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Processo nº 811/2014
(Autos de recurso laboral)

Data: 26/Março/2015

Assunto: B
Cumulação sucessiva de pedidos (artigo 16º CPT)
Alteração do pedido (artigo 217º CPC)
Condenação em liquidação de execução de sentença

SUMÁRIO
      - O artigo 16º do Código de Processo do Trabalho apresenta-se especial em relação ao artigo 217º do Código de Processo Civil
      - No processo do trabalho, se o autor pretende formular novo ou novos pedidos, deve-se analisar o artigo 16º do CPT, mas se pretende alterar algum pedido já formulado anteriormente na petição inicial, já se aplica o disposto no artigo 217º do CPC.
      - Tendo o autor formulado novo pedido mas não logrou justificar a impossibilidade da sua inclusão na petição inicial, deve o mesmo ser indeferido.
      - Tendo o autor alterado o pedido inicial formulado na petição inicial, mas se se verificar, caso seja deferida a alteração, alguma incompatibilidade substancial entre as causas de pedir em relação àquele pedido com os demais, deve ser indeferida a alteração do pedido.
      - A certidão de rendimentos emitida pela Direcção dos Serviços de Finanças é um documento autêntico, e uma vez que aquela não foi objecto de impugnação nem a sua falsidade em relação ao seu conteúdo foi invocada, os factos nela atestados são considerados como verdadeiros.
      - Com efeito, na medida em que os valores referidos naquela certidão de rendimentos são muito superiores à soma dos valores dos respectivos salários base e horas extraordinárias, há boas razões para concluir que o autor, enquanto trabalhador em exclusivo da ré, teria recebido desta outras remunerações, tais como subsídios de alimentação e de efectividade e/ou outras compensações, para além do salário base e das horas extraordinárias.
      - Posto isto, uma vez que não foram apurados os valores já pagos e os valores que faltam pagar ao autor, a título de subsídio de alimentação, subsídio de efectividade e compensação do trabalho prestado em dia de descanso semanal, deve a ré ser condenada a pagar ao autor aqueles subsídios e compensação no que se liquidar em execução de sentença, nos termos do artigo 564º, nº 2 do Código de Processo Civil.
       
O Relator,

________________
Tong Hio Fong

Processo nº 811/2014
(Autos de recurso laboral)

Data: 26/Março/2015

Recurso interlocutório
Recorrente:
- A (Autor)

Recurso final
Recorrentes:
- A (Autor)

- B, Limitada (Ré)

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
A intentou junto do Tribunal Judicial de Base da RAEM a presente acção de processo comum do trabalho, pedindo a condenação da Ré no pagamento do montante de MOP$201.445,00, acrescido de juros legais até integral e efectivo pagamento.
Na resposta à contestação, o Autor pediu o “aumento do pedido”, o qual foi indeferido pelo juiz titular do processo.
Inconformado com a decisão, dela interpôs o Autor recurso ordinário, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
1. Versa o presente Recurso sobre o Despacho proferido a fls. 222 e ss, na parte em que foi indeferida uma ampliação do pedido formulado pelo Autor na sua Resposta à Contestação, por se ter considerado estar em causa uma “cumulação sucessiva de pedidos substancialmente incompatíveis”.
2. Porém, contrariamente ao entendimento sufragado na referida Decisão, o facto de o recorrente ter recebido um valor salarial inferior ao valor mínimo constante do Contrato de Prestação de Serviço ao abrigo do qual prestou trabalho para a Ré, em caso algum lhe impede ou impossibilita de reclamar da Ré o pagamento do trabalho prestado em dia de descanso semanal, tendo por base a remuneração normal auferida durante a relação de trabalho.
3. Com efeito, salvo melhor opinião, enquanto o primeiro pedido assenta na diferença salarial que é devida ao Recorrente a título de incumprimento do valor mínimo constante do Contrato de Prestação de Serviço previamente aprovado pela Entidade Pública competente e ao abrigo do qual o Recorrente prestou trabalho para a Ré; o segundo pedido, bem distinto, resulta da o Recorrente ter prestado trabalho em dia de descanso semanal sem que a Requerida o tivesse remunerado em conformidade com o disposto no Regime Jurídico das Relações Laborais: pelo dobro da retribuição normal, acrescido de um outro dia de descanso compensatório (cfr. artigo 17º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril).
4. Como se deixa ver, enquanto o primeiro pedido relativo às diferenças salariais tem por base o Contrato de Prestação de Serviços n.º 14/97 e ao abrigo do qual o Autor prestou trabalho para a Ré; o segundo pedido assenta antes no disposto na Lei das Relações de Trabalho, na parte que diz respeito à prestação de trabalho em dia de descanso semanal.
5. Trata-se, de resto, de uma solução que se justifica, visto o Contrato de Prestação de Serviços n.º 14/97 nada dispor a respeito de direito ao descanso semanal, ou do regime aplicável ao trabalho prestado em dia de descanso semanal, pelo que será com recurso à Lei das Relações de Trabalho que deverá obedecer a disciplina de tal prestação de trabalho.
6. Assim, concluído que a fonte do direito do ora recorrente para o trabalho prestado em dia de descanso semanal assenta na Lei e não no Contrato de Prestação de Serviço, afigura-se evidente que o cálculo da retribuição do mesmo trabalho deverá ser determinado nos termos da Lei e já não nos termos do Contrato de Prestação de Serviços (que nada dispõe a este respeito, como já se deixou dito).
7. O mesmo é dizer que para o cálculo da retribuição pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá servir de base a retribuição normal tal qual definida na Lei das Relações da Trabalho e não qualquer outro valor constante do Contrato de Prestação de Serviços, visto que a fonte de tal obrigação indemnizatória ser a Lei das Relações de Trabalho e não o Contrato de Prestação de Serviços.
8. Neste sentido, contrariamente ao que terá concluído o Tribunal a quo, o facto de o Requerente pretender que se considere o salário inferior a 110 patacas para receber as diferenças salariais – visto a Ré não ter remunerado na integra o Autor com o valor do salário previamente aprovado pela Entidade Competente -, em nada pode beliscar com o direito do Autor em pretender receber em dobro o trabalho prestado em dia de descanso semanal, tendo por base de cálculo um salário que se mostra superior a 110 patacas, mas que corresponde à retribuição normal auferida pelo Autor (tendo, desde logo em conta o elevado número de horas de trabalho extraordinário diariamente prestado), porquanto se tratam de dois pedidos distintos, que assentam em duas distintas causas de pedir, ainda que perfeitamente compatíveis entre si, visto respeitarem à mesma relação jurídica: a relação de trabalho entre o Recorrente e a Recorrida.
De onde,
9. Concluindo-se pela inexistência de uma qualquer incompatibilidade de pedidos ou vício processual resultante da ampliação do pedido (e da causa de pedir) tal qual formulado oportunamente, tendo o aumento do pedido sido formulado em sede de Resposta à Contestação, o mesmo deverá ser sempre legalmente admitido nos termos do disposto no artigo 217º do Código do Processo Civil, aplicável aos presentes autos por força da remissão operada pelo n.º 2 do artigo 1º do Código do Processo de Trabalho.
10. Trata-se, de resto, da solução mais consentânea com o princípio da economia processual, pois permite a apreciação da situação globalmente considerada, em todos as suas consequências, evitando a necessidade de propositura de uma nova acção, com inerentes custos e demoras, quer para o Autor, para a Ré e para os próprios Tribunais.
11. A não se entender assim – ressalvado o devido respeito por diferente entendimento – o Tribunal a quo terá operado uma errada interpretação ao artigo 17º e 26º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril e, bem assim, dos artigos 16º e 33º do Código do Processo de Trabalho e artigo 217º do Código de Processo Civil, pelo que o referido Despacho deverá ser substituído por outro que admita a ampliação do pedido formulado pelo ora Recorrente, tratando-se, de resto, de uma posição que tem sido pacificamente aceite ao nível dos outros Juízes Cíveis do Tribunal Judicial de Base, em face de aumentos de pedido similares ao formulado.
Conclui, pedindo que seja concedido provimento ao recurso, com a consequente revogação do despacho proferido pelo Tribunal a quo, e substituído por outro que atenda ao aumento do pedido formulado pelo recorrente.
Devidamente notificada, pugna a Ré pela negação de provimento ao recurso.
*
Realizado o julgamento, foi a Ré condenada a pagar ao Autor a quantia de MOP$200.965,80, acrescida de juros de mora à taxa legal a contar do trânsito em julgado da sentença que procede à liquidação do quantum indemnizatório.
Inconformado com a sentença, dela interpôs o Autor recurso ordinário, formulando em sede de conclusões o seguinte:
1. Versa o presente recurso sobre a parte da douta Sentença na qual foi julgada parcialmente improcedente ao Recorrente a atribuição de uma compensação devida pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal na medida de um dia de salário em dobro.
2. Porém, ao condenar a Recorrida a pagar ao Recorrente apenas o equivalente a um dia de trabalho (em singelo) pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal, o Tribunal a quo procedeu a uma não correcta aplicação do disposto na al. a) do n.º 6 do artigo 17º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, pelo que a decisão deve ser julgada nula e substituída por outra que condene a Ré em conformidade com o disposto na referida Lei Laboral.
3. Com efeito, resulta do referido preceito que o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser remunerado pelo dobro do salário normal, entendido enquanto duas vezes a retribuição normal, por cada dia de descanso semanal prestado.
4. Do mesmo modo, ao condenar a Recorrida a pagar ao Recorrente apenas e tão-só um dia de salário em singelo, o Tribunal a quo desviou-se da interpretação que tem vindo a ser seguida pelo Tribunal de Segunda Instância sobre a mesma questão de direito, no sentido de entender que a compensação do trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser feita em respeito à seguinte fórmula: (salário diário X n.º de dias de descanso não gozados X 2).
5. De onde, resultando que o Recorrente prestou trabalho durante todos os dias de descanso semanal durante a relação trabalho, deve a Recorrida ser condenada a pagar ao Recorrente o equivalente ao dobro do salário normal e não apenas o correspondente a um dia de salário em singelo conforme decidido pelo Tribunal a quo, acrescida de juros legais até efectivo e integral pagamento.
Sem prescindir no que diz respeito à formula de cálculo devido pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal, e correspondente ao valor do dobro do salário normal por cada dia de trabalho prestado, igualmente se deverá conclui que,
6. Tendo o Autor formulado uma ampliação do pedido em sede de Resposta à Contestação, deve a mesma (ampliação do pedido) ser tida em conta para efeitos de determinação das quantias indemnizatórias efectivamente devidas pela Recorrida ao Recorrente – em virtude do trabalho prestado em dia de descanso semanal e falta de gozo de um dia de descanso compensatório – porquanto constam dos autos todos os elementos necessários para o efeito, sem que se justifique a “anulação e repetição” do já decidido a tal respeito, em obediência ao Princípio da economia e celeridade processual.
7. Em conformidade, resultado provado que durante todo o período da relação laboral o Autor (ora Recorrente) prestou serviço em todos os dias de descanso semanal e sem que lhe tenha sido conferido um dia de descanso compensatório (cfr. pontos 22 e 23 da matéria de facto assente), deve a Recorrida ser condenada a pagar ao Recorrente a quantia de MOP$247.350,00, nos termos reclamados pelo Autor na ampliação do pedido formulada anteriormente.
Conclui, pedindo conceder provimento ao recurso, com a consequente revogação parcial da sentença proferida pelo Tribunal a quo, e substituída por outra que atenda ao pedido formulado pelo recorrente.
A Ré, devidamente notificada, pugna pela negação de provimento ao recurso.
*
Também a Ré vem recorrer da sentença, alegando, em sede de conclusões, o seguinte:
A) Em relação aos pontos da matéria de facto correspondentes aos números n.ºs 15) a 17), 19), 21) e 22) da sentença recorrida, os mesmos foram incorrectamente julgados e deveriam ter sido julgados no sentido de serem dados como não provados.
B) Nesse sentido militam, respectivamente, quanto ao ponto 15) a certidão de rendimentos e os extractos bancários; quanto ao ponto 16) a certidão de rendimentos e os extractos bancários; quanto ao ponto 17) a certidão de rendimentos, e os extractos bancários; quanto ao ponto 19) a certidão de rendimentos, e os extractos bancários; quanto ao ponto 21) a certidão de rendimentos, os extractos bancários e o depoimento da 2ª testemunha inquirida na audiência de julgamento; quanto ao ponto 22) a certidão de rendimentos, os extractos bancários e o documento n.º 4 junto à contestação (pedidos de férias anuais, dispensas de serviço e falta por doença).
C) A sentença recorrida violou, ainda, o princípio da livre apreciação da prova, visto que este não se pode sobrepor a factos que foram objecto de prova por documento autêntico, designadamente a certidão de rendimentos emitida pela DSF, que não foi objecto de impugnação e cuja falsidade em relação seu conteúdo também não foi invocada.
D) A certidão de rendimentos do trabalhador, sendo comprovativa dos rendimentos auferidos por este, não pode ser ignorada no julgamento que se faça das quantias efectivamente percebidas pelo Autor recorrido.
E) A Recorrente entende que os valores constantes da certidão de rendimentos e dos extractos bancários demonstram claramente que o Autor recebeu ao longo dos anos quantias que, para além do salário-base previsto no Contrato de Prestação de Serviços n.º 14/97, celebrado entre a Administração de Macau e a Ré, incluíam outros montantes como as remunerações pelo trabalho extraordinário, os subsídios de alimentação e de efectividade e, ainda, as remunerações e demais compensações a que o trabalhador tinha direito pelo trabalho prestado nos dias de descanso semanal.
F) Provou-se, de acordo com o depoimento da 2ª testemunha inquirida na audiência de julgamento, que todos os trabalhadores da Ré recebiam um subsídio designado por “performance allowance”, embora a este não corresponda exactamente a denominação “subsídio de efectividade” em língua portuguesa, mas aquele tem a mesma natureza do chamado subsídio de efectividade, visando premiar a assiduidade do trabalhador sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço.
G) Durante a relação laboral o Autor gozou férias, pediu dias de dispensa ao serviço e faltou por motivo de doença, sempre com o conhecimento da entidade patronal, pelo que o Autor não pôde simultaneamente faltar ao serviço, prestar trabalho extraordinário remunerado e trabalhar nos dias de descanso.
H) O Autor não tem direito a receber o subsídio diário de alimentação nos dias em que não prestou serviço, nomeadamente nos períodos de descanso semanal, férias e faltas, porque o referido subsídio visa compensar a despesa diária do trabalhador com uma refeição quando este está efectivamente ao trabalho.
I) Existiu um lapso de apreciação da prova, que não pode ser justificado com a liberdade de apreciação do julgador, do qual resultou um erro na formação da convicção por parte do Tribunal a quo no julgamento da matéria de facto, uma vez que as provas acima referidas, sendo devidamente valoradas, obrigavam a uma conclusão diferente, forçosamente oposta à que ficou a contar da decisão recorrida.
J) A decisão recorrida enferma de vício de erro na apreciação da prova, por terem sido incorrectamente julgados provados os factos n.ºs 15) a 17), 19), 21) e 22) da sentença e violados o princípio de livre apreciação da prova (art.º 558º, n.º 1 do CPC) e o art.º 340º do CC.
Conclui, pedindo que seja dado provimento ao recurso, com a consequente absolvição da Ré do pedido.
Feita a notificação, pugna o Autor pela negação de provimento ao recurso.
***
II) FUNDAMENTOS DE FACTO E DE DIREITO
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
A Ré, anteriormente designada por C LIMITADA é uma sociedade comercial que se dedica à prestação de serviços de equipamentos técnicos e de segurança, vigilância, transporte de valores, entre outros. (A)
Desde o ano de 1992, a Ré tem sido sucessivamente autorizada a contratar trabalhadores não residentes para a prestação de funções de «guarda de segurança», «supervisor de guarda de segurança», «guarda sénior», entre outros. (B)
Entre 04/06/1994 e 26/03/1997 e entre 09/09/1997 e 31/08/2003 o Autor esteve ao serviço da Ré, exercendo funções de "guarda de segurança". (C)
Trabalhando sobre as ordens, direcção, instruções e fiscalização da Ré. (D)
Era a Ré quem fixava o local e horário de trabalho do Autor, de acordo com as suas exclusivas necessidades. (E)
Durante todo o período de tempo anteriormente referido, foi a Ré quem pagou o salário ao Autor. (F)
Foi ao abrigo do Contrato de prestação de serviços n.º 14/97 que o Autor foi recrutado pela D Lda. e prestou a sua actividade para a Ré. (G)
Do Contrato de prestação de serviços n.º 14/97, resulta que o Autor auferiria, no mínimo, Mop$110,00 diárias. (H)
Acrescidas de Mop$20,00 diárias a título de subsídio de alimentação. (I)
Que auferiria um subsídio mensal de efectividade "igual ao salário de quatro dias", sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço. (J)
Sendo o horário de trabalho de 8 horas diárias. (K)
E o trabalho extraordinário remunerado de acordo com a legislação de Macau. (L)
O Contrato de Prestação de Serviço n.º 14/97 foi objecto de apreciação, fiscalização e aprovação por parte da Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego (DSTE). (M)
A cláusula 4.3 do contrato de prestação de serviço prevê que "Se a 1.ª outorgante interromper a laboração por um período superior a 5 dias, por falta de encomendas ou de energia, será obrigada a pagar ao trabalhador a partir do 6.º dia, a remuneração base diária de 110 patacas pelo período que durar aquela interrupção". (N)
Durante o ano civil de 1994, a Ré pagou ao Autor, a título de salário base, a quantia de MOP$2.055,00 mensais. (1º)
Durante o ano civil de 1995, a Ré pagou ao Autor, a título de salário base, a quantia de MOP$2.240,00 mensais. (2º)
Entre os anos civis de 1996 e 2003, a Ré pagou ao Autor, a título de salário base, a quantia de MOP$2.496,00 mensais. (3º)
O Autor durante o período da relação laboral trabalhou cerca de 12 horas por dia. (4º)
O Autor durante o período da relação laboral nunca recebeu da Ré qualquer quantia a título de subsídio de alimentação. (5º)
Durante todo o período da relação laboral entre a Ré e o Autor, nunca o Autor - sem conhecimento e autorização prévia pela Ré - deu qualquer falta ao trabalho. (6º)
Durante todo o período da relação laboral entre a Ré e o Autor, a Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio mensal de efectividade de montante igual ao salário de 4 dias. (7º)
Por solicitação da Ré, durante todo o período da relação laboral, o Autor prestou serviço em todos os seus dias de descanso semanal, durante 12 horas por dia. (8º)
Tendo a prestação de trabalho pelo Autor nos dias de descanso semanal sido remunerada com o valor de um salário diário, em singelo, sem que lhe tenha sido concedido um outro dia de descanso compensatório. (9º)
*
Corridos os vistos, cumpre decidir.
Comecemos pelo,
Recurso interlocutório do Autor
Na resposta à contestação, o Autor pediu o “aumento do pedido”, o qual veio a ser indeferido pelo juiz titular do processo.
Vejamos.
O pedido do Autor consiste nos seguintes termos:
1º - o Autor não beneficiou de um dia de descanso compensatório em troca do trabalho prestado em dia de descanso semanal, assim deveria o mesmo ser ressarcido pelo valor de mais um dia de salário em singelo, num total de MOP$82.450,00;
2º - a compensação do trabalho prestado em dia de descanso semanal deveria ser calculada com base no salário diário resultante da média do rendimento anual, em vez do salário diário acordado, pedindo, assim, a condenação da Ré no pagamento de MOP$164.900,00, em vez de MOP$30.140,00 indicado na petição inicial.
*
Quanto ao primeiro pedido, trata-se de uma situação de cumulação sucessiva de pedidos prevista nos termos do artigo 16º do Código de Processo do Trabalho.
Dispõe o artigo 16º do CPT:
“1. Se até à audiência de discussão e julgamento ocorrerem factos que permitam ao autor deduzir contra o réu novos pedidos, pode ser aditada a petição inicial, desde que a todos os pedidos corresponda a mesma espécie de processo.
2. Tratando-se de factos ocorridos antes da propositura da acção, o autor pode ainda deduzir novos pedidos, nos termos do número anterior, desde que justifique a impossibilidade da sua inclusão na petição inicial.
3. Nos casos previstos nos números anteriores, o réu é notificado para responder, tanto à matéria de aditamento como à da sua admissibilidade.”
Por razões de economia processual, o legislador permite que o autor formule a cumulação de pedidos, em duas situações: 1
- Se os pedidos ou causas de pedir a aditar resultarem de factos subsequentes à proposição da acção, a cumulação é livre, desde que o tribunal seja competente em razão da matéria para todos os pedidos, que todos os pedidos correspondam a mesma espécie de processo e que haja compatibilidade substancial entre os vários pedidos;
- Se os pedidos ou as causas de pedir a aditar resultarem de factos anteriores à proposição da acção, a cumulação sucessiva só é possível se o autor provar a impossibilidade de inclusão dos pedidos ou causas de pedir a aditar na petição inicial.
Ora bem, quanto ao primeiro pedido, no montante de MOP$82.450,00, referente à alegada compensação dos dias compensatórios não gozados, é de verificar que o Autor não logrou justificar a impossibilidade da sua inclusão na petição inicial, aliás a formulação daquele pedido não se baseava em factos novos, mas sim em factos já conhecidos no momento da petição inicial, daí que andou bem o Tribunal a quo ao indeferir esse novo pedido.
*
Em relação ao segundo pedido, trata-se, em rigor, de uma alteração do anterior pedido formulado pelo Autor na petição inicial, respeitante à compensação do trabalho prestado em dia de descanso semanal.
Entende o Autor ora recorrente que a compensação do trabalho prestado em dia de descanso semanal deveria ser calculada com base no salário diário resultante da média do rendimento anual, em vez do salário diário acordado; sendo assim, em vez de ser MOP$30.140,00 indicado na petição inicial, pede a alteração do valor do pedido para MOP$164.900,00.
Considerando que não se trata de um novo pedido, é inaplicável o disposto no artigo 16º do Código de Processo do Trabalho.
De facto, estamos perante uma alteração do pedido previsto nos termos do artigo 217º do Código de Processo Civil, segundo o qual o pedido pode ser alterado na réplica.
Apesar de não haver lugar à réplica no processo do trabalho, nele está consagrada uma figura próxima denominada “resposta à contestação” (artigo 33º do CPT), e tem por finalidade, tal como a réplica, proporcionar ao autor responder às excepções e à reconvenção deduzidas na contestação pela parte contrária.
Nestes termos, parece-nos não haver obstáculo de o Autor, aquando da apresentação da resposta à contestação, pedir a alteração do seu pedido inicial formulado na petição inicial, nos termos previstos no artigo 217º, nº 2 do Código de Processo Civil.
Entretanto, uma coisa é certa, e que é referida pelo Tribunal a quo, que é o seguinte:
O Autor não pode alegar ter recebido salário inferior a MOP$90,00 pedindo a condenação da Ré no pagamento das diferenças salariais, e ao mesmo tempo, ter o mesmo recebido salário superior a MOP$90,00 para efeitos de cálculo da compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal.
Quanto a esta questão, convém aqui reproduzir o que foi ressaltado na decisão recorrida:
“O que é certo é que há um qualquer defeito processual no conjunto dos actos processuais que o autor praticou. Mas qual? O legislador processual previu um idêntico: a cumulação de pedidos substancialmente incompatíveis. Mas esta cumulação é inicial. Não ocorreu ao legislador a cumulação sucessiva de pedidos substancialmente incompatíveis. O que é certo é que não podem cumular-se, excepto se se tratar de pedidos alternativos ou subsidiários. Tratar-se-á, portanto, de excepção dilatória inominada que deveria determinar a absolvição da instância relativamente aos pedidos incompatíveis em substância. Isso, porém, pressuporia que o novo pedido fosse admitido, pois enquanto não for admitido, em rigor não há incompatibilidade, mas mera tentativa disso. Admitir o pedido para depois, pela via da absolvição da instância, o excluir por incompatibilidade seria admitir um pedido aos autos para, logo a seguir, o excluir por não poder ficar nos autos, o que configuraria um vício de lógica. Não se pode admitir uma ampliação de pedido que já se sabe que vai introduzir vício processual. E o autor, caso queira fazer valer o seu direito a compensação por trabalho prestado em dia de descanso semanal com base no salário superior a 90 que agora diz ter efectivamente recebido, tem forma de o fazer.”
Em nossa opinião, os pedidos em si não são substancialmente incompatíveis, entendemos que há apenas incompatibilidade entre as causas de pedir, pois, ao formular os dois pedidos, a saber, de diferenças salariais e de compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal, o Autor fez uso de afirmações contraditórias.
Aqui chegados, somos a entender que, se for admitida a alteração do segundo pedido, esta alteração vai introduzir no processo um vício processual, por que se cumulam causas de pedir substancialmente incompatíveis, o que vai gerar uma excepção dilatória inominada que determina a absolvição da instância.
Nesta conformidade, bem andou o Tribunal a quo ao indeferir a “ampliação” dos pedidos.
*
Recurso final da Ré
Da impugnação da matéria de facto constante da resposta aos quesitos 1º, 2º, 3º, 5º, 7º e 8º da base instrutória
Alega a Ré que o Tribunal a quo julgou de forma incorrecta a matéria de facto reportada naqueles quesitos, entendendo que o Tribunal não poderia dar como provados aqueles factos, por que eram contrariados por depoimentos e documentos juntos aos autos que apontassem em sentido oposto.
Vejamos os factos.
Foram dadas as seguintes respostas aos quesitos abaixo indicados:
“Durante o ano civil de 1994, a Ré pagou ao Autor, a título de salário base, a quantia de MOP$2.055,00 mensais.” (1º)
“Durante o ano civil de 1995, a Ré pagou ao Autor, a título de salário base, a quantia de MOP$2.240,00 mensais.” (2º)
“Entre os anos civis de 1996 e 2003, a Ré pagou ao Autor, a título de salário base, a quantia de MOP$2.496,00 mensais.” (3º)
“O Autor durante o período da relação laboral nunca recebeu da Ré qualquer quantia a título de subsídio de alimentação.” (5º)
“Durante todo o período da relação laboral entre a Ré e o Autor, a Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio mensal de efectividade de montante igual ao salário de 4 dias.” (7º)
“Por solicitação da Ré, durante todo o período da relação laboral, o Autor prestou serviço em todos os seus dias de descanso semanal, durante 12 horas por dia.” (8º)
Iniciemos pelas respostas aos quesitos 1º a 3º.
Salvo o devido respeito, no que à questão aqui respeita, achamos que foi feita prova suficiente para tal e não se vislumbra qualquer erro na apreciação da prova.
Em boa verdade, não é difícil concluir que o Tribunal a quo deu como provados os quesitos 1º a 3º com base na prova documental, mormente constante de fls. 34 e 35, conjugado com a prova testemunhal produzida em audiência de julgamento, segundo as regras da livre apreciação da prova.
Como se referiu no Acórdão deste TSI, de 20.9.2012 (Processo 551/2012), “este princípio da livre apreciação da prova não surge na lei processual como um dogma que confere total liberdade ao julgador, uma vez que o tribunal não pode alhear-se de critérios específicos que o obrigam a caminhar em direcção determinada, de que é exemplo a inversão do ónus de prova em certos casos, a prova legal por confissão, por documentos autênticos, por presunção legal, etc. Todos sabemos isso muito bem.
Mas, por outro lado, nem mesmo as amarras processuais concernentes à prova são constritoras de um campo de acção que é característico de todo o acto de julgar o comportamento alheio: a livre convicção. A convicção do julgador é o farol de uma luz que vem de dentro, do íntimo do homem que aprecia as acções e omissões do outro. Nesse sentido, princípios como os da imediação, da aquisição processual (artº 436º do CPC), do ónus da prova (artº 335º do CC), da dúvida sobre a realidade de um facto (artº 437º do CPC), da plenitude da assitência dos juízes (artº 557º do CPC), da livre apreciação das provas (artº 558º do CPC), conferem lógica e legitimação à convicção. Isto é, se a prova só é “livre” até certo ponto, a partir do momento em que o julgador respeita esse espaço de liberdade sem ultrapassar os limites processuais imanentes, a sindicância ao seu trabalho no tocante à matéria de facto só nos casos restritos no âmbito dos arts. 599º e 629º do CPC pode ser levada a cabo.
...
Trata-se de fazer um tratamento de dados segundo a sua experiência, o seu sentido de justiça, a sua sensatez, a sua ideia de lógica, etc. É por isso que dois cidadãos que vestem a beca, necessariamente diferentes no seu percurso de vida, perante o mesmo quadro de facto, podem alcançar diferentes convicções acerca do modo como se passaram as coisas. Não há muito a fazer quanto a isso.”
No vertente caso, tanto os documentos de fls. 34 e 35, como o depoimento das testemunhas são capazes de demonstrar que os valores pagos pela Ré ao Autor a título de salário base mensal correspondem, respectivamente, a MOP$2.055,00, MOP$2,240.00 e MOP$2,496.00 consoante o período em que vigorou a relação laboral.
Isto para apontar a inexistência do alegado erro na apreciação da prova.
*
Mas o mesmo já não acontece em relação às respostas aos quesitos 5º, 7º e 8º da base instrutória.
Defende a Ré ora recorrente que da certidão de rendimentos constante de fls. 36 consta que o Autor, trabalhando em regime de exclusividade para a Ré, recebeu desta valores anuais muito superiores ao que foi alegado pelo próprio.
Isto é verdade.
De facto, alegou o Autor que durante a vigência da relação laboral, apenas lhe foram pagos pela Ré ora recorrente valores salariais, a título de salário base mensal e horas extraordinárias, quantias essas que eram inferiores aos valores mínimos constantes do Contrato de Prestação de Serviços.
Foi isto que ficou provado.
Por outro lado, provado ainda que nunca foi pago ao Autor o subsídio de alimentação, o subsídio de efectividade nem a compensação do trabalho prestado em dia de descanso semanal, conforme as respostas aos quesitos 5º, 7º e 8º.
Admitindo essas respostas como verdadeiras, então a lógica será o seguinte: as remunerações constantes da certidão de rendimentos só podem ser a soma dos valores salariais, a título de salário base mensal e horas extraordinárias.
Mas a questão não termina aqui, pelo contrário, gera outro problema: os valores referidos na certidão de rendimentos não correspondem exactamente à soma dos valores dos respectivos salários base e horas extraordinárias, aliás são muito superiores à soma destes valores.
Vamos dar exemplos.
Em 1996, provado está que o Autor deveria receber, a título de salário base mensal, MOP$3.300,00, mas na realidade só recebeu MOP$2.496,00.
Também nesse ano, o Autor teria direito a receber, a título de remuneração do trabalho extraordinário, MOP$13,75 por hora, mas na realidade só recebeu MOP$9,65 por hora.
Fazendo as respectivas contas, é fácil concluir que o Autor deveria ter recebido da Ré, no ano de 1996, a quantia de MOP$44.041,00, a título de salário base (MOP$2.496,00 x 12 meses) e de horas extraordinárias (MOP$9,65 x 4 horas x 365 dias), mas o certo é que, segundo a certidão de rendimentos constante dos autos, nesse ano o Autor auferiu MOP$64.420,80.
Vamos a outro exemplo.
Provado que em 1998 o Autor deveria receber, a título de salário base mensal, MOP$3.300,00, mas na realidade só recebeu MOP$2.496,00.
Mas nesse ano, o Autor já não prestou trabalho extraordinário.
Fazendo as contas, conclui-se que o Autor deveria ter recebido da Ré, no ano de 1998, a quantia de MOP$29.952,00, a título de salário base (MOP$2.496,00 x 12 meses), mas o certo é que, segundo a certidão de rendimentos constante dos autos, nesse ano o Autor auferiu MOP$72.082,00.
O que isto quer significar?
Em boa verdade, a certidão de rendimentos emitida pela DSF é um documento autêntico, o qual não foi objecto de impugnação nem a sua falsidade em relação ao seu conteúdo foi invocada, isto significa que os factos nela atestados são considerados como verdadeiros.
Com efeito, na medida em que os valores referidos naquela certidão de rendimentos são muito superiores à soma dos valores dos respectivos salários base e horas extraordinárias, entendemos que há boas razões para concluir que o Autor, enquanto trabalhador em exclusivo da Ré, teria recebido desta outras remunerações, tais como subsídios de alimentação e de efectividade e/ou outras compensações, para além do salário base e das horas extraordinárias.
Por isso, ao dar como provado que o Autor durante o período da relação laboral nunca recebeu da Ré qualquer quantia a título de subsídio de alimentação, subsídio de efectividade de montante igual ao salário de 4 dias por mês e compensação do trabalho prestado em dia de descanso semanal, salvo o devido e muito respeito, somos a entender que o Tribunal a quo fez uma apreciação pouco correcta da matéria de facto.
Sustenta a Ré ora recorrente que os quesitos 5º, 7º e 8º deveriam ser dados como não provados.
Ao abrigo da alínea a) do nº 1 e nº 2 do artigo 629º do Código de Processo Civil subsidiariamente aplicável, compete a este TSI reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que tenham servido de fundamento à decisão de facto impugnada.
Reapreciada por este nosso Tribunal a prova produzida na audiência, mediante a audição das gravações, bem como atenta a prova documental constante dos autos, mormente a certidão de rendimentos, chegamos à conclusão de que o Autor teria recebido da Ré algumas quantias a título de subsídio de alimentação, subsídio de efectividade e/ou compensação do trabalho prestado em dia de descanso semanal, sob pena de não se justificar por que razão os valores anuais recebidos pelo Autor excedam em muito os valores dos salários base e das horas extraordinárias que o Autor alegava serem os únicos rendimentos que lhe tinham sido pagos pela Ré ao longo da relação laboral.
Entretanto, não se logrou a prova de quais eram os seus valores.
Aqui chegados, entendemos que as respostas aos quesitos 5º, 7º e 8º da base instrutória devem ser alteradas para o seguinte:
Quesito 5º - “Durante todo o período da relação laboral, a Ré não pagou a totalidade da quantia a título de subsídio de alimentação.”
Quesito 7º - “Durante todo o período da relação laboral entre a Ré e o Autor, a Ré não pagou ao Autor a totalidade da quantia a título de subsídio mensal de efectividade de montante igual ao salário de 4 dias.”
Quesito 8º - “Por solicitação da Ré, durante todo o período da relação laboral, o Autor prestou serviço em dias de descanso semanal, durante 12 horas por dia.” (8º)
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O direito
Relativamente à questão jurídica fundamental, este TSI já firmou jurisprudência unânime no sentido de que estamos na presença de um contrato a favor de terceiro que tem como beneficiário o Autor.
Uma vez provado que o Autor recebeu, a título de salário base e de horas extraordinárias, menos do que tinha direito, é forçoso concluir que a decisão de condenação da Ré no pagamento das diferenças salariais e da remuneração do trabalho extraordinário não merece qualquer reparo.
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Contudo, no que concerne ao subsídio de alimentação, subsídio de efectividade e compensação do trabalho prestado em dia de descanso semanal, uma vez que não foram apurados os valores já pagos e os valores que faltam pagar ao Autor, nem o número de dias de descanso semanal efectivamente prestados pelo mesmo, somos a entender que a sentença recorrida deve ser revogada quanto a esta parte e, em consequência, ser a Ré condenada a pagar ao Autor o subsídio de alimentação, subsídio de efectividade e compensação do trabalho prestado em dia de descanso semanal, no que se liquidar em execução de sentença, nos termos do artigo 564º, nº 2 do Código de Processo Civil.
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Duas notas antes de terminar.
Quanto ao subsídio de alimentação, na esteira da jurisprudência deste TSI, designadamente nos Acórdãos dos Processos 376/2012, 322/2013, 78/2012, 414/2012, assinala-se que a sua atribuição depende da prestação de serviço efectivo, isto significa que, para se poder efectuar o cálculo do respectivo subsídio, terá que apurar o número de dias de trabalho efectivamente prestados pelo Autor.
Em relação ao subsídio de efectividade, tem-se entendido nesta Instância que na apreciação do tal pedido, as faltas justificadas não são consideradas como fundamento de exclusão do subsídio em apreço.
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Sobre o recurso final do Autor
Da compensação do trabalho prestado em dia de descanso semanal
Entende o Autor ora recorrente que, nos termos do artigo 17º do Decreto-Lei nº 24/89/M, o trabalho prestado em dia de descanso semanal deveria ser remunerado pelo dobro do salário normal.
Em nossa opinião, julgamos assistir razão ao Autor.
De acordo com a interpretação que tem vindo a ser adoptada de forma quase unânime neste TSI, tem-se entendido que o trabalho prestado em dia de descanso semanal é pago pelo dobro da retribuição normal aos trabalhadores que auferem salário normal, para além do singelo já recebido e do dia de descanso compensatório.
No mesmo sentido, citam-se, a título exemplificativo, os Acórdãos deste TSI, proferidos no âmbito dos Processos 778/2010, 376/2012 e mais recentemente, Processo 61/2014.
Nesta conformidade, por o Autor ter direito a receber, por cada dia de descanso semanal não gozado, o dobro da retribuição normal, para além do salário em singelo e do dia de descanso compensatório, é revogada a decisão quanto a esta parte, e conforme já acima dito, relega-se para execução de sentença a liquidação do respectivo valor, nos termos do artigo 564º, nº 2 do Código de Processo Civil.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em:
- negar-se provimento ao recurso interlocutório interposto pelo Autor A, mantendo-se o despacho recorrido;
- conceder-se parcialmente provimento ao recurso interposto pela Ré B, Limitada, determinando-se que as respostas aos quesitos 5º, 7º e 8º da base instrutória sejam alteradas da seguinte forma:
Quesito 5º - “Durante todo o período da relação laboral, a Ré não pagou a totalidade da quantia a título de subsídio de alimentação.”
Quesito 7º - “Durante todo o período da relação laboral entre a Ré e o Autor, a Ré não pagou ao Autor a totalidade da quantia a título de subsídio mensal de efectividade de montante igual ao salário de 4 dias.”
Quesito 8º - “Por solicitação da Ré, durante todo o período da relação laboral, o Autor prestou serviço em dias de descanso semanal, durante 12 horas por dia.” (8º)
Para os devidos efeitos, revoga-se a sentença recorrida na parte em que condenou a Ré no pagamento do subsídio de alimentação, subsídio de efectividade e compensação do trabalho prestado em dia de descanso semanal no montante de MOP$64.200,00, MOP$46.640,00 e MOP$30.140,00, respectivamente, e em consequência, condena-se a Ré a pagar ao Autor o subsídio de alimentação, subsídio de efectividade e compensação do trabalho prestado em dia de descanso semanal, no que se liquidar em execução de sentença, nos termos do artigo 564º, nº 2 do Código de Processo Civil.
- conceder-se provimento ao recurso interposto pelo Autor A, determinando-se que no cálculo da compensação do trabalho prestado em dia de descanso semanal, o Autor terá direito a receber o dobro da retribuição normal, para além do salário em singelo e do dia de descanso compensatório.
Custas do recurso interlocutório pelo Autor, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.
Custas dos recursos da sentença final pelos Autor e Ré na proporção do decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário concedido ao primeiro.
Registe e notifique.
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Macau, 26 de Março de 2015
                   Tong Hio Fong
                         (com declaração de voto vencido)
                   Lai Kin Hong
                   João A. G. Gil de Oliveira
                   




Votei vencido quanto à fórmula adoptada na compensação do trabalho prestado em dia de descanso semanal.
Entende o Autor que, nos termos da alínea a) do nº 6 do artigo 17º do Decreto-Lei nº 24/89/M, o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser remunerado pelo dobro do salário normal, para além do singelo já recebido e do dia de descanso compensatório.
Trata-se de uma questão de interpretação da norma, urgindo, no fundo, saber se a expressão “pelo dobro da retribuição normal” incluiria ou não o próprio salário diário em singelo.
Vejamos.
Provado está que durante todo o período em que vigorou a relação laboral entre o Autor e a Ré, aquele não gozou dias de descanso semanal.
Ademais, provado que depois de ter prestado trabalho no dia de descanso semanal, o Autor sempre foi remunerado pela Ré apenas com o valor de um dia de salário em singelo, e não gozou o respectivo dia de descanso compensatório.
Segundo se dispõe na alínea a) do nº 6 do artigo 17º do Decreto-Lei nº 24/89/M, o trabalho prestado em dia de descanso semanal deve ser pago aos trabalhadores que auferem salário mensal pelo dobro da retribuição normal.
Em termos de interpretação, entendo eu que esse “dobro” abrangeria o salário diário pago em singelo, mais o direito a auferir o equivalente a 100% da mesma retribuição.
Já em relação à compensação do trabalho prestado em dia de feriado obrigatório, o legislador utilizou uma redacção diferente - “dá direito a um acréscimo salarial nunca inferior ao dobro da retribuição normal” (artigo 20º, nº 1 do Decreto-Lei nº 24/89/M). Salvo o devido respeito, ali sim, o trabalhador que presta trabalho no dia de feriado obrigatório, para além do próprio salário normal em singelo, terá ainda direito a um acréscimo correspondente ao dobro da retribuição normal, no total de 3 dias de salário.
É patente a diferença de redacção. A meu ver, para o trabalho prestado em dia de feriado obrigatório, como não há lugar a dia de descanso compensatório, o trabalhador terá direito a um acréscimo de dois dias de salário, e somando o singelo, ganha o triplo da retribuição. Mas para o trabalho prestado em dia de descanso semanal, como o trabalhador já tem direito a um dia de descanso compensatório, então é-lhe pago o dobro da retribuição, sendo este “dobro” constituído por um dia de salário e um dia de acréscimo, isso significa que o trabalhador aufere igualmente o tripo da retribuição (salário singelo + 1 dia de acréscimo salarial + 1 dia compensatório).
Observa 丁雅勤1 o seguinte:“法令第17條第4款及第6款規定了在周假內提供服務的工作者應獲之補償,首先工作者可在提供服務後的30天期內,獲享受補假一天;其次按其工資制度不同而獲不同的金錢補償,按同一條文第6款的規定,分別如下:
1. 月薪工作者:可獲相當於平常報酬的雙倍補償。舉例來說,一名月薪4500元的工作者在其中一個周假提供服務,則按上述第4款規定,可在30天期內享受假期一天,並在該月收取4650元薪金,其中150元是作為周假補償(當天周假工資已包括在月薪薪金之中,因此周假服務當天實際上是獲300元報酬)。
2. 按日、按時、按件等計薪之工作者:可獲支付由勞資雙方訂定的附加金額;舉例說,工作者收取日薪100元工資,除按上述第4款規定獲補假一天外,還可獲與雇主協商的金額(按第26條第2款之規定,周假工資已包括在日薪工資內)。”
Traduzido para português2, significa: “Os nºs 4 e 6 do artigo 17º do Decreto-Lei estipulam a compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal. Em primeiro lugar, o trabalhador tem direito a um outro dia de descanso compensatório a gozar dentro dos trinta dias seguintes ao da prestação de trabalho; depois, consoante o respectivo regime salarial, o trabalhador vai receber diferentes compensações, estatuindo-se no nº 6 do mesmo artigo o seguinte:
1. Os trabalhadores que auferem salário mensal recebem o dobro da retribuição normal, por exemplo: um trabalhador que aufere mensalmente MOP$4500, prestou um dia de descanso semanal, de acordo com o supra nº 4, tem direito a um outro dia de descanso compensatório a gozar dentro dos trinta dias seguintes ao da prestação de trabalho e receber o salário no montante de MOP$4650 nesse mês, sendo MOP$150 o valor da compensação do trabalho prestado em um dia de descanso semanal (uma vez que o salário diário desse dia de descanso semanal já está incluído no salário mensal, no fundo, no dia de descanso semanal em que prestou trabalho, o trabalhador recebeu uma remuneração de MOP$300).
2. Os trabalhadores que auferem salário determinado em função do número de dias, horas ou quantidades, recebem o montante acordado com o empregador, por exemplo, um trabalhador que aufere MOP$100 por dia, para além do dia de descanso compensatório previsto no nº 4 supra, tem direito ainda a quantias acordadas com o seu empregador (segundo o nº 2 do artigo 26º, o próprio salário do dia de descanso semanal já está incluído no salário diário).”
Aqui chegados, entendo eu que, devendo o Autor receber o dobro da retribuição normal se trabalhar em dia de descanso semanal, mas provado que durante toda a relação laboral o Autor já recebeu da Ré o salário diário em singelo, para efeitos de cálculo do valor da compensação do trabalho prestado em dia de descanso semanal, teremos que deduzir esse montante pago em singelo, sob pena de estar o Autor a ser pago, não pelo dobro, mas pelo triplo do valor diário, ao que acresce ainda o dia de descanso compensatório, estar o Autor a ser pago pelo quádruplo, situação essa que, na minha modesta opinião, não corresponderia à intenção do legislador tal como estaria longe da expectativa da comunidade.
Razão pela qual, com todo o respeito, não posso acompanhar o douto Acórdão no tocante à fórmula adoptada na compensação do trabalho prestado em dia de descanso semanal, devendo assim confirmar a sentença recorrida na medida em que condenou a Ré a pagar ao Autor mais um dia de salário pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal.
***
Macau, 26 de Macau de 2015
Tong Hio Fong
1 Carlos Alegre, Código de Processo do Trabalho, Anotado e Actualizado, Almedina, 2003, página 119
1 澳門法律新論中冊,澳門基金會,第248頁
2 Traduzido pelo signatário
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Processo 811/2014 Página 37