Proc. nº 264/2015
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 21 de Maio de 2015
Descritores:
-Marcas
-Capacidade distintiva
SUMÁRIO:
I. O conceito “capacidade distintiva”, não é absoluto, mas antes relativo.
II. Ninguém pode dizer que uma marca não tem capacidade distintiva em abstracto. Só se pode dizer que não tem capacidade distintiva aquela que, em concreto, não consiga fazer distinguir algum produto de outro com marca já registada no mercado.
III. A distinção apresenta-se assim em conexão estreita e necessária com a ideia de semelhança. E a análise desta, no que respeita ao aspecto gráfico ou figurativo, implica a existência de duas ou mais marcas em competição ou em confronto.
Processo nº 264/2015
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.
I – Relatório
Por sentença do TJB datada de 15/10/2014 (Proc. nº CV3-14-0024-CRJ), foi julgado procedente o recurso interposto pela Recorrida, A Ltd., revogando-se a decisão da Direcção dos Serviços de Economia (DSE) que àquela tinha recusado o registo da marca N/XXXXX.
*
Dessa decisão vem recorrer a Recorrente, Direcção dos Serviços de Economia, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
1. 綜上所述,由於被上訴人的擬註冊商標不具商標最主要的識別功能,故有可能令消費者無法正確判斷或分辨該商標所提供的紙牌是來自上訴人或其他企業的產品,所以,不應受到商標註冊的保護,故被上訴人商標並不具備應有的顯著性,因不能區分一個企業的產品與另一企業的產品的功能和作用,已構成《工業產權法律制度》第214條第1款a項及第9條第1款a項所指的拒絶理由。因此,並非如被上訴人及第一審法院所認定被上訴人商標是具有顯著性,相反該商標應不具備顯著性,故被上訴人及原審法院所提出的理由及結論是完全不能成立。
2. 因為每個商標註冊申請均屬於個別的獨立申請,故必須就每一個申請進行獨立審批,即使本局已批准被上訴人所提出其他以撲克牌圖案組成的商標的註冊,例如第N/XXXXX、N/XXXXX、N/XXXXX、N/XXXXX、N/XXXXX號商標,這不代表被上訴人的擬註冊商標亦必然可獲得批准,因每個個案均須獨立考慮。所以,即使被上訴人之前已獲核准註冊與本上訴所針對的商標的同類商標,亦不等於其可於往後的商標註冊申請中就同類商標亦必然獲得註冊。
3. 本局認為,撲克牌或紙牌圖案是屬於一種產品的形狀及圖案的外觀上的創作,故應透過“設計及新型”的註冊來獲得相應的保護。同時,本局再次重申,在中國內地和香港特區“撲克牌”或“遊戲紙牌”均納入“外觀設計”的保護範圍。
*
A Recorrida respondeu à motivação do recurso acima em referência nos termos constante a fls. 138 a 145 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do recurso.
*
Foram colhidos os vistos legais.
*
II – Factos
Vêm provados os seguintes factos pelo Tribunal a quo:
- A Ltd. requereu em 15 de Maio de 2013 o registo do sinal
na classe 28ª para cartas de jogar, equipamentos para jogos, nomeadamente distribuidores electrónicos e de segurança para cartas de jogar.
- A DSE recusou o registo da referida marca com fundamento na circunstância de a mesma não ter eficácia distintiva, invocando o artº 214º nº 1, al. a) e artº 9º al. a) do RJPI.
- A decisão de recusa foi publicada no BO, II, Série, nº14/2014, de 02 de Abril.
*
III – Fundamentação
O presente recurso consiste em saber se a marca N/XXXXX possui capacidade distintiva e é susceptível de ser objecto de protecção pelo registo.
A Direcção dos Serviços de Economia entendeu que não, tendo por isso recusado o registo pretendido.
A sentença em escrutínio seguiu caminho contrário.
Vejamos.
*
Como se sabe, a marca é um sinal distintivo de produtos e serviços de uma empresa dos de outras. Isto é, a marca exerce uma função de garantia de qualidade não enganosa, visando associar um produto ou serviço a determinado produtor ou prestador e evitar no consumidor o erro e a confundibilidade de origem e proveniência. Ora, se ela tem por objectivo assinalar produtos e serviços de uma empresa de forma a se demarcar dos de outras empresas, parece claro que o seu registo implica que tenha capacidade distintiva.
*
Só que este conceito “capacidade distintiva”, nos termos equacionados, não é um conceito absoluto, mas antes relativo. Expliquemo-nos.
Ninguém pode dizer que uma marca não tem capacidade distintiva em abstracto. Só se pode dizer que não tem capacidade distintiva aquela que, em concreto, não consiga fazer distinguir algum produto de outro com marca já registada no mercado.
Ou seja, o registo deve ser recusado se marca registanda não se distingue, ou muito dificilmente se distingue, de outra já registada. É, aliás, isso o que emerge do art. 197º, nº1, do RJPI, ao estabelecer que “Só podem ser objecto de protecção ao abrigo do presente diploma, mediante um título de marca, o sinal ou conjunto de sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou da respectiva embalagem, que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas.”.
Por exemplo, esta marca desde logo serve para assinalar cartas de jogar. Nesse sentido, é distintivo de outra que sirva para assinalar guarda-chuvas, por exemplo, ainda que com desenho ou grafismo parecido. Logo, por aí se vê que tem, nesta equação, capacidade distintiva.
Mas se quisermos descer ainda mais na comparação (relativa), podemos dizer que ela é bem diferente desta ou desta outra ainda.
Então, pergunta-se: o confronto entre estas marcas (as duas últimas por nós criadas, apenas para parâmetro comparativo) mostra ou não que elas se distinguem umas das outras?
A resposta só pode ser afirmativa, obviamente.
Ora, o que pretendemos dizer é, portanto, que a análise da capacidade distintiva só é conclusiva num ou noutro sentido se houver duas ou mais marcas em competição ou em confronto. A distinção apresenta-se assim em conexão estreita e necessária com a ideia de semelhança.
Portanto, se a marca é aplicada num produto ou no seu invólucro de forma a distinguir este (produto) de outro idêntico ou semelhante, se o que se pretende é evitar que o consumidor caia em erro acerca da proveniência (v.g., Américo da Silva Carvalho, Direito de Marcas, pág. 56) e, por conseguinte, que ele seja capaz de associar (distinguindo) os produtos ou serviços a uma empresa e não a outra, parece evidente que a conclusão a alcançar carece da existência de confronto que implique uma análise comparativa tendente a indagar da semelhança ou dissemelhança. Ou seja, implica pelo menos duas marcas, razão por que dizíamos que o conceito de capacidade distintiva não é absoluto, mas relativo.
*
Estamos em presença de uma marca gráfica/fugurativa (autor e ob. cit., pág. 78), de natureza desenhística, sem dúvida.
Ora, e como resulta do teor, entre outros, dos Acs. do TSI, de 17/07/2014, Proc. nº 226/2014 e de 6/11/2014, Proc. nº 355/2014, a DSE já antes procedeu ao registo de marcas próximas destas1. Então, não se percebe muito bem como a DSE o tenha feito anteriormente, e agora se tenha recusado ao registo desta. E sobretudo não se entende como, por sua iniciativa, tenha considerado que a marca em apreço não tem capacidade distintiva, se, estando em causa um interesse privado e concorrencial, não houve ninguém do sector privado (nenhuma empresa) a pugnar pela recusa de registo em virtude de a marca não se distinguir da sua já anteriormente registada.
Ou seja, a DSE partiu de um pressuposto abstracto ou virtual, digamos assim, para negar um registo, quando a recusa deveria ter partido de uma conclusão acerca da falta de capacidade distintiva em concreto com outra que tivesse (devesse ter) tomado em comparação.
*
Não estamos a dizer que em concreto esta marca deva ser registada. Pode haver, efectivamente, razões para a recusa, não sabemos. O que estamos é a afirmar é que os argumentos apresentados em abstracto pela DSE não podiam conduzir necessariamente à recusa do registo.
Isto significa que a decisão administrativa deve ser revogada (como o foi pela sentença recorrida), devendo os autos voltar à entidade competente para reanálise do pedido.
***
IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso, exceptuando na parte em que a sentença recorrida determina a prática de outro acto que admita o registo.
Custas em ambas as instâncias pela recorrida em somente um 1/5 da taxa de justiça devida.
TSI, 21 de Maio de 2015
____________________
José Cândido de Pinho (por vencimento)
____________________ Tong Hio Fong
____________________ Ho Wai Neng
(vencido, por entender que a marca registanda não tem capacidade distintiva, concordado portanto os fundamentos do recurso da D.S.E.)
1 A própria recorrida fez o favor de indicar alguns registos de cartas de jogar em Macau nas suas alegações de resposta ao recurso (ver fls. 141 dos autos).
---------------
------------------------------------------------------------
---------------
------------------------------------------------------------
264/2015 1