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Processo n.º 219/2015 Data do acórdão: 2015-4-16 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– detenção de arma
– levando o canivete como arma branca de agressão
– justificação da posse do canivete
– art.º 262.º, n.º 3, do Código Penal
– verificação da reincidência
– apuramento contraditório dos pressupostos da reincidência
– exame crítico da matéria de facto provada
– juízo de censura da reincidência
– art.º 69.º, n.º 1, parte final, do Código Penal
– fundamentação jurídica da punição da reincidência
S U M Á R I O

1. Ficando provado que o arguido trouxe consigo um canivete com 7 cm de lâmina, levando-o como arma branca de agressão, esta circunstância de “levando-o como arma branca de agressão” já implica que ele não consegue justificar a posse do canivete, pelo que a matéria de facto dada por provada no acórdão recorrido é suficiente para suportar o juízo de condenação à luz do tipo legal do art.º 262.º, n.º 3, do Código Penal (CP).
2. Para a verificação da reincidência, é necessário o apuramento contraditório das circunstâncias demonstrativas de que as condenações anteriores não são suficientes para prevenir a prática de novos crimes por arguido.
3. No caso, já vinham descritos, no libelo acusatório então deduzido contra o arguido, os detalhes, pelo menos, de uma das condenações penais anteriores dele em Macau, detalhes esses que se reconduzem a todos os pressupostos formais da punição da reincidência elencados nas normas dos n.os 1 e 2 do art.º 69.º do CP, por um lado, e, por outro, também vinham referidas na mesma acusação as normas penais sancionatórias da reincidência.
4. Tendo essa matéria descrita na acusação sido objecto de julgamento na audiência contraditória no tribunal a quo, é de concluir que foi feito o apuramento contraditório dos pressupostos formais da punição da reincidência, e como da leitura da fundamentação jurídica do acórdão recorrido, decorre que o tribunal a quo fez realmente o exame crítico da matéria de facto provada para chegar à conclusão de que o arguido deveria ser condenado como reincidente, é de manter intacto na presente lide recusória esse juízo de censura, por ter sido formado sensata e equilibradamente pelo tribunal a quo sob a égide da parte final do n.º 1 do art.º 69.º do CP.
5. Esse juízo de censura, sendo uma matéria conclusiva, não carece de constar da matéria de facto descrita como provada no acórdão recorrido, mas sim já necessariamente da fundamentação jurídica desse texto decisório.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 219/2015
(Autos de recurso penal)
Recorrente: B (B)




ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com o acórdão proferido em 14 de Janeiro de 2015 a fls. 201 a 208 do Processo Comum Colectivo n.o CR3-14-0196-PCC do 3.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, na parte em que o condenou como autor material reincidente de um crime consumado de roubo qualificado, p. e p. pelos art.os 204.º, n.º 2, alínea b), 198.º, n.º 2, alínea f), 69.º, n.os 1 e 2, e 70.º do Código Penal (CP), e de um crime consumado de detenção de arma, p. e p. pelo art.º 262.º, n.º 3, do CP, para além de um crime consumado de resistência e coacção, p. e p. pelo art.º 311.º do CP, veio o arguido B (B) recorrer ordinariamente para este Tribunal de Segunda Instância (TSI) para, mediante a sua motivação de fls. 221 a 227 dos presentes autos correspondentes, pedir a absolvição do crime de detenção de arma (por entender que da matéria de facto dada por provada na decisão recorrida, não constava nenhuma referência à circunstância prevista na parte final da norma incriminadora do art.º 262.º, n.º 3, do CP), e a absolvição da condenação como arguido reincidente (por opinar que a mera consideração, pelo Tribunal a quo, das suas condenações penais anteriores, sem qualquer facto concreto susceptível de suportar o juízo de censura referido na parte final do n.º 1 do art.º 69.º do CP, não dava para o condenar como reincidente), com consequente almejada nova medida das penas parcelares do crime de roubo qualificado e do crime de resistência e coacção, e da correspondente pena única, todas logicamente mais leves.
Ao recurso, respondeu a Digna Delegada do Procurador a fls. 229 a 233, no sentido de manutenção do julgado.
Subido o recurso, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer a fls. 244 a 245v, pugnando pelo provimento do recurso.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos legais, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, fluem os seguintes elementos pertinentes à decisão do recurso:
Segundo o que consta dos factos provados n.os 1, 6 e 13 descritos na fundamentação fáctica do acórdão ora recorrido, o arguido ora recorrente, em 8 de Abril de 2014, trouxe consigo um canivete de cor laranja, com 7 cm de lâmina, levando-o como arma branca de agressão.
Da matéria de facto descrita como provada no mesmo acórdão, constam as diversas condenações penais anteriores do arguido, inclusivamente no Processo n.º CR1-06-0189-PCC, com indicação concreta de quais os crimes praticados, quais as penas de prisão concretamente aplicadas, quais as datas da prática dos crimes, qual a data do trânsito em julgado da decisão condenatória e qual o período de privação da liberdade por causa dessa decisão judicial, menções todas essas já vinham descritas na versão final do libelo acusatório, no qual vinham referidas também as normas penais sancionatórias da reincidência.
Na fundamentação jurídica do acórdão recorrido, o Tribunal Colectivo a quo, após considerada em especial, em sede da medida da pena, a condenação anterior do arguido num dos processos penais (com o acima identificado n.º CR1-06-0189-PCC) pela prática de um crime de roubo e de dois crimes de roubo qualificado, chegou a afirmar finalmente que “Como se pode ver, devido a que uma condenação no passado não foi suficiente para advertir o agente contra o crime, há que censurá-lo e puni-lo como reincidente” (cfr. o teor originalmente em chinês dos 2.º e 3.º parágrafos da página 11 do texto do acórdão recorrido, ora a fl. 206 dos autos).
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cabe notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver apenas as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Conhecendo e decidindo nesses parâmetros, há-de improceder, desde já, o pedido de absolvição do crime de detenção de arma do art.º 262.º, n.º 3, do CP, porquanto a matéria de facto dada por provada no acórdão recorrido é suficiente para suportar o juízo de condenação à luz deste tipo legal de crime. De facto, foi aí provado que o arguido trouxe consigo um canivete de cor laranja, com 7 cm de lâmina, levando-o como arma branca de agressão, e esta circunstância provada (“levando-o como arma branca de agressão”) já implica que o arguido não consegue justificar a posse do canivete.
No respeitante à problemática da reincidência, já afirmou o Venerando Tribunal de Última Instância o seguinte (cfr. a posição jurídica veiculada no 5.º parágrafo do ponto “2.2 Reincidência …” do respectivo douto Acórdão de 13 de Abril de 2005, no Processo n.º 4/2005): “… para a verificação da reincidência, é necessário o apuramento contraditório das circunstâncias demonstrativas de que as condenações anteriores não são suficientes para prevenir a prática de novos crimes por arguido”.
No caso concreto dos autos, já vinham descritos, na versão final do libelo acusatório então deduzido pelo Ministério Público contra o arguido, os detalhes, pelo menos, de uma das condenações penais anteriores do arguido em Macau, detalhes esses que se reconduzem materialmente a todos os pressupostos formais da punição da reincidência elencados nas normas dos n.os 1 e 2 do art.º 69.º do CP, por um lado, e, por outro, também vinham referidas na versão final da acusação, as normas penais sancionatórias da reincidência. Daí que tendo essa matéria descrita na acusação sido também objecto de julgamento na audiência contraditória, é de concluir que foi feito o apuramento contraditório dos pressupostos formais da punição da reincidência. E como da leitura da fundamentação jurídica do acórdão ora recorrido, decorre que o Tribunal a quo já fez realmente o exame crítico da matéria de facto provada (de que se fala no 7.º parágrafo do ponto “2.2 Reincidência …” do acima identificado douto Acórdão do Venerando Tribunal de Última Instância) para chegar à conclusão de que o arguido deveria ser condenado como reincidente, é de manter intacto na presente lide recusória esse juízo de censura, por ter sido formado sensata e equilibradamente pelo Tribunal a quo sob a égide da parte final do n.º 1 do art.º 69.º do CP, cabendo notar que esse juízo de censura, sendo uma matéria conclusiva, não carece de constar da matéria de facto descrita como provada no acórdão recorrido, mas sim já necessariamente da fundamentação jurídica desse texto decisório.
Do acima exposto, resulta a necessidade de se negar provimento ao recurso, não sendo já mister conhecer do restante almejado pelo recorrente.
IV – DECISÃO
Nos termos expostos, acordam em julgar não provido o recurso.
Pagará o arguido recorrente as custas do recurso, com seis UC de taxa de justiça, e quatro mil patacas de honorários à sua Ex.ma Defensora Oficiosa.
Comunique a presente decisão aos dois ofendidos.
Macau, 16 de Abril de 2015.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Chou Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)



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