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Processo nº 101/2015
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 23 de Abril de 2015

ASSUNTO:
- Ónus de impugnação específica
- Artº 599º do CPCM
- Violação do caso julgado

SUMÁRIO:
- Não tendo cumprido o ónus de impugnação específica legalmente exigido pelo artº 599º do CPCM, é de rejeitar o recurso nesta parte
- Admitindo a apresentação do aditamento à contestação em conformidade com o decidido pelo Tribunal superior, o Tribunal a quo cumpriu o seu dever de acatamento.
- Uma coisa é admitir a apresentação do aditamento, outra é atender à matéria nele alegada, são duas realidades bem distintas, pois o não atendimento pode resultar do facto de que a matéria alegada é irrelevante para a decisão da causa.
- Nesta conformidade, o não atendimento da matéria nele alegada não constitui violação do caso julgado.
O Relator

Ho Wai Neng

Processo nº 101/2015
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 23 de Abril de 2015
Recorrente: A (Embargado)
Recorrida: B (Embargante)

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
Por sentença de 09/06/2014, decidiu-se:
- julgar improcedente a excepção da prescrição; e
- declarar que a dívida exequenda, em 01 de Abril de 2008, é no valor de MOP$316.146,77 à qual se acrescem juros à taxa legal vencidos e vincendos calculados desde 29 de Agosto de 2008.
Dessa decisão vem recorrer o Embargado, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
1) A douta sentença recorrida julgou que a divida exequenda, em 1 de Abril de 2008, era no montante de MOP316,147.77;
2) Este montante foi apurado com base no quadro de cálculos junto a fls.110;
3) Tal quadro contém erros e omissões, cuja rectificação foi pedida pelo ora recorrente nas suas alegações de direito de fls.115, cujos fundamentos se dão aqui por reproduzidos;
4) O pedido de rectificação e elevação desse montante para MOP386,971.92, conforme o quadro junto a fls.117, que obrigava a aplicação da sobretaxa de 3% como divida em capital nos termos do art.7º do "Contrato de Mútuo" junto aos autos do proc. nº CV2-08-0025-CEO, e cuja cópia se anexa, não chegou a ser atendido, como se impunha;
5) Há, pois, que rectificar tal valor;
6) Assim, deve ser alterada a douta sentença, decidindo-se que a divida exequenda em 1 de Abril de 2008 era no montante de MOP386,971.92, qual acresceu juros e sobretaxas ao vencidos e vincendos calculados desde 2 de Abril de 2008, nos termos do contrato de mútuo de 20 de Dezembro de 1995.
7) Aqui chegado, não se pode deixar de sublinhar que a questão ora levantada e outras com ela relacionadas ter-se-iam evitado se o Tribunal da Primeira Instância não tivesse obstado a que, não execução, figurasse como executado o avalista C.
8) Continua o embargado a pensar que este avalista, nessa qualidade, assumia efectivamente a posição de principal pagador no caso de incumprimento da executada B, como bem resulta dos termos do contrato celebrado em 20 de Dezembro de 1995. O incumprimento neste montante é uma realidade na medida em que a executada embargante B não dispõe de bens que possa satisfazer as suas dividas.
Por isso devia ser admitido como executado.
9) A decisão do Tribunal da Segunda Instância é caso Julgado Formal nos termos do art.575° do CPCM.
10) Nos termos do art.517º nº1 al. d) do CPCM que seja declarado nula a Sentença proferida em 9 de Junho de 2014.
*
Foram colhidos os vistos legais.
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II – Factos
Vêm provados os seguintes factos pelo Tribunal a quo:
- Por “contrato de mútuo”, celebrado por documento particular em 20 de Dezembro de 1995, no qual o Embargado emprestou à Embargante B, a pedido dela, a quantia de HKD$200.000,00, equivalentes a MOP$206.000,00 (alínea A) dos factos assentes).
- Nesse contrato, a Embargante B confessou-se devedora do Embargado dessa mesma quantia, acrescida de juros de 10% (alínea B) dos factos assentes).
- Ficou estipulado que os juros vencidos e não pagos são havidos como dívida em capital sujeita a novos juros nos termos do contrato referido em A) (alínea C) dos factos assentes).
- Mais se estipulou que, em caso de mora, é devida uma sobretaxa de 3% sobre todo o tempo em que esta durar (alínea D) dos factos assentes).
- A Embargante B comprometeu-se a pagar ao Embargado em 36 prestações mensais, iguais e sucessivas, sendo cada uma no valor de HKD$7.500,00, a primeira das quais com vencimento em 01 de Fevereiro de 1996 e as seguintes nos meses subsequentes (alínea E) dos factos assentes).
- Ficou acordado que o não pagamento de qualquer prestação por um período superior a quinze dias confere ao Embargado o direito considerar imediatamente vencidas e exigíveis todas as prestações futuras (alínea F) dos factos assentes).
- A Embargante B pagou a 1ª prestação em 01 de Fevereiro de 2006 tendo deixado de pagar a prestação de 01 de Março de 1996 (alínea G) dos factos assentes).
- Em 12 de Janeiro de 2005, o Embargado intentou acção executiva contra a Embargante B e C a qual correu termos no Tribunal Judicial de Base sob o nº CV1-05-0002-CEO (alínea H) dos factos assentes).
- Nessa acção executiva, a Embargante B recebeu a carta de citação no dia 11 de Abril de 2005 (alínea I) dos factos assentes).
- Em 30 de Outubro de 2008, o Embargado recebeu a quantia de MOP$407.202,00 no âmbito da acção executiva nº CV1-05-0002-CEO a qual se incluem o capital e os juros calculados à taxa de 10% para o período de 01 de Março de 1996 até 11 de Janeiro de 2005, de 6% para o período de 12 de Janeiro de 2005 até 10 de Julho de 2006 e de 9.75% para o dia 11 de Julho de 2006 sem capitalização de juros (alínea J) dos factos assentes).
- Desde 01 de Março de 1996 até 01 de Abril de 2008, os juros calculados segundo a forma prevista nas alíneas B) a D) dos factos assentes e tendo em conta as quantias recebidas pelo Embargado nos termos referidos nas alíneas G) e J) dos Factos Assentes atingem MOP$316.146,77 (resposta ao quesito da 1º da base instrutória).
- Quando a Embargante B foi interpelada pelo Embargado para pagar a dívida resultante do contrato referido na alínea A) dos factos assentes, aquela, por mais de uma vez, reconheceu expressamente que era devedora das quantias mencionadas no contrato de mútuo (resposta ao quesito da 2º da base instrutória).
- Por isso, o Embargado foi-lhe concedendo prazos sucessivos para pagar essa dívida (resposta ao quesito da 3º da base instrutória).
- Quando se apercebeu que a Embargante B não pretendia proceder ao pagamento, o Embargado resolveu instaurar a acção executiva nº CV1-05-0002-CEO (resposta ao quesito da 4º da base instrutória).
*
III – Fundamentação
O Embargado formulou, na motivação do recurso, as seguintes conclusões:
1) A douta sentença recorrida julgou que a divida exequenda, em 1 de Abril de 2008, era no montante de MOP316,147.77;
2) Este montante foi apurado com base no quadro de cálculos junto a fls.110;
3) Tal quadro contém erros e omissões, cuja rectificação foi pedida pelo ora recorrente nas suas alegações de direito de fls.115, cujos fundamentos se dão aqui por reproduzidos;
4) O pedido de rectificação e elevação desse montante para MOP386,971.92, conforme o quadro junto a fls.117, que obrigava a aplicação da sobretaxa de 3% como divida em capital nos termos do art.7º do "Contrato de Mútuo" junto aos autos do proc. nº CV2-08-0025-CEO, e cuja cópia se anexa, não chegou a ser atendido, como se impunha;
5) Há, pois, que rectificar tal valor;
6) Assim, deve ser alterada a douta sentença, decidindo-se que a divida exequenda em 1 de Abril de 2008 era no montante de MOP386,971.92, qual acresceu juros e sobretaxas ao vencidos e vincendos calculados desde 2 de Abril de 2008, nos termos do contrato de mútuo de 20 de Dezembro de 1995.
Perante as conclusões supra transcritas, não sabemos se o Embargado queria impugnar a decisão da matéria de facto constante do quesito 1º da Base Instrutória, ou se queria pedir rectificação de erros materiais.
Se for do último, este Tribunal não é competente para o feito, face ao disposto do 570º do CPCM.
Se for do primeiro, não cumpriu o ónus de impugnação específica legalmente exigido pelo artº 599º do CPCM, especialmente não indicou os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa.
Disse o Embargado que o montante considerado provado “foi apurado com base no quadro de cálculos junto a fls.110” e “tal quadro contém erros e omissões, cuja rectificação foi pedida … nas suas alegações de direito de fls.115”.
Contudo, a alegação do Embargado não corresponde à verdade.
O quesito 1º da Base Instrutória tem a seguinte redacção:
“Desde 1 de Março de 1996 até 1 de Abril de 2008, os juros calculados segundo a forma prevista nas alíneas B) a D) dos factos assentes e tendo em conta as quantias recebidas pelo Embargado nos termos referidos nas alíneas G) e J) dos Factos Assentes atingem MOP$696.585,00?”
Após a realização da audiência de julgamento, o Tribunal a quo considerou provado que “Desde 1 de Março de 1996 até 1 de Abril de 2008, os juros calculados segundo a forma prevista nas alíneas B) a D) dos factos assentes e tendo em conta as quantias recebidas pelo Embargado nos termos referidos nas alíneas G) e J) dos Factos Assentes atingem MOP$316.146,77”.
E fundamentou a sua convicção pela forma seguinte:
“A convicção do Tribunal baseou-se nos documentos juntos aos autos e no depoimento das testemunhas ouvida em audiência, que depôs sobre os quesitos da base instrutória, cujo teor se dá por reproduzido aqui para todos os efeitos legais, o que permitiu formar uma síntese quanto aos apontados factos.
Em especial, no que se refere aos juros a que se refere o quesito 1º, o tribunal procedeu aos seguintes cálculos.
Em primeiro lugar, fez a imputação da quantia de MOP$7.725,00 (HK$7.500) aos juros vencidos em 1 de Fevereiro de 1996 e ao capital em dívida nesta data:
Capital
(MOP)
Taxa
Início
Termo
Dias
Juros
Pagamento
Remanescente de capital
206.000,00
10%
21/12/1995
1/2/1996
43
2.426,85
7.725,00
200.701,85
Em segundo lugar, procedeu ao cálculo dos juros de 10% sobre o remanescente capital nos quais se incluiu a sucessiva capitalização dos juros do período compreendido entre 2 de Fevereiro de 1996 e 1 de Abril de 2008, data esta indicada pelo embargado a fls 20 dos autos de execução, apesar de o embargado ter apenas recebido a quantia referida na alínea J) dos factos assentes em 30 de Outubro de 2008:
Capital
(MOP)
Taxa
Início
Termo
Dias
Juros
200.701,85
10%
2/2/1996
1/3/1996
28
1.539,63
202.241,48
10%
2/3/1996
1/3/1997
365
20.224,15
222,465.63
10%
2/3/1997
1/3/1998
365
22.246,56
244.712,19
10%
2/3/1998
1/3/1999
365
24.471,22
269.183,41
10%
2/3/1999
1/3/2000
365
26.918,34
296,101.75
10%
2/3/2000
1/3/2001
365
29.610,18
325.711,93
10%
2/3/2001
1/3/2002
365
32.571,19
358.283,12
10%
2/3/2002
1/3/2003
365
35.828,31
394.111,43
10%
2/3/2003
1/3/2004
365
39.411,14
433.522,57
10%
2/3/2004
1/3/2005
365
43.352,26
476.874,83
10%
2/3/2005
1/3/2006
365
47.687,48
524.562,31
10%
2/3/2006
1/3/2007
365
52.456,23
577.018,55
10%
2/3/2007
1/3/2008
365
57.701,85
634.720,40
10%
2/3/2008
1/4/2008
31
5.390,78
Total:
439.409,33
Em terceiro lugar, o tribunal procedeu ao cálculo dos juros de mora de 3% do mesmo período mas apenas sobre o capital em dívida em 2/3/1996 sem qualquer tipo de capitalização porque dos factos assentes das alíneas B) a D) não resulta que as partes tenham acordado na capitalização destes juros:
Capital (MOP)
Taxa
Início
Termo
Dias
Juros
200.701,85
3%
2/3/1996
1/4/2008
4.411
72.764,04
Em quarto lugar, o tribunal procedeu ao cálculo do valor dos juros já recebidos pelo embargado em 30 de Outubro de 2008 os quais se reportam apenas a juros calculados até 11 de Julho de 2006:
Capital (MOP)
Taxa
Início
Termo
Dias
Juros
200.701,85
10%
1/3/1996
11/1/2005
3.237
177.992,30
200.701,85
6%
12/1/2005
10/7/2006
545
17.980,69
200.701,85
9.75%
11/7/2006
11/7/2006
1
53,61
Total
196.026,60
Finalmente, o tribunal procedeu à soma dos juros de 10% e 3% dos quais deduziu depois os juros recebidos nos termos da alínea J) dos factos assentes (MOP$316.146,77 =  MOP$439.409,33 + MOP$72.764,04 – MOP$196.026,60).”.
Como se pode ver, a resposta dada ao referido quesito não foi “com base no quadro de cálculos junto a fls.110”, mas sim com base num novo cálculo de contas feito detalhadamente pelo Tribunal a quo.
O Embargado não especificou em que medida esse novo cálculo de contas está errado.
Pelo exposto, é de rejeitar o recurso nesta parte.
Em relação à parte restante do recurso, alega o Embargado que o Tribunal ao não ter admitido um indivíduo de nome C como executado violou o caso julgado do acórdão deste Tribunal, proferido no âmbito destes autos em 15/12/2011.
Trata-se também duma alegação manifestamente infundada.
Senão vejamos.
O acórdão em referência ordenou a admissão do aditamento à contestação apresentado pelo Embargado sob condição de que este deveria pagar a multa a que se refere o artº 95º, nº 4 do CPCM.
Em cumprimento do decidido, o Mmº Juíz titular dos autos mandou notificar o Embargado apresentar aos autos o aditamento em referência (que foi objecto de desentranhamento e de restituição) mediante o pagamento da multa nos termos do nº 4 do artº 95º do CPCM, o que veio a ser concretizado (fls. 165, 170 a 173 e 175 dos autos).
Como se vê, o Tribunal a quo cumpriu o seu dever de acatamento, admitindo a apresentação do aditamento mediante o pagamento da multa.
Não existe, portanto, qualquer violação do caso julgado por parte do Tribunal a quo.
O que aconteceu foi que o Tribunal a quo na selecção da matéria de facto para a Base Instrutória não atendeu determinada matéria alegada no referido aditamento.
Uma coisa é admitir a apresentação do aditamento, outra é atender à matéria nele alegada, são duas realidades bem distintas, pois o não atendimento pode resultar do facto de que a matéria alegada é irrelevante para a decisão da causa.
É certo que a sentença recorrida nada decidiu quanto à admissão ou não do indivíduo em causa como executado, mas tal facto não gera a sua nulidade por omissão da pronúncia nos termos da al. d) do nº 1 do artº 571º do CPCM, uma vez que o Embargado não formulou o pedido neste sentido no aditamento, cujo teor seguidamente se transcreve (fls. 171 e 172 dos autos):
“Exmº. Senhor Juíz de
   Direito do Tribunal
Proc. CV2-08-0025-CEO-B Judicial de Base da R.A.E.M.
2º Juízo Civel

A, exequente nos autos à margem ferenciado vem adicionar à contestação aos embargos deduzida ela executada, os seguintes articulados:

A tabela calculada pela embargante e mencionada no artº 52°, vem formulada em moeda local – MOP - Patacas, quando no contrato está estipulado em Doláres de Hong Kong.

Quando se fez o cálculo no pagamento da divida anterior (nº CV1-05-0002-CEO) da acção executiva, o valor em divida foi calculada em Patacas mas acrescido de 3% de diferença cambial.

A má-fé da embargante chega ao descalabro de não contabilizar a sobretaxa de 3% de juros de mora no cômputo de capitalização de juros, violando de forma grosseira o espírito do contrato de mútuo, cujas cláusulas foram acordadas e assinadas pelas partes, e pelo mesmo documento o Sr. C, declarou-se avalista e principal pagador, no caso de incumprimento da referida “executada – embargante”, B.
Nestes termos,
Respeitosamente,
P.E.D.

O Advogado”
   Pelo exposto, é de negar provimento ao recurso nesta parte.
*
IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em:
- rejeitar o recurso na parte respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto; e
- negar provimento ao recurso na parte restante.
*
Custas do recurso pelo Embargado.
Notifique e registe.
*
RAEM, aos 23 de Abril de 2015.
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong



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101/2015