Processo n.º 814/2014
(Recurso Cível)
Relator: João Gil de Oliveira
Data: 11/Junho/2015
Assuntos :
- Revisão de divórcio celebrado no Exterior, celebrado perante autoridade administrativa
SUMÁRIO :
1. É passível de revisão a decisão administrativa que enquadra um divórcio por mútuo consentimento, registado na República Popular da China, em Qinzhou, junto da autoridade competente, ainda que não consubstanciado numa decisão judicial.
2. Entende-se ser passível de revisão a regulação de poder paternal acordada, nos interesses da criança, na certeza da possibilidade de alteração do acordado e também um acordo complementar desse divórcio relativo à partilha dos bens, na medida em que inserido no divórcio e por causa ou pressuposto do divórcio.
O Relator,
João A. G. Gil de Oliveira
Processo n.º 814/2014
Data : 11/Junho/2015
Requerente : A
Requerido : B
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I – RELATÓRIO
1. A, mais bem identificada nos autos,
vem intentar Processo de revisão e confirmação de decisões proferidas por tribunais do exterior de Macau
contra B, também ele aí mais bem identificado,
Com os seguintes factos e fundamentos:
1. Relativamente ao processo n.º FM1-13-0006-CIV, o MM.º Juiz do Juízo de Família e de Menores do TJB proferiu despacho, constante da fls. 102 dos autos supracitados, pelo qual exigiu à requerente a revisão e confirmação por tribunais de Macau da decisão de divórcio entre a requerente e o requerido. Por isso, deduziu o presente processo ao MM.º Juiz;
2. A requerente e o requerido contraíram casamento em 30 de Junho de 2008 na cidade de Qinzhou da Província de Guangxi da China; (Doc. 1)
3. Em 8 de Março de 2003, antes de casamento, a requerente deu à luz uma filha que se chama C,era menor actualmente; (Doc. 2)
4. Em 25 de Maio de 2012, o Departamento de Administração Civil da Cidade de Qinzhou da Província de Guangxi da China decretou o divórcio voluntário entre a requerente e o requerido e emitiu a certidão de divórcio; (Doc. 2)
5. Conforme as leis da República Popular da China, a decisão da certidão de divórcio supracitada e o acordo de divórcio já se tornaram em definitivos no mesmo dia; (Doc. 2)
6. E nos termos do art.º 1634.º do Código Civil de Macau, 1. ao divórcio por mútuo consentimento decretado pelo conservador do registo civil é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto na presente Secção. 2. as decisões proferidas nestes termos produzem os mesmos efeitos das sentenças judiciais sobre idêntica matéria;
7. Para todos os efeitos jurídicos, o legislador de Macau equipara a eficácia da decisão de divórcio por mútuo consentimento proferida pelo conservador do registo civil à eficácia da sentença proferida pelo tribunal, portanto, a decisão de divórcio supracitada e o acordo de divórcio devem ser confirmados pelo tribunal, de modo que estes produzam efeitos jurídicos na RAEM;
8. A decisão de divórcio e o acordo de divórcio são verdadeiros e não há dúvida acerca do teor da dissolução da relação matrimonial constante da decisão de divórcio e do acordo de divórcio;
9. Nos termos dos dispostos na lei da RPC, o órgão de registo de casamento do Departamento de Administração Civil da Cidade de Qinzhou da Província de Guangxi da China é competente para tratar de divórcio entre a requerente e o requerido, por outro lado, a decisão de divórcio e o teor relativo à dissolução da relação matrimonial no acordo de divórcio não é concernente ao assunto de competência exclusiva previsto no art.º 20.º do Código de Processo Civil de Macau;
10. Ora não há nenhum processo pendente para apreciação da decisão de divórcio supracitada nos tribunais da RAEM;
11. Ademais, nos termos dos dispostos na lei da RPC, o órgão de registo de casamento do Interior da China só decretou o divórcio quando as partes se divorciaram voluntariamente e chegaram ao acordo acerca de bens, pelo que não existe nenhuma violação do princípio do contraditório e do princípio da igualdade das partes; (Doc.2)
12. Por fim, a decisão de divórcio e o teor acerca da dissolução da relação matrimonial no acordo de divórcio nada são contrários aos bons costumes de Macau;
13. Sendo assim, a decisão de divórcio e o teor acerca da dissolução da relação matrimonial no acordo de divórcio já satisfazem os requisitos necessários para a confirmação previstos no art.º 1200.º do Código de Processo Civil.
Face ao exposto, solicita-se ao MM.º Juiz se digne admitir o presente requerimento e rectificá-lo em caso de omissão e:
1) Decidir procedente a fundamentação do requerimento nos termos dos art.º 1199.º e ss do Código de Processo Civil, e prosseguir a revisão e confirmação da decisão de divórcio supracitada e do teor acerca da dissolução da relação matrimonial no acordo de divórcio até ao seu termo nos termos da respectiva lei .
2) Citar o requerido para contestar nos termos do art.º 1201.º do Código de Processo Civil.
2. B, requerido, vem contestar nos seguintes termos:
1.
Antes de tudo, de acordo com o Decreto do Concelho de Estado da República Popular da China n.º 387, ou seja, o Regulamento sobre Registo de Casamento, ou a Lei de Casamento da República Popular da China, não se prevê que o registo de divórcio formalizado no órgão de registo de casamento tem efeitos equivalentes aos da sentença proferida pelo tribunal;
2.
Pelo que ao registo de divórcio entre a Requerente e o Requerido não se aplica o disposto no artigo 1199.º e seguintes do CPC de Macau.
3.
A par disso, a Requerente e o Requerido formalizaram o divórcio por mútuo consentimento de acordo com o Decreto do Concelho de Estado da República Popular da China n.º 387, ou seja, o Regulamento sobre Registo de Casamento.
4.
Nos termos do artigo 11.º dessa lei chinesa acima referida, o requerimento do registo de divórcio precisa de:
(I) Registo de agregado e bilhete de identidade dos requerentes;
(II) Certidão de casamento dos requerentes;
(III) O acordo de divórcio assinado por ambas partes.
Para além de apresentar os documentos e elementos provatórios previstos nas alíneas (II) e (III) do número anterior, os residentes de Hong Kong, Macau e Taiwan devem apresentar salvo-conduto e bilhete de identidade válidos, e os chineses ultramarinos e estrangeiros passaporte válido ou outro documento de viagem internacional válido.
Do acordo de divórcio deve constar a declaração de vontade do divórcio voluntário das partes bem como a opinião unânime relativamente à manutenção dos filhos, à disposição dos bens e ao tratamento das dívidas.
5
Nos termos do artigo 1630.º do CCM,
Artigo 1630.º
(Requisitos)
1. Só podem requerer o divórcio por mútuo consentimento os cônjuges que forem casados há mais de 1 ano.
2. Os cônjuges não têm de revelar a causa do divórcio, mas devem acordar sobre a prestação de alimentos ao cônjuge que deles careça, o exercício do poder paternal relativamente aos filhos menores e o destino da casa de morada da família.
3. Os cônjuges devem acordar ainda sobre o regime que vigorará, no período da pendência do processo, quanto à prestação de alimentos, ao exercício do poder paternal e à utilização da casa de morada da família.
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E ao abrigo do artigo 205.º, n.º 1 do Código do Registo Civil,
Artigo 205.º
(Instrução e decisão)
1. O pedido deve ser instruído com os documentos seguintes:
a) Certidão de cópia integral do registo de casamento;
b) Acordo sobre a prestação de alimentos ao cônjuge que deles careça;
c) Certidão das convenções matrimoniais, se as houver;
d) Acordo sobre o destino da casa de morada da família.
7
Mais de acordo com o artigo 1242.º, n.º 1 do CPC,
Artigo 1242.º
(Requerimento)
1. O requerimento para o divórcio por mútuo consentimento é assinado por ambos os cônjuges ou pelos seus procuradores e instruído com os seguintes documentos:
a) Certidão de narrativa completa do registo de casamento;
b) Acordo sobre o exercício do poder paternal relativamente aos filhos menores;
c) Acordo sobre a prestação de alimentos ao cônjuge que deles careça;
d) Certidões das convenções matrimoniais e dos seus registos, se as houver;
e) Acordo sobre o destino da casa de morada da família.
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Da formalização do divórcio voluntário no interior da China e do requerimento do divórcio por mútuo consentimento em Macau acima referidos decorre, manifestamente, a existência de diferenças entre as exigências legais das partes relativamente ao divórcio por mútua voluntariedade. Isto é, uma das partes não exige o acordo sobre o destino da casa de morada da família, enquanto outra exige expressamente, no seu Código Civil, Código de Processo Civil e Código do Registo Civil, que os cônjuges devam acordar sobre o destino da casa de morada da família.
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Portanto, sendo um dos requisitos do divórcio por mútuo consentimento em Macau, o acordo sobre o destino da casa de moradia da família não se encontra no acordo para o divórcio que consta do anexo 2 do articulado confirmativo do requerimento apresentado pela Requerente, pelo que o acordo para o divórcio entre a Requerente e o Requerido não deve ser confirmado por estar em desconformidade com as disposições de Macau relativamente ao divórcio por mútuo consentimento, pois caso contrário seriam absolutamente violados o disposto e o espírito da lei vigente de Macau relativamente ao acordo sobre o destino da casa de moradia da família no requerimento de divórcio.
10
Acresce que, como se refere nos pontos 6 e 7 do articulado confirmativo do requerimento, a Requerente entende que o registo de divórcio formalizado no órgão de registo de casamento do interior da China equivale à decisão da Conservatória do Registo Civil de Macau, ou seja, tem efeitos equivalentes aos da sentença proferida pelo tribunal.
11
Nos termos do artigo 204.º do Código do Registo Civil,
Artigo 204.º
(Requerimento)
1. O processo de divórcio é instaurado, na conservatória competente, mediante requerimento assinado pelos cônjuges ou seus procuradores.
2. O requerimento referido no número anterior deve conter a menção expressa da inexistência de filhos menores do casal.
12
Aqui cumpre mencionar a existência de um filho menor antes do divórcio entre a Requerente e o Requerido. De acordo com o disposto acima referido, o requerimento na Conservatória do Registo Civil de Macau tem como pressuposto a inexistência de filhos menores do casal. Cabe aos tribunais tratar todos os divórcios que, mesmo por mútuo consentimento, tenham a ver com filhos menores. Portanto, o órgão de registo de casamento do interior da China é manifestamente diferente da Conservatória do Registo Civil de Macau, não devendo o registo de divórcio formalizado no primeiro ser considerado equivalente à decisão de divórcio feita pela segunda.
13
Face ao exposto, o acordo de divórcio e a certidão de divórcio apresentados pela Requerente nos presentes autos não têm os efeitos da sentença do tribunal, pelo que não devem ser o objecto de revisão e de confirmação desta acção; além disso, o teor do respectivo acordo quanto ao divórcio carece do acordo sobre o destino da casa de moradia da família, estando em desconformidade com a lei de Macau relativamente ao divórcio por mútuo consentimento; ultimamente, dado que o presente processo do divórcio diz respeito com os interesses de filho menor, a confirmação do acordo de divórcio feito sem a consideração, por parte do tribunal, dos interesses do filho menor violará a ordem jurídica de Macau. Por isso, o requerimento da Requerente deve ser rejeitado por violação do disposto no artigo 1200.º, n.º 1, al. f) do CPC.
Pedidos
Nestes termos, peço aos Exm.os Juízes que
a) Julguem procedente a contestação do Requerido; e
b) Declarem que o requerimento da Requerente viola o disposto no artigo 1200.º, n.º 1, al. f) do CPC; e
c) Rejeitem o requerimento em causa.
3. A, requerente no processo em epígrafe, ofereceu a seguinte resposta:
1. Quanto à alegação do requerido de que o registo de divórcio feito pelo órgão de registo de casamento do Interior da China não tem eficácia igual à da decisão proferida por tribunal, salvo o devido respeito pela opinião do requerido, a requerente acha que o entendimento dele é errado.
2. Ao abrigo do artigos 31° e 32° do Capítulo da Lei de Casamento da República Popular da China, no Interior da China há duas modalidades de divórcio - divórcio voluntário e divórcio litigioso. O divórcio voluntário deve ser processado no órgão de registo de casamento.
3. O divórcio indicado nesta decisão de divórcio a ser confirmada e no acordo de divórcio (na parte da dissolução de relação matrimonial) é divórcio voluntário. Este tipo e processo de divórcio existe também no art. 1628° do CCM, apenas com designação diferente - "divórcio voluntário" no Interior da China e "divórcio por mútuo consentimento" em Macau.
4. As normas sobre o divórcio no Interior da China são muito semelhantes às no direito da RAEM. Portanto, a dissolução de casamento feita, quer através de tribunal quer através de serviço administrativo, produz os mesmos efeitos jurídicos.
5. Embora o art. 1199° do CPCM não abranja expressamente a decisão de divórcio consensual em causa, decisão que foi proferida pelo órgão de registo de casamento do Interior da China, não se pode deixar de ter em conta a função desta acção de revisão e confirmação e a interpretação extensiva de tal artigo. A decisão de divórcio em questão e a parte da dissolução de relação matrimonial no acordo de divórcio devem ser consideradas como objecto que pode ser revisto e confirmado mediante esta acção.
6. Tal entendimento é sustentado e adoptado pelo Tribunal de Segunda Instância (cfr. acórdão no processo n.º 140/2011 do TSI).
7. Na contestação o requerido alegou que não foi chegado, no acordo de divórcio, a qualquer acordo entre o requerido e a requerente sobre o destino da casa de morada da família, sendo isso incompatível com o divórcio por mútuo consentimento previsto na lei de Macau. Importa referir que há mesmo diferença entre a legislação sobre divórcio por mútuo consenso do Interior da China e a de Macau. No processo de divórcio com mútuo consentimento, a lei de Macau prevê que ambas as partes fixem o destino da casa de morada da família após o divórcio caso o casal ainda viva junto antes do divórcio. Se os cônjuges já estiverem separados aquando do divórcio, não é necessário o acordo sobre a casa de morada da família.
8. In casu, ambas as partes não indicaram se já se encontravam separados aquando do divórcio, nem falaram do destino da casa de morada da família. Temos que ter em atenção que no acordo de divórcio a requerente e o requerido já chegaram a um acordo sobre o exercício do poder paternal sobre a filha menor e a partilha dos bens deles, facto este que comprova a não necessidade de fixar destino da casa de morada da família ou que já tinham chegado a acordo sobre este assunto.
9. As leis do Interior da China e de Macau têm normas diferentes para regular o divórcio de mútuo consentimento, não resultando necessariamente em violação da ordem pública de Macau.
10. Alegou o requerido ainda que o acordo de divórcio, que foi feito sem ter em consideração, por parte do tribunal, os interesses da filha menor de ambas, viola as disposições do art. 1200°, n° 1, al. f) do CPCM, sendo incompatível com a ordem jurídica de Macau. A requerente não se conforma com tal entendimento.
11. O acordo de alimentos para a filha menor de ambas as partes foi chegado em conformidade com a lei e procedimentos do Interior da China e com o preenchimento de todos os requisitos legais, não se verificando a violação das disposições do art. 1200°, n.º 1, al. f) do CPCM - ... um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública.
12. Pelo exposto, a certidão de divórcio emitida aos requerente e requerido pelo Departamento para os Assuntos Cívicos da Cidade de Qinzhou da Província de Quangxi da China em 25 de Maio de 2012 e a parte relativa à dissolução de relação matrimonial no acordo de divórcio assinado no mesmo dia não violam o artigos 1199° e ss do CPCM.
13. Requer, ao mesmo tempo, que
Seja admitido o presente requerimento e que seja suprida a eventual omissão nos termos da lei. Requer ainda que seja admitido o pedido da requerente e sejam revistas e confirmadas a decisão de divórcio e a parte da dissolução de relação matrimonial no acordo de divórcio.
4. O Digno Magistrado do Ministério Público pronuncia-se no sentido de não vislumbrar obstáculo à revisão em causa.
5. Foram colhidos os vistos legais.
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
O Tribunal é o competente internacionalmente, em razão da matéria e da hierarquia.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária, dispondo de legitimidade ad causam.
Inexistem quaisquer outras excepções ou questões prévias de que cumpra conhecer.
II – FACTOS
Com pertinência, têm-se por assentes os factos seguintes, em conformidade com os documentos devidamente certificados da República Popular da China:
REPÚBLICA POPULAR DA CHINA
CERTIDÃO DE CASAMENTO
Emitido pelo Departamento de Administração Civil da República Popular da China
Perante o casamento solicitado, regista-se o casamento por estar conforme aos dispostos no Regime de Casamento da RPC e emite-se a tal certidão.
Órgão de registo: Departamento de Administração Civil da Cidade de Qinzhou (com carimbo aposto)
Conservador: (ass.: vide o original)
Titular: A
Data de registo: 30/06/2008
N.º da série de casamento: Gui Qin Jie Zi n.º XXXXXX
Observações:
Nome: A Sexo: feminino
Nacionalidade: chinesa Data de nascimento: 02/05/1984
n.º BI: XXXXXXXXXXXXXXXX
Nome: B Sexo: masculino
Nacionalidade: chinesa Data de nascimento: 15/05/1958
n.º BI: XXXXXXXX (Macau)
Segundo os dispostos no Regime de Casamento, as partes que solicitam casamento devem dirigir-se pessoalmente ao órgão de registo do casamento para efectuar o registo. Regista-se o casamento por estar conforme aos dispostos no Regime de Casamento da RPC e emite-se a tal certidão e consequentemente, estabelece-se a relação conjugal.
TRIBUNAL JUDICIAL DE BASE
JUÍZO DE FAMÍLIA E DE MENORES
CERTIDÃO
***
--- O escrivão judicial adjunto do Juízo de Família e de Menores do TJB da RAEM, D ---------------------------------------------------
CERTIFICO
1. A cópia que se junta ao presente certidão é idêntica ao original, fazendo parte do presente certidão;
2. Foi transcrito por processo de inventário do presente Juízo n.º FM1-13-0006-CIV;
3. A requerente é A e o requerido é B (cabeça-de-casal);
4. O presente certidão foi passado a pedido do mandatário judicial de A, Dr. E, de modo que apresente o processo de revisão e confirmação de decisões proferidas por tribunais do exterior de Macau ao TSI. O presente certidão, no total de 11 páginas incluindo esta página, todas são numeradas, rubricadas e impostas com carimbo de selo aposto pelo presente Juízo.
Na RAEM, aos 9 de Outubro de 2014
O escrivão judicial adjunto
D
Ass.: vide o original
Conta n.º 4/01/2014
GPTUI
(11) folhas: 210
RAEM:
Selo de verba: 55
Selo da certidão (fixo): 10,00 65
Total: 275
São duzentas e setenta e cinco patacas
Macau, 09/10/2014
REPÚBLICA POPULAR DA CHINA
(Com emblema nacional da República Popular da China, vide o original)
CERTIDÃO DE DIVÓRCIO
Emitido pelo Departamento de Administração Civil da República Popular da China
Perante o divórcio solicitado, regista-se o divórcio por estar conforme aos dispostos no Regime de Casamento da RPC e emite-se a tal decisão.
Órgão de registo: Departamento de Administração Civil da Cidade de Qinzhou (com carimbo aposto)
Conservador: (ass.: vide o original)
Titular: A
Data de registo: 25/05/2012
N.º da série de casamento: XXXXXXXXXXXXXX
Observações:
Nome: A Sexo: feminino
Nacionalidade: chinesa Data de nascimento: 02/05/1984
n.º BI: XXXXXXXXXXXXXXXX
Nome: B Sexo: masculino
Nacionalidade: chinesa Data de nascimento: 15/05/1958
n.º BI: XXXXXXXX (Macau)
Segundo os dispostos no Regime de Casamento, é decretado o divórcio quando as partes consentem voluntariamente em divorciar-se. E já foi verificado pelo órgão de registo do casamento que as partes agiram de forma voluntária e efectuaram ao tratamento adequado sobre as filhas e os bens. Para efeito, emite-se a tal certidão de divórcio.
ACORDO DE DIVÓRCIO
Requerente: B, do sexo masculino, da etnia Han, nascido a 15 de Maio de 1958, residente no Xº-andar-X, Edf. XXXX, Rua XXXX, n.º XX, Macau, titular do BIRM n.º XXXXXXXX.
Requerente; A, do sexo feminino, da etnia Han, nascida a 2 de Maio de 1984, residente em XXXX路XX號XX花園XX棟XX單元XX房, Gongbei, Cidade de Zhuhai da Provínica de Guangdong, titular do BIR n.º XXXXXXXXXXXXXXXX.
O requerente B e a requerente A conheceram-se em Outubro de 2002 e contraíram casamento em 30 de Junho de 2008 na Cidade de Qinzhou da Província de Guangxi. Antes de casamento, a mulher deu à luz uma filha em 8 de Março de 2003 que se chama C. Actualmente, estão rompidas as relações conjugais por causa da incompatibilidade dos caracteres pessoais e de questões económicas, os laços efectivos já estavam efectivamente quebrados de forma irreparável, em consequência, as partes consentem voluntariamente em divorciar-se e chegam ao seguintes acordo:
1. As partes chegaram voluntariamente ao acordo de divórcio.
2. Quanto à guarda, alimentos e ao direito de visita:
A filha C (nascida a 8 de Março de 2003, titular do BIR n.º XXXXXXXX) será entregue aos cuidados do marido e vai viver com ele, sendo este próprio responsável por contribuir alimentos (incluindo as despesas relativas à custódia, saúde e educação). A mulher pode visitar a filha sempre que quiser, mas não pode prejudicar as horas de estudo ou vida da filha (a mulher poderá sempre ter a filha na sua companhia de visita uma vez nos dias de descanso da semana, incluindo viajar para fora, desde que avise previamente o marido e o marido deve garantir o tempo de visita da mulher não inferior a um dia por semana).
3. Quanto ao património comum:
(1) Morada: pertencerá ao marido a sua quota do direito de propriedade do imóvel comum, fracção sita no Xº-andar-X, Edf. XXXX, Rua XXXX, n.º XX, Macau e à filha C a quota da mulher, a mulher deve assistir ao marido para tratar todos os trâmites e as despesas daí resultantes ficam a cargo do marido; pertencerá à filha C o direito de propriedade do imóvel, fracção sita em XXXX路XX號XX花園XX棟XX單元XX房, Gongbei, Cidade de Zhuhai da Provínica de Guangdong da China, que foi comprada pelo marido para a mulher antes de casamento, a mulher deve assistir ao marido para tratar todos os trâmites.
(2) Outros bens: os bens próprios antenupciais pertencerão a si próprio, bem como os artigos de uso diário privados e os objectivos de valor (relação de bens).
4. Quanto à dívida:
Não existe dívida comum durante a constância da relação conjugal das partes, e qualquer parte que tem dívida externa deve assumir por si próprio.
5. Responsabilidade da ocultação ou transmissão dos bens comuns por uma parte dos cônjuges:
Os bens comuns confirmados pelos cônjuges já foram relacionados expressamente no ponto n.º 3 supracitado. Além de imóveis, aparelhos electrodomésticos e de imobiliários supracitados, não existe outros bens, qualquer parte deve assegurar a autenticidade de todos os bens comuns durante a constância da relação conjugal relacionados acima.
A partilha do presente acordo baseia-se nos bens relacionados acima. Qualquer parte não pode ocultar, declarar falsamente ou transmitir os bens comuns matrimoniais ou antenupciais, ou transmitir ou ocultar os bens no prazo de dois anos a contar da celebração do presente acordo, uma vez que verifique a existência dos actos supracitados, a outra parte terá direito a adquirir todos os bens ocultados, declarados falsamente ou transmitidos e reclamar a responsabilidade jurídica da ocultação, declaração falsa ou transmissão de bens, a parte que oculta, declara falsamente ou transmite não tem direito a partilhar estes bens.
6. Ajuda económica e indemnização moral:
O marido concorda em pagar numa única vez a indemnização no valor de MOP$150.000,00 à mulher devido à sua dificuldade na vida. O pagamento deve ser efectuado no momento da celebração do presente acordo.
7. Data de entrada em vigor do acordo:
O presente acordo é celebrado em triplicado, destinando-se um a cada das partes e um a arquivo do Serviço de Registo de Casamento. Este acordo entrará em vigor deste dia da emissão da certidão de divórcio.
8. Caso haja litígio na execução do presente acordo após a entrada em vigor, as partes devem resolver através da negociação, e caso a negociação falhe, qualquer pode recorrer ao tribunal.
O requerente: (ass.: vide o original) A requerente: (ass.: vide o original)
Aos 25 de Maio de 2012 Aos 25 de Maio de 2012
IV - FUNDAMENTOS
O objecto da presente acção – revisão e confirmação de registo de divórcio autorizado pelo Departamento de Administração Civil da Cidade de Qinzhou da Província de Guanxi, da República Popular da China -, de forma a produzir aqui eficácia, passa pela análise das seguintes questões:
1. Requisitos formais necessários para a confirmação;
2. Colisão ou não com matéria da exclusiva competência dos Tribunais de Macau;
3. Compatibilidade com a ordem pública;
*
1. Prevê o artigo 1200º do C. Processo Civil:
“1. Para que a decisão proferida por tribunal do exterior de Macau seja confirmada, é necessária a verificação dos seguintes requisitos:
a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a decisão nem sobre a inteligibilidade da decisão;
b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do local em que foi proferida;
c) Que provenha de tribunal cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau;
d) Que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal de Macau, excepto se foi o tribunal do exterior de Macau que preveniu a jurisdição;
e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do local do tribunal de origem, e que no processo tenham sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
f) Que não contenha decisão cuja confirmação conduza a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública.
2. O disposto no número anterior é aplicável à decisão arbitral, na parte em que o puder ser.”
Com o Código de Processo Civil (CPC) de 1999, o designado privilégio da nacionalidade ou da residência - aplicação das disposições de direito privado local, quando este tivesse competência segundo o sistema das regras de conflitos do ordenamento interno - constante da anterior al. g) do artigo 1096º do CPC, deixou de ser considerado um requisito necessário, passando a ser configurado como mero obstáculo ao reconhecimento, sendo a sua invocação reservada à iniciativa da parte interessada, se residente em Macau, nos termos do artigo 1202º, nº2 do CPC.
A diferença, neste particular, reside, pois, no facto de que agora é a parte interessada que deve suscitar a questão do tratamento desigual no foro exterior à R.A.E.M., facilitando-se assim a revisão e a confirmação das decisões proferidas pelas autoridades estrangeiras, respeitando a soberania das outras jurisdições, salvaguardando apenas um núcleo formado pelas matérias da competência exclusiva dos tribunais de Macau e de conformidade com a ordem pública.
Não se conhecendo do fundo ou do mérito da causa, na revisão formal, o Tribunal limita-se a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade1, pelo que não há que proceder a novo julgamento tanto da questão de facto como de direito.
Vejamos então os requisitos previstos no artigo 1200º do CPC.
Autenticidade e inteligibilidade da decisão.
Parece não haver dúvidas de que se trata de um documento autêntico devidamente selado e traduzido, certificando-se uma decisão relativa a uma autorização de um registo de um divórcio por mútuo consentimento proferida pelo Departamento respectivo da República Popular da China, cujo conteúdo facilmente se alcança, em particular no que respeita aos efeitos jurídicos da dissolução do casamento, sendo certo que são estes que devem relevar.2
É certo que não se trata de uma sentença proferida por um Tribunal do Exterior, mas não deixamos de estar perante uma decisão proferida por uma autoridade administrativa que produz os mesmos efeitos, adoptando-se o critério que já tem seguido pelos Tribunais de Macau3 para confirmação de divórcios ocorridos perante autoridades administrativas ou até em termos de Jurisprudência Comparada.4
Sob pena até de os interessados se verem na impossibilidade de reconhecimento na ordem interna relativamente ao seu próprio estado civil.
Não tem, pois, razão o contestante, sendo que essa decisão não contende de forma alguma com os princípios de ordem pública interna ou sequer com os princípios gerais do ordenamento interno da RAEM.
Quanto aos requisitos relativos ao trânsito em julgado, competência do tribunal ou autoridade do exterior, ausência de litispendência ou de caso julgado, citação e garantia do contraditório, dispõe o artigo 1204º do CPC:
“O tribunal verifica oficiosamente se concorrem as condições indicadas nas alíneas a) e f) do artigo 1200º, negando também oficiosamente a confirmação quando, pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, se apure que falta algum dos requisitos exigidos nas alíneas b), c), d) e e) do mesmo preceito”.
Tal entendimento já existia no domínio do Código anterior5, entendendo-se que, quanto àqueles requisitos, geralmente, bastaria ao requerente a sua invocação, ficando dispensado de fazer a sua prova positiva e directa, já que os mesmos se presumiam6.
É este, igualmente, o entendimento que tem sido seguido pela Jurisprudência de Macau.7
Ora, nada resulta dos autos ou do conhecimento oficioso do Tribunal, no sentido da não verificação desses requisitos que assim se têm por presumidos, face até ao próprio registo certificado pelas autoridades da República Popular da China.
2. Já a matéria da competência exclusiva dos Tribunais de Macau está sujeita a indagação, implicando uma análise em função do teor da decisão revidenda, à luz, nomeadamente, do que dispõe o artigo 20º do CC:
“A competência dos tribunais de Macau é exclusiva para apreciar:
a) As acções relativas a direitos reais sobre imóveis situados em Macau
b) As acções destinadas a declarar a falência ou a insolvência de pessoas colectivas cuja sede se encontre em Macau.”
Ora, facilmente se observa que nenhuma das situações contempladas neste preceito colide com o caso sub judice, tratando-se aqui da revisão de um divórcio acordado por ambos os cônjuges.
3. Da ordem pública.
Não se deixa de ter presente a referência à ordem pública, a que alude o art. 273º, nº 2 do C. Civil, no direito interno, como aquele conjunto de “normas e princípios jurídicos absolutamente imperativos que formam os quadros fundamentais do sistema, pelo que são, como tais, inderrogáveis pela vontade dos indivíduos.”8E se a ordem pública interna restringe a liberdade individual, a ordem pública internacional ou externa limita a aplicabilidade das leis exteriores a Macau, sendo esta última que relevará para a análise da questão.
No caso em apreço, em que se pretende confirmar a decisão em que se autorizou o registo do divórcio, reconhecendo tais efeitos como extintivos da relação matrimonial em causa, não se vislumbra que haja qualquer violação ou incompatibilidade com a ordem pública. Aliás, sempre se realça que o nosso direito substantivo prevê a dissolução do casamento, igualmente por mútuo consentimento, por mera manifestação de vontade de ambos os cônjuges nesse sentido, preenchidos os respectivos requisitos.
À luz das leis da RPC mostra-se comprovada a dissolução do casamento, o que não fere os princípios do nosso ordenamento.
4. Dos restantes acordos
Mas se isto é válido para o divórcio em si, pode-se discutir se estas razões serão válidas para o acordo de partilha dos bens que consta de um mero acordo, havendo quem não veja razões para confirmar judicialmente esse acordo que não deixa de ser válido e pode ser firmado em qualquer lugar, nomeadamente em Macau.
Esta dualidade de posições tem divergido já entre os membros que integram o presente Colectivo e entre os juízes deste TSI. 9 Não obstante estas divergências, vamos passar a uniformizar o critério, em nome da certeza jurídica, no âmbito da presente formação de juízes, estendendo a confirmação do divórcio por documento notarial aos restantes acordos, nomeadamente ao acordo de partilha, na medida em que esse acordo não deixa de ser válido e se insere no âmbito do procedimento do divórcio. Digamos que os diferentes acordos dos cônjuges existem em função e por causa do divórcio, bem podendo ser condição sine qua non determinante de vontade de qualquer um deles em se divorciar. No fundo trata-se ainda de resolver a situação do casal no seu todo.
O pedido de confirmação do divórcio ocorrido na RPC não deixará, pois, de ser procedente, confirmação essa que se estende ao acordo de partilha, situação que se insere e bem pode ser pressuposto da vontade de divórcio.
O mesmo acontece em relação ao acordo de regulação paternal, devendo sobrelevar aí o interesse da menor considerando que mesmo o acordado nesse domínio, pode ser alterado em função das circunstâncias que justifiquem essa alteração.
A não se dar cobertura a um acordo dessa natureza, pela indefinição da situação do menor, este não deixaria de ficar desprotegido até que o regime venha a ser alterado, relevando-se uma regulação independentemente do lugar onde tenha sido celebrado.
Até porque esse acordo, mesmo na RPC, não deixa de ser pressuposto do divórcio por mútuo consentimento, tal como acontece em Macau, ainda que não processado, nesses casos, pela autoridade administrativa.
Temos, assim, presente a regulação do poder paternal que se operou por vontade dos progenitores, em relação à filha do casal, não ferindo igualmente a regulação operada os princípios do nosso ordenamento, sendo a criança entregue à guarda e cuidados do pai, com garantia da visita por parte da mãe, regulação essa que bem podia aqui acontecer igualmente.
Posição esta que já se adoptou no Proc. deste TSI, n.º 373/2013, de12/Dez./2013.
Anota-se, aliás, que o próprio acordo firmado prevê o recurso aos tribunais, no caso de desinteligência quanto à execução dos acordos firmados.
V - DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam conceder a revisão e confirmar o divórcio entre A e B, registado pelo Departamento de Administração Civil da Cidade de Qinzhou da Província de Guanxi, da República Popular da China, em 25 de Maio de 2012, no sentido de poder produzir eficácia na RAEM, nos seus precisos termos, confirmando-se o acordo quanto à regulação do poder paternal e quanto à partilha dos bens, pelas razões acima aduzidas.
Custas pelo requerido.
Macau, 11 de Junho de 2015,
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
1 - Alberto dos Reis, Processos Especiais, 2º, 141; Proc. nº 104/2002 do TSI, de 7/Nov/2002
2 - Ac. STJ de 21/12/65, BMJ 152, 155
3 - AC. TSJ de Macau, de 29/1/97, proc. 536 e 19/11/97, proc. 632; TSI, de 11/7/02, proc. 76/2002, CJTSI, 2002, II, 1285; Acs. do TSI, proc. 121/09, de 4/6/09; proc.79/09, de 14/5/09
4 - Acs da RL, de 15/1/82, proc. 14857, BMJ 322, 369; RP, de 12/7/83, CJ 83, 4º, 221
5 - cfr. artigo 1101º do CPC pré-vigente
6 - Alberto dos Reis, ob. cit., 163 e Acs do STJ de 11/2/66, BMJ, 154-278 e de 24/10/69, BMJ, 190-275
7 - cfr. Ac. TSJ de 25/2/98, CJ, 1998, I, 118 e jurisprudência aí citada, Ac. TSI de 27/7/2000, CJ 2000, II, 82, 15/2/2000, CJ 2001, I, 170, de 24/5/2001, CJ 2001, I, 263 de 11/4/2002, proc. 134/2002 de 24/4/2002, entre outros
8 -João Baptista Machado, Lições de DIP, 1992, 254
9 - Ac. TSI, de 07/10/2010, proc. n.º 394/2009; 762/2012; 776/2011, entre outros
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814/2014 28/28