Processo nº 132/2015 Data: 19.03.2015
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Crime de “tráfico de estupefacientes” e de “detenção de utensilagem”; (art°s 8° e 15° da Lei n.° 17/2009).
SUMÁRIO
1. O crime de “detenção indevida de utensílio ou equipamento” p. e p. pelo art. 15° da Lei n.° 17/2009 pune o agente que detiver utensilagem com intenção de os utilizar no–seu próprio–consumo de estupefacientes.
2. Provado não estando que o arguido era consumidor, que detinha utensilagem com “intenção de os utilizar no consumo de estupefacientes”, correcta não é a sua condenação por tal crime.
O relator,
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José Maria Dias Azedo
Processo nº 132/2015
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. A, arguido com os restantes sinais dos autos, respondeu em audiência colectiva no T.J.B., vindo a ser condenado pela prática como autor material e em concurso real de 1 crime de “tráfico ilícito de estupefacientes” e 1 outro de “detenção de utensilagem”, p. e p. pelos art°s 8°, n.° 1 e 15° da Lei n.° 17/2009, nas penas de 8 anos de prisão e de 2 meses de prisão respectivamente, e, em cúmulo, na pena única de 8 anos e 1 mês de prisão; (cfr., fls. 366 a 373, que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Inconformado, o arguido recorreu.
Motivou para – em síntese – dizer que devia ser absolvido do imputado crime de “detenção de utensilagem” e que excessiva era a pena decretada para o crime de “tráfico”; (cfr., fls. 385 a 389).
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Respondendo, considera o Ministério Público que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 391 a 394).
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Admitido o recurso e remetidos os autos a este T.S.I., em sede de vista emitiu o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte Parecer:
“Na Motivação de fls.386 a 389 dos autos, o recorrente A solicitou, em primeiro lugar, a absolvição do crime de detenção indevida de utensílio ou equipamento p.p. pela disposição no art.15° da Lei n.°17/2009, alegando que ele nunca tinha elemento subjectivo deste crime.
Repare-se que o Tribunal a quo absolveu o recorrente da Acusação na parte do crime de consumo ilícito de estupefacientes p.p. pelo art.14° desta Lei, e deu por não provado que «上述玻璃器皿、膠紙、吸管及錫紙,部份是嫌犯持有爲用作其吸毒品的器具。»
E em sede da subsunção para o crime de detenção indevida de utensílio ou equipamento, o Tribunal a quo explanou claramente: «此外,嫌犯亦明知其行為違法以及相關器具之性質,仍然在自由、自願及有意識的情況下,持有上述玻璃器皿、膠紙、吸管及錫紙,全部用作出售予他人作吸食毒品的器具。故此,嫌犯被控告觸犯「不適當持有器具或設備罪」之罪名成立。»
Ora, tal argumentação torna patente e concludente o entendimento do Tribunal a quo, no sentido de não ser obrigatória que o traficante de droga tenha a intenção do uso pessoal de utensílios ou equipamentos por si indevidamente detidos, existindo este crime mesmo que a detenção indevida se destine exclusivamente ao uso de outrem.
Ressalvado o elevado e habitual respeito, não acompanhamos tal douto entendimento do Tribunal a quo, afigurando-se-nos que o crime de detenção indevida de utensílio ou equipamento p.p. pela disposição no art.15° da Lei n.°17/2009 tem por elemento subjectivo obrigatório que o traficante tem a intenção de uso pessoal de utensílio ou equipamento. O que implica, segundo nos parece, a absolvição do recorrente deste crime.
Na aludida Motivação, o recorrente requereu ainda a redução da pena de oito (8) anos de prisão que lhe tinha sido condenada pelo Tribunal a quo no douto Acórdão em questão, arrogando, como circunstância atenuante, a confissão sem reserva dos factos, o sincero arrependimento e o encargo de sustentar a mãe.
No que diz respeito a esse pedido, subscrevemos inteiramente as criteriosas explanações da ilustre Colega na douta Resposta (fls.391 a 394 dos autos). Pois bem, «10. 就過錯而言,上訴人是非本地居民來澳犯罪,在自由、自願及有意識的情況下藏有多種毒品,以作出售給他人,顯示其主觀故意程度極高。»
A nível da prevenção geral, também sufragamos o entendemos de que «11.從預防犯罪的角度來看,上訴人所犯罪行為本澳常見罪行,其性質、不法性及後果相當嚴重,對吸毒者個人健康乃至公共健康及社會安寧均帶來極大的負面影響,因此,一般預防的要求極高。»
Para além disso, importa ter presente que de acordo com os factos provados no ponto 7 do douto Acórdão em crise, é elevada a quantidade dos materiais estupefacientes encontrados no recorrente.
Nestes termos, e tendo em consideração que a pena de oito anos de prisão aplicada ao recorrente não atinge à média do limite mínimo de 3 anos e do máximo de 15 anos (art.8°n.° 1 daLei n.°17/2009), não descortinamos a excessiva severidade e o espaço de redução da aludida pena concreta.
Por todo o expendido acima, propendemos pelo provimento do 1° pedido do recorrente, absolvendo-o do crime de detenção indevida de utensílio e equipamento; e pela improcedência do 2° pedido (redução da pena de oito anos de prisão que lhe foi imposta pela prática do crime p.p. pelo n.°1 do art.8° da Lei n.°17/2009)”; (cfr., fls. 413 a 414).
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Nada obstando, passa-se a decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão provados e não provados os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 368 a 369-v, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.
Do direito
3. Vem o arguido recorrer do Acórdão que o condenou pela prática como autor material e em concurso real de 1 crime de “tráfico ilícito de estupefacientes” e 1 outro de “detenção de utensilagem”, p. e p. pelos art°s 8°, n.° 1 e 15° da Lei n.° 17/2009, nas penas de 8 anos de prisão e de 2 meses de prisão respectivamente, e em cúmulo, na pena única de 8 anos e 1 mês de prisão.
E atentas as suas conclusões de recurso – que delimitam o thema decidendum do recurso, com excepção das questões de conhecimento oficioso que, no caso, não há – duas são as questões que importa decidir e que atrás já se deixaram identificadas.
–– Comecemos pela relacionada com o crime de “detenção de utensilagem”.
Nos termos do art. 15° da Lei n.° 17/2009:
“Quem detiver indevidamente qualquer utensílio ou equipamento, com intenção de fumar, de inalar, de ingerir, de injectar ou por outra forma utilizar plantas, substâncias ou preparados compreendidos nas tabelas I a IV, é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 60 dias”.
E, face ao assim transcrito, diz o recorrente que devia ser absolvido do crime em questão, dado que provado não ficou que os “instrumentos” para consumo de estupefaciente que detinha destinavam-se a “uso próprio”, (para o seu consumo).
E, constatando-se que efectivamente assim é, mostra-se de afirmar que tem o recorrente razão.
O comando em questão – como cremos resulta da sua letra e ratio – pune a (mera) “detenção de utensilagem” – porém, apenas, (e exclusivamente) – “para uso próprio”; (neste sentido, vd., v.g., o Ac. do então T.S.J. de 15.05.1996, Proc. n.° 475, in “Jurisprudência”, 1996, Vol. I, pág. 366 e segs., e de 16.10.1996, Proc. n.° 542, Vol. II, pág. 786 e segs., onde, no âmbito do anterior D.L. n.° 5/91/M, mas idêntica redacção do preceito legal, se considerou que “o crime p. e p. pelo art.° 12.° da lei n.° 5/91/M, de 28 de Janeiro (detenção indevida de cachimbos e outra utensilagem) só pode ser cometido por quem, sendo consumidor, se sirva de tais utensílios para esse mesmo consumo, uma vez que a lei pressupõe a intenção de fumar, inalar, ingerir, injectar ou por outra forma utilizar substâncias e preparados compreendidos nas tabelas I a IV”, motivos não havendo para não se manter este entendimento).
Não sendo o caso dos autos, há que absolver o recorrente deste crime.
–– Quanto à pena fixada para o crime de “tráfico”.
Pois bem, ao mesmo crime cabe a pena de 3 a 15 anos de prisão, tendo o Tribunal a quo fixado a pena de 8 anos de prisão.
E, nesta conformidade, evidente nos parece que inviável é qualquer alteração.
Com efeito, repetidamente tem este T.S.I. entendido e afirmado que: “na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites”; (cfr., v.g., o Ac. de 03.02.2000, Proc. n° 2/2000, e, mais recentemente, de 30.10.2014, Proc. n° 509/2014).
Nos termos do art. 40° do C.P.M.:
“1. A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
3. A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente”.
No caso, e como resulta dos autos, agiu o recorrente com dolo directo e intenso, acentuado sendo o grau de ilicitude da sua conduta e fortes as necessidades de prevenção criminal.
Nesta conformidade, provado estando também que desenvolvia a actividade de tráfico de estupefacientes há cerca de “meio ano”, atenta a espécie e quantidade de estupefaciente apreendidos, a sua apresentação, já embalada em “doses individuais” através de saquinhos de plástico, (que eram às dezenas), e considerando que lhe foram igualmente apreendidos uma “balança eléctrica” e um outro conjunto de saquinhos para novas embalagens, (cfr., fls. 25 e segs.), sendo assim caso para dizer que em causa não está um “traficante (meramente) ocasional”, (mas antes com alguma “estabilidade”), mostra-se-nos pois necessária uma “adequada reacção penal”, tudo a justificar a pena fixada e, desta forma, a improcedência do recurso na parte em questão.
Decisão
4. Em face de tudo quanto se tentou deixar expendido, em conferência, acordam julgar parcialmente procedente o recurso, absolvendo-se o arguido do crime de “detenção de utensilagem”, p. e p. pelo art. 15° da Lei n.° 17/2009 e confirmando-se a sua condenação como autor da prática de um crime de “tráfico ilícito de estupefacientes”, p. e p. pelo art. 8°, n.° 1 da mesma Lei n.° 17/2009, na pena de 8 anos de prisão.
Custas pelo recorrente pelo seu decaimento, com taxa de justiça que se fixa em 2 UCs.
Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.
Macau, aos 19 de Março de 2015
Dr. José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
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