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Processo nº 180/2015
Data do Acórdão: 30ABR2015


Assuntos:

Marca
Sigla
Capacidade distintiva


SUMÁRIO

Se a expressão Ffff Aaaaaa Baccarat não é susceptível de registo por conter indicações que possam servir para designar o determinado tipo de jogo, o sinal nominativo FAB, embora consistente na sigla de Ffff Aaaaaa Baccarat, não é conotada pelo cidadão comum como uma expressão respeitante à designação indicativa da espécie e qualidade dos produtos e serviços a que se destina. Portanto o sinal FAB tem capacidade distintiva de produtos e serviços a que se destina individualizar e é susceptível de protecção, face ao disposto no artº 199º/1-b) do RJPI.


O relator


Lai Kin Hong

Processo nº 180/2015


Acordam em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I

No âmbito dos autos do recurso jurisdicional na matéria de propriedade industrial, registado sob o nº CV3-14-0014-CRJ, do 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base, foi proferida a seguinte sentença:
I - RELATÓRIO
  LLL VVVVV SSSSS CORP. ("LVS"), sociedade comercial com sede em xxxx ......, ......, ...... xxxxx, USA,
  inconformada com a decisão da Direcção dos Serviços de Economia que indeferiu o registo da marca N/XXXXX, vem, ao abrigo do art°275°, dela interpor recurso.
  Apresenta as seguintes conclusões:
a) A marca a que se reporta o pedido de registo N/XXXXX é uma nominativa, composta por uma sigla, FAB.
b) A decisão recorrida aponta à marca FAB falta de distintividade, porque corresponde a um tipo de jogo, caindo na alçada das alíneas b) e c) do n.º1 do artigo 199.° do RJPI.
c) A marca é registável quando possua um mínimo de capacidade distintiva.
d) O FFFF AAAAAA BACCARAT corresponde a uma marca sugestiva, com a qual das características de um jogo por si desenvolvido e exclusivamente por si oferecido ao público.
e) As marcas sugestivas são, a par das marcas de fantasia e das marcas arbitrárias, registáveis.
f) FAB é uma sigla que o público não associa, de forma imediata, a FFFF AAAAAA BACCARAT, não podendo, sequer, ser considerada marca sugestiva.
g) FAB não corresponde a um termo usual, tanto mais que só a Recorrente o usa.
h) Ao considerar que a marca N/XXXXX é composta exclusivamente por termos usuais e correntes, o despacho recorrido procede a uma errada aplicação da norma contida nas alíneas b) e c) do n.º1 do artigo 199.° do RJPI.
  Foi citada a Direcção dos Serviços de Economia nos termos do art°278° do RJPI e na sequência do qual pugnou pela legalidade da respectiva decisão.
  Cumprido o disposto no art°279 nº1 do RJPI, a Gggggg (...) pugnou pela legalidade da decisão.
II - SANEAMENTO
  O recurso é tempestivo e legal.
  O Tribunal é competente em razão da matéria, territorial e hierarquia.
  O processo é o próprio.
  As partes têm legitimidade e dotados de capacidade.
  Não existem excepções ou questões prévias que obstam ao conhecimento do mérito da causa.
III - MOTIVAÇÃO
A. DE FACTO
  - A ora Recorrente requereu em 31 de Outubro 2012, junto da Direcção dos Serviços de Economia, o registo da marca N/XXXXX, consistindo tal marca no seguinte FAB.
  -FAB, de forma abreviada, quer significar "Ffff Aaaaaa Baccarat" .
  - O referido pedido foi feito para os serviços de casino e jogos a dinheiro,
  incluídos na classe 41ª.
  - A DSE recusou o referido pedido de registo de marca, o que fez com fundamento nas al.b) e c) do artº199, conjugado com a al.a) do nºl do art°9, ex vi al.a) do art°214, todos do Regime Jurídico da Propriedade Industrial.
B. DE DIREITO
  A questão a decidir reconduz-se a saber se ocorre motivo de recusa de registo da Marca supra referida.
  Louva-se a DSE no disposto nas al.b) e c) do art°199, conjugado com a al.a) do nºl do art°9, ex vi al.a) do art°214, todos do Regime Jurídico da Propriedade Industrial, para fundar a sua decisão de recusa do registo da marca supra descrita.
  Vejamos então.
  Nas palavras de Coutinho de Abreu "as marcas são signos (ou sinais) susceptíveis de representação gráfica destinados sobretudo a distinguir certos produtos de outros produtos idênticos ou afins" - Cfr. A. cit. in Curso de Direito Comercial, VI., 4a ed., pag.348
  Esta noção reconduz-se, ao fim ao resto, à noção de marca que se pode retirar do enunciado art°197 do RJPI.
  Dispõe este preceito que "só podem ser objecto de registo ao abrigo do presente diploma, mediante um título de marca, o sinal ou conjunto de sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou a respectiva embalagem, que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas”.

  Emerge destes enunciados, doutrinário e legal, pois, que a marca deve, sendo a "pedra de toque" da mesma, por definição e no cumprimento do seu escopo, ter relevantes capacidades distintivas, deve ser idónea, per si, de individualizar uma espécie de produtos ou serviços.
  Note-se que essa capacidade distintiva deve ser perscrutada também na relação da composição da marca com os produtos ou serviços que visam identificar, no caso referentes a serviços de casino e jogos a dinheiro incluídos na classe 41a.
  Por se exigir a dita capacidade distintiva, nega-se o registo às situações contempladas no nºl al. a) a d) do art°199 RJPI, e para o que releva e a benefício da decisão, "os sinais (....) que se tenham tornado usuais na linguagem corrente (....)"(al.c).
  Nas palavras de Américo Carvalho, “pretende-se com esta disposição que não seja atribuído o exclusivo a alguém, de sinais ou denominações, cuja livre disponibilidade é necessário para que os empresários actuem eficientemente no mercado”.
  Adianta ainda.
  "Na verdade, os sinais que se tenham tornado correntes na linguagem ou nos hábitos leais e constantes, não diferem das marcas compostas exclusivamente por sinais que possam servir no comércio para designar a espécie, a qualidade do produto. Estes sinais têm de ser acessíveis a todos os comerciantes e dos quais nenhum pode ter o exclusivo" - Cfr. Autor cit., in Direito de Marcas, pág.253 e 254.
  No caso vertente, confirmando-se o que efectivamente se refere na decisão recorrida, diremos que os sinais em crise, correspondem efectivamente a um tipo de jogo de casino, Baccarat, expressão esta que, como é dado de conhecimento generalizado, é usada na linguagem corrente para identificar um jogo dos mais conhecidos, dos mais populares.
  Nessa medida não é a marca susceptível de registo nos termos do predito preceito e tendo por referência também os serviços a que se destina.
  Doutra forma estar-se-ia a inibir que outras concessionárias de jogo identificassem um jogo que exploram com o nome que se tornou usual. A marca confundir-sé-ia com o próprio jogo, com o próprio serviço que visava proteger.
  Argumentar-se-á que, nos termos do artº214 nº3 do RJPI, o facto de a marca ser constituída, para além da inicial corresponde ao jogo referido, por outras duas correspondentes às expressões "Ffff Aaaaaa" não constituem fundamento de recusa do registo desde que tenham adquirido carácter distintivo.
  Díremos ainda: "... o registo (de sinais ou figuras comummente utilizados no mercado) deve ser negado apenas quando os sinais ou indicações de que a marca for exclusivamente composta se tiverem efectivamente tornado usuais na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio em relação aos produtos ou aos serviços para que tiver sido requerido o registo da referida marca, podendo ser concedido se não existir essa relação (...) ou se a marca incluir outros elementos que lhe forneçam suficiente capacidade distintiva” - Cfr. Código de Propriedade Industrial Anotado, coordenação de António Campinos e Luís Couto Gonçalves, 2010, pág.437.
  Pela nossa parte, na procura da melhor solução, diremos que a marca em causa, ainda que composto por mais duas letras para além da inicial de Baccarat, utilizando-se como critério a bitola a visão do jogador comum dos casinos, não tem aquela virtualidade ou capacidade distintiva.
  Como refere a DSE, o consumidor presumirá apenas que se trata de uma versão do jogo mais rápida, não a diferenciando de qualquer outro da mesma natureza.
  A entender-se o contrário, como já se referiu, estar-se-ia a conceder o monopólio do uso da marca identificativa de um jogo que é "de uso generalizado" por todos as operadoras e que por nenhuma delas pode ser apropriado em termos de exclusividade.
  Destarte, não procedendo as doutas e hábeis razões que motivam o recurso, resta confirmar a decisão recorrida.
IV -DECISÃO
  Pelo exposto, decide-se julgar improcedente o recurso interposto pela LLL VVVVV SSSSS CORP. ("LVS"), mantendo-se a decisão recorrida.
  Custas a cargo da recorrente.
  Registe e notifique.
Oportunamente cumpra o disposto no art. 283º do RJPI.

Não se conformando com o decidido, veio a Requerente LLL VVVVV SSSSS Corp. recorrer da mesma concluindo e pedindo que:
a. A marca a que se reporta o pedido de registo N/XXXXX é uma marca nominativa, composta por uma sigla, FAB.
b. A decisão recorrida aponta à marca FAB falta de distintividade, porque corresponde a um tipo de jogo, caindo na alçada das alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 199.º do RJPI.
c. A marca é registável quando possua um mínimo de capacidade distintiva.
d. O FFFF AAAAAA BACCARAT corresponde a uma marca sugestiva, com a qual a Recorrente pretende fazer alusão a uma das características de um jogo por si desenvolvido e exclusivamente por si oferecido ao público.
e. As marcas sugestivas são, a par das marcas de fantasia e das marcas arbitrárias, registáveis.
f. FAB é uma sigla que o público não associa, de forma imediata, a FFFF AAAAAA BACCARAT, não podendo, sequer, ser considerada marca sugestiva.
g. FAB não corresponde a um termo usual, tanto mais que só a Recorrente o usa.
h. Ao considerar que a marca N/XXXXX é composta exclusivamente por termos descritivos, usuais e correntes, a sentença recorrida violou as normas ínsitas no artigo 197.º e nas alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo 199.º do RJPI.

Notificada a recorrente da 1ª instância, a DSE respondeu pugnando pela improcedência do recurso.

II

Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.

Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, ex vi do disposto no artº 282º do RJPI, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.

De acordo com o alegado nas conclusões dos recursos, as questões levantadas que delimitam o thema decidendum na presente lide recursória podem ser reduzidas à questão de saber se a marca registanda tem capacidade distintiva de produtos e serviços a que se destina individualizar, susceptível de protecção, face ao disposto no artº 199º/1-b) do RJPI.

Assim, passemos a debruçar-nos sobre essa única questão levantada.

A propósito de constituição da marca, o Prof. Ferrer Correia ensina que “Os interessados gozam de grande liberdade na escolha dos sinais distintivos que hão de constituir a marca. Prevalece aqui em grande escala a imaginação e a fantasia. A marca pode ser constituída por um sinal ou conjunto de sinais nominativos (marca nominativa), figurativos ou emblemáticos (marca figurativa ou emblemática), ou por uma e outra coisa conjuntamente (marca mista ……)” – in Lições de Direito Comercial, Vol. I, 321 a 322.

In casu, a marca registanda FAB consiste num sinal nominativo.

Quid juris?

Se é verdade que, tal como ensina o Prof. Ferrer Correia, os interessados gozam de grande liberdade na escolha dos sinais distintivos que hão-de constituir a marca, a liberdade de composição da marca não é, todavia, ilimitada.

Pois a lei estabelece, a este respeito, várias restrições.

Da leitura da sentença ora recorrida resulta que o fundamento legal para a recusa do registo da marca registanda é o disposto no artº 199º/1-b), ou seja, a marca registanda, na óptica do Exmº Juiz a quo, corresponde efectivamente a um tipo de jogo de casino, Baccarat, expressão esta que, como é dado de conhecimento generalizado, é usada na linguagem corrente para identificar um jogo dos mais conhecidos, dos mais populares. E mesmo se argumentasse que, nos termos do artº 214 nº 3 do RJPI, o facto de a marca ser constituída, para além de a inicial corresponder ao jogo referido, por outras duas correspondentes às expressões "Ffff Aaaaaa", o registo da marca registanda deveria ser negado com fundamento de que os sinais ou indicações de que a marca for exclusivamente composta já se tornaram efectivamente usuais na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio em relação aos produtos ou aos serviços para que tiver sido requerido o registo da referida marca.

Então vejamos.

Antes de mais, é de frisar que concordamos inteiramente com as afirmações doutrinárias feitas pelo Exmº Colega da primeira instância.

Resta saber se as mesmas são pertinentes ao caso em apreço.

A marca registanda consiste num sinal nominativo FAB.

Ao contrário do que entende o Exmº Juiz a quo, a expressão FAB em si, por ausência de significado próprio, não tem a virtualidade de sugerir seja o que for sobre a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica ou a época de produção do produto ou da prestação de serviço, ou outras características dos mesmos.

Só com as explicações pela própria requerente, ora recorrente, nós ficamos a saber que afinal, a expressão FAB é uma sigla proveniente das iniciais do nome, expresso na inglesa, que é Ffff Aaaaaa Baccarat que a requerente criou para designar o tipo de jogo a que se destina a marca registanda.

Na verdade, se não tivesse sido dito pela própria requerente como é que foi concebida a tal expressão FAB, nós, tal como as pessoas em geral, não poderíamos associar, de imediata, a Ffff Aaaaaa Baccarat.


Pois uma coisa é a expressão Ffff Aaaaaa Baccarat, outra coisa é o sinal FAB.

Se a expressão Ffff Aaaaaa Baccarat não é susceptível de registo por conter indicações que possam servir para designar aquele tipo de jogo, esse sinal FAB, embora consistente na sigla de Ffff Aaaaaa Baccarat, não é conotada pelo cidadão comum como uma expressão respeitante à designação indicativa da espécie e qualidade dos produtos e serviços a que se destina.

Portanto, para além de não conter em si indicações que possam servir no comércio para designar a espécie e a qualidade de produtos/serviços a que se destina, a marca registanda FAB, constituída por letras latinas, satisfaz os requisitos linguísticos prescritos no artº 198º do RJPI.

Pelo exposto, não se deve manter a sentença recorrida e deve conceder o registo requerido pela ora recorrente.

Tudo visto, resta decidir.


III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam julgar procedente o recurso interposto, revogando a decisão recorrida e determinando que se conceda o registo da marca nominativa N/XXXXX a favor da recorrente, para assinalar serviços incluídos na classe 41ª.

Custas pela recorrida Gggggg Entertainment Licensing Limited.

Notifique.

RAEM 30ABR2015

(Relator) Lai Kin Hong

(Primeiro Juiz-Adjunto) João A. G. Gil de Oliveira

(Segundo Juiz-Adjunto) Ho Wai Neng