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Processo n.º 2/2015
(Recurso Laboral)
    
Relator: João Gil de Oliveira
Data : 23/Abril/2015


ASSUNTOS:
- Contrato de hospedagem
- Responsabilidade objectiva no âmbito de uma relação contratual
- Dano não patrimonial em sede de responsabilidade contratual
- Incapacidade parcial permanente; natureza patrimonial do dano físico resultante dessa incapacidade
    
    SUMÁRIO :
    
    1. Trata-se de um caso de uma queda na casa de banho, em condições não apuradas, de um cliente de um hotel, tendo o tribunal de 1ª instância considerado que o hotel era responsável pelos danos sofridos.
    
    2. Não vindo interposto recurso dessa responsabilização, estava em causa apenas o ressarcimento dos danos pela incapacidade parcial permanente sofrida de 8%, uma vez que o Tribunal não considerou provada uma incapacidade concreta para o desempenho do trabalho exercido, mas entende-se que essa incapacidade é ressarcível, como dano de natureza patrimonial, em termos de um dano biológico, concretizado e abstractamente incapacitante para qualquer actividade presente e futura, profissional ou não, devendo recorrer-se a critérios de equidade na fixação do respectivo quantum, na impossibilidade de uma avaliação rigorosa na reposição da situação devida.
    
    
O Relator,

João Gil de Oliveira





















Processo n.º 2/2015
(Recurso Cível)
Data : 23/Abril/2015

Recorrente : A

Recorrida : B, S.A.

    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I – RELATÓRIO
    A, Autor nos autos à margem referenciados e neles mais bem identificado, inconformado com a sentença proferida, relativamente a pedido de indemnização formulado contra o hotel onde se hospedara, por aí ter caído na casa de banho, vem interpor recurso, alegando em síntese conclusiva:


    O dano patrimonial abrange tanto o dano emergente - prejuízos causados em bens ou direitos já existentes à data da lesão - como o lucro cessante - benefícios que o lesado deixou de obter, mas que ainda não tinha direito à data da lesão.

    Dentro do dano patrimonial cabe não só o dano emergente, ou perda patrimonial (dannum emergens; la perté éprouvée), como o lucro cessante ou lucro frustado (lucrum cessans; le gain manque) O primeiro compreende o prejuízo causado nos bens ou nos direitos já existentes na titularidade do lesado à data da lesão. O segundo abrange os benefícios que o lesado deixou de obter por causa do facto ilícito.

    O ora recorrente tem o direito de ser indemnizado pela incapacidade permanente parcial de, pelo menos, 8% de que padece, definida esta incapacidade como um dano emergente, presente e, naturalmente, totalmente autónomo dos danos patrimoniais futuros (lucros cessantes).

    Essa incapacidade permanente consiste num dano emergente, actual, presente e autónomo, uma vez que o ora recorrido passou a sofrer esse prejuízo efectivo logo depois da verificação do acidente ao ficar com uma incapacidade de, pelo menos, 8% para o resto da vida.

    Incapacidade a que corresponderá obrigatoriamente uma perda de capacidade funcional e aquisitiva, com reflexos não só ao nível da produtividade do lesado, por exemplo, do seu trabalho, mas igualmente ao nível da sua qualidade de vida.

    A incapacidade permanente parcial (IPP) de que o recorrente sofre é indemnizável, devendo atender-se, no cômputo dessa indemnização, ao disposto no artigo 560º n.º 5 do do CC, bem como recorrer a um juízo de equidade nos termos do n.º 6 daquele artigo.

    A perda da capacidade de ganho por incapacidade permanente parcial ou total seria indemnizável, ainda que o recorrente mantivesse o mesmo salário que auferia antes da lesão.

    O tribunal recorrido não fixou, como devia, qualquer indemnização por esse dano presente, emergente, que tem a ver com a incapacidade permanente parcial (IPP) de que sofre o recorrente, não só para o trabalho como inclusivamente ao nível da sua qualidade de vida.

    Com efeito, o Tribunal recorrido configurou erradamente esse dano (IPP) como se de um dano futuro (lucro cessante) se tratasse.
10ª
    Só que, como já se viu, estamos perante um dano presente, emergente, o chamado "dano biológico" enquanto lesivo do direito à saúde que assiste ao recorrente.
11ª
    E este dano é, por conseguinte, indemnizável de forma autónoma e independente, nos limites impostos no artigo 560º, nºs. 5 e 6, do CC, com recurso a um juízo recto e de equidade (artigo 3º, al. a), do mesmo Código).
12ª
    Considerando-se como equitativo e adequado o valor de MOP458,761.00 (quatrocentas e cinquenta e oito mil, setecentas e sessenta e uma Patacas), considerando o salário mensal do recorrente à data da queda (HKD 30,700.00), a sua idade nessa mesma data (59 anos), a perspectiva de um período de vida útil até aos 75 anos e a incapacidade permanente parcial de, pelo menos, 8% de que passou a padecer por força da queda.
13ª
    Por outro lado, quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, sendo a indemnização fixada em dinheiro sempre que a reconstituição natural não seja possível (artigos 556º e 560º, n.º 1, do CC).
14ª
    Ora, considera o recorrente que o valor dos danos não patrimoniais arbitrados pelo Tribunal a quo não é adequado, mostrando-se ainda escasso e desajustado em face das lesões que sofreu.
15ª
    A fixação da indemnização, a título de danos não patrimoniais, teria que ser operada equitativamente nos termos dos artigos 487º e 489º, n.º 3, do CC e tomar em conta os valores correntes adoptados pela jurisprudência.
16ª
    A quantia destinada à reparação de danos morais causados pelo acidente de viação em apreço deveria ter sido fixada equitativamente em face das circunstâncias dadas por assentes no texto da decisão recorrida, à luz dos critérios previstos no artigo 487º, ex vi do artigo 489º, n.º 3, ambos do CC.
17ª
    Ora, o valor de MOP 200,000.00 apurado pelo Tribunal “a quo”, a título de danos não patrimoniais, não se molda integralmente aos bens jurídicos lesados e aos montantes a que, para circunstâncias similares, a jurisprudência do foro de Macau tem adoptado, sobretudo se atendermos às lesões que o ora recorrente sofreu com a queda, as quais causaram-lhe directa e necessariamente ofensas à sua integridade física, com fractura de dois ossos do antebraço esquerdo (cúbito e rádio) e, particularmente, com dores provocadas pela lesões, um período de internamento de 5 dias, a imobilização do braço esquerdo durante 6 semanas, a sujeição a tratamentos de fisioterapia durante 9 meses que lhe provocaram muitas dores, e as decorrentes limitações de mobilidade no punho, músculo do antebraço e cotovelo esquerdos e, por fim uma IPP de, pelo menos, 8%, tudo conforme resulta da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal recorrido.
18ª
    Violou assim a decisão recorrida os artigos 487º e 489º, n.º 3, do CC.
19ª
    Assim, os danos não patrimoniais sofridos pelo ora recorrente, serão apenas ressarcíveis com uma indemnização global de MOP500.000.00 (quinhentas mil patacas), tal como foi peticionado, quantia que se mostra equilibrada, adequada e razoável.
    Termos em que se requer seja a decisão recorrida revogada no sentido de que a Ré, ora recorrida, seja condenada a pagar ao ora recorrente uma indemnização global de MOP981.123.00, sendo MOP22,362.00 a título de despesas médicas e certificados tal como decidido pelo TJB, MOP458,761.00, a título de indemnização pela incapacidade permanente parcial de que padece o recorrente, e MOP500,000.00, a título de danos não patrimoniais, sofridos na sequência da queda a que se reportam os presentes autos.
    
    B, S.A., Ré nos autos à margem referenciados, veio apresentar as suas CONTRA-ALEGAÇÕES, o que fez, em síntese, nos termos e com os seguintes fundamentos:
    1) Vem o presente recurso interposto da sentença de fls. 265 e seguintes dos autos, que decidiu "Condenar a Ré, B, S.A, a pagar ao Autor, A, a quantia de MOP$22.362,00 pelos danos patrimoniais por este sofridos; Condenar a Ré a pagar ao Autor a quantia de MOP$200.000,00 pelos danos não patrimoniais por este sofridos; Absolver a Ré dos restantes pedidos formulados pelo Autor.";
    2) Sendo pelas conclusões que se afere a pretensão do Recorrente e se delimita o objecto do seu recurso, das mesmas resulta, por um lado, que a matéria de facto dada como provada, e não provada, é respeitada, não se querendo a renovação da prova, e por outro lado, que o Recorrente cinge o seu recurso ao quantum indemnizatório arbitrado pelo Tribunal a quo, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, considerando que a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 487.° e 489.°, n.º 3, ambos do Código Civil de Macau, devendo por isso ser revogada.
    3) Porém, - pese embora o maior respeito que nos merece opinião diversa - a decisão recorrida não padece de qualquer ilegalidade ou de qualquer um dos vícios invocados pelo Recorrente nas suas Alegações, pelo que não merecendo qualquer reparo, deverá ser mantida nos seus exactos termos.
    4) Porquanto, o Meritíssimo Juiz a quo fez uma correctíssima e inatacável interpretação e aplicação da lei não merecendo a decisão recorrida qualquer censura e devendo, por isso, ser mantida nos seus precisos termos.
    5) Recorde-se que, para fundamentar a sua pretensão o Autor alegou, em síntese, que "(…) instalou-se num dos quartos do 12.º andar do "C Hotel Macau, " (…)" de que a Ré é titular, onde "No dia 3 de Outubro de 2009, enquanto se encontrava a tomar banho (…), o Autor escorregou e caiu de costas na banheira. (…)". Alegou ainda "(…) que a banheira em causa não continha qualquer material antiderrapante que pudesse evitar a queda do Autor." e que "(…) inexistiam nessa altura quaisquer barras de apoio que auxiliassem a entrada e saída de qualquer utente na banheira ou a nela permanecer com segurança.", concluindo que tais factos consubstanciam uma violação das regras estabelecidas no Regulamento da Actividade Hoteleira e Similar, aprovada pela Portaria n.º 83/96/M, de 1 de Abril, traduzidas na alegada inexistência de material antiderrapante na banheira, bem como, de barras de apoio que auxiliassem a entrada e saída de qualquer utente na banheira ou a nela permanecer com segurança, o que consubstanciaria um incumprimento do artigo 10.°, alínea e) do referido Regulamento, pelo que a Ré deveria ressarci-lo dos danos que descreve na sua PI.
    6) Sucede que, os fundamentos essenciais de facto e de direito que sustentaram o pedido do Autor, ora Recorrente, não foram dados como provados.
    7) In casu, o Tribunal a quo, com base no disposto no artigo 809.° do Código Comercial concluiu que "Apesar dos factos invocados pela Recorrida em sua defesa para afastar a sua responsabilidade demonstrarem que a Ré teve o cuidado de garantir a segurança dos seus hóspedes o certo é que a lei é peremptória em assacar-lhe a responsabilidade pelas lesões à vida ou à integridade física verificadas dentro das instalações que explora salvo quando a Ré provar que a causa das mesmas não lhe é imputável". E que, "Por força dessa imputação e a consequente inversão do ónus da prova, não basta à Ré provar que fez tudo para evitar a queda. É que, se a Ré não conseguir provar o contrário, a mesma é considerada responsável”.
    8) Ou seja, no caso em apreço a Ré, ora Recorrida foi condenada a "(…) ressarcir os danos sofridos pelo Autor em consequência da queda porque está provado que a queda teve lugar nas instalações hospedeiras exploradas por aquela e da queda resultaram fracturas nos dois ossos do antebraço esquerdo do Autor." e a Ré não logrou provar que a causa das lesões sofridas pelo Autor, ora recorrente, não lhe são imputáveis;
    9) No que se refere à sua capacidade de ganho no futuro o Meritíssimo Juiz a quo considerou - e bem - na Sentença ora recorrida, que, uma vez que está apenas provado que o Autor, ora Recorrente sofre actualmente de uma incapacidade permanente parcial de, pelo menos, 8% e que à data da queda tinha 59 anos de idade e ainda que o seu vencimento mensal era HKD$30.700,00, daí não se pode concluir que a incapacidade em questão afectou e afectará a sua capacidade para o trabalho e consequentemente, a possibilidade de continuar a auferir o salário mensal que auferia;
    10) Com efeito, como bem se descortinou na decisão ora em apreço, o Autor, ora Recorrente, não alegou, muito menos provou em que medida é que a incapacidade permanente parcial que veio a ser declarada afectou o desempenho da sua actividade profissional, sendo certo que não ficou provado que as lesões que sofreu o limitam no seu trabalho;
    11) Por outro lado, o Recorrente também não alegou, muito menos provou que esta incapacidade permanente parcial teve como consequência qualquer incapacidade temporária ou permanente de trabalho ou de ganho;
    12) Pelo contrário, aquilo que se provou foi que o Recorrente continuou e continua a desempenhar a sua profissão normalmente e que não sofreu qualquer corte no seu salário em função da suposta incapacidade permanente parcial;
    13) Assim sendo, nunca a Recorrida poderia ter sido condenada nos termos que o Recorrente peticiona.
    14) Não só porque tal pedido é absolutamente falho de factos que o possam sustentar não tendo o Recorrente alegado, muito menos provado, os factos mínimos que o pudessem fundamentar (nomeadamente que profissão exercia à data do incidente, em que medida o respectivo desempenho ficou afectado por esta suposta incapacidade permanente parcial) como o mesmo constituiria, se fosse atendido, um verdadeiro enriquecimento sem causa do Autor, ora Recorrente;
    15) Por sua vez, afigura-se ainda que qualquer avaliação por perda de ganhos nunca poderia ser feita, no caso sub judice, com base numa esperança de vida profissional até aos 75 anos! Desde logo, porque, como acima se disse, o Recorrente não alegou, muito menos provou, qual é a actividade profissional que exerce e que exercia à data do incidente, e em que medida é que as lesões resultantes do incidente afectaram a prestação dessa actividade, e com que probabilidade a iria exercer até aos 75 anos;
    16) Desconhecendo-se igualmente qual era o estado de saúde do mesmo antes do incidente objecto dos presentes autos, nada tendo sido alegado, muito menos provado, pelo Recorrente a esse respeito;
    17) Por outro lado, convém igualmente ter presente que "no cálculo do montante da indemnização deve deduzir-se o valor correspondente ao benefício resultante para o lesado da circunstância de ser colocado ao seu dispor, imediatamente e de uma só vez, dando-lhe a possibilidade de a utilizar desde logo e como lhe aprouver, a quantia indemnizatória" -Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6/10/1981, Proc. n.º 069458.
    18) Por todo o exposto deverá improceder o presente recurso interposto pelo Autor, ora Recorrente da parte da decisão que condenou a Ré, B, S.A, a pagar ao Autor, ora Recorrente, a quantia de MOP$22.362,00, a título de danos patrimoniais. Pois apenas esses danos patrimoniais foram efectivamente provados.
    19) Por outro lado, o Recorrente alega que "(…) o valor dos danos não patrimoniais arbitrados pelo Tribunal a quo não é adequado, mostrando-se ainda escasso e desajustado em face das lesões que sofreu. ";
    20) Concluindo que os referidos "(…) danos patrimoniais sofridos pelo ora Recorrente, serão apenas ressarcíveis com uma indemnização global de MOP$500.000,00 (quinhentas mil patacas), tal como foi peticionado (…)";
    21) Porém, também aqui, salvo o devido respeito por opinião diversa, não lhe assiste qualquer razão, estando por isso o presente recurso, também nesta parte, condenado a improceder;
    22) Porquanto, o montante de indemnização (MOP$200.000,00) arbitrado pelo Tribunal a quo, a título de danos não patrimoniais foi, no modesto entendimento da ora Recorrida, fixado equitativamente com recurso às circunstâncias e aos factos dados como provados e atendendo ao grau de culpabilidade da Ré, ora Recorrente;
    23) Pois, como é consabido, a indemnização por danos não patrimoniais deve ser fixada equitativamente pelo Tribunal, de acordo com as directrizes fixadas pelo artigo 489.° do Código Civil;
    24) O artigo 489°, n° 1, do Código Civil limita a reparabilidade dos danos não patrimoniais àqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, devendo o montante da indemnização ser fixado equitativamente, tendo em atenção as circunstâncias referidas no artigo 487°, nomeadamente o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso;
    25) No caso em apreço deve ter-se em consideração que o incidente objecto dos presentes autos não ocorreu por culpa da ora Recorrida, que aliás, alegou e logrou demonstrar que teve o cuidado de garantir a segurança dos seus hóspedes;
    26) Não pode assim, em caso algum, tal indemnização corresponder a um número arbitrário, sem o mínimo suporte objectivo e sem seguir a linha orientadora estabelecida pelas demais decisões jurisprudenciais dos Tribunais da RAEM;
    27) Com efeito, não obstante ter alegado danos e sequelas físicas e psicológicas em consequência do incidente objecto dos presentes autos, não foi recomendado ao Recorrente qualquer tipo de tratamento médico ou medicamentoso;
    28) Por sua vez, o Recorrente também não provou em que termos é que as supra alegadas sequelas físicas e psicológicas alegadamente o impedem de levar uma vida normal e limitam o seu trabalho;
    29) Finalmente, o Recorrido não alegou, muito menos provou, qualquer facto que permitisse aferir a sua situação económica, estado de saúde e modo de vida, antes e depois do incidente objecto dos presentes autos;
    30) Face ao exposto e às circunstâncias concretas deste caso, o montante peticionado pelo ora Recorrente, a título de danos não patrimoniais, é manifestamente desajustado, por excessivo, relativamente à praxis dos Tribunais da RAEM em situações semelhantes, razão pela qual nunca poderia a Recorrida ser condenada no pagamento de tão exagerado montante;
    31) De resto, veja-se que as indemnizações arbitradas pelos Tribunais da RAEM a favor de vítimas de acidente de viação, a título de danos não patrimoniais, só ascendem a esses valores quando ocorrem danos gravíssimos e de difícil reparação.
    32) Por todo o exposto não se verifica, in casu, qualquer um dos vícios imputados à decisão recorrida.
    Termos em que o recurso interposto pelo Autor, ora Recorrente terá forçosamente, de ser julgado improcedente, por manifesta falta de fundamento legal, mantendo-se a sentença ora recorrida nos seus precisos termos.
    Foram colhidos os vistos legais.

    II – FACTOS
    Vêm provados os factos seguintes:
    Da Matéria de Facto Assente:
- A Ré é titular do Hotel de cinco estrelas de luxo denominado “C Hotel Macau”, em inglês, e em chinês, 澳門C酒店, localizado em Macau, na…(alínea A) dos factos assentes).
- No dia 3 de Outubro de 2009, o Autor instalou-se num dos quartos do 12º andar do “C Hotel Macau, ” (alínea B) dos factos assentes).
- Segundo exame médico realizado no dia 3 de Outubro de 2009, o Autor tinha fracturado os dois ossos do antebraço esquerdo (cúbito e rádio) e foi internado, em repouso absoluto, durante cinco dias no Hospital Kiang Wu (alínea C) dos factos assentes).
- ***
    Da Base Instrutória:
- No dia 3 de Outubro de 2009, após ter tomado banho na cabine de duche no quarto referido em B) dos factos assentes, o Autor foi vestir-se; depois de vestido, voltou a entrar na cabine de duche com objectivo não apurado; e, em circunstâncias não apuradas, caiu de costas no interior da casa de banho (resposta ao quesito da 1º, 40º e 43º da base instrutória).
- Inexistiam nessa altura quaisquer barras de apoio que auxiliassem a entrada e saída de qualquer utente na cabine de duche (resposta ao quesito da 3º da base instrutória).
- A esposa do Autor contactou de imediato os empregados da Ré os quais chamaram uma ambulância para transportar o Autor para o Hospital Kiang Wu (resposta ao quesito da 4º da base instrutória).
- Na sequência da queda referida na resposta aos quesitos 1º, 40º e 43º, o Autor sofreu as lesões referidas em C) dos factos assentes e ficou com o antebraço esquerdo imobilizado durante seis semanas (resposta ao quesito da 5º da base instrutória).
- O Autor submeteu-se a vários tratamentos de fisioterapia no mesmo Hospital Kiang Wu (resposta ao quesito da 6º da base instrutória).
- Para efeitos de tratamento, o Autor teve de se deslocar ao Hospital Kiang Wu, em 3 de Outubro de 2009, 16 de Outubro de 2009, 31 de Outubro de 2009, 14 de Novembro de 2009, 28 de Novembro de 2009, 12 de Dezembro de 2009, 26 de Dezembro de 2009, 16 de Janeiro de 2012, 6 de Março de 2013 e 3 de Julho de 2010 (resposta ao quesito da 7º da base instrutória).
- O Autor obteve alta médica em 3 de Julho de 2010 (resposta ao quesito da 8º da base instrutória).
- Os tratamentos provocaram ao Autor muitas dores (resposta ao quesito da 9º da base instrutória).
- Devidas as lesões sofridas, o Autor padece de rigidez articular nos quatro movimentos do punho esquerdo entre 8% e 15% (resposta ao quesito da 10º da base instrutória).
- O Autor apresenta uma atrofia no músculo do antebraço esquerdo (resposta ao quesito da 12º da base instrutória).
- O Autor padece de limitações de mobilidade do cotovelo esquerdo e, ao nível da extensão, apresenta uma redução de mobilidade de 10º e, ao nível da flexão, uma redução de 15º (resposta ao quesito da 13º da base instrutória).
- O Autor padece de uma redução de 10º na mobilidade de ambos os sentidos de rotação no antebraço esquerdo relativamente ao plano lateral frontal (resposta ao quesito da 14º da base instrutória).
- O Autor padece de uma redução de 15º na mobilidade ao nível da extensão e flexão do pulso esquerdo relativamente ao pulso direito (resposta ao quesito da 15º da base instrutória).
- O Autor sofre de uma incapacidade permanente parcial de, pelo menos, 8% (resposta ao quesito da 16º da base instrutória).
- Os factos referidos nas respostas aos quesitos 10º a 16º são sequelas sofridas pelo Autor por causa da queda mencionada na resposta aos quesitos 1º, 40º e 43º (resposta ao quesito da 16ºA da base instrutória).
- Na sequência dos factos acima descritos, o Autor suportou as seguintes despesas (resposta ao quesito da 21º da base instrutória):
* Despesas médicas e de certificados médicos, no valor de MOP$22.362,00.
* Despesas de deslocação e de estadia para tratamento médico em Macau, em quantia não apurada.
- À data da queda referida na resposta aos quesitos 1º, 40º e 43º, o Autor o vencimento mensal era de HK$30.700,00 (resposta ao quesito da 23º da base instrutória).
- O Autor sofreu dores provocadas pelas referidas lesões (resposta ao quesito da 24º da base instrutória).
- À data da queda referida na resposta aos quesitos 1º, 40º e 43º, o Autor tinha 59 anos (resposta ao quesito da 24ºA da base instrutória).
- À data da queda referida na resposta aos quesitos 1º, 40º e 43º, a casa de banho do quarto referido em B) dos factos assentes dispunha de duas “zonas de banho” distintas e separadas, uma para banho de imersão, outra para duche (resposta ao quesito da 25º da base instrutória).
- A cabine de duche dispunha de uma porta de vidro que separa o compartimento de duche da restante área da casa de banho, por forma a garantir que quaisquer salpicos de água ficassem contidos na zona de duche, sem molhar os restantes equipamentos sanitários e / ou o chão das outras partes da casa de banho (resposta ao quesito da 26º da base instrutória).
- A cabine de duche dispunha de um rodapé, de 80 cm de comprimento por 5cm de altura, que visa conter a água que vai escorrendo para o chão durante o banho (resposta ao quesito da 27º da base instrutória).
- O Autor tomou banho de pé na cabine de duche (resposta ao quesito da 28º da base instrutória).
- Durante toda a estadia do Autor, foram colocados dois tipos distintos de tapetes na casa de banho à disposição do Autor e da sua mulher (resposta ao quesito da 30º da base instrutória).
- Um que se encontrava colocado no chão da casa de banho, com 58cm por 86cm (resposta ao quesito da 31º da base instrutória).
- Outro, posicionado sobre um dos lados da banheira de imersão (resposta ao quesito da 32º da base instrutória).
- Tanto um como o outro destinavam-se a ser utilizados em zonas de potencial contacto com a água (resposta ao quesito da 33º da base instrutória).
- Por forma a absorver qualquer excesso de água que pudesse salpicar durante o banho ou escorrer do corpo e a proporcionar conforto e segurança para os pés à saída do banho (resposta ao quesito da 34º da base instrutória).
- Foram ainda colocadas à disposição do Autor e da sua mulher duas toalhas para secarem o corpo após o banho (resposta ao quesito da 35º da base instrutória).
- Foram colocadas dois pares de chinelos com sola antiderrapante, para serem utlizados sempre que necessário (resposta ao quesito da 36º da base instrutória)

    III - FUNDAMENTOS
    1. A primeira nota que se deixa é a de reserva quanto à verificação dos pressupostos da responsabilidade civil, relativamente ao pressuposto que tem por integrada a verificação de uma responsabilidade objectiva, em face da inversão do ónus da prova, competindo ao hospedeiro provar que o acidente não lhe é imputável.
    Estamos perante uma matéria muito fluida, em que o nosso ordenamento se aparta do regime próprio dos sistemas anglo-saxónicos, onde a responsabilidade objectiva tem uma grande amplitude, em configuração muito semelhante à dos autos.
    Não se vê facilmente como se pode responsabilizar o hospedeiro, não obstante a norma do artigo 809º, n.º 1 do C. Com., se o cliente do hotel escorrega na casa de banho, alegando que tal aconteceu na banheira, quando se prova que aconteceu no chuveiro, estando estes dispositivos em local separados, quando se prova que aquele disponibilizou toalhas, tapetes e chinelos anti-derrapantes, tendo entrado o sinistrado no chuveiro já vestido, tendo aí caído em condições não apuradas.
    Como poderia a ré comprovar que o acidente se ficou a dever a facto que não lhe era imputável, muito provavelmente por falta de atenção, cuidado e previdência normal do utente, se ali não havia câmaras ou pessoa que o assistisse e presenciasse o acontecido?
    Isto para referir apenas que há que ser cauteloso quanto às regras de inversão do ónus da prova, nos casos em que elas esbarram com uma impossibilidade objectiva, traduzindo-se, por vezes em prova diabólica, devendo o julgador elevar-se, nesse casos, acima de um non liquet confortável, importando fazer uso das regras da experiência comum, do bom senso e da normalidade da vida.
    É questão, contudo, que não vem equacionada e, por isso, dela não curaremos.
    Estão apenas em causa os montantes dos danos.
2. Indemnização pela incapacidade
Insurge-se o recorrente porque não foi compensado pela incapacidade permanente de 8% de que foi vítima.
Sobre este pedido é curioso verificar que o A. demanda uma incapacidade permanente de 27% e se prova tão-somente uma incapacidade de 8%; não se trata de uma incapacidade permanente absoluta, mas sim de uma incapacidade parcial. Contrariamente ao alegado, não se prova que essa incapacidade se traduza numa incapacidade funcional para o seu trabalho actual, com redução da capacidade de ganho e repercussão na actividade desenvolvida por aquele.
Mostra-se intuitivo que 8% de incapacidade num dedo ou num braço atingem a capacidade produtiva de um pianista, de um pintor ou de um executante de trabalho braçal; já não assim num caso de um mero vigilante ou a quem não se exija a utilização daqueles membros; como diferente será a incapacidade em função das actividades profissionais exercidas, mais expressiva num professor de educação física ou de desenho, menos num professor de línguas.
Ora, no caso, nem sequer se sabe o que fazia o Autor.
    Torneando esta objecção, o recorrente impugna o decidido, considerando estar-se perante um dano presente, emergente, o chamado "dano biológico" enquanto lesivo do direito à saúde que assiste ao recorrente, sendo este dano, por conseguinte, indemnizável de forma autónoma e independente, nos limites impostos no artigo 560º, nºs. 5 e 6 do Código Civil, com recurso a um juízo recto e de equidade (artigo 3º, alínea a), do mesmo Código). Avança, como equitativo e adequado o valor de HKD444,536.00 (quatrocentos e quarenta e quatro mil, quinhentos e trinta e seis dólares de Hong Kong), equivalente a MOP458,761.00 (quatrocentas e cinquenta e oito mil, setecentas e sessenta e uma patacas), a título indemnizatório pela incapacidade permanente parcial de, pelo menos, 8%, resultante, nomeadamente, dos seguintes factores:
    
    - o salário mensal do recorrente à data do acidente (HKD30,700.00 resposta ao quesito 23º da base instrutória);
    - a idade do recorrente à data do acidente (59 anos - resposta ao quesito 24ºA da base instrutória);
    - a perspectiva de um período de vida útil até aos 75 anos;
    - a referida incapacidade permanente parcial de, pelo menos, 8% (resposta ao quesito 16º da base instrutória).
Mas não deixa de entrar em contradição, enquanto, por um lado invoca o dano biológico e por outro, nas contas que faz, já recorre à perda de capacidade de ganho, manifestamente não provada.

Cremos, no entanto, assistir-lhe razão relativamente ao dano físico sofrido, estético e funcional ainda que não para o desenvolvimento do seu actual trabalho, dano este que não deve ser apenas reconduzido à natureza de um dano meramente não-patrimonial. Mesmo, abstractamente considerando, ainda que não se comprove que tal incapacidade parcial se traduz numa perda de salário ou de rendimento, tal não significa que não se venha a traduzir nessa perda, no futuro, bastando pensar na possibilidade de mudança de trabalho ou de emprego por parte do demandante. Na verdade, a “ incapacidade parcial permanente é, de per se, um dano patrimonial indemnizável, independentemente da prova de um prejuízo pecuniário concreto dela resultante, dada a inferioridade em que o lesado se encontra na sua condição física, quanto à resistência e capacidade de esforços. ”1
    Estamos, então, perante uma situação em que não é possível quantificar essa perda de capacidade produtiva, havendo que recorrer à equidade face ao disposto no artigo 560º, n.º 5 e n.º 6 do Código Civil.
    É nesta linha que vai o decidido na Jurisprudência Comparada, enquanto aí se afirma que “Nos casos em que a percentagem de IPP se não traduz, na prática, numa efectiva perda de ganhos ou de capacidade de ganho proporcional ao montante dos vencimentos previsivelmente a auferir no futuro, a repercussão negativa da IPP centra-se apenas numa diminuição de condição física, resistência, e capacidade de esforços por parte do lesado, o que se traduzirá numa deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo no desenvolvimento das actividades pessoais em geral, e numa consequente e igualmente previsível maior penosidade na execução das suas diversas tarefas. É neste agravamento da penosidade (de carácter fisiológico) para a execução, com regularidade e normalidade, das tarefas próprias e habituais do respectivo múnus que deve radicar-se o arbitramento da indemnização por danos patrimoniais futuros.”2
    Como avaliar então esse dano?
    Como está bem de ver não há outra forma se não a de recorrer a critérios de equidade.
    Tendo como referência o salário actual, considerando que muito provavelmente não sobrevirá uma diminuição do rendimento mensal, vista a idade do recorrente, aceitando-se uma idade expectável de 75 anos, como alegado, vistas as estatísticas do Centre of Health Protection do Departamento de Saúde do Governo de Hong Kong, analisados os montantes a que se chegaria por aplicação das regras privativas para os acidentes de trabalho – art. 47º, n.º 1, c) e d) do DL 40/95/M, de 14/8/1995 -, vistas as partes do corpo lesionadas e afectação funcional potencial e abstracta, não só para as tarefas profissionais, como para as tarefas do dia a dia, de lazer e desportivas, visto o grau de incapacidade, considerando as próprias limitações físicas com o avançar da idade e uma retirada normal da actividade produtiva nos últimos anos de vida, as vantagens advindas de uma capitalização de um montante gerador de juros pago por grosso e cuja capacidade reprodutiva é suposto estar esgotada no termo da vida, analisado todo o circunstancialismo que vem provado relativamente aos danos sofridos, ainda a situação económica e condições apuradas da vítima e do obrigado à reparação, vistos os valores da nossa Jurisprudência, tem-se por adequada uma indemnização de MOP 150.000,00.
    3. Dos danos não patrimoniais
    Afigura-se-nos correcta a sua fixação na 1º Instância em MOP 200.000,00 e somos a sufragar o entendimento ali vertido.
    O recorrente considera o montante fixado escasso e desajustado em face das lesões que sofreu, pugnando por um montante de MOP500.000,00.
    Chama a atenção para o facto de que
    
    - Sofreu fractura em dois ossos do antebraço esquerdo (alínea c) dos factos assentes);
    - Ficou internado no Hospital Kiang Wu durante 5 dias (alínea c) dos factos assentes);
    - Ficou com o braço esquerdo imobilizado durante 6 semanas (resposta ao quesito 5 da base instrutória);
    - Necessitou de realizar vários tratamentos de fisioterapia, naquele hospital, durante 9 meses (resposta ao quesito 7° da base instrutória);
    - Só obteve alta médica após 9 meses da produção do acidente (resposta ao quesito 8° da base instrutória);
    - os tratamentos provocaram-lhe muitas dores (resposta ao quesito 9° da base instrutória);
    - padece de rigidez articular nos quatro movimentos do punho esquerdo entre 8% e 15% (resposta ao quesito 10° da base instrutória);
    - apresenta uma atrofia no músculo do antebraço esquerdo (resposta ao quesito 12° da base instrutória);
    - padece de limitações de mobilidade do cotovelo esquerdo 8% ao nível da extensão, apresenta uma redução de 10° e, ao nível da flexão, uma redução de 15° (resposta ao quesito 13° da base instrutória);
    - padece de uma redução de 10° na mobilidade de ambos os sentidos de rotação no antebraço esquerdo relativamente ao plano lateral frontal (resposta ao quesito 14° da base instrutória);
    - padece de uma redução de 15° na mobilidade ao nível da extensão e flexão do pulso esquerdo relativamente ao pulso direito (cfr. resposta ao quesito 15 da base instrutória).
    Na sua alegação esquece que as limitações e incapacidade sofridas não podem ser contabilizadas a dobrar, sendo objecto autónomo de uma indemnização a título patrimonial, nos termos acima consignados.
    No âmbito da responsabilidade civil, por facto ilícito, dispõe o artigo 477º do C. Civil que: "Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação".
    Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, sendo a indemnização fixada em dinheiro sempre que a reconstituição natural não seja possível (artigos 556º e 560º, n.º 1, ambos do Código Civil).
    Contrariamente ao que afirma, de acordo com os valores da nossa Jurisprudência3 e não deixando de ter como referência o montante que tem sido encontrado para o valor vida e lesões incomensuravelmente muito mais profundas, marcantes e perenes que têm merecido a nossa pronúncia, o valor encontrado não se mostra escasso de forma nenhuma.
    Nesta conformidade resta decidir, dando razão ao recorrente no arbitramento do dano patrimonial físico resultante da dita incapacidade parcial permanente e negá-la quanto à fixação dos danos não patrimoniais.
    
    IV – DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em conceder parcial provimento ao recurso, condenando-se a recorrida a pagar ainda, para além do já fixado em 1ª Instância, ao recorrente, a quantia de MOP$150.000,00 (cento e cinquenta mil patacas) a título de indemnização pela incapacidade parcial permanente de que padece, no mais se confirmando a decisão recorrida.
    Custas pelo recorrente e pela recorrida na proporção dos decaimentos em ambas as instâncias.
Macau, 23 de Abril de 2015,
João Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
1 - Ac. STJ, de 05-03-2002, Revista n.º 4177/01.
2 - Ac. STJ, de 07-02-2002, Revista n.º 3985/01.
3 - Cfr. apanhado de valores encontrados in “Avaliação e reparação do dano em acidentes de viação”, Centro de Formação Jurídica e Judiciária, Colectânea, Tomo IX, Versão Portuguesa, 2013, 182 e segs.
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2/2015 1/25