Processo n.º 416/2014 Data do acórdão: 2015-5-14 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– condução em estado de embriaguez
– medida da pena
– flagrante delito
– confissão integral e sem reservas dos factos
– inibição de condução
– delinquente não primário
– suspensão da execução da pena
– art.º 109.º, n.º 1, da Lei do Trânsito Rodoviário
– art.º 48.º, n.º 1, do Código Penal
S U M Á R I O
1. Quando o arguido foi apanhado em flagrante delito, a sua confissão integral e sem reservas dos factos na audiência de julgamento não tem valor atenuativo relevante em sede da medida da pena.
2. São elevadas as exigências de prevenção do delito penal de condução em estado de embriaguez, por ser consabidamente potenciador de acidente de viação, com ofensa grave à integridade física ou mesmo à vida humanas.
3. Não existindo injustiça notória na fixação, pelo tribunal recorrido, da pena de prisão e da pena de inibição de condução do crime em causa, não é curial ao tribunal de recurso proceder à redução das mesmas.
4. No caso, quanto à pena de prisão, como o arguido já não é delinquente penal primário, com a agravante de que a sua experiência de ficar com uma pena de prisão suspensa na execução num processo penal anterior nem o conseguiu prevenir da prática do crime desta vez e de que são elevadas as exigências da prevenção geral deste delito, não se pode suspender a execução da pena nos termos do art.o 48.o, n.o 1, do Código Penal.
5. Mesmo que o arguido trabalhe como condutor de profissão, não se pode mandar suspender a execução da pena de inibição de condução em sede do art.º 109.º, n.º 1, da Lei do Trânsito Rodoviário, porque nesta já é a segunda vez em que ele ficou condenado pela prática de acto de condução sob influência de álcool, não sendo assim de acreditar que a ameaça da execução da pena acessória de inibição de condução já o consiga prevenir da prática, no futuro, de acto de condução sob influência de álcool.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 416/2014
(Autos de recurso penal)
Arguido recorrente: A
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por sentença proferida a fls. 76 a 79v do Processo Comum Singular n.° CR4-14-0131-PCS do 4.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB), o arguido A, aí já melhor identificado, ficou condenado como autor material de um crime consumado de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.º 90.º, n.º 1, da Lei n.º 3/2007, de 7 de Maio (isto é, Lei do Trânsito Rodoviário, doravante abreviada como LTR), na pena de seis meses de prisão efectiva, com inibição de condução por dois anos.
Inconformado, veio o arguido recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), imputando ao Tribunal sentenciador o excesso na medida das penas de prisão e de inibição de condução, com assacada violação do disposto no art.o 65.o, n.os 1 e 2, alíneas a), c) e d) do Código Penal (CP) e no estatuído no art.º 109.º, n.º 1, da LTR, alegando, na sua essência, que considerando a confissão integral e sem reservas dos factos, a sua profissão de condutor profissional, a situação familiar e económica (com um filho menor de tenra idade), o já cumprimento ou extinção das suas penas anteriores, e a menor gravidade das infracções estradais anteriormente cometidas, mereceria ele a redução do período da pena de prisão e da inibição de condução, com simultânea suspensão da execução de ambas as penas (cfr. com mais detalhes, o teor da motivação do recurso apresentada a fls. 91 a 96 dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso respondeu (a fls. 100 a 101v dos autos) a Digna Delegada do Procurador, no sentido de improcedência da argumentação do recorrente.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 113 a 114v), pugnando também pelo não provimento do recurso.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se o seguinte:
1. Segundo a factualidade descrita como provada na decisão condenatória ora recorrida: em 30 de Dezembro de 2013, cerca de uma hora da madrugada, o arguido chegou a tomar bebida alcoólica, e cerca das 02:57 horas dessa madrugada, o pessoal policial em operação de investigação de veículos num cruzamento estradal em Macau, mandou parar um veículo automóvel na altura conduzido pelo arguido, na sequência do que descobriu, através do teste de alcoolemia por sopro, que este apresentou 1,92 gramas de álcool por litro de sangue, taxa de alcoolemia essa que passou a ser de 1,89 gramas por litro de sangue, à luz do respectivo teste feito hospitalarmente ao arguido cerca das 03:45 horas da mesma madrugada a pedido deste a título de contraprova.
2. O Tribunal a quo apurou, ainda, que: o arguido tem por habilitações literárias o ensino secundário elementar, com rendimento mensal de dez mil e tal patacas, com um filho menor a cargo dele e da esposa trabalhadora.
3. Da acta da audiência de julgamento realizada perante o Tribunal a quo (lavrada a fls. 74 a 75 dos autos), consta que: o arguido declarou trabalhar como condutor numa empresa privada para distribuição de mercadorias; e confessou integralmente e sem reservas os factos.
4. Segundo o teor do certificado do registo criminal referido na fundamentação fáctica da sentença ora recorrida:
– o arguido chegou a ser condenado em 22 de Abril de 2010 no Processo Sumário n.º CR2-10-0081-PSM do TJB (com o trânsito em julgado da decisão ocorrido em 3 de Maio de 2010), por um crime (de condução durante o período de inibição de condução) do art.º 92.º, n.º 1, da LTR, praticado em 21 de Abril de 2010, em quatro meses de prisão, suspensa na execução por dezoito meses, com cassação da carta de condução, sendo a pena de prisão já declarada extinta por despacho de 20 de Janeiro de 2012;
– e chegou a ser condenado em 26 de Fevereiro de 2010 no Processo Contravencional n.º CR4-09-0018-PCT (então n.º CR3-09-0032-PCT) do TJB (com o trânsito em julgado da decisão ocorrido em 8 de Março de 2010), por uma contravenção do art.º 96.º, n.º 3, da LTR (de condução sob influência de álcool) (com taxa de alcoolemia de 0,96 grama por litro de sangue), na pena de dois meses de inibição de condução, sendo a pena de multa já paga antes voluntariamente.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, é de notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Nesses parâmetros, vê-se que o recorrente acabou por sindicar concreta e materialmente da justeza da medida da duração da pena de prisão e da inibição de condução, e do mérito da decisão de não suspensão da execução de ambas as penas.
De acordo com o art.o 90.o, n.o 1, da LTR, o crime de condução em estado de embriaguez é punível com pena de prisão até um ano e inibição de condução pelo período de um a três anos. Assim, e atento o art.o 41.o, n.o 1, do CP, a moldura penal de prisão deste delito é de um mês a um ano (sendo inaplicável o art.o 64.o do CP, por não se tratar de um crime punível com pena de prisão ou com pena de multa).
No caso, o Tribunal a quo aplicou ao recorrente seis meses de prisão.
Aos critérios gerais da medida da pena consagrados nos art.os 40.o, n.os 1 e 2, e 65.o, n.os 1 e 2, do CP, não se vislumbra ao presente Tribunal ad quem qualquer injustiça notória nesse quantum concreto da pena de prisão, depois de vistas todas as circunstâncias fácticas já apuradas na sentença recorrida, sendo de observar, sobretudo, que:
– a confissão integral e sem reservas dos factos não tem valor atenuativo relevante em sede da medida da pena, por o recorrente ter sido apanhado em flagrante delito;
– o arguido já não é delinquente primário;
– e são elevadas as exigências de prevenção do delito penal de condução em estado de embriaguez (por ser consabidamente potenciador de acidente de viação, com ofensa grave à integridade física ou mesmo à vida humanas).
Assim sendo, há que manter o juízo de valor já tomado pelo Tribunal a quo na medida da pena de prisão.
E e o mesmo se pode dizer – ante as mesmas circunstâncias fácticas apuradas – relativamente à duração da pena de inibição de condução achada na sentença impugnada.
Ou seja, não existindo injustiça notória na fixação da pena de prisão e da pena de inibição de condução do crime praticado nesta vez pelo arguido, não é curial ao presente Tribunal ad quem proceder à redução das mesmas.
E agora da rogada suspensão da execução de ambas as penas, há que decidir também a descontento do arguido.
Na verdade:
– desde já quanto à pena de prisão, como o arguido já não é delinquente penal primário, com a agravante de que a sua experiência de ficar com uma pena de prisão suspensa na execução num processo penal anterior nem o conseguiu prevenir da prática do crime de condução em estado de embriaguez desta vez e de que são elevadas as exigências da prevenção geral deste delito, não se pode concluir, para os efeitos a relevar do art.o 48.o, n.o 1, do CP, que a simples censura dos factos e a ameaça da execução da prisão já consigam satisfazer, de modo adequado e suficiente, as finalidades da punição;
– e no que à inibição de condução diz respeito, também não se pode mandar suspender a respectiva execução em sede do art.º 109.º, n.º 1, da LTR, mesmo que o arguido trabalhe como condutor de profissão, isto porque nesta já é a segunda vez em que ele ficou condenado pela prática de acto de condução sob influência de álcool, pelo que na perspectiva de prevenção especial falando, é difícil formar um juízo de prognose favorável a ele para efeitos a relevar do critério material vertido no art.º 48.º, n.º 1, do CP, por não ser de acreditar que a ameaça da execução da pena acessória de inibição de condução já o consiga prevenir da prática, no futuro, de acto de condução sob influência de álcool.
É, pois, de naufragar o recurso in totum.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar não provido o recurso.
Custas do recurso pelo arguido, com seis UC de taxa de justiça.
O presente acórdão é irrecorrível nos termos do art.º 390.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal.
Macau, 14 de Maio de 2015.
_______________________
Chan Kuong Seng
(Relator)
_______________________
Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
_______________________
Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)
Processo n.º 416/2014 Pág. 9/9