Processo n.º 280/2015 Data do acórdão: 2015-4-16 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– medida da pena
– art.º 48.º, n.º 1, do Código Penal
S U M Á R I O
1. Tidas em conta todas as circunstâncias fácticas apuradas pelo tribunal a quo, as penas de cinco meses de prisão e de dois anos de prisão, achadas respectivamente dentro das molduras penais dos crimes de reentrada ilegal e de abuso de confiança não são nada de pesadas, aos padrões da medida da pena vertidos nos art.os 40.º, n.os 1 e 2, e 65.º, n.os 1 e 2, do Código Penal.
2. Vistos os termos da operação do cúmulo jurídico ditados no art.º 71.º, n.os 1 e 2, ex vi do arto 72.º, n.º 1, todos do Código Penal, a pena única de catorze anos e seis meses de prisão, encontrada pelo tribunal a quo dentro da correspondente moldura penal de treze anos a quinze anos e cinco meses, ainda está dentro da razoabilidade, pelo que deve ser mantida.
3. Não se pode, pois, suspender a execução da pena, dada a impossibilidade de verificação do requisito formal para o efeito, exigida na parte inicial do n.º 1 do art.º 48.º do Código Penal.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 280/2015
(Autos de recurso penal)
Arguido recorrente: B (B)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com o acórdão proferido em 30 de Janeiro de 2015 a fls. 160 a 168 do Processo Comum Colectivo n.o CR4-14-0224-PCC do 4.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, que o condenou como autor material, na forma consumada, de um crime de reentrada ilegal, p. e p. pelo art.º 21.º da Lei n.º 6/2004, de 2 de Agosto, na pena de cinco meses de prisão, e de um crime de abuso de confiança em valor consideravelmente elevado, p. e p. pelo art.º 199.º, n.os 1 e 4, alínea b), do Código Penal (CP), na pena de dois anos de prisão, e, em cúmulo jurídico dessas duas penas com a pena de treze anos de prisão então aplicada por um crime de homicídio no Processo n.º CR3-14-0090-PCC (pena essa ainda em cumprimento), finalmente na pena única de catorze anos e seis meses de prisão, veio o arguido B (B) recorrer ordinariamente para este Tribunal de Segunda Instância (TSI) para, mediante a sua motivação de fls. 175 a 178 dos presentes autos correspondentes, pedir a redução da pena de prisão do crime de reentrada ilegal para menos de três meses, e a redução da pena de prisão do crime de abuso de confiança para menos de um ano e seis meses, com pretendida consequente aplicação da pena única (resultante do cúmulo jurídico apenas dessas duas penas, sem consideração da pena do homicídio do outro processo) em duração inferior a um ano e sete meses, com também almejada suspensão da execução da pena nos termos do art.º 48.º, n.º 1, do CP.
Ao recurso, respondeu o Ministério Público a fls. 180 a 184, no sentido de improcedência da argumentação do recorrente.
Subido o recurso, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer a fls. 193 a 194v, pugnando pela manutenção do julgado.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos legais, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, fluem os seguintes elementos pertinentes à decisão do recurso:
1. Foram dados como provados os seguintes factos pelo Tribunal ora recorrido:
– <<1º
Em 5 de Fevereiro de 2010, por despacho do comandante do C.P.S.P. foi emitido a Ordem de Expulsão nº104/2010-Pº.223, para expulsar o arguido que se encontrava ilegalmente em Macau e o mesmo ficou proibido de reentrar na RAEM no período de 4 anos (6 de Fevereiro de 2010 a 5 de Fevereiro de 2014).
2º
O arguido foi notificado da referida Ordem de Expulsão e assinou, manifestando estar ciente do teor e das responsabilidades jurídicas que teria de assumir caso violasse essa Ordem de Expulsão;
3º
Em meados do ano de 2013, o arguido veio ilegalmente de embarcação para Macau.
4º
Na primeira dezena do mês de Agosto de 2013, C (ofendido) quando estava a jogar no casino XXX, conheceu o arguido B.
5º
No dia 22 do mesmo mês, pelas 9.30 horas, C combinou com o arguido a irem jogar juntos no casino YYY e acordaram entre eles que cada um saia com quinhentos mil dólares de Hong Kong, ou seja, no total um milhão de dólares de Hong Kong (HKD1.000,000.00) como capital para jogar.
6º
Pelo que, o ofendido entregou trezentos mil dólares de Hong Kong para o arguido trocar em fichas e mais duzentos mil dólares de Hong Kong em numerário para o arguido tomar conta. Quando estavam a jogar, como o ofendido precisou de transferir dinheiro para a sua família da China, o ofendido trocou as fichas que restaram no valor de cem mil dólares de Hong Kong em numerário e entregou a quantia ao arguido para guardar.
7º
De seguida, os dois foram a uma casa de penhor perto do Hotel ZZZ para tratar das formalidades da transferência. O arguido aproveitou enquanto o ofendido estava desatento, fugiu do local levando consigo trezentos mil dólares em numerário que pertenciam ao ofendido.
8º
Posteriormente, o ofendido não conseguiu mais entrar em contacto com o arguido.
9º
No dia 16 de Setembro de 2013, pelas 00.20 horas, o arguido foi detectado no casino XXX e foi interceptado.
10º
O arguido na forma deliberada e conscientemente voltou a entrar e permaneceu da RAEM durante o período em que estava proibido de voltar para Macau.
11º
O arguido na forma deliberada, consciente e voluntariamente apropriou-se ilegalmente para si de património de valor avultado que pertencia a outrem e que lhe foi entregue para guardar.
12º
O arguido sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas pela respectiva lei.
- Mais se provou que:
13º
No âmbito dos autos CR4-10-0082-PCS, por sentença de 31/01/2011, o arguido B, por prática de um crime de falsas declarações sobre a identidade p.p. pelo artº 19º nº 1 da Lei 6/2004, foi condenado numa pena de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano, posteriormente declarada extinto.
No âmbito dos autos CR3-14-0090-PCC, o arguido B, por sentença de 29/07/2014, por prática de um crime de homicídio p.p. pelo artº 128º do Código Penal, conjugado com artº 22º da Lei 6/2004, foi condenado numa pena de 13 anos de prisão.
14º
O arguido é vendedor auferindo mensalmente cerca de CNY$200.000,00 mensais, tem o ensino secundário como habilitações literárias e tem a seu cargo os pais e um filho que estuda na Universidade.>> (cfr. o teor de fls. 162 a 164 dos autos).
2. A decisão condenatória do crime de homicídio proferida em 29 de Julho de 2014 no Processo n.o CR3-14-0090-PCC transitou em julgado em 30 de Outubro de 2014 (cfr. a certidão de fl. 132).
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cabe notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver apenas as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Conhecendo e decidindo nesses parâmetros, há-de improceder, desde já, o pedido de redução das penas parcelares do crime de reentrada ilegal e do crime de abuso de confiança do ora recorrente, porquanto tidas em conta todas as circunstâncias fácticas apuradas a este respeito pelo Tribunal recorrido, as penas de cinco meses de prisão e de dois anos de prisão, achadas respectivamente pelo mesmo Tribunal dentro das correspondentes molduras penais (de um mês a um ano, e de um ano a oito anos de prisão), não são nada de pesadas, aos padrões da medida da pena vertidos nos art.os 40.º, n.os 1 e 2, e 65.º, n.os 1 e 2, do CP.
Também pretende o recorrente que seja feito tão-só o cúmulo jurídico dessas duas penas parcelares, sem consideração, pois, da pena de treze anos de prisão que se encontra ainda em cumprimento por causa do crime de homicídio julgado no Processo n.º CR3-14-0090-PCC.
Há, porém, que cair por terra esse desejo do recorrente, porque o cúmulo jurídico operado no acórdão ora recorrido está em estrito cumprimento do comando do art.º 72.º, n.º 1, do CP, como já observou perspicazmente a Digna Procuradora-Adjunta no douto parecer emitido. (Sobre qual o pressuposto temporal para a feitura do cúmulo jurídico por conhecimento superveniente do concurso de crimes, veja-se o acórdão deste TSI, de 10 de Outubro de 2014, no Processo n.o 533/2014).
Assim sendo, e vistos os termos da operação do cúmulo jurídico ditados no art.º 71.º, n.os 1 e 2, ex vi do arto 72.º, n.º 1, todos do CP, entende-se que a pena única de catorze anos e seis meses de prisão, encontrada pelo Tribunal a quo dentro da correspondente moldura penal de treze anos a quinze anos e cinco meses, ainda está dentro da razoabilidade, pelo que deve ser mantida.
Ante o acima concluído, não deixa de naufragar também o pedido último do recorrente da suspensão da execução da pena, dada a impossibilidade de verificação do requisito formal para o efeito, exigida na parte inicial do n.º 1 do art.º 48.º do CP.
IV – DECISÃO
Nos termos expostos, acordam em julgar não provido o recurso.
Custas do recurso pelo arguido, com seis UC de taxa de justiça e duas mil e quinhentas patacas de honorários à sua Ex.ma Defensora Oficiosa.
Comunique à pessoa ofendida, e ao Processo n.º CR3-14-0090-PCC do Tribunal Judicial de Base.
Macau, 16 de Abril de 2015.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Chou Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)
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