打印全文
Processo n.º 365/2015 Data do acórdão: 2015-6-4 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– toxicodependente
– suspensão de execução da pena de prisão
– maus resultados nos testes de urina
– rejeição voluntária do internamento para desintoxicação
– violação grosseira da condição da pena suspensa
– revogação da pena suspensa
– art.o 54.o, n.o 1, alínea a), do Código Penal

S U M Á R I O
Como aquando da decisão judicial de cúmulo jurídico das penas, a arguida já soube que a suspensão da execução da pena única, finalmente aplicada, de dois anos e três meses de prisão ficava condicionada à sua obrigação de aceitar o tratamento da desintoxicação e de não voltar a consumir droga, e mesmo em sede da ulterior prorrogação judicial do período inicial de suspensão da execução da pena, soube ela também que tinha que continuar a ser sujeita às obrigações impostas judicialmente como condição da suspensão da pena, o facto de ela, depois do trânsito em julgado dessa decisão de prorrogação do período da suspensão, ter tido mau resultado em dois testes de urina e ter rejeitado, com vontade nítida, o tratamento de desintoxicação em regime de internamento subsequentemente prescrito já representa uma autêntica violação grosseira da sua obrigação de cumprimento da desintoxicação, pelo que pode ser decidida directamente pela revogação da pena suspensa, nos termos do art.º 54.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, ainda que ela tenha sabido contactar, mas só após a tomada da decisão revogatória da suspensão, uma associação de reabilitação de toxicodependentes para tratar do internamento para desintoxicação.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 365/2015
(Recurso em processo penal)
Recorrente: A



ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA
REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformada com o despacho judicial proferido a fls. 973 a 973v dos autos de Processo Comum Colectivo n.o CR1-09-0273-PCC do 1.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB) que lhe revogou, nos aí citados termos do art.o 54.o, n.o 1, alínea a), do Código Penal (CP), a suspensão da execução da pena única de dois anos e três meses de prisão, veio a arguida condenada A, já melhor identificada nesses autos subjacentes, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para imputar à M.ma Juíza a quo a aplicação inadequada desse no n.º 1 do art.º 54.º do CP, a fim de pedir a manutenção da suspensão da execução da pena com eventual prorrogação do período de suspensão, através da motivação apresentada a fls. 986 a 988 dos presentes autos correspondentes.
Ao recurso, respondeu o Ministério Público a fls. 1001 a 1003v, no sentido de manutenção do julgado.
Subido o recurso, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer a fls. 1017 a 1018v, pugnando pelo não provimento do recurso.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Com pertinência à decisão, é de coligir dos autos os seguintes dados:
– Por acórdão proferido em 28 de Setembro de 2011 no ora subjacente Processo Comum Colectivo n.o CR1-09-0273-PCC do 1.o Juízo Criminal do TJB (cfr. o teor desse aresto a fls. 754 a 772 dos presentes autos correspondentes), transitado em julgado em 10 de Outubro de 2011, a arguida ora recorrente ficou condenada como autora material de um crime de furto qualificado (furto como modo de vida), na pena de um ano e seis meses de prisão, suspensa na execução por dois anos, com regime de prova e obrigação de cumprimento da desintoxicação;
– Pena de prisão essa que, por decisão judicial de 4 de Outubro de 2012 (a fls. 854 a 854v dos presentes autos, transitada em julgado em 15 de Outubro de 2012), veio a ser objecto de cúmulo jurídico com outras três penas de prisão (quais sejam, (a) a pena de cinco meses de prisão imposta por um crime de furto simples na sentença de 26 de Julho de 2011 do Processo n.º CR4-10-0429-PCS, e suspensa por dois anos, com regime de prova e obrigação de cumprimento da desintoxicação, (b) a pena de quatro meses de prisão aplicada por um crime de furto simples na sentença de 5 de Outubro de 2010 do Processo n.º CR4-10-0025-PCS, e suspensa na execução por dois anos, com regime de prova e obrigação de cumprimento da desintoxicação, e (c) a pena de cinco meses de prisão aplicada por um crime de furto simples na sentença de 27 de Abril de 2011 do Processo n.º CR1-10-0211-PCS, e suspensa na execução por dois anos, com regime de prova e obrigação de cumprimento da desintoxicação), o que fez com que a recorrente tenha acabado por ser condenada na pena única de dois anos e três meses de prisão, suspensa na execução por dois anos e seis meses, com regime de prova, e obrigação de aceitar o tratamento da desintoxicação, não voltar a consumir droga nem contactar pessoas toxicodependentes, não fazer companhia com pessoas más nem praticar quaisquer actos ilícitos;
– Em 10 de Junho de 2014, veio junto (a fls. 907 a 908 dos presentes autos) o relatório de avaliação períodica elaborado nesse próprio dia pelo pessoal técnico do Departamento de Reinserção Social da Direcção dos Serviços de Assuntos de Justiça, a informar que: a recorrente ingressou voluntariamente em 18 de Janeiro de 2011 no Centro de Tratamento Feminino da Associação de Reabilitação de Toxicodependentes de Macau e concluiu aí, em 30 de Outubro de 2012, todo o tratamento de desintoxicação em regime de internamento, após o que precisou ainda de aceitar os arranjos relativos a teste de urina, mas acabou por faltar por várias vezes a testes de urina assim arranjados, pelo que se considera fracassado o programa de tratamento da sua toxicodependência;
– Em face disso, a M.ma Juíza actualmente titular dos presentes autos em primeira instância ouviu, em 11 de Setembro de 2014, a própria pessoa da recorrente (cfr. o auto dessa audição lavrado a fls. 919 a 920v), em sede do que esta declarou, inclusivamente, que por motivo de trabalho tinha faltado a testes de urina e que já tinha tirado o vício de droga, e pediu ao Tribunal que lhe desse oportunidade, indo, a partir de então, colaborar com o pessoal assistente social nos arranjos sobre testes de urina;
– Logo após essa audição, a M.ma Juíza acabou por decidir (por despacho proferido a fls. 919v a 920, transitado em julgado em 6 de Outubro de 2014) em prorrogar, por um ano, o período inicial de suspensão da pena, com manutenção do regime de prova e de todas as obrigações então já impostas;
– Em 2 de Dezembro de 2014, veio junto (a fls. 932 a 933 dos autos) o relatório de avaliação períodica elaborado nesse próprio dia pelo pessoal técnico do Departamento de Reinserção Social da Direcção dos Serviços de Assuntos de Justiça, a informar que: a recorrente, depois de ver-lhe prorrogado o período da suspensão da pena, assinou, em 16 de Outubro de 2014, o programa de tratamento da desintoxicação (da fase 5A), após o que continuou a sujeitar-se aos arranjos relativos a teste de urina, mas acabou por ter reacção positiva à substância estupefaciente vulgarmente chamada por “Ice” nos testes de urina feitos em 15 e 22 de Outubro de 2014, pelo que se considerou fracassado esse programa de desintoxicação, e, como tal, foi prescrito à recorrente o tratamento de desintoxicação em regime de internamento por um ano, o que foi recusado pela recorrente, alegando que só tinha voltado a consumir droga por ter sofrido emocionalmente nesse mês de Outubro da separação com o seu namorado, e que se voltasse a entrar no Centro de Tratamento Feminino da Associação de Reabilitação de Toxicodependentes, onde já tinha chegado a ficar internada por um ano e nove meses, e até ter trabalhado por cerca de um ano e meio, seria, para ela, a “perda da face”;
– Depois, em 5 de Março de 2015, a M.ma Juíza ouviu a recorrente (cfr. o auto de audição lavrado a fls. 972 e seguintes), em sede do que esta declarou, inclusivamente, que há cerca de três meses atrás, voltou a consumir a “Ice”, mas já deixou de a consumir, que como actualmente está a trabalhar a tempo parcial num casino como empregada de chá, e vive com a filha, não está disposta a ir ao Centro de Tratamento para desintoxicação, e que não irá voltar a consumir droga;
– Logo após a audição, a M.ma Juíza acabou por decidir em revogar a suspensão da execução da pena de prisão da recorrente, nos termos do art.º 54.º, n.o 1, alínea a), do CP (cfr. o despacho proferido a fls. 973 a 973v);
– À sua motivação do presente recurso, a recorrente anexou uma carta subscrita em 9 de Março de 2015 pela Associação de Reabilitação de Toxicodependentes (ora constante de fl. 989), segundo a qual a recorrente entrou voluntariamente em contacto com o Centro de Tratamento da Associação, para tratar do internamento no Centro por um ano, no mínimo, para efeitos de desintoxicação.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cabe notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver apenas as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Atentos os elementos processuais já acima coligidos, realiza o presente Tribunal ad quem que há que louvar mesmo a decisão ora recorrida, revogatória da suspensão da pena de prisão da recorrente, visto que:
– aquando da decisão judicial de cúmulo jurídico das penas, ela já soube que a suspensão da execução da pena única, finalmente aplicada, de dois anos e três meses de prisão ficava condicionada à sua obrigação de aceitar o tratamento da desintoxicação e de não voltar a consumir droga;
– e mesmo em sede da ulterior prorrogação judicial do período inicial de suspensão da execução da pena, ela soube também que tinha que continuar a ser sujeita às obrigações impostas judicialmente como condição da suspensão da pena, tendo até ela própria pedido ao Tribunal que lhe desse oportunidade;
– entretanto, depois do trânsito em julgado, em 6 de Outubro de 2014, dessa decisão judicial de prorrogação do período da suspensão, a recorrente teve mau resultado nos testes de urina de 15 e 22 de Outubro de 2014, e rejeitou, com vontade nítida, o tratamento de desintoxicação em regime de internamento subsequentemente prescrito, postura essa que implica uma autêntica violação grosseira da sua obrigação de cumprimento da desintoxicação, pelo que pode ser decidida directamente pela revogação da pena suspensa, nos termos do art.º 54.º, n.º 1, alínea a), do CP, já que essa postura toda sua representa seguramente que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas, ainda que a recorrente tenha sabido contactar, mas só após a tomada da decisão judicial ora recorrida, a Associação de Reabilitação de Toxicodependentes para tratar do internamento para efeitos de desintoxicação.
IV – DECISÃO
Nos termos expostos, acordam em julgar não provido o recurso.
Custas do recurso pelo recorrente, com duas UC de taxa de justiça e duas mil patacas de honorários a favor do seu Ex.mo Defensor Oficioso.
Comunique ao Departamento de Reinserção Social da Direcção dos Serviços de Justiça e ao Instituto de Acção Social.
Macau, 4 de Junho de 2015.
_______________________
Chan Kuong Seng
(Relator)
_______________________
Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
_______________________
Chou Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)



Processo n.º 365/2015 Pág. 9/9