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Processo n.º 165/2015 Data do acórdão: 2015-5-28 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– Ketamina detida para consumo pessoal
– mais do que o quíntuplo da quantidade de referência de uso diário
– Lei n.o 17/2009
– ilicitude dos factos do consumo de droga
– antecedentes criminais
– medida da pena
– suspensão da execução da pena




S U M Á R I O

1. Atendendo à circunstância de a quantidade líquida de Ketamina pura detida nesta vez em 6,090 gramas pelo arguido para seu consumo pessoal exceder muito o quíntuplo da quantidade de referência de uso diário desta substância estupefaciente fixada tão-só em 0,6 grama no correspondente mapa anexo à Lei n.o 17/2009, o que evidencia que não é de menor gravidade a ilicitude dos factos do crime de consumo de droga praticados nesta vez, com a agravante de que já chegou ele a ser condenado por duas vezes, na primeira das quais por um crime de favorecimento pessoal, e na segunda por um crime de ofensa simples à integridade física, e mesmo assim voltou a cometer um novo crime ora em causa ainda dentro do inicial período de suspensão da execução da pena de prisão aplicada no processo penal por crime de ofensa à integridade física, o que denota que são de grau elevado não só a culpa na prática dos factos desta vez, como também as exigências da prevenção especial, ainda que os bens jurídicos tutelados nos tipos legais de favorecimento pessoal e de ofensa simples à integridade física sejam distintos do bem jurídico que se procura proteger através da incriminação do consumo ilícito de estupefaciente, não se vislumbra assim qualquer injustiça notória praticada pelo tribunal recorrido aquando da fixação da pena de prisão, em dois meses e quinze dias, do crime de consumo desta vez.
2. E o mesmo se pode dizer em relação à pena única encontrada na sentença recorrida em sede de operação do cúmulo jurídico.
3. Como o benefício de suspensão da execução da pena de prisão inicialmente concedido no anterior processo por crime de ofensa simples à integridade física nem conseguiu prevenir o arguido do cometimento do novo crime desta vez, não é de suspender-lhe a pena de prisão desta vez, em sede do art.o 48.o, n.o 1, do Código Penal.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 165/2015
(Autos de recurso penal)
Arguido recorrente: A




ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por sentença proferida a fls. 232 a 237 do Processo Comum Singular n.° CR4-14-0417-PCS do 4.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB), o arguido A, aí já melhor identificado, ficou condenado como autor material de um crime consumado de consumo ilícito de estupefaciente, p. e p. pelo art.º 14.o da Lei n.o 17/2009, de 10 de Agosto (doravante abreviada como Lei de droga), na pena de dois meses e quinze dias de prisão efectiva, e, em cúmulo jurídico dessa pena com as penas de prisão então impostas no Processo n.o CR1-12-0100-PCC (nele já se tinha operado o cúmulo jurídico da pena com a do Processo n.º CR1-11-0223-PCC) e no Processo n.º CR3-14-0213-PCS, finalmente na pena única de nove meses de prisão, para além de se manter a pena acessória de inibição de condução por um ano e seis meses, aplicada no referido Processo n.º CR3-14-0213-PCS.
Inconformado, veio o arguido recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para imputar ao Tribunal sentenciador a violação, sobretudo, do disposto nos art.os 40.º, 65.º, n.os 1 e 2, e 48.º do Código Penal (CP), a fim de rogar a redução da sua pena de prisão de dois meses e quinze dias pela prática do crime de consumo ilícito de estupefaciente, e fosse como fosse, a sempre suspensão da execução da pena única (cfr. com mais detalhes, o teor da motivação do recurso apresentada a fls. 274 a 279 dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso respondeu (a fls. 295 a 297v dos autos) a Digna Delegada do Procurador, no sentido de improcedência da argumentação do arguido.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 319 a 320), pugnando também pela manutenção do julgado.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se o seguinte:
1. Da acta da audiência de julgamento então realizada perante o Tribunal ora recorrido (lavrada a fls. 230 a 231 dos autos), consta que o arguido ora recorrente confessou integralmente e sem reservas os factos delinquentes imputados.
2. Do teor da sentença ora posta em crise (constante de fls. 232 a 237 dos autos), decorre que o Tribunal recorrido já deu materialmente por provada toda a factualidade então imputada ao arguido no libelo acusatório (em sintonia com a qual, e na sua essência: em 26 de Novembro de 2012, o pessoal da Polícia de Segurança Pública encontrou no corpo do arguido um saco de pó branco, um saco de grãos e uma nota de vinte patacas embrulhando algum pó branco, e do exame laboratorial feito sobre os mesmos, se descobriu que tal saco de pó branco contém 6,090 gramas líquidos de Ketamina pura, tal saco de grãos contém 0,145 grama líquido de Cocaína pura e tal nota de patacas contém 0,050 grama líquido de Cocaína pura, substâncias todas essas controladas pela Lei de droga e adquiridas pelo arguido para seu consumo próprio), para além de ter descrito também como provado nesse texto decisório que:
– o arguido declarou que por gostar muito da brincadeira, começou a consumir droga aos dezoito anos de idade;
– o arguido tem por habilitações académicas o curso secundário elementar completo, trabalha actualmente como agente de mediação imobiliária, com seis mil a doze mil patacas de rendimento mensal, e precisa de cuidar dos seus pai e irmão mais pequeno;
– de acordo com o registo criminal do arguido, ele não é delinquente primário:
– 1) por ter cometido um crime de favorecimento pessoal, ficou condenado, em 26 de Outubro de 2007, no Processo n.o CR3-07-0205-PSM, com trânsito da decisão em julgado em 5 de Novembro de 2007, em oitenta dias de multa, já paga;
– 2) por ter cometido um crime de ofensa simples à integridade física, ficou condenado, em 21 de Outubro de 2011, no Processo n.o CR1-11-0223-PCS, com trânsito da decisão em julgado em 31 de Outubro de 2011, na pena de cinco meses de prisão, suspensa na execução por dezoito meses;
– 3) por ter cometido um crime de consumo ilícito de estupefaciente, ficou condenado, em 17 de Dezembro de 2012, no Processo n.o CR1-12-0100-PCC, com trânsito da decisão em julgado em 9 de Janeiro de 2013, na pena de um mês e quinze dias de prisão (suspensa na execução por dezoito meses), pena essa que por ulterior despacho judicial de 17 de Abril de 2013 (transitado em julgado em 23 de Abril de 2013), veio entrar em cúmulo jurídico com a pena de prisão imposta no referido Processo n.º CR1-11-0223-PCS, o que lhe fez impor finalmente a pena única de seis meses de prisão, suspensa na execução por dezoito meses, período de suspensão esse que acabou por ser prorrogado por um ano (por decisão judicial transitada em julgado em 26 de Março de 2014);
– 4) e por ter cometido, em 26 de Março de 2013, um crime de condução sob influência de estupefaciente, ficou condenado, em 24 de Julho de 2014, no Processo n.o CR3-14-0213-PCS, com trânsito da decisão em julgado em 28 de Outubro de 2014, na pena de cinco meses de prisão, suspensa na execução por três anos, para além de ficar com a pena acessória de inibição de condução por um ano e seis meses.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, é de notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Nesses parâmetros, conhecendo:
O arguido começou por preconizar na sua motivação de recurso que embora não seja ele um delinquente primário, o crime de consumo ilícito de estupefaciente por que vem condenado nesta vez em primeira instância foi praticado em 26 de Novembro de 2012, e, por isso, ainda antes da sua condenação penal nos Processos n.os CR1-12-0100-PCC (por crime de consumo ilícito de estupefaciente) e CR3-14-0213-PCS (por crime de condução sob influência de estupefaciente), pelo que atenta essa circunstância de não ter ele recebido ainda a advertência provinda dessas duas condenações judiciais por delitos ligados à droga, por um lado, e, por outro, ponderada também a circunstância de serem diferentes os bens jurídicos tutelados nos tipos legais de favorecimento pessoal e de ofensa simples à integridade física por que tinha sido condenado, respectivamente, nesses dois processos anteriores, é de reduzir-lhe a pena de prisão imposta nesta vez pelo Tribunal recorrido para o seu crime de consumo ilícito de estupefaciente do art.º 14.º da Lei de droga, já que esse Ente Julgador, ao aplicar-lhe a prisão de dois meses e quinze dias dentro da correspondente moldura penal até três meses de prisão, violou sobretudo o disposto no art.º 65.º, n.os 1 e 2, do CP.
Pois bem, para o presente Tribunal de recurso, atendendo à circunstância de a quantidade líquida de Ketamina pura detida nesta vez (em 6,090 gramas) pelo arguido para seu consumo pessoal exceder muito o quíntuplo da quantidade de referência de uso diário desta substância estupefaciente (fixada tão-só em 0,6 grama no correspondente mapa anexo à Lei de droga) (o que evidencia que já não é de menor gravidade a ilicitude dos factos praticados por ele nesta vez), com a agravante de que já chegou ele a ser condenado penalmente no passado por duas vezes (na primeira das quais por um crime de favorecimento pessoal, e na segunda por um crime de ofensa simples à integridade física) e mesmo assim voltou a cometer um novo crime ora em causa (i.e., de consumo ilícito de estupefaciente) em 26 de Novembro de 2012, ainda dentro do inicial período de dezoito meses de suspensão da execução da pena de cinco meses de prisão aplicada no referido processo penal por crime de ofensa simples à integridade física (o que denota que são de grau elevado não só a culpa dele na prática dos factos desta vez, como também as exigências da prevenção especial, ainda que os bens jurídicos tutelados nos tipos legais de favorecimento pessoal e de ofensa simples à integridade física sejam distintos do bem jurídico que se procura proteger através da incriminação do consumo ilícito de estupefaciente), não se vislumbra assim, aos padrões da medida da pena vertidos especialmente nos art.os 40.º, n.os 1 e 2, e 65.º, n.os 1 e 2, do CP, qualquer injustiça notória praticada pelo Tribunal recorrido aquando da fixação da pena de prisão, em dois meses e quinze dias, do crime de consumo desta vez. E o mesmo se pode dizer em relação à pena única encontrada na sentença recorrida em sede de operação do cúmulo jurídico (cfr. mormente os ditames da fixação da pena única de prisão consagrados no art.º 71.º, n.os 1 e 2, do CP).
Mantida que assim tem que ser a pena única de nove meses de prisão por que vem condenado o arguido nesta vez em primeira instância, é de negar provimento também ao pedido de suspensão da execução da pena de prisão, porquanto se o benefício de suspensão da execução da pena inicialmente concedido ao arguido no Processo n.º CR1-11-0223-PCS para a sua pena de cinco meses de prisão por que tinha sido aí condenado por prática do crime de ofensa simples à integridade física nem o conseguiu prevenir do cometimento do novo crime desta vez em 26 de Novembro de 2012, como é possível agora acreditar, para os efeitos a relevar do art.o 48.o, n.o 1, do CP, que a mera censura dos factos e a ameaça da execução da prisão já sejam suficientes para prosseguir adequadamente as finalidades da punição, sobretudo na sua vertente de prevenção especial?
É, pois, de naufragar todo o recurso, sem mais indagação por desnecessária.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar não provido o recurso.
Custas do recurso pelo recorrente, com seis UC de taxa de justiça.
Comunique a presente decisão aos Processos n.os CR1-12-0100-PCC e CR3-14-0213-PCS do Tribunal Judicial de Base.
O presente acórdão é irrecorrível nos termos do art.º 390.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal.
Macau, 28 de Maio de 2015.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)



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