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Processo n.º 131/2015 Data do acórdão: 2015-3-19 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– omissão da notificação da sentença ao arguido
– art.o 100.o, n.o 7, alínea a), do Código de Processo Penal
– irregularidade processual
– art.o 110.o, n.o 1, do Código de Processo Penal
– julgamento na ausência do arguido
– interrogatório pelo Ministério Público no inquérito


S U M Á R I O

1. Segundo o art.º 100.º, n.º 7, alínea a), do Código de Processo Penal, no texto actualmente vigente (saído da recente alteração introduzida pela Lei n.º 9/2013, de 26 de Agosto), as notificações são feitas ao arguido e, cumulativamente, aos respectivos defensor ou advogado, quando sejam respeitantes à sentença.
2. Assim sendo, a omissão de envio de carta de notificação da sentença para a própria pessoa do arguido, julgado na sua ausência sob consentimento por si prestado anteriormente, constitui uma irregularidade processual, e, fica sanada se não arguida tempestivamente pelo arguido nos termos do art.º 110.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
3. Tendo o arguido admitido, aquando do interrogatório pelo Ministério Público na fase do inquérito, o cometimento dos crimes de falsas declarações sobre a identidade e de reentrada ilegal, e assinado uma declaração no sentido de consentir a realização da audência de julgamento na sua ausência, ele deveria ter contado com a sua condenação nesses dois crimes.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 131/2015
(Autos de recurso penal)
Arguido recorrente: A







ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com o despacho revogatório da suspensão, por dois anos, da execução da pena única de oito meses de prisão imposta na sentença de 12 de Junho de 2014 do subjacente Processo Comum Singular n.º CR3-14-0133-PCS do 3.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB), pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de falsas declarações sobre a identidade e de um crime de reentrada ilegal, p. e p. respectivamente pelos art.o 19.º, n.º 1, e art.º 21.º da Lei n.º 6/2014, de 2 de Agosto, e punidos respectivamente com sete meses e três meses de prisão, veio o arguido condenado A, aí já melhor identificado, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para pedir a revogação dessa decisão revogatória da pena suspensa (ou, pelo menos, a prorrogação do período inicial da suspensão), imputando a essa decisão a violação do art.º 54.º, n.º 1, do Código Penal (CP) (cfr. com mais detalhes, o teor da motivação de recurso, apresentada a fls. 82 a 86 dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso respondeu (a fls. 91 a 93) a Digna Delegada do Procurador, no sentido de improcedência do recurso.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 108 a 109), pugnando pela manutenção do julgado.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame crítico e global dos autos, fluem os seguintes elementos fácticos e processuais, pertinentes à solução do recurso:
– por sentença de 12 de Junho de 2014, proferida a fls. 46 a 49v do subjacente Processo Comum Singular n.º CR3-14-0133-PCS do TJB, o arguido ora recorrente ficou condenado, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de falsas declarações sobre a identidade e de um crime de reentrada ilegal, p. e p. respectivamente pelos art.o 19.º, n.º 1, e art.º 21.º da Lei n.º 6/2014, de 2 de Agosto, e punidos respectivamente com sete meses e três meses de prisão, com suspensão, por dois anos, da execução da pena única;
– o arguido foi aí julgado na sua ausência, sob consentimento por si prestado anteriormente por escrito (cfr. a declaração de fl. 25), depois de interrogado pessoalmente pelo Ministério Público em 26 de Dezembro de 2013 (cfr. o auto de interrogatório de fls. 21 a 21v), em sede do que admitiu ele praticamente o cometimento dos crimes de falsas declarações sobre a identidade e de reentrada ilegal, tendo ele prestado nesse mesmo dia, como medida de coacção, o termo de identidade e residência (a fls. 24 a 24v), do qual consta, segundo declarou ele, a seguinte morada “……”, para a qual chegaram a ser dirigidas as ulteriores notificações, sob registo postal, da acusação pública e do subsequente despacho judicial, exarado em 31 de Março de 2014, de designação da data de julgamento em audiência, notificações postais essas todas entretanto devolvidas aos autos, devido ao motivo de “Non-existent address/insufficient” (cfr. o processado a fls. 28 a 29v, 38, por um lado, e, por outro, a fls. 32, 36 e 58), sendo certo que para essa mesma morada, não chegou a ser enviada qualquer notificação, sob registo postal, da sentença atrás identificada, mas apenas a notificação postal da conta do processo (cfr. o processado a fls. 50 a 57);
– ulteriormente, por sentença de 20 de Novembro de 2014 do Processo Sumário n.º CR4-14-0248-PSM do 4.º Juízo Criminal do TJB, transitada em julgado em 11 de Dezembro de 2014 (cfr. o teor da certidão dessa sentença junta a fls. 63 e seguintes dos presentes autos), o ora recorrente ficou condenado presencialmente como autor material de um crime, consumado em 19 de Novembro de 2014, de reentrada ilegal, p. e p. pelo art.º 21.º da Lei n.º 6/2004, em pena de prisão efectiva, tendo essa sentença referido, na parte da fundamentação fáctica da decisão, que o arguido tinha chegado a ser condenado em oito meses de prisão única no Processo n.º CR3-14-0133-PCS;
– em face dessa condenação no dito processo sumário, o M.mo Juiz titular dos subjacentes autos n.º CR3-14-0133-PCS ouviu o ora recorrente em 8 de Janeiro de 2015 (cfr. o teor da acta dessa diligência lavrada a fls. 78 e seguintes), em sede do que este declarou reconhecer que já tinha chegado a ser condenado em pena única de oito meses de prisão por prática dos crimes de falsas declarações sobre a identidade e de reentrada ilegal, e no final dessa diligência, o M.mo Juiz acabou por decidir revogar, à luz do art.º 54.º, n.º 1, alínea b), do CP, a suspensão da execução da pena única de oito meses de prisão inicialmente aplicada ao mesmo condenado (cfr. o teor do despacho revogatório da pena suspensa, constante de fl. 79);
– o arguido apresentou a motivação do presente recurso em 26 de Janeiro de 2015 (cfr. o carimbo de entrada aposto na fl. 81), no seio do qual falou da questão de falta de notificação, a ele, da decisão condenatória dos subjacentes autos n.º CR3-14-0133-PCS.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, é de notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
O recorrente começou por falar, na motivação do recurso, que como ele tinha sido julgado então na sua ausência e também não tinha chegado a receber a notificação da sentença dos subjacentes autos n.º CR3-14-0133-PCS, a decisão condenatória aí proferida não lhe serviu de advertência.
Nos termos do art.º 100.º, n.º 7, alínea a), do Código de Processo Penal (CPP), no texto actualmente vigente (saído da recente alteração introduzida pela Lei n.º 9/2013, de 26 de Agosto) e aplicável ao caso concreto dos autos: “As notificações são feitas: a) Ao arguido, ao assistente e à parte civil e, cumulativamente, aos respectivos defensor ou advogado, quando sejam respeitantes à acusação, arquivamento, despacho de pronúncia ou não-pronúncia, designação de dia para a audiência, sentença, aplicação de medidas de coacção e de garantia patrimonial e dedução do pedido de indemnização civil” (com sublinhado só agora posto).
Assim sendo, houve, de facto, na situação concreta dos presentes autos, a omissão de envio de carta de notificação da sentença dos subjacentes autos n.º CR3-14-0133-PCS para a própria pessoa do arguido, falta essa que, porém, só constituiu uma irregularidade processual, e, como não chegou a ser arguida pelo arguido no prazo legal para o efeito, já ficou sanada (cfr. mormente o art.º 110.º, n.º 1, do CPP).
Contudo, é de censurar também a conduta do arguido: forneceu, no termo de identidade e residência, uma morada pelo menos insuficiente, o que fez com que as anteriores cartas de notificação da acusação pública e do despacho judicial de designação da data de julgamento tenham ficado todas devolvidas aos autos pelos serviços de correio.
Há-de observar que tendo ele admitido, aquando do anterior interrogatório pelo Ministério Público, o cometimento dos crimes de falsas declarações sobre a identidade e de reentrada ilegal, e assinado até o termo de identidade e residência atrás referido e uma declaração no sentido de consentir a realização da audência de julgamento na sua ausência, ele deveria ter contado com a sua condenação nesses dois crimes.
E agora quanto ao mérito da decisão revogatória da pena suspensa: tidos em conta os elementos processuais pertinentes acima coligidos na parte II do presente acórdão de recurso, é de confirmar realmente o juízo de valor já sensatamente formado pelo mesmo M.mo Juiz a quo, sem mais indagação por ociosa.
Improcede, pois, toda a pretensão do recorrente.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas do recurso pelo arguido, com quatro UC de taxa de justiça, e mil e oitocentas patacas de honorários ao seu Ex.mo Defensor Oficioso.
Macau, 19 de Março de 2015.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)



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