Processo n.º 719/2014 Data do acórdão: 2015-4-23 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– tratamento da toxicodependência
– recusa de internamento prometido
– revogação da suspensão da pena de prisão
– art.º 54.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal
S U M Á R I O
1. Como foi o recorrente quem declarou pessoalmente em 29 de Abril de 2014 ao tribunal a quo que estava disposto a ficar internado para tirar o vício de droga, mesmo que isso pudesse fazer perder o emprego e acarretar inconvenientes à vida quotidiana, é de censurar a sua vindoura postura de vir agir contra si próprio, traduzida em pedir, a menos de um mês contado daquela data de decisão judicial de prorrogação do período da suspensão da execução da pena, a dispensa do internamento destinado ao tratamento da toxicodependência, com fundamento naquelas consequências negativas para o emprego e vida quotidiana com as quais já tinha contado antes.
2. Daí que a ulterior decisão sua de recusa de sujeição ao tal internamento, mesmo após de notificado do indeferimento judicial da dispensa do internamento, representou nitidamente a violação grosseira da obrigação de internamento então imposta na decisão de prorrogação do período da suspensão, o que já basta para se dar por mantida, à luz do art.º 54.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, a ora recorrida decisão revogatória da suspensão da pena.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 719/2014
(Recurso em processo penal)
Condenado recorrente: A (A)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA
REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com o despacho judicial proferido a fls. 363v a 364v dos autos de Processo Comum Singular n.o CR2-13-0002-PCS do 2.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB) que lhe revogou, nos aí citados termos do art.o 54.o, n.o 1, alíneas a) e b), do Código Penal (CP), a suspensão da execução da pena de cinco meses de prisão, veio o arguido condenado A, já melhor identificado nesses autos subjacentes, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para pedir a manutenção da suspensão da execução da pena com prorrogação do período de suspensão (com pretendida imposição da obrigação de sujeição ao acompanhamento social e ao tratamento da sua toxicodependência em regime de não internamento), através da motivação apresentada a fls. 373 a 377 dos presentes autos correspondentes, na qual, em essência, alegou, para sustentar a sua pretensão, que:
– não foi ele ao tratamento da toxicodependência em regime de internamento, porque não queria perder o rendimento do trabalho destinado a fazer face às despesas para com a sobrevivência e os encargos de amortização do empréstimo de aquisição de imóvel, por um lado, e, por outro, também precisava de tratar da sua doença no pé;
– o facto de ter maus resultados em alguns dos testes de urina não significou que ele já tinha abandonado o cumprimento da condição da suspensão da pena, e no novo processo penal condenatório, também lhe foi decretada a suspensão da pena de prisão;
– violou, pois, o ora recorrido despacho revogatório da pena suspensa o disposto no art.º 54.º, n.º 1, do CP.
Ao recurso, respondeu o Digno Delegado do Procurador a fls. 385 a 388, no sentido de manifesta improcedência da argumentação do recorrente.
Subido o recurso, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer a fls. 409 a 410, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Com pertinência à decisão, é de coligir dos autos os seguintes dados:
– Por sentença proferida na audiência de julgamento de 16 de Abril de 2013 no âmbito dos ora subjacentes autos de Processo Comum Singular n.o CR2-13-0002-PCS do 2.o Juízo Criminal do TJB, o recorrente ficou condenado, pela prática em 23 de Abril de 2011, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução sob influência de estupefaciente, na pena de cinco meses de prisão, suspensa na execução por trinta e seis meses, sob condição de sujeição ao tratamento médico da sua toxicodependência, para além da pena acessória de inibição de condução;
– Segundo a matéria de facto descrita como provada nessa sentença dos subjacentes autos penais, o recorrente já chegou a ser nomeadamente condenado em 23 de Março de 2007 no Processo n.º CR2-05-0210-PCC, por crimes de furto de uso de veículo, na pena única de sete meses de prisão, suspensa na execução por um ano, com regime de prova, pena essa já declarada extinta;
– Em 21 de Janeiro de 2014, veio junta (a fls. 265 a 269 dos presentes autos correspondentes) a certidão da sentença de 16 de Dezembro de 2013 do Processo Sumário n.º CR3-13-0239-PSM do 3.º Juízo Criminal do TJB, transitada em julgado em 20 de Janeiro de 2014, pela qual o recorrente ficou condenado, pela prática em 15 de Dezembro de 2013, em autoria material, de um crime consumado de condução durante o período de inibição de condução, na pena de sete meses de prisão, suspensa na sua execução por três anos, para além da cassação da carta de condução, cassação essa suspensa na sua execução por um ano e seis meses, sob condição de apresentação, em dez dias, da prova do seu trabalho como motorista de sala de casino;
– Em 13 de Março de 2014, veio junto (a fls. 307 a 308 dos autos) o relatório de avaliação períodica elaborado nesse próprio dia pelo pessoal técnico do Departamento de Reinserção Social da Direcção dos Serviços de Assuntos de Justiça, nele se sugerindo, perante a situação não estável do recorrente na questão de tirar o vício de droga, a advertência judicial severa do recorrente;
– Em 29 de Abril de 2014, a M.ma Juíza actualmente titular dos autos em primeira instância ouviu a própria pessoa do recorrente, em sede do que este admitiu que durante o período de suspensão da pena, tinha chegado a consumir droga em loja de diversões nocturnas, e declarou que estava disposto a ficar voluntariamente internado para tirar o vício de droga, mesmo que isso pudesse fazer perder o seu emprego e acarretar inconvenientes à sua vida quotidiana, pelo que pediu que lhe desse oportunidade, pois já estava com vontade firme em conseguir tirar o vício de droga;
– Logo após essa audição, a M.ma Juíza acabou por decidir (por despacho proferido a fls. 332 a 333) em prorrogar o período inicial de suspensão da pena por um ano, sob condição de o recorrente, no prazo de vinte dias, ter que ficar internado para tirar o vício de droga;
– Em 23 de Maio de 2014, o recorrente pediu por escrito ao Tribunal que o dispensasse da sujeição ao tratamento da toxicodependência em regime de internamento, para tal alegando que tinha encargos de amortização do empréstimo de aquisição de imóvel, com a agravante de que precisava de ter período de descanso depois da futura feitura da operação cirúrgica no seu pé daí a alguns meses, e prometendo que não iria ter maus resultados nos vindouros testes de urina arranjados pelo pessoal assistente social, sob pena de ficar imediatamente internado ou cumprir a prisão;
– Pedido esse que veio indeferido em 5 de Junho de 2014, por despacho judicial (de fl. 346) notificado pessoalmente ao recorrente em 16 de Junho de 2014 (cfr. o teor da certidão de notificação a fl. 353);
– Em 30 de Junho de 2014, veio junta (a fls. 355 a 356) uma informação elaborada nesse próprio dia pelo pessoal técnico do Departamento de Reinserção Social da Direcção dos Serviços de Justiça, segundo a qual o recorrente tinha recusado a sujeição ao tratamento da toxicodependência em regime de internamento, alegando os seus encargos de amortização do empréstimo de aquisição de imóvel e a necessidade de aguardar pela marcação do dia de operação cirúrgica do seu pé;
– Na sequência disso, a M.ma Juíza voltou a ouvir o recorrente, em sede do que este declarou que sabia da sua necessidade de ficar internado para tratar da sua toxicodependência e das possíveis consequências da recusa desse internamento, mas recusou essa forma de tratamento da toxicodependência, porque o internamento iria fazer perder o seu emprego e acarretar inconvenientes à vida quotidiana, pelo que só estava disposto a aceitar a sujeição aos testes de urina (cfr. o auto dessa audição lavrado a fls. 362 e seguintes), tendo a M.ma Juíza acabado por decidir em revogar, nos termos do art.º 54.º, n.o 1, alíneas a) e b), do CP, a suspensão da execução da pena do recorrente (cfr. o despacho proferido a fls. 363v a 364v).
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cabe notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver apenas as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
O recorrente, para ver julgado procedente o seu pedido de manutenção da suspensão da execução da pena de prisão aplicada nos ora subjacentes autos penais n.º CR2-13-0002-PCS, focou muito a sua argumentação do recurso na questão das consequências negativas do internamento (destinado ao tratamento da toxicodependência) para o seu emprego actual e vida quotidiana, para além de salientar que no novo processo condenatório seu, também foi punido com pena suspensa de prisão.
Entretanto, esqueceu-se ele de que foi ele quem durante a primeira audição judicial realizada em 29 de Abril de 2014, declarou à M.ma Juíza a quo que estava disposto a ficar voluntariamente internado para tirar o vício de droga, mesmo que isso pudesse fazer perder o emprego e acarretar inconvenientes à vida quotidiana, e pediu, com esses fundamentos, que lhe desse oportunidade!
Assim sendo, é de censurar mesmo a sua vindoura postura de vir agir contra si próprio, traduzida em pedir logo em 23 de Maio de 2014 – isto é, a menos de um mês contado da data da decisão judicial de prorrogação do período inicial da suspensão da execução da pena – a dispensa do internamento destinado ao tratamento da sua toxicodependência, com fundamento naquelas consequências negativas do internamento para o emprego e vida quotidiana (com as quais já tinha contado antes!), sendo de observar que a operação cirúrgica no seu pé também poderia ser feita mesmo durante o período de tratamento em internamento, e que ele, uma vez feita a operação, também poderia ter descanso durante o período de internamento.
Daí que a ulterior decisão sua de recusa de sujeição ao tal internamento, mesmo após de notificado pessoalmente da decisão judicial de indeferimento do pedido de dispensa do internamento, representou nitidamente a violação grosseira da obrigação de internamento então imposta pela M.ma Juíza a quo na decisão de prorrogação do período inicial da suspensão da pena, o que já basta para dar por mantida, à luz do art.º 54.º, n.º 1, alínea a), do CP, a ora recorrida decisão revogatória da suspensão da pena, visto que o gesto de não honrar a própria promessa de ficar internado para tirar o vício de droga como condição da decidida prorrogação do período inicial da suspensão da pena de prisão já evidenciou que ele não soube estimar o benefício de manutenção da suspensão da pena concedido pela M.ma Juíza em 29 de Abril de 2014, o que, com a agravante de ele já não ser um delinquente primário aquando da condenação penal nos ora subjacentes autos, faz concluir judicial e efectivamente que os fins da prevenção criminal não puderam ser alcançadas por meio da suspensão da pena.
IV – DECISÃO
Nos termos expostos, acordam em julgar não provido o recurso.
Custas do recurso pelo recorrente, com quatro UC de taxa de justiça.
Comunique ao Processo Sumário n.º CR3-13-0239-PSM do Tribunal Judicial de Base, ao Departamento de Reinserção Social da Direcção dos Serviços de Justiça e ao Instituto de Acção Social.
Macau, 23 de Abril de 2015.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Chou Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)
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