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Processo nº 284/2015
Data do Acórdão: 28MAIO2015


Assuntos:

Valor da acção
Legitimidade para recorrer
Interesse de agir
Sucumbência


SUMÁRIO

1. O pressuposto necessário à legitimidade para recorrer é o gravame ou prejuízo real sofrido. Sem este não há interesse de agir, suporte do pedido de impugnação.

2. Sendo o valor de sucumbência inferior à metade da alçada do Tribunal recorrido, o recurso não é admitido.


O relator


Lai Kin Hong


Processo nº 284/2015


Acordam em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I

No âmbito da acção ordinária nº CV2-07-0069-CAO, após o trânsito em julgado do Acórdão do TUI que pôs termo à acção, foi elaborada e notificada aos réus a conta final em que foi tido, como o valor da acção na primeira instância, para os efeitos do cálculo das taxas de justiça e custas, o valor de MOP$48.647.192,00.

Inconformados com a fixação desse valor tido em conta para o efeito do cálculo das taxas de justiça e custas, A e B, dois dos Réus, apresentaram a reclamação da conta pedindo a redução do valor da acção, de MOP$48.647.192,00 para o valor de MOP$24.320,000,00.

Por despacho do Exmº Juiz titular do processo, foi julgada parcialmente procedente a reclamação e determinada a rectificação do valor da acção, que passou a ser fixado em MOP$29.823.596,00.

Notificada e inconformada, a Autora Associação de Beneficência Tong Sin Tong veio recorrer desse despacho para este TSI, com fundamento na intempestividade da reclamação e no erro na fixação do valor da acção.

Devidamente admitido e tramitado o recurso, foram os Réus notificados das alegações do recurso da Autora.

Contra-alegaram os Réus A e B suscitando, entre outras, numa relação subsidiária, as várias questões prévias da falta de interesse de agir, da ilegitimidade da Autora para recorrer e da inadmissibilidade do recurso por o valor da sucumbência ser inferior a metade da alçada do TJB.

Devidamente instruído e oportunamente subido para este TSI, o recurso foi admitido.

Ora, tal como vimos supra, nas contra-alegações foi suscitada inter alia a questão prévia da ilegitimidade da recorrente por falta de interesse de agir.

Trata-se de uma questão prévia cuja procedência obsta ao conhecimento do recurso por este Tribunal.

Apesar de o recurso ter sido já liminarmente admitido pelo despacho do relator desta instância, o certo é que esse despacho não é mais do que um despacho tabular, não sendo susceptível de constituir caso julgado formal nem vinculando o Colectivo.

Então vejamos se tem a recorrente legitimidade para recorrer.

In casu, está em causa a legitimidade da recorrente para reagir por via de recurso contra o despacho que decidiu a reclamação da conta deduzida nos termos prescritos no artº 49º e s.s. do RCT.

A lei exige, para ter legitimidade de recorrer de uma decisão, que a pessoa seja directa e efectivamente prejudicada pela mesma decisão – artº 585º/2 do CPC.

O pressuposto necessário à legitimidade para recorrer é o gravame ou prejuízo real sofrido. Sem este não há interesse de agir, suporte do pedido de impugnação - Cf. Amâncio Ferreira, Manual de Recursos em Processo Civil, 5ª ed., pág. 139.

Ou seja, para ter legitimidade de recorrer é preciso que a recorrente sofra um prejuízo real ou gravame por força da decisão recorrida.

Como se sabe, o valor da acção releva, inter alia, para os efeitos do cálculo das custas a suportar pela parte vencida e da procuradoria destinada a compensar a parte vencedora por despesas realizadas com os seus mandatários judiciais.

Em princípio, as partes têm interesse em ver que o valor seja correctamente fixado, pois se perder a acção ou mesmo no caso de decaimento parcial da acção ou da contestação, têm de suportar as custas calculadas com base no valor de acção, e se ganhar a acção, mesmo só parcialmente, têm direito à procuradoria também calculada em função do valor de acção e da complexidade da causa – artº 27º/1 do RCT.

No caso em apreço, existe uma particularidade.

A Autora, ora recorrente, pela sua qualidade, beneficia da isenção subjectiva das custas por ser pessoa colectiva de utilidade pública administrativa – artº 2º/1-e) RCT.

Assim, com a prolação do despacho que reduziu a o valor da acção a ser tido em conta para o cálculo das custas, a Autora não sofre qualquer gravame ou prejuízo real, uma vez que sobre ela nunca irá impender qualquer encargo resultante das custas.

Todavia, como é in casu a parte parcialmente vencedora, a Autora tem direito a receber a procuradoria, cujo valor é calculado em função do valor e complexidade da causa – artº 27º/1 do RCT.

Portanto, a redução do valor de acção determinada pelo despacho recorrido implica sempre a redução proporcional do valor da procuradoria a receber pela Autora.

Assim, a Autora tem interesse de agir e por isso legitimidade para recorrer do despacho ora recorrido.

Para que o recurso seja admitido, não basta que o recorrente tenha interesse de agir e portanto legitimidade para recorrer, é ainda preciso que a decisão recorrida seja desfavorável à pretensão do recorrente em valor superior a metade da alçada do tribunal recorrido – artº 583º/1 do CPC.

Trata-se de uma questão de sucumbência, que aliás foi suscitada pelos recorridos nas contra-alegações.

Portanto, urge agora averiguar se o valor de sucumbência justifica a admissibilidade do recurso.

In casu, o Tribunal recorrido é o TJB.

Ora, nos termos do disposto no artº 18º/1 do LBOJM, a alçada do TJB é MOP$50.000,00.

Assim, para que o recurso seja admitido, é preciso que a Autora sofra um gravame em valor superior à metade de MOP$50.000,00, que é MOP25.000,00.

De acordo com a conta final reclamada, a Autora tinha direito a receber MOP$60.000,00.

Com a redução determinada pelo despacho recorrido, o valor da acção passa de MOP$48.647.192,00 para MOP$29.823.596,00. E na sequência da redução do valor de acção, o valor total da procuradoria que a Autora passa a receber é apurado nos termos do mapa seguinte:


Procuradoria (1.ª Inst –calculada sobre o valor total do processo
MOP$29.823.596,00, já compensado na proporção de 50%)………….$ 18.700,00

Procuradoria (2.ª Ins.-recurso da autora – já compensado) ………………..$ 0,00

Procuradoria (2.ª Ins.-recurso dos réus) …….................................$ 15.950,00

Procuradoria (TUI.-recurso dos réus) ……….................................$ 15.950,00
$50.600,00

Confrontando o valor de MOP$50.600,00 com o valor de MOP$60.000,00 fixado na conta reclamada e alterada, a Autora passa a receber, a título de procuradoria, o valor de MOP$50.600,00, que é apenas em MOP$9.400,00 inferior ao de MOP$60.000,00, que recebia se não houvesse redução.

Sendo o valor de sucumbência de MOP$9.400,00 bem inferior à metade de MOP$50.000,00, que é MOP25.000,00, o presente recurso não pode ser admitido – artº 583º/1, a contrario.

Sem mais delongas, resta decidir.

III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em não admitir o recurso.

Sem custas por isenção subjectiva da recorrente – artº 2º/1-e) do RCT.

Registe e notifique.

RAEM, 28MAIO2015
Lai Kin Hong
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng