Processo n.º 664/2014 Data do acórdão: 2015-5-28 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– confissão integral e sem reservas dos factos
– referência ao registo criminal do arguido
– art.º 355.º, n.º 2, do Código de Processo Penal
– fundamentação probatória dos factos provados
– art.o 360.o, n.o 1, alínea a), do Código de Processo Penal
– art.o 356.o, n.o 1, do Código de Processo Penal
– não suspensão da execução da pena de prisão
S U M Á R I O
1. Como o arguido já confessou integralmente e sem reservas, na audiência de julgamento do tribunal a quo, os factos imputados no libelo acusatório, e para além desses factos, esse tribunal já deu também por provado o declarado pelo próprio arguido acerca da sua situação pessoal, familiar e económica, e referenciou, por fim, também na fundamentação da sentença condenatória, os dados constantes do registo criminal do arguido, este não pode vir preconizar na motivação do recurso da sentença a tese de que, ao arrepio do art.º 355.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, a fundamentação probatória dos factos provados tecida na sentença não é concreta nem suficiente, nem dá para ele aquilatar se esse tribunal terá seguido um processo lógico e racional na apreciação da prova. Não pode, pois, haver alguma nulidade da sentença a que alude o art.o 360.o, n.o 1, alínea a), do Código de Processo Penal.
2. Como o tribunal a quo já deu a conhecer as razões concretas da não opção pela pena de multa, da graduação da pena de prisão e também da não suspensão da execução da prisão, não pode ter violado o art.o 356.o, n.o 1, do Código de Processo Penal.
3. Como a experiência anterior de cumprimento da pena de prisão efectiva já não conseguiu prevenir o arguido da prática de um novo crime em causa nos presentes autos, com a agravante de que o cometimento desse novo delito ocorreu ainda na plena vigência do período de suspensão da execução da pena de prisão por que já vinha condenado num outro processo, não é possível acreditar, para os efeitos a relevar do art.o 48.o, n.o 1, do Código Penal, que a mera censura dos factos e a ameaça da execução da prisão já sejam suficientes para prosseguir as finalidades da punição.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 664/2014
(Autos de recurso penal)
Arguido recorrente: A
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por sentença proferida a fls. 288 a 292v do Processo Comum Singular n.° CR4-14-0255-PCS do 4.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB), o arguido A, aí já melhor identificado, ficou condenado como autor material de um crime consumado de consumo ilícito de estupefaciente, p. e p. pelo art.º 14.o da Lei n.o 17/2009, de 10 de Agosto (doravante abreviada como Lei de droga), na pena de dois meses de prisão efectiva.
Inconformado, veio o arguido recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para imputar ao Tribunal sentenciador a violação, sobretudo, do dever de fundamentação da sentença exigido no art.o 355.o, n.o 2, do Código de Processo Penal (CPP) (por a mera indicação dos elementos de prova não dar para a gente aquilatar se na sentença se seguiu um processo lógico e racional na apreciação da prova), e também no art.o 356.o, n.o 1, deste Código (por não existir na sentença uma qualquer exposição, ainda que concisa, sobre os fundamentos da escolha e da medida da pena aplicada, mas sim apenas a enumeração das diversas alíneas do n.o 2 do art.o 65.o do Código Penal (CP)), para além da também esgrimida violação do art.o 48.o do CP (devido à decisão de não suspensão da execução da pena de prisão) (cfr. com mais detalhes, o teor da motivação do recurso apresentada a fls. 300 a 311 dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso respondeu (a fls. 313 a 314v dos autos) a Digna Delegada do Procurador, no sentido de manifesta improcedência do recurso.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 325 a 326), pugnando também pela manutenção do julgado.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se o seguinte:
1. Da acta da audiência de julgamento então realizada perante o Tribunal ora recorrido (lavrada a fls. 286 a 287 dos autos), consta que o arguido ora recorrente confessou integralmente e sem reservas os factos delinquentes imputados.
2. Do teor da sentença ora posta em crise (constante de fls. 288 a 292v dos autos), decorre que o Tribunal recorrido já deu materialmente por provada toda a factualidade então imputada ao arguido no libelo acusatório (em sintonia com a qual, e na sua essência: em 14 de Janeiro de 2013, cerca das nove horas da noite, o pessoal alfandegário de Macau interceptou o arguido para investigação, na sequência da qual descobriu um saco de pó branco guardado nas cuecas do arguido, e mais tarde, o pessoal da Polícia Judiciária de Macau deslocou-se à residência do arguido em Macau para investigação, e veio assim descobrir um saco de pó branco dentro da gaveta da cama de dormir do arguido, dois sacos de pó branco esses que, feito o exame laboratorial sobre os mesmos, continham 4,470 gramas líquidos e 1,702 gramas líquidos, respectivamente, de Ketamina, quantidades essas destinadas pelo arguido ao seu consumo próprio), para além de ter descrito também como provado nesse texto decisório que:
– o arguido declarou que como as feições do seu corpo afectam o seu trabalho e assuntos de namoro, se sente infeliz e por isso consome a droga, e declarou que já tinha começado a consumir a droga há cinco ou seis anos antes da ocorrência do caso dos autos;
– o arguido tem por habilitações académicas a 4.a classe do ensino primário, trabalhando antes como operário de construção civil, com alguns milhares de patacas de rendimento mensal, mas actualmente a aguardar pelo emprego, preparando-se a abrir uma loja de petiscos com a família, e precisa de cuidar dos seus pais;
– de acordo com o registo criminal do arguido, o arguido não é delinquente primário:
– 1) por ter cometido um crime de retenção do cartão de eleitor, p. e p. pela Lei n.o 12/2000, ficou condenado, em 8 de Novembro de 2006, no Processo n.o CR1-05-0254-PCC, com trânsito da decisão em julgado em 11 de Junho de 2007, na pena de um ano e quatro meses de prisão efectiva, tendo obtido a liberdade condicional em 17 de Junho de 2008, e a liberdade definitiva em 18 de Novembro de 2008;
– 2) e por ter cometido um crime de falsificação de documento (falso casamento) da Lei n.o 6/2004, ficou condenado, em 7 de Outubro de 2011, no Processo n.o CR2-11-0015-PCC, com trânsito da decisão em julgado em 17 de Outubro de 2011, na pena de dois anos e dois meses de prisão, suspensa na execução por dois anos e seis meses, sob condição de prestar cinco mil patacas de contribuição a favor da Região Administrativa Especial de Macau no prazo de noventa dias;
– 3) acusado da prática de um crime de tráfico de menor gravidade da Lei n.o 17/2009, ficou condenado, em 13 de Maio de 2014, no Processo n.o CR3-13-0176-PCC, na pena de um ano e seis meses de prisão efectiva, condenação essa ainda em fase de recurso.
3. O Tribunal recorrido chegou a referir, inclusivamente, na parte III da sua sentença que:
– com base nos factos dados por provados, o arguido praticou, em autoria material, um crime consumado de consumo ilícito de estupefaciente, p. e p. pelo art.o 14.o da Lei de droga;
– quanto à escolha da pena em sede do art.o 64.o do CP, por não ser o arguido um delinquente primário, deve ser optada a pena privativa da liberdade, ou seja, a pena de prisão, por se entender que a pena não privativa da liberdade, ou seja, a multa, não é suficiente para prosseguir as finalidades da punição;
– no tocante à medida concreta da pena à luz dos art.os 40.o e 65.o do CP, ponderados o grau normal de ilicitude dos factos deliquentes do caso dos autos, o grau algo elevado do dolo do arguido na prática do crime, e as outras circunstâncias do caso, nomeadamente de que o arguido mostrou arrependimento e de que as quantidades da droga detidas pelo arguido ultrapassam a quantidade para uso de cinco dias referida na Lei de droga, sendo o arguido um delinquente não primário conforme o revelado pelo seu registo criminal, decide-se como adequado em aplicar a pena de dois meses de prisão;
– considerados a postura do arguido antes e depois da prática do crime, as circunstâncias do crime, o facto de não ser um delinquente primário, o facto de ter ele voltado a cometer o crime dentro do período de suspensão da execução da pena do Processo n.o CR2-11-0015-PCC, e o facto de não ter ele conseguido corrigir a sua actuação pessoal mesmo após ser condenado nos Processos n.os CR2-11-0015-PCC e CR1-05-0254-PCC, etc., julga-se que a mera censura dos factos e a ameaça da execução da pena de prisão já não conseguem realizar de forma adequada e suficiente as finalidades de punição, pelo que há que executar efectivamente a pena de prisão aplicada no presente caso (art.o 48.o do CP).
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, é de notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Nesses parâmetros, conhecendo:
Desde já, julga-se que como o arguido já confessou integralmente e sem reservas, na audiência de julgamento do Tribunal recorrido, os factos imputados no libelo acusatório, por um lado, e, por outro, para além desses factos, o Tribunal já deu também por provado o declarado pelo próprio arguido acerca da sua situação pessoal, familiar e económica, e referenciou, por fim, também na fundamentação da sentença, os dados constantes do registo criminal do arguido, este não pode vir preconizar agora na sua motivação de recurso a tese de que, ao arrepio do art.º 355.º, n.º 2, do CPP, a fundamentação probatória dos factos provados tecida na sentença não é concreta nem suficiente, nem dá para ele aquilatar se esse Tribunal terá seguido um processo lógico e racional na apreciação da prova. Não pode, pois, haver alguma nulidade da sentença a que alude o art.º 360.º, n.º 1, alínea a), do CPP.
No que à escolha e à medida da pena diz respeito, dos elementos da fundamentação da sentença impugnada acima referidos na parte II do presente acórdão de recurso, se alcança que o Tribunal recorrido não pode ter violado a norma do n.o 1 do art.o 356.o do CPP. Na verdade, esse Tribunal já deu a conhecer as razões concretas da não opção pela pena de multa, da graduação da pena de prisão, e também da não suspensão da execução da pena de prisão.
Por fim, quanto à suspensão da execução da pena de prisão, é de louvar mesmo, a todas as luzes do art.o 48.o, n.o 1, do CP, o juízo de valor legal, justa e sensatamente emitido pelo Tribunal recorrido. De facto, e especialmente, se a experiência anterior de cumprimento da pena de prisão efectiva no primeiro dos processos penais identificados (com o n.o CR1-05-0254-PCC) na matéria de facto provada descrita na sentença já não conseguiu prevenir o recorrente da prática de um novo crime em causa nos presentes autos, com a agravante de que o cometimento desse novo delito ocorreu ainda na plena vigência do período de suspensão da execução da pena de prisão por que já vinha condenado no segundo dos processos identificados (com o n.o CR2-11-0015-PCC), como é possível agora acreditar, para os efeitos a relevar do art.o 48.o, n.o 1, do CP, que a mera censura dos factos e a ameaça da execução da prisão já sejam suficientes para prosseguir as finalidades da punição?
É, pois, de naufragar o recurso, sem mais indagação por desnecessária.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar não provido o recurso.
Custas do recurso pelo recorrente, com seis UC de taxa de justiça.
Comunique a presente decisão aos Processos n.o CR2-11-0015-PCC e n.o CR3-13-0176-PCC do Tribunal Judicial de Base.
O presente acórdão é irrecorrível nos termos do art.º 390.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal.
Macau, 28 de Maio de 2015.
_______________________
Chan Kuong Seng
(Relator)
_______________________
Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
_______________________
Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)
Processo n.º 664/2014 Pág. 10/10