconhecimento do direito a manter o arrendamento da moradia da propriedade da Região que ocupa, bem como a modificação do modo de pagamento da renda.
Contudo, em primeiro grau de decisão, esta pretensão foi-lhe indeferida pelo despacho da Senhora Directora dos Serviços de Finanças, datado de 20 de Novembro de 2013, que aderiu aos pressupostos de facto e de direito, bem como às conclusões da Informação n.º 30862/DGP/DACE/2013, de 11 de Novembro, na qual foi exarado.
Sendo que em sede de recurso administrativo esse indeferimento se manteve pelo despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças, assim se motivando os presentes Autos.
2. O recorrente foi notificado do despacho recorrido nos seguintes termos:
“Assunto : Notificação do Despacho elo Senhor Secretário para a Economia e Finanças ele 04/04/14.
Por referência ao Recurso Hierárquico Necessário apresentado por V. Exª., cumpre-me notifica-lo, nos termos dos artigos 68º e ss. do Código do Procedimento Administrativo, do despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças de 04 de Abril de 20] 4, ex arado na Proposta n.º 12/NAJ/DB/14, de 31 de Marco, consistindo o seu teor no seguinte:
"Concordo com o parecer, indeferindo o pedido."
Ass.: XXX, aos 04.04.2014.
A citada Proposta foi objecto de despacho ela Sr." Directora dos Serviços de Finanças, ele 02.04.14, elo seguinte teor:
"Exmº Senhor SEF,
Concordo com o parecer: Submeto à consideração de V Ex.ª para indeferimento do presente recurso hierárquico necessário uma vez que, como resulta das conclusões da presente proposta, o recorrente. que pretende a manutenção do arrendamento na moradia onde reside, não preenche os requisitos do art. 20º do Lei n.º 8/2006.
À consideração superior.
Ass. : YYY (Directora dos Serviços)
Data : 02 de Abril de 2014”
Da Proposta referida reproduzem-se os fundamentos ele facto e ele direito que sustentam o presente despacho:
“I. Do Recurso Hierárquico Necessário - Pressupostos processuais.
Nos termos que constam do requerimento dirigido ao Senhor Chefe do Executivo, que deu entrada no Gabinete do mesmo no dia] 2 de Dezembro de 2013, vem B, nos termos do disposto nos artigos 153º a 157º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 57/99/M de 11.10, recorrer hierarquicamente do despacho de V. Ex.ª de 20 de Novembro de 2013, exarado na Informação n.º 30862/DGP/DACE/13, de 11.11. que indeferiu o pedido formulado para se manter na moradia da RAEM onde reside, a partir de 30 de Novembro de 2013.
O recurso é tempestivo, porque apresentado dentro do prazo de 30 dias previsto no 11.º I do artigo 155.º do CPA, sendo o Senhor Secretário para a Economia e Finanças a entidade competente para decidir, nos termos do disposto no artigo 153.º e no n.º 2 do Artigo 156º ambos do Código do Procedimento Administrativo. A interposição do presente recurso suspende a execução da decisão impugnada, nos termos do previsto n.º 1 do artigo 157. º do CPA.
II. Os factos
1. O recorrente, ex-funcionário dos Serviços de Saúde que exercia funções no Centro Hospitalar Conde de S. Januário em regime de contrato individual de trabalho veio solicitar em 31 de Outubro de 2013, em requerimento dirigido à Srª. Directora dos Serviços de Finanças, a manutenção do direito ao arrendamento na moradia onde habita silo na Av. ......, ... – Edf. ......, 7º - A/C em Macau, a partir de 30 de Novembro de 2013, com base no previsto no artigo 20.º da Lei n.º 8/2006.
2. Por despacho da Srª. Directora dos Serviços, datado de 20 de Novembro de 2013, exarado na Informação n.º 30862/DGP/DACE/13, de 11.11, foi indeferido o pedido formulado, por não considerar aplicável ao ora recorrente o disposto no n.º 1 do artigo 20.º da Lei n.º 8/2006.
3. No dia 12 de Dezembro de 2013, deu entrada no Gabinete do Sr. Chefe do Executivo o presente recurso hierárquico necessário, com os fundamentos que se apreciarão de seguida, requerendo a final a revogação do acto da Sr. a Directora dos Serviços de Finanças de 20 de Novembro e a sua substituição por outro que, ao abrigo do n.º 1 do artigo 20.º supra citado, admita ao recorrente a manutenção do arrendamento na moradia onde reside.
II. Apreciação
1. Alega a recorrente que o n.º 1 do artigo 20º da lei n .º 8/2006 lhe é aplicável uma vez que :
a) O acto recorrido imprime à legislação invocada uma restrição que nela pode nem deve ser admitida face à clareza do artigo ;
b) Não pode ser dito que o arrendamento é um exclusivo dos funcionários do administração pública uma vez que o Regime de Previdência dos Trabalhadores dos Serviços Públicos é comum a todos os trabalhadores admitidos ao regime, onde se incluem os contratos mediante contrato individual de trabalho;
c) Também nela corresponde à verdade que os únicos arrendatários de moradias da Região sejam os funcionários da administração integrados no Decreto-Lei n.º 31/96/M, uma vez que existe legislação que permite que outras categorias de trabalhadores acedam ao mesmo direito a alojamento em igualdade de circunstancias, encontrando-se entre elos as situações decorrentes do Decreto-Lei n.º 71/92/M, que em matéria de atribuição de alojamento o recrutados ao exterior (…) é em tudo idêntico ao que resulta do diploma aplicável aos funcionários públicos. com algumas especificidades como, por exemplo, a atribuição da moradia se efectuar por despacho em vez de celebração de um contrato de arrendamento ou o facto de lia legislação aplicável aos funcionários públicos se referir ao pagamento de uma renda enquanto nos recrutados ao exterior se menciona uma contraprestação.
d) Pelo que todos os funcionários públicos e os trabalhadores recrutados ao exterior são arrendatários de moradias da RAEM; e
e) Por fim, reúne o recorrente os 2 requisitos exigidos pelo Regime de Previdência para invocar a manutenção do direito ao arrendamento, isto é, a sua inscrição no Regime foi cancelada ao abrigo da alínea 1) do n.º 1 do artigo 13º (completou 65 anos de idade) e tem um tempo de contribuição superior a 15 anos.
2. Até à entrada em vigor da Lei n.º 8/2006, que estabeleceu o "Regime de Previdência dos Trabalhadores dos Serviços Públicos", vigorava em Macau apenas o Regime de Aposentação e Sobrevivência, previsto nos artigos 258.º e ss. do ETAPM, que se aplicava a funcionários e agentes que satisfizessem os descontos legais. Ou seja, tinham direito a aposentação os trabalhadores providos por nomeação definitiva ou em comissão de serviço (funcionários) e os trabalhadores providos por nomeação provisória ou em regime de contrato além do quadro (agentes), sendo que a inscrição no Fundo de Pensões de Macau estava condicionada à possibilidade de um mínimo de 15 anos de serviço e era obrigatória para uns e facultativa para outros. (cfr. art. 2.º e 259.º do ETAPM). Quem se aposentasse ao abrigo desse regime, para além do direito a uma pensão, mantinha alguns direitos de que era titular como trabalhador da Administração, como o acesso aos cuidados de saúde (alínea c) do n.º 1 e n.º 3 do art. 147º do ETAPM) e a manutenção do contrato de arrendamento nas moradias da RAEM que lhes estivessem atribuídas, sem necessidade de o requerer. (n.º 2 do art. 20º do Decreto-Lei n.º 31/96/M, de 17 de Junho).
A Lei n.º 8/2006 veio instituir um novo regime e alargar o âmbito de destinatários, ao possibilitar igualmente a inscrição de trabalhadores em contrato de assalariamento e individual de trabalho c conferiu a possibilidade dos trabalhadores inscritos no regime de aposentação e sobrevivência poderem requerer a mudança para este regime, no qual se prevê, como direito fundamental, o estipulado no artigo 14.º e filais alguns direitos especiais, para os contribuintes que reúnam as condições para tal, como o direito a acesso a cuidados de saúde e o direito a arrendamento.
Defende o recorrente que estes direitos especiais se mantém para qualquer contribuinte do regime, lias situações previstas no n.º 1 do artigo 19º e, concretamente, quando a inscrição tenha sido cancelada por ter completado 65 anos de idade, desde que o tempo de contribuição não seja inferior a 15 anos.
Estipula o n.º 1 do artigo 20.º que "o contribuinte que à data do cancelamento da inscrição seja arrendatário de moradia da RAEM ou de outra entidade público e cuja inscrição tenha sido cancelada por um dos motivos referidos no n.º 1 do artigo anterior, pode manter o direito a arrendamento daquela moradia."
Da formulação do citado artigo e das objecções que o recorrente aponta ao acto recorrido torna-se evidente que a razão da divergência se prende com o termo "arrendatário", uma vez que não se contesta que o recorrente é contribuinte que aderiu ao regime de previdência, que a sua inscrição foi cancelada por ler atingido 65 anos e que tem uni tempo de contribuição não inferior a 15 anos.
Ou seja, a manutenção do direito ao arrendamento pretendido pelo recorrente está naturalmente dependente da verificado dos requisitos previstos no citado artigo 20º, como sejam, por força da remissão para o n.º 1 do artigo anterior, um tempo de contribuição não inferior a 15 anos para aqueles cuja inscrição seja cancelada por atingir 65 anos de idade (requisito n.º 1) c ser o contribuinte arrendatário de moradia da RAEM (requisito n.º 2).
Ora se o primeiro requisito se verifica na pessoa do recorrente, já o mesmo não se pode dizer relativamente ao segundo, uma vez que o recorrente não é arrendatário de moradia da RAEM.
Sendo vejamos,
O requerente foi recrutado ao exterior cm 1992 paro prestar serviço no Território de Macau, de acordo com o previsto no n.º 1 do artigo 69, (, do Estatuto Orgânico de Macau, rendo-lhe sido atribuída a moradia 15º C do Edifício ......, conjuntamente com os moveis e equipamentos que constituem o seu apetrechamento, mediante o despacho n.º 113/FIN/92 de 12 de Novembro, ao abrigo do artigo 21º do Decreto-Lei n.º 60/92/M, de 24 de Agosto. Tal artigo atribula direito a alojamento aos recrutados ao exterior, que podia ser definitivo em moradia do Administração ou uni subsídio para arrendamento e a um subsidio para equipamento, no caso de não ser atribuída moradia. e ainda alojamento provisório em unidade hoteleira.
Posteriormente, atendendo à alteração do seu agregado familiar. foi-lhe igualmente atribuída a moradia 15 “A” do mesmo Edifício, mediante o despacho n.º 68/M/FIN/96 de 5 de Dezembro, ao abrigo do disposto da afinca a) do artigo 28.º do Decreto-Lei n.º 71/92/M, tendo-lhe finalmente sido atribuída por transferência a moradia 7 "A/C" do mesmo edifício, onde ainda reside, pelo despacho n.º 13/M/FIN/2003, de 19 de Junho, conforme a alínea b) do artigo 28.º do mesmo Decreto-Lei, por se verificar impossibilidade de uso e fruição da anterior moradia atribuída.
O direito a alojamento do pessoal recrutado ao exterior veio a ser regulamentado pelo Decreto-Lei n.º 71/92/M de 21 de Setembro, onde se previu que a opção pela atribuição de moradia ou de subsidies compete à Administração (art. 5.º) e que o exercício do direito a alojamento definitivo pode consistir na atribuição de moradia, equipada ou não, o que implica o pagamento pelo trabalhador de unia contraprestação de valor equivalente ao da relida devida pelos trabalhadores do Administração Pública de Macau. (artigo 9.º). Previu-se também que o trabalhador devia devolver a moradia até à data da cessação de funções (n.º 6 do artigo 19.º)
É pois evidente, de acordo com o n.º 6 do artigo 19º, que um trabalhador recrutado ao exterior deve devolver a moradia até à data da cessação de funções. A referida legislação, muito embora não tenha sido adoptada como lei da RAEM, as práticas dela decorrentes mantém-se, nos termos consignados na Lei n.º 1/1999, de 20.12 (Lei da Reunificação), número 2 do Anexo II. Tal disposição é perfeitamente consentânea com o facto de o direito a alojamento previstos para os recrutados aos exterior ser entendido como um direito contratual e a moradia a atribuir no âmbito dessa contratação revestir a modalidade de casa função, perdendo os trabalhadores o direito a alojamento em moradia da RAEM, no caso de alteração dos direitos contratuais ou no caso de cessação definitiva de funções, situações em que o trabalhador tem de devolver a moradia à DSF até ao último dia da vigência do contrato, por força do qual lhe é conferido o direito a alojamento.
Vem agora o requerente invocar a Lei n.º 8/2006, que estabeleceu o Regime de Previdência dos Trabalhadores dos Serviços Públicos, no qual se inscreveu, e concretamente o previsto no artigo 20º como fundamento do pedido para manter o direito ao arrendamento no apartamento em que reside, a partir de 30 de Novembro de 2013, data em que cessou funções por ter completado 65 anos de idade.
O requerente, que é recrutado ao exterior, pretende fazer-se valer de uma disposição vigente no Regime de Previdência que entrou em vigor em 2006, para se manter numa moradia que lhe foi atribuída ao abrigo de outra legislação, clara quanto à obrigação de devolução da moradia aquando da cessação de funções. Ora a razão de ser do n.º 1 do artigo 20º da lei invocada pelo requerente foi permitir que os funcionários da Administração Pública arrendatários de moradias da RAEM atribuídas ao abrigo do Decreto-Lei n.º 31/96/M e que transitem para o Regime de Previdência, ao abrigo do n.º 1 do artigo 26º, possam manter o direito ao arrendamento uma vez cancelada a inscrição neste regime, tal como manteriam se se aposentassem ao abrigo do Regime de Aposentação e Sobrevivência. Esses é que são os "arrendatários de moradias da RAEM" a que se refere o artigo. A não existir tal disposição, os funcionários que transitassem para o Regime de Previdência perderiam o direito a manter-se nas moradias após o cancelamento da inscrição, direito que teriam se se tivessem mantido no Regime de Aposentação e Sobrevivência, uma vez aposentados.
No caso da Lei n. o 8/2006 ser aplicada a recrutados ao exterior, cai-se inevitavelmente numa situação de injustiça e discriminação entre aqueles que beneficiaram de alojamento na modalidade de atribuição de moradia da RAEM e os que beneficiaram de alojamento na modalidade de subsídio para arrendamento, uma vez que estes últimos não foram incluídos na referida lei, que apenas se refere, expressamente, aos arrendatários de moradias da RAEM, situação de injustiça ainda mais gritante uma vez que a opção por atribuição de moradia ou de subsídio cabia à Administração de acordo com as disponibilidades habitacionais existentes, e eram duas modalidades do mesmo direito a alojamento dos recrutados ao exterior. Na primeira modalidade, os recrutados manteriam o direito ao arrendamento, na segunda modalidade, os recrutados perderiam o subsídio para arrendamento.
E por fim, como é sabido, os recrutados ao exterior não são arrendatários das moradias onde habitam. O Decreto-Lei n.º 71/92/M, de 21 de Setembro, que regula o alojamento do pessoal recrutado ao exterior, nunca se refere aos mesmos como arrendatários, mos como "titulares do direito a alojamento", isto porque a atribuição de moradia é feita por despacho, não existindo qualquer contrato de arrendamento. Do mesmo modo se refere a lei, no artigo 9º cuja epigrafe é "Contraprestação", à necessidade de "pagamento pelo trabalhador de uma contraprestação de valor equivalente ao da relida devida pelos trabalhadores da Administração Pública de Macau." Ou seja, equiparar-se este pagamento, que é devido pelo titular do direito a alojamento definitivo, a uma relida, mas não se lhe chama assim, unta vez que não se trata de um arrendamento, como os previstos no Decreto-Lei n.º 33/96/M, para os trabalhadores da Administração Pública. Aí sim, se fala em arrendamento na Secção III o qual é celebrado por escrito (artigo 19º), tem causas de caducidade (artigo 23°) e de resolução (artigo 24º) e implica o pagamento de uma renda (artigo 33º).
結論
CONCLUSÕES
a) 第二十條第一款規定 :“基於上條第一款所指任一原因註銷登記的供款人,如於註銷登記日仍租賃澳門特別行政區或其他公共實體的房屋,可保留其租賃有關房屋的權利。"
Estipula o n.º 1 do artigo 20º que "o contribuinte que à data do cancelamento da inscrição seja arrendatário de moradia da RAEM ali de outra entidade pública e cuja inscrição tenho sido cancelada por um dos motivos referidos no n.º 1 do artigo anterior, pode manter o direito a arrendamento daquela moradia.
b) 所以, 應核實申請人是否擁有這項條文所要求的兩個前提條件,即是基於第十九條第一款所指任一原因註銷登記,並且是澳門特別行政區房屋的租賃人:
Têm pois de verificar-se na pessoa do requerente os 2 pressupostos exigidos nessa disposição, isto é, a inscrição ler sido cancelada por um dos motivos referidos no n.º 1 do artigo 19º e ser o mesmo arrendatário de moradia da RAEM:
c) 如果肯定核實了第一前提條件,上訴人仍欠缺澳門特別行政區房屋租賃人的條件,因為外聘人員的“住宿權利”適用第71/92/M號法令,該法令第十九條第六款規定最遲於職務終止日退還房屋。
E se é certo que se verifica o primeiro, falta ao recorrente o condição de "arrendatário de moradia da RAEM", uma vez que é recrutado ao exterior e se lhe aplica, quanto ao direito o alojamento, o Decreto-Lei n.º 71/92/M onde se prevê. no n.º 6 do artigo 19º, a devolução da moradia até à data da cessação de funções.
d) 第二十條第一款適用於澳門特別行政區房屋的租賃人, 這即是說, 適用於根據第31/96/M號法令第三節“不動產租賃”的第十八條及其後條文獲分配房屋的所有人員;
O n.º 1 do artigo 20º aplica-se aos arrendatários de moradias do RAEM, ou seja, lodos aqueles a quem foram atribuídas moradias ao abrigo do Decreto-Lei n.º 31/96/11, como se constata nos artigos 18º e seguintes do Secção III, intitulada "arrendamento";
e) 這些人員是該規定的相對人,由於公積金制度不含有這項權利,所以,若在退休及撫恤制度登記的工業作人員轉入公積金制度,當取消登記時,會失去保留房屋的權利,即失去退休時根據第31/96/M號法令第二十條第二款規定無需申請保留的權利;
Esses são os destinatários da norma, uma vez que a não existir no Regime de Previdência esse direito, os trabalhadores inscritos no Regime de Aposentação e Sobrevivência que mudassem para ess3e regime perderiam o direito a manter-se nas moradias quando fosse cancelada a inscrição, direito que manteriam no caso de aposentação, sem necessidade de o requerer sequer, conforme o previsto no n.º 2 do artigo 20º do Decreto-Lei n.º 31/96/M;
f) 相反,外聘人員的住宿權利受第71/92/M號法令規範,該法令從未以租賃人述及外聘人員,但述及“住宿權利人”,並提及履行“對待給付”,而不是一項租金(詳第八條第二款和第九條)。
Pelo contrário, o direito a alojamento dos recrutados ao exterior é regulado no Decreto-Lei n.º 71/92/M, o qual nunca se refere aos mesmos com arrendatários, mas como “titulares do direito a alojamento”, bem como se refere ao pagamento de uma “contraprestação” e não de uma renda. (cfr. n.º 2 do artigo 8º e artigo 9º).
g)外聘人員適用第第8/2006號法律,則不可避免地按第71/92/M號法令第二條和第五條規定受惠以澳門特別行政區房屋分配方式住宿的人員和受惠以澳門特別行政區房屋租賃津貼方式住宿的人員之間陷入不公平和受歧視的情況,因為後者不列入第二十條第一款規定之內,而這項規定僅明確述及澳門特別行政區房屋的租賃人。
A aplicar-se a Lei n.º 8/2006 a recrutados ao exterior, cai-se inevitavelmente numa situação de injustiça e discriminação entre aqueles que, ao abrigo do previsto nos artigos 2º e 5º do Decreto-Lei n.º 71/92/M, beneficiaram de alojamento na modalidade de atribuição de moradia da RAEM e os que beneficiaram de alojamento na modalidade de subsídio para arrendamento, uma vez que estes últimos não foram incluídos no n.º 1 do artigo 20º que apenas se refere, expressamente, aos arrendatários de moradias da RAEM."
Mais se comunica a V. Ex.ª que, nos termos do disposto no parágrafo (2) da alínea 8) do artigo 36º da Lei n.º 9/1999, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 9/2004, e na alínea a) do n.º 2 do artigo 25.º do Código de Processo Administrativo e Contencioso, do acto administrativo em apreço cabe recurso contencioso a interpor, no prazo de 30 dias a contar da data da notificação, junto do Tribunal de Segunda Instância da Região Administrativa Especial de Macau.
Com os melhores cumprimentos,
Direcção dos Serviços de Finanças, na RAEM, aos 09 de Abril de 2014.
P'la Directora dos Serviços,
A Coordenadora do NAJ,
ZZZ”
IV – FUNDAMENTOS
1. Objecto do recurso
O que está em causa é saber se o recorrente está abrangido pelo regime previsto para os funcionários arrendatários de moradias da RAEM, de modo a que, enquanto sujeito ao regime de contrato individual recrutado ao Exterior, tendo cessado funções por limite de idade, tem ou não direito a manter a moradia que lhe estava atribuída, no regime de arrendamento de moradias da RAEM.
2. Procura o recorrente prevalecer-se, em abono da sua tese e pretensão, do disposto no artigo 20º da Lei n.º 8/2006 que estabelece:
“(Direito ao arrendamento) 1. O contribuinte que à data do cancelamento da inscrição seja arrendatário de moradia da RAEM ou de outras entidades públicas e cuja inscrição tenha sido cancelada por um dos motivos referidos no n.º 1 do artigo anterior, pode manter o direito ao arrendamento daquela moradia.
2. A renda tem como base de cálculo a retribuição mensal auferida pelo contribuinte no dia anterior à data do cancelamento da inscrição.
3. Salvo disposição em contrário, o contribuinte paga a renda à Direcção dos Serviços de Finanças ou a outras entidades públicas, consoante se trate de arrendatário de moradia da RAEM ou daquelas entidades públicas.
4. À matéria constante no presente artigo é aplicável, com as necessárias adaptações, a legislação relativa ao arrendamento de moradias da RAEM ou de outras entidades públicas.”
3. A questão é muito simples e reconduz-se a saber se o recorrente preenche o requisito previsto na primeira parte do n.º 1 do artigo citado, ou seja, se é arrendatário de moradia da RAEM, já que em relação aos restantes requisitos não se levanta qualquer obstáculo; na verdade, o recorrente foi contribuinte do Regime da Previdência do Fundo de Pensões e viu cancelada a sua inscrição por ter atingido 65 anos com um mínimo de descontos de 15 anos para aquele Fundo.
A nossa resposta é claramente a de que o recorrente não possui aquela categoria.
4. Vejamos porquê.
Enquanto médico especializado recrutado a Portugal, de acordo com o previsto no n.º 1 do Estatuto Orgânico de Macau, ao recorrente foi-lhe atribuída uma moradia, ao abrigo do artigo 21º do Dec.-Lei n.º 60/92/M, de 24 de Agosto, por despacho n.º 113/FIN/92, de 12 de Novembro, diploma este que, embora não tenha sido adoptado pela legislação da RAEM, as questões nele reguladas são tratadas de acordo com os princípios contidos na Lei Básica da RAEM, tendo por referência as práticas anteriores, face ao disposto no art. 3º, n.º 3, da Lei n.º 1/1999.
Serve esse diploma, sempre, para enquadrar o regime jurídico do gozo da moradia de que o recorrente beneficiava.
Aí se previa que o direito a alojamento do pessoal recrutado ao exterior compreendia a atribuição de moradia ou de subsídio para arrendamento (cfr. artigos 2.°, 15.° e 21.° do DL n.º 71/92/M), constituindo essas possibilidades duas modalidades do mesmo direito e cuja opção competia à Administração (art. 5.°), sendo que o trabalhador deveria devolver a moradia até à data da cessação de funções (artigo 19.° n.º 6).
5. Interessará lançar um olhar sobre o art. 21º do referido DL 60/92, para se atentar no regime a que correspondia a atribuição da moradia aos recrutados ao exterior:
“1. Ao pessoal recrutado no exterior é atribuído direito a alojamento, a expensas do Território, em função do seu agregado familiar.
2. O direito, referido no número anterior, é exercido consoante as disponibilidades habitacionais da Administração e compreende:
a) Alojamento definitivo em moradia, equipada ou não;
b) A atribuição de um subsídio para arrendamento e de um subsídio para equipamento, no caso de não ser atribuída moradia;
c) Alojamento provisório em unidade hoteleira.
3. Caso seja atribuída moradia não equipada, o trabalhador tem direito a subsídio de equipamento.
4. A tipologia das moradias e os montantes dos subsídios são fixados por despacho do Governador.
5. O exercício do direito definido na alínea a) do n.º 2 implica o pagamento pelo trabalhador de uma contraprestação de valor equivalente ao da renda devida pelos trabalhadores da Administração Pública de Macau.
6. Até à cessação de funções, o trabalhador a quem foi atribuída moradia a expensas do Território, deve fazer formalmente a entrega da mesma e do respectivo recheio, no caso de moradia equipada, e satisfazer todos os encargos da sua responsabilidade.
7. Aquando da cessação de funções, o trabalhador e seu agregado familiar podem ser alojados em unidade hoteleira indicada pelos Serviços competentes, a expensas do Território.
8. O disposto nos números anteriores é regulamentado em diploma autónomo.”
Daqui resulta, com muita evidência, que este direito, ao alojamento se configura como um direito a uma casa de função que seria substituída pela atribuição de um subsídio para arrendamento quando o Território não tivesse disponibilidade para tal. Não se concretizava num contrato de arrendamento, perdendo, desde logo a sua característica de autonomia e de liberdade, apanágio contratual, essa faculdade/direito deixava de estar na disponibilidade do recrutado, que não podia optar, sendo as condições e categoria da habitação superior e unilateralmente fixadas.
Inseria-se o direito ao alojamento, diferente de um direito a arrendamento, num determinado regime institucional, a par de outros, donde se alcança a sua particularidade, como sejam os direitos especiais de subsídios, aquando da suspensão e cessação de funções, transporte, transporte de veículos e de bens, acidentes e doenças profissionais, adiantamento de vencimento, ajudas de custo de embarque, trasladação de restos mortais, tudo demonstrativo de um regime próprio e específico que se apartava do regime geral concernente aos demais trabalhadores da função pública.
6. Esse direito ao alojamento era objecto de uma regulamentação autónoma: o Decreto-Lei n.º 71/92/M, de 21 de Setembro, que regulamentava o direito de alojamento do pessoal recrutado no exterior, o Despacho n.º 98/GM/92, de 18 de Setembro, publicado no B.O. n.º 38, Suplemento, de 21 de Setembro de 1992, que determina os subsídios a atribuir em alternativa ao direito a moradia e a equipamento, e o Despacho n.º 16/GM/94, de 19 de Março, publicado no B.O. n.º 13, I Série, de 28 de Março, que revê os critérios de atribuição de moradias ao pessoal recrutado no exterior e clarifica alguns aspectos relativos ao respectivo apetrechamento.
Daquele DL 71/92/M resulta muito claramente a unilateralidade dessa atribuição de moradia que não se reconduz a um qualquer arrendamento.
Assim, exercício do direito a alojamento definitivo implicava o pagamento pelo trabalhador de uma contraprestação de valor equivalente ao da renda devida pelos trabalhadores da Administração Pública de Macau (art. 9º, n.º 1); vinca-se muito expressivamente a ideia de atribuição de alojamento (art. 1º , 3º e 4º); um processo próprio de atribuição, elaboração de listas e titularidade de exercício que não se reconduz a um regime próprio do arrendamento (art. 3º, 7º e 8º); um auto de recepção e entrega de moradia (art. 17º); a possibilidade de a RAEM não ser senhoria e ela própria tomar de arrendamento para instalar o recrutado; critérios de atribuição e tipologias de acordo com o agregado familiar; prazos especiais de entrega e devolução da moradia; enfim, todo um regime próprio, específico, que se distingue do regime arrendatício, não se falando sequer de renda, mas sim de uma contraprestação determinada em função do regime estabelecido para o regime de arrendamento, de valor equivalente ao da renda devida pelos trabalhadores da Administração Pública de Macau, tal como acima já enfatizado.
Aliás, o Despacho n.º 98/GM/92, determina os subsídios a atribuir em alternativa ao direito a moradia e a equipamento, para esta categoria de pessoal, em termos que não se reconduzem ao regime geral da Função Pública de Macau.
7. Ao invés, a legislação que regula o alojamento dos trabalhadores da Administração Pública de Macau data de 1980. Aquando da vinda do recorrente a Macau, o arrendamento de moradias da RAEM era regulado por legislação própria, o Decreto-Lei n.º 46/80/M, de 27 de Dezembro, revogado, entretanto, pelo Decreto-Lei n.º 31/96/M, de 17 de Junho, aí se estabelecendo muito claramente a diferença de regime entre os trabalhadores locais e os recrutados ao exterior.
O artigo 1º estabelecia:
“1. O presente diploma regula a atribuição de alojamento em moradias que sejam propriedade do Território.
2. A atribuição de alojamento a pessoal recrutado no exterior e a magistrados é regulada em legislação própria.”
Segundo o artigo 18.º, “A utilização das moradias atribuídas obedece ao regime do arrendamento, com as especialidades constantes do presente diploma.”, sendo o arrendamento celebrado por contrato escrito, em documento avulso, não estando sujeito a visto do Tribunal de Contas nem à cobrança de emolumentos. (art. 19º, n.º 1), tem causas de caducidade próprias (artigo 23.°), de resolução (artigo 24.°) e implica o pagamento de uma renda (artigo 33.°), falando a lei aqui em renda e já não em contraprestação.
A inclusão dos magistrados neste regime, sem distinguir entre os locais e recrutados, evidencia bem a natureza especial do regime, procurando o legislador, no fundo, à semelhança do que acontece noutras latitudes, garantir a um corpo de funcionários a moradia, supostamente, com padrões mínimos de adequação ao respectivo estatuto, seja pela mobilidade a que estão sujeitos, como acontecia e acontece em Portugal, seja, pela carestia e instabilidade do mercado como acontecia e acontece em Hong Kong e já se adivinhava em Macau.
Só que aquilo que é suposto ser um benefício, logo se torna em desvantagem.
A diferença entre um e outro regime mostra-se, pois, evidente e claríssima aos nossos olhos.
O recorrente detinha uma casa que lhe estava atribuída em função de um determinado estatuto e não confundível com o regime do arrendamento das casas do pessoal local, moradias destinadas a funcionários de carreira inserida no nível 8 ou superior e moradias destinadas aos restantes funcionários (artigo 3º).
É interessante atentar num detalhe que nos interessa particularmente. Enquanto no diploma dos recrutados estes tinham que entregar a casa aquando da cessação de funções, aqui, neste regime, nos termos do artigo 20º os funcionários desligados do serviço para efeitos de aposentação e os que se aposentem mantêm o arrendamento sem necessidade de requerimento.
Perante estas evidências, não se pode esgrimir contra aquilo que se mostra claríssimo: a titularidade dos recrutados ao exterior sobre as casas que lhes foram atribuídas, sujeitos a um contrato individual de trabalho, não lhes confere a posição de arrendatários.
Posto isto, é apodítico que a previsão inserta no artigo 20º, n.º 1 da Lei n.º 8/2006 não abrange a situação do recorrente que não era arrendatário de moradia da RAEM.
8. Sintetizando,
O recorrente é recrutado ao exterior e pretende fazer-se valer de uma disposição vigente no Regime de Previdência, que entrou em vigor em 2006, para se manter numa moradia que lhe foi atribuída ao abrigo de outra legislação, clara quanto à obrigação de devolução da moradia aquando da cessação de funções.
Depois, como já se frisou, os recrutados ao exterior não são arrendatários das moradias onde habitam, bastando ver para tal que o Decreto-Lei n.º 71/92/M nunca se refere aos mesmos como arrendatários, mas como "titulares do direito a alojamento" (n.º 2 do artigo 8.°), isto, porque a atribuição de moradia é feita por despacho, não existindo qualquer contrato de arrendamento (artigo 16.°) e chamando-se aí "Contraprestação" (artigo 9.°) ao valor que é devido pelos trabalhadores para o exercício do direito a alojamento, e não “renda”, uma vez que não estamos perante um arrendamento.
Diferentemente, é no Decreto-Lei n.º 31/96/M, que regula a atribuição de alojamento aos trabalhadores da Administração Pública de Macau, que se estipula que a atribuição de alojamento a pessoal recrutado ao exterior é regulada em legislação própria (n.º 2 do artigo 1.º) - aí se fala em "Arrendamento" (Secção III), o qual é celebrado por escrito (artigo 19.°), tem causas de caducidade (artigo 23.°) e de resolução (artigo 24.°) e implica o pagamento de uma renda (artigo 33.°).
9. Aduz ainda a entidade recorrida argumento que não é de todo despiciendo.
Com efeito, a manter-se o direito ao arrendamento nos moldes pretendidos pelo recorrente, cair-se-ia inevitavelmente numa situação de desigualdade entre aqueles que beneficiaram de alojamento na modalidade de atribuição de moradia da RAEM e os que beneficiaram de alojamento na modalidade de subsídio para arrendamento, uma vez que estes últimos não foram incluídos na referida lei, que apenas se refere, expressamente, aos arrendatários de moradias da RAEM.
Tanto mais que a opção por atribuição de moradia ou de subsídio cabia à Administração, de acordo com as disponibilidades habitacionais existentes e eram duas as modalidades do mesmo direito a alojamento dos recrutados ao exterior. (cfr. n.º 2 do artigo 21.° do Decreto-Lei n.º 60/92/M e artigo 5.° do Decreto-Lei n.º 71/92/M).
Nesta conformidade, não se vê como se possa dar razão ao recorrente, sendo que as razões da lei nem sempre serão as da justiça, subjectivamente considerada, que, no caso, na perspectiva particular do interessado, reclamaria por um tratamento, em nome dos anos e de uma vida de serviço público prestado e das sucessivas renovações do contrato, um tratamento similar a quem, também funcionário ou agente, aparentemente nas mesmas condições, beneficia de um regime próprio e diferente, qual seja o do arrendamento de moradias da RAEM.
V - DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao presente recurso contencioso.
Custas pelo recorrente, com 6 UC de taxa de justiça.
Macau, 23 de Abril de 2015
João A. G. Gil de Oliveira
(Relator)
Ho Wai Neng
(Primeiro Juiz-Adjunto)
José Cândido de Pinho
(Segundo Juiz-Adjunto)
Fui presente Mai Man Ieng
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