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Processo nº 81/2015 Data: 19.03.2015
(Autos de recurso penal)

Assuntos : “Inibição de condução”.
Pena acessória.
Medida de segurança.
Transcrição no Certificado de Registo Criminal.



SUMÁRIO

1. A “inibição de condução” tem a natureza de sanção acessória.

2. A expressão “qualquer interdição” do art. 27°, n.° 2 do D.L. n.° 27/96/M, inclui a pena acessória de inibição de condução.
O relator,

______________________
José Maria Dias Azedo


Processo nº 81/2015
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A, arguido com os sinais dos autos, vem recorrer da decisão proferida pelo Mmo Juiz do T.J.B. que indeferiu o pedido de “não transcrição da pena de inibição de condução nos Certificados de Registo Criminal a que se referem o art. 21° do D.L. 27/96/M”.

Na sua motivação de recurso produz as conclusões seguintes:

“(i) O presente recurso tem por objecto a decisão do Tribunal Judicial de Base de Macau proferida nos autos acima identificados na parte em que indeferiu o expresso pedido do Arguido formulado em sede de audiência de julgamento, com base no artigo 21°, alínea e) do artigo do Decreto-Lei 27/96/M, de 3 de Junho, e, ainda, por cautela de patrocínio, nos termos do conjugadamente disposto nos artigo 27°, n°1 e 21.°, alínea g), ambos do mesmo diploma, no sentido de não ser a sentença transcrita nos certificados a que se refere o art. 21° mencionado diploma.
(ii) O Tribunal a quo indeferiu o requerido com fundamento em que não se verificaria, in casu, o preenchimento do requisito da tempestividade vertido no artigo 27.°, n.° 2 do Decreto-Lei 27/96/M, acrescentado que apenas após o decurso do prazo da (alegada) interdição poderá a sentença deixar de ser transcrita nos dito certificados.
(iii) Assim, e salvo o devido respeito, a sentença sub judice acha-se ferida de nulidade, nos termos do conjugadamente disposto nos artigos 355.°, n.° 2, e 360.°, n.° 1, alínea a) do CPP, na medida em que sustentou a mencionada decisão de indeferimento apenas na asserção de que o Arguido não cumpre os pressupostos previstos no artigo 27.°, n.° 2 do Decreto-Lei 27/96/M, sem qualquer outro exercício de fundamentação, de facto ou de direito, do decidido, não se alcançando como feita a subsunção da sanção acessória de inibição a uma disposição aplicável a medidas de segurança de interdição.
(iv) O segundo argumento que se aponta à parte do aresto em crise é que este incorre em errar in iudicando pois ao indeferir o pedido do Arguido de não transcrição da condenação em pena acessória de inibição de condução nos certificados de registo criminal a que se refere o art. 21 ° do supra citado diploma, é (apenas) referido que o mesmo não preenche o requisito da tempestividade para requerer a referida não transcrição, violando assim o disposto nos termos conjugados do art. 21°, ai e), e 27.°, ambos do Decreto-Lei 27/96/M.
(v) Salvo melhor opinião, tal decisão, por um lado, é destituída de suporte legal e que, por outro lado, a não transcrição da condenação em pena acessória de inibição de condução nos certificados a que se refere o artigo 21.° do mencionado diploma deve operar ope legis.
(vi) O Arguido encontra-se nas condições previstas na alínea e) do artigo 21.° do mesmo diploma - isto é, (1) é um delinquente primário e (2) condenado em pena inferior a 6 meses de prisão, não lhe tendo sido aplicada qualquer medida de interdição (mas, repita-se, apenas de inibição).
(vii) O Tribunal a quo confundiu as figuras de interdição, prevista em termos semelhantes nos referidos artigos 27.°, n.° 2 e 21.°, alínea e), e da sanção acessória de inibição aplicada ao Arguido nos presentes autos.
(viii) A sanção acessória de inibição tem a natureza de pena acessória, dependendo a sua aplicação dos próprios critérios gerais de determinação das penas, e por isso, da existência culpa do agente, cumprindo a função primordial de prevenção geral negativa ou de intimidação.
(ix) Por seu turno, uma medida de segurança (incluindo de interdição) tem como pressuposto e princípio de medida a sua perigosidade, encerrando finalidades de defesa social ligadas à prevenção especial, seja sob a forma de pura segurança, seja sob a forma de (re)socialização, que se legitima perante um juízo de perigo de cometimento de novos crimes.
(x) O que acima ficou dito encontra igualmente suporte nas finalidades do registo criminal, as quais, a par do disposto no n.° 1 do artigo 1.° do Decreto-lei 27/96/M, e segundo a doutrina e jurisprudência autorizadas sobre a matéria, resumem-se a três, em função da possibilidade de acesso e utilização dos respectivos elementos, a saber: (1) meio de prova (2) medida de segurança e (3) instrumento subsidiário de outras figuras.
(xi) Por outro lado, do art. 27.° do diploma em crise resulta claro que se pretende alcançar um equilíbrio entre as exigências de defesa da sociedade e da ressocialização, fazendo os interesses e fins públicos ceder perante os fins particulares da reabilitação, nos casos em que, cumulativamente, se esteja perante (1) uma condenação em pena de prisão inferior a um ano e em que (2) as circunstâncias do caso permitam concluir que, através de um juízo de prognose, se não possa concluir pela existência de perigo da prática de novos crimes.
(xii) Por seu turno, o artigo 21.° contempla um verdadeiro princípio de primazia do interesse privado e das exigências de prevenção especial positiva sobre os fins e interesses públicos de prevenção geral positiva, para os casos em que as próprias finalidades de prevenção geral e especial positiva são (já consideradas pelo legislador como) diminutas, sempre que se puder afastar um juízo de perigosidade sobre o condenado.
(xiii) Para tal conclusão igualmente contribui o regime da Lei 3/2007 relativo ao registo das infracções de trânsito nela contidas, quando, no artigo 144.°, se manda lançar as sanções de inibição de condução em cadastro de cada condutor organizado para o efeito (actualmente) pela Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego.
(xiv) Do que ficou dito supra resulta claro que, pelas diminutas exigências de prevenção, a transcrição da sanção inibitória de condução não tem nem pode ter lugar - no certificado de registo criminal a que se refere o art. 21°, onde somente se transcrevem decisões condenatórias em sanções mais graves (incluindo medidas de segurança de interdição), e cujas exigências de prevenção são de maior relevância. De facto,
(xv) No caso das medidas de interdição, havendo perigosidade socialmente relevante, deve haver lugar a essa transcrição nos ditos certificados, por forma a que as entidades públicas e particulares que a eles têm acesso possam ter conhecimento das mesmas, prosseguindo-se o fim de prevenção geral positiva que lhes subjaz (uma vez que se está perante a probabilidade de cometimento de novos crimes). Por seu turno,
(xvi) Quanto às sanções acessórias de inibição, posto que não há nem perigosidade nem probabilidade de cometimento de novos crimes, não se revela necessário que as entidades públicas e particulares com acesso aos certificados do registo criminal referidos no art. 21° do diploma em crise tenham conhecimento dessas sanções, sendo (e devendo ser) inacessível ao público matéria de estrita relevância individual, sendo certo que tal transcrição prejudicaria irrazoável e injustificadamente o arguido.
(xvii) De facto, a comunicação desta sanção de inibição à divisão de fiscalização da Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego, que organiza o registo das infracções em matéria de trânsito, é bastante para que se cumpram as finalidades subjacentes a este tipo de sanções.
(xviii) Ao ter decidido nos termos supra expostos e pelos motivos expendidos, o douto tribunal a quo aplicou o preceito jurídico em exame em termos verdadeiramente desviantes do seu sentido quer literal, quer teleológico, propondo-se aplicá-lo a uma situação que apenas no domínio da aparência se revela semelhante e que ele nunca se propôs regular, colidindo frontalmente com a proibição de aplicação analógica, corolário do princípio da legalidade vertido no artigo 1.°, n.° 3, do Código Penal, princípio enformador basilar do edifício jurídico-penal.
(xix) Assim, pelos motivos expostos, estava completamente vedado ao douto tribunal a quo o indeferimento do requerimento do Arguido, no sentido da não transcrição da decisão condenatória em sanção acessória de inibição para o certificado de registo criminal a que se refere o art. 21° do Decreto-Lei 27/96/M (requerimento que formulou por exclusiva cautela de patrocínio), bem como igualmente lhe estava vedado decidir que tal requerimento apenas poderia ser efectuado pelo Arguido após o decurso do prazo da referida sanção”.
A final, pede “que seja o presente recurso julgado totalmente procedente, por provado, revogando-se a sentença do Tribunal Judicial de Base de Macau, na parte em que indeferiu o expresso pedido do Arguido no sentido de não ser a condenação transcrita nos certificados de registo criminal a que alude o art. 21°, com fundamento na sua nulidade por falta de fundamentação, ao abrigo do conjugadamente disposto nos artigos 355.°, n.° 2 e 360.°, n.° 1, alínea a) do CPP ou, caso não proceda o fundamento anterior, com fundamento na errada aplicação do conjugadamente disposto nos artigos 27.°, n.°s 1 e 2, e 21.°, alínea e), ambos do Decreto-Lei 27/96/M, ao abrigo do disposto no artigo 9.° do Código Civil e do artigo 1.°, n.° 2, do CP”; (cfr., fls. 52 a 74).

*

Respondendo, diz o Ministério Público o que segue:

“1. O presente recurso tem por objecto a decisão de indeferir o pedido de não transcrição da respectiva sentença nos certificados de registo criminal do recorrente.
2. Nas motivações do recurso, o recorrente invocou sucessivamente a nulidade da sentença na parte recorrida por insuficiência de fundamentação de direito e erro na aplicação do artigo 27.°, n.° 2 do Decreto-Lei 27/96/M.
3. Quanto à insuficiência de fundamentação, conforme o teor da decisão recorrida, o Tribunal a quo está mui bem fundamentado, sendo ostensivamente, de facto e de direito da sua razão de indeferimento o pedido de não transcrição da sentença no registo recorrida.
4. Obviamente, não existe o alegado vício a decisão recorrida.
5. Quanto à interpretação jurídica do n.° 2 do artigo 27° do Decreto-Lei n.° 27/96/M, entende o recorrente que a interdição a que se refere a disposição referida é apenas medidas de segurança de interdição, não se incluindo aí a sanção acessória de inibição de condução aplicada ao recorrente.
6. No nosso modesto entendimento, não é essa a verdadeira intenção legislativa.
7. Por um lado, dizendo o legislador aqui “qualquer interdição”, não nos parece que, na letra da lei, possa afastar a pena acessória de inibição de condução.
8. Por outro lado, atendendo o fim visado pelo legislador ao consagrar o regime do registo criminal, e a asseguração do controlo da execução da pena, quer principal quer acessória, pelas autoridades competentes, entendemos que a interdição referida no n.° 2 do artigo 27° (e também na al. e) de art. 21°) do diploma citado envolve uma qualquer interdição condenatória, incluindo, certamente, a pena acessória de inibição de condução”.
Pugna, assim, pela improcedência do recurso”; (cfr., fls. 80 a 82-v).

*

Admitido o recurso com efeito e modo de subida adequadamente fixados, vieram os autos a este T.S.I..

*

Em sede de vista juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“Do recurso de fls.53 a 74 dos autos
Na sua Motivação de fls.53 a 74 dos autos, o recorrente arrogou a nulidade por falta de fundamentação ao abrigo do conjuntamente disposto nos arts. 355° n.° 2 e 360° n.° l-a) do CPP e, a título subsidiário, a errada aplicação do conjuntamente disposto nos arts.27°, n.°s 1 e 2, e 21°-e), ambos do D.L. n.° 27/96/M, ao abrigo do disposto no art.9° do Código Civil e art. l°, n.° 3 do Código Penal.
Antes de mais, sufragamos inteiramente as criteriosas explanações da ilustre Colega na Resposta (cfr. fls.80 a 83v. dos autos), no sentido do não provimento dos dois argumentos.
Ora, da Acta de fls. 15 a 18 consta o texto integral do douto despacho em questão que determina: «考慮到嫌犯現被判處禁止駕駛1年的附加刑,根據第27/6/M號法令第27條第2款的規定(“如會科處任何禁止者,僅在禁止期間屆滿後,放得適用上款之規定”),嫌犯目前並不具備不轉錄刑事記錄的條件;故此,駁回其請求。».Note-se que tal despacho foi proferido a pedido oral da parte defesa, pedido que consiste em não transcrição da condenação no registo criminal.
Para qualquer pessoa com diligência e inteligência normais, esse despacho dá, bastante e suficientemente, a perceber que tal pedido oral vê indeferido em virtude de o arguido não reunir, naquela altura, os respectivos requisitos para efeitos de não transcrição, por lhe ser imposta a pena acessória de inibição de condução pelo período de um (1) ano.
Nesta linha de vista, e em harmonia com as correspondentes jurisprudências (a título exemplificativo, o Acórdão do TUI no Processo n.° 23/2007), temos por certo que sendo embora concisa a fundamentação do despacho em causa, não se verifica a invocada nulidade por falta de fundamentação.
Ressalvado respeito pela opinião diferente, entendemos ser líquido e concludente que a locução «qualquer interdição» na e) do art. 21° e n.°2 do art. 27°, ambos do D.L. n.° 27/96/M, inclui todas as interdições legalmente previstas tanto a título de medidas de segurança, como em sede de pena acessória, sendo sofisticada e manifestamente insubsistente a interpretação adoptada pelo recorrente.
Tudo isto aconselha-nos a crer que é impecável o douto despacho sob escrutínio, daí que deverá ser improcedente o recurso em apreço.
*
Do requerimento de fls.98 a 104 dos autos
Alegando ao abrigo das disposições no n.°3 do art. 404°, na alínea a) do n.° 7 do art. 407° e na a) do n.° l do art. 398°, todos do CPP, o recorrente solicitou, nesse requerimento, a alteração do efeito devolutivo fixado pela MMa Juiz a quo e a atribuição do efeito suspensivo.
Repare-se que o recurso acima analisado não toca as condenações operadas na douta sentença da MMa Juiz a quo, cingindo-se estritamente ao mencionado despacho de indeferir o pedido oral de não transcrição das condenações no registo criminal.
Deste modo, e em sintonia com a interpretação a contrario sensu do preceito na alí. a) do n.° 1 do art. 398° do CPP, afigura-se-nos que não tem efeito suspensivo o recurso interposto por via da Motivação de fls.53 a 74 dos autos, e não merece censura o despacho de fls.83 dos autos, na parte de fixar o efeito devolutivo a tal recurso.
Daqui flui que deverá ser indeferido o Requerimento em apreço.
***
Por todo o expendido acima, propendemos pelo não provimento do presente recurso e pelo indeferimento do referido Requerimento”; (cfr., fls. 107 a 108).

*

Corridos os vistos dos Mmos Juízes-Adjuntos – e certo sendo que em sede de exame preliminar se decidiu do peticionado efeito suspensivo do recurso, que se mostra de manter – passa-se a apreciar.

Fundamentação

Dos factos

2. Vem o arguido dos autos recorrer da decisão pelo Mmo Juiz do T.J.B. proferida que lhe indeferiu o pedido que deduziu no sentido da não transcrição da pena de inibição de condução em que foi condenado nos certificados de registo criminal a que se referem o art. 21° do D.L. n.° 27/96/M.

E, como cremos que resulta das suas conclusões de recurso – que delimitam o thema decidendum do recurso, com excepção das questões de conhecimento oficioso que, no caso, não há – assaca à decisão recorrida os vícios de “falta de fundamentação” e “errada aplicação de direito”, no caso, os art°s 21°, 27°, do dito D.L. n.° 27/96/M, também conhecido como “Regime do Registo Criminal”.

Vejamos então se tem o recorrente razão.

–– Comecemos pela alegada “falta de fundamentação”.

Pois bem, aqui, cremos que não se pode reconhecer razão ao recorrente.

Com efeito, e como o próprio recorrente afirma, o Mmo juiz do T.J.B. “sustentou a mencionada decisão de indeferimento apenas na asserção de que o Arguido não cumpre os pressupostos previstos no artigo 27.°, n.° 2 do Decreto-Lei 27/96/M”.

É certo que afirma também o recorrente que na mesma decisão não se fez “qualquer outro exercício de fundamentação, de facto ou de direito, do decidido, não se alcançando como é feita a subsunção da sanção acessória de inibição a uma disposição aplicável a medidas de segurança de interdição”.

Porém, não se afigura de acolher o assim considerado.

Nos termos do art. 27° do D.L. n.° 27/96/M:

“1. Os tribunais que condenem em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade podem determinar na sentença ou em despacho posterior, sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, a não transcrição da respectiva sentença nos certificados a que se refere o artigo 21.º
2. No caso de ter sido aplicada qualquer interdição, apenas será observado o disposto no número anterior findo o prazo da mesma.
3. O cancelamento previsto no n.º 1 é revogado automaticamente no caso de o interessado incorrer em nova condenação por crime doloso”.

E, tendo o Mmo Juiz a quo dito que a situação (de facto) do ora recorrente “não preenchia os pressupostos do art. 27°, n.° 2”, inegável é que fundamentado está o decidido.

Não se pode olvidar que em causa está uma mera “decisão judicial” e não uma sentença (ou acórdão), aplicável não sendo o art. 355° do C.P.P.M. quanto à sua “fundamentação”, mas (apenas) o art. 87°, n.° 4 do mesmo Código, e que, estamos em sede de um “processo sumário”, em que vigora o “princípio da simplicidade”, (cfr., v.g., o art. 366°, n.° 2 do C.P.P.M.), e em que até a própria “sentença pode ser proferida verbalmente e ditada para a acta”, (cfr., art. 370°, n.° 7), como no caso sucedeu com a “decisão ora recorrida”, não sendo pois de exigir uma “fundamentação abundante”, “extensa” ou “generosa”.

Aliás, pela motivação pelo recorrente apresentada no âmbito do presente recurso, cremos que o recorrente não deixou de alcançar, totalmente, os “motivos” da decisão.

Com efeito, e como sem esforço se colhe da aludida peça processual, diz o recorrente que a decisão recorrida fez “errada interpretação de direito”, mais não se mostrando assim de dizer sobre o ponto em questão, sendo, de se passar a ver se, em relação a este assacado vício – “erro de direito” – tem razão.

–– Ora, em síntese, diz o recorrente que a “interdição” a que se refere o art. 27°, n.° 2 do D.L. n.° 27/96/M – preceito legal cujo teor se deixou já transcrito – não inclui a “inibição de condução” em que foi condenado, que o mesmo comando legal apenas se aplica a “interdições”, (havendo que se atender à sua diferença, pois que a “inibição” em que foi condenado é uma “sanção acessória”, e “não medida de segurança”).

Pois bem, da reflexão que sobre a questão nos foi possível efectuar, eis o que sobre a questão se nos mostra de consignar.

É – cremo nós – conhecida a polémica sobre a “natureza jurídica da inibição de condução”, que deu origem a várias posições na doutrina e jurisprudência; (vd., v.g., P. Farinha in “Scientia Jurídica”, Ano V, 1956, pág. 177 segs.; V. Faveiro in “Prevenção Criminal”; A. C. Neves Ribeiro, in “Cód. da Estrada”, 1969, pág. 224; e C. de Ferreira in Direito Penal, p. IV, pág. 202, assim como o que se consignou no (então) Assento do S.T.J. de 20.05.1992, in D.R., I, Série 1, de 10.06.1992, pág. 3275 a 3280, aqui citado como mera referência, e que pondo fim à contenda, fixou jurisprudência no sentido de que a “inibição de conduzir estatuída no art. 61° do Código da Estrada constitui uma medida de segurança”).

Porém – independentemente do demais e da posição que se possa (eventualmente) ter, (note-se que o citado assento não tem os efeitos de um Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Vdo T.U.I.) – uma coisa é certa, (e cremos estarmos todos de acordo): há efectivamente que distinguir “penas acessórias” e “medidas de segurança”.

A evidência de tal distinção é nos claramente demonstrada pelo C.P.M., que reserva o art. 60° e segs. às primeiras e o art. 83° e segs. para as segundas, o mesmo sucedendo com o citado D.L. n.° 27/96/M, (que regula o “Regime do Registo Criminal”), pois que, no art. 3°, refere-se a ambas, não-nos parecendo razoável considerar que o tenha feito pretendendo-se referir à mesma realidade, (até por se mostrar o assim entendido contrário ao estatuído no art. 8° do C.C.M. sobre as regras da “interpretação da lei”).

Seja como for, e ainda que, (como, aliás, temos vindo a fazer), se nos mostre de considerar a “inibição de condução” uma “pena acessória” – tenha-se em conta que a aplicação do atrás referido Assento do S.T.J. foi também afastada após alterações legislativas entretanto ocorridas, (cfr., v.g., os Acs. do S.T.J. de 07.05.1997, P. n.°96P1189, e de 11.12.1998, P. n.°97P900), neste sentido nos parecendo ser igualmente a intenção do legislador local, que utiliza preferencialmente a expressão “sanção” (cfr., v.g., o art. 109° da Lei n.° 3/2007, embora, em sede de trabalhos preparatórios, não deixe de se referir àquela como “medida de segurança”; cfr., v.g., o Parecer n.° 1/III/2007, sobre o então “Projecto de Lei” intitulada “Lei do Trânsito Rodoviário” no sítio da Assembleia Legislativa de Macau) – cremos que o presente recurso terá de improceder.

Relevam para a decisão a proferir os seguintes preceitos do D.L. n.° 27/96/M.

Artigo 3.º (Conteúdo do registo criminal):
“Estão sujeitos a registo criminal:
a) Os despachos de pronúncia ou decisões equivalentes;
b) As decisões que revoguem as referidas na alínea anterior;
c) As decisões absolutórias, nos casos em que tenha havido despacho de pronúncia ou decisão equivalente;
d) As decisões condenatórias referentes a crimes, as referentes a contravenções puníveis com pena de prisão e as referentes a contravenções puníveis com multa, quando em reincidência lhes corresponda prisão;
e) As decisões que revoguem a suspensão da execução da pena de prisão;
f) As decisões que apliquem medidas de segurança, determinem a sua cessação, reexame, prorrogação ou suspensão, ou revogação da suspensão, concedam ou revoguem a liberdade experimental, bem como as decisões relativas a imputáveis portadores de anomalia psíquica ou a expulsão de inimputáveis não-residentes; *
g) As decisões que prorroguem a pena de prisão e as que concedam ou revoguem a liberdade condicional e o cancelamento definitivo ou provisório;
h) As decisões que apliquem amnistias, nos casos em que tenha havido despacho de pronúncia ou decisão equivalente, indultos e perdões;
i) As decisões que determinem a não transcrição em certificados de registo criminal de condenações que tenham aplicado;
j) Os acórdãos que concedam a revisão das decisões;
l) As decisões que concedam ou deneguem a entrega de infractores em fuga;
m) Os despachos de admissão de recurso das decisões sujeitas a registo;
n) As datas de início, termo, suspensão ou extinção das penas de prisão, das penas acessórias e das medidas de segurança;
o) O cumprimento das penas de multa;
p) O falecimento do titular do registo criminal”.

Artigo 4.° (Conteúdo dos boletins do registo criminal):
“1. Os boletins do registo criminal devem conter:
   a) A indicação do tribunal remetente e do número do processo, com referência aos números dos processos anteriores, se diferentes, assim como a data e a assinatura do responsável pelo seu preenchimento, autenticada com o selo branco;
b) A identificação do arguido;
   c) O conteúdo da decisão ou o facto sujeito a registo.
2. A identificação do arguido abrange o nome e correspondentes códigos numéricos, alcunha, filiação, naturalidade, nacionalidade, data de nascimento, estado civil, profissão, residência, número do documento de identificação ou, na sua falta, do documento de viagem e, sempre que possível, as impressões digitais.
3. A decisão é anotada com especificação da sua data, natureza, designação legal do crime ou contravenção, quando a houver, data, ainda que aproximada, da prática destes, indicação dos preceitos violados, pena ou medida de segurança aplicadas ou período de internamento determinado”.

Artigo 9.° (Acesso de terceiros):
“Podem ainda aceder à informação sobre identificação criminal:
a) Os magistrados judiciais e do Ministério Público para fins de investigação criminal, de instrução de processos criminais, de execução de penas ou individuais de reclusos;
b) Outras entidades com competência, própria ou delegada, para a instrução de processos referidos na alínea anterior e para esses fins, bem como a quem incumba cooperar internacionalmente na prevenção e repressão da criminalidade e no âmbito dessas competências;
c ) A Direcção dos Serviços de Justiça, no âmbito da prossecução dos seus fins de reinserção social;
d) Outras entidades oficiais para a prossecução de fins públicos a seu cargo não abrangidos pelas alíneas anteriores e que não possam obtê-la dos próprios interessados, mediante autorização do Governador, precedida de proposta fundamentada dos SIM;
e) As autoridades exteriores ao Território, mediante autorização do Governador e nas mesmas condições das correspondentes autoridades do Território, para fins de instrução de processos criminais;
f) Os serviços de identificação criminal exteriores ao Território, nos termos das convenções internacionais aplicáveis em Macau ou dos acordos no domínio da cooperação judiciária”.

Artigo 20.° (Certificados requisitados):
“1. Os certificados requisitados para os fins referidos nas alíneas a), b) e c) do artigo 9.º contêm a transcrição integral do registo criminal, com excepção da informação cancelada ao abrigo do artigo 23.º
2. Só em certificados requisitados nos termos do número anterior constam as decisões proferidas por tribunais que não pertençam à organização judiciária de Macau, sendo-lhes também aplicável o disposto nos artigos 23.º e 24.º”.

Artigo 21.° (Certificados para outros fins):
“Os certificados requeridos ou requisitados para fins não previstos no artigo anterior têm o conteúdo referido nesse artigo, exceptuando-se:
a) Os despachos de pronúncia ou decisões equivalentes;
b) As condenações por contravenção, decorridos 6 meses após o cumprimento da pena;
c) As decisões canceladas nos termos do artigo 25.º, ainda que apenas relativamente ao fim para que se destine o certificado, bem como a revogação, anulação ou extinção destas decisões;
d) As decisões que declararem uma interdição de actividade, nos termos do artigo 92.º do Código Penal, quando o período de interdição tenha chegado ao seu termo;
e) As condenações, relativas a delinquentes primários, em pena não superior a 6 meses de prisão ou em pena não privativa da liberdade, salvo se lhe corresponder qualquer interdição prevista na lei; neste último caso, a sentença só deixará de ser transcrita quando findo o período de interdição ou de incapacidade;
f) As decisões que concedam ou deneguem a entrega de infractores em fuga:
g) As decisões que, nos termos do artigo 27.º, não devam ser transcritas;
h) As decisões intermédias, quando já constar decisão final;
i) Qualquer outra decisão que, por força da lei, não deva ser transcrita nos certificados passados para os fins acima indicados”.

Artigo 27.° (Não transcrição das decisões):
“1. Os tribunais que condenem em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade podem determinar na sentença ou em despacho posterior, sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, a não transcrição da respectiva sentença nos certificados a que se refere o artigo 21.º
2. No caso de ter sido aplicada qualquer interdição, apenas será observado o disposto no número anterior findo o prazo da mesma.
3. O cancelamento previsto no n.º 1 é revogado automaticamente no caso de o interessado incorrer em nova condenação por crime doloso”.
Aqui chegados, vejamos.

Desde já, e como – bem – observa o Ministério Público, não nos parece que com a expressão “qualquer interdição” (do art. 27°, n.° 2) se tenha apenas pretendido referir, (de forma exclusiva), às “interdições” (strictu sensu), enquanto “medidas de segurança”, afigurando-se-nos que com a mesma – e especialmente em virtude da utilização da locução “qualquer” – se tenha querido incluir “todas as – chamemos – proibições”, tenham elas a natureza de “pena acessória” ou “medida de segurança”.

Na verdade, importa não olvidar que nos termos do (atrás já aludido) art. 8 do C.C.M.:

“1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”.

E, nesta conformidade, motivos não se vislumbram para se considerar que as aludidas “interdições” (referidas no n.° 2 do art. 27° do D.L. n.° 27/96/M) não sejam todas as “proibições”,–e, por conseguinte, também “inibições” – decretadas por decisões judiciais, independentemente da sua “natureza jurídica”, pois que, se o legislador sabia que diferenças havia, (cfr., art. 3°, al. f) e n)), e se não as distinguiu, ao intérprete não cabe distinguir.

Por sua vez, e se bem ajuizamos, vale aqui a pena tentar outra “motivação”.

Não se pode olvidar que o próprio art. 27°, que permite a não transcrição remete para o art. 21°, (onde se estabelece sobre os “certificados” a que se refere o presente recurso), sendo que neste se prevêem “duas interdições”, (as únicas referidas em todo o diploma legal, não parecendo assim que o legislador se tenha delas esquecido quando redigiu o art. 27° com a expressão “qualquer interdição”), e que, da mesma forma, (como no art. 27°, n.° 2), apenas não devem ser objecto de transcrição para os certificados quando o seu período (de interdição) esteja findo.

Dest’arte, consagrando-se já no art. 21° duas “interdições”, que devem constar (sempre) dos certificados de registo criminal, só o deixando de suceder após o seu termo, e constatando-se que, mesmo assim, volta o legislador a “repetir” tal necessidade (de transcrição) no art. 27°, n.° 2, utilizando a expressão “qualquer interdição”, razoável e natural nos parece também de concluir que pretendeu abranger, (como já o referimos), todo o tipo de “proibição”, (seja ela medida de segurança ou pena acessória), como é o caso da “inibição de condução”.

Decisão

3. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.

Pagará o recorrente a taxa de justiça que se fixa em 4 UCs.

Macau, aos 19 de Março de 2015
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 81/2015 Pág. 30

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