Processo nº 211/2015
I
Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância da RAEM
No âmbito dos autos da acção de processo do trabalho nº LB1-13-0075-LAC, do Juízo Laboral do Tribunal Judicial de Base, proposta por A, devidamente id. nos autos, contra a B Limitada, foi proferida a seguinte sentença julgando parcialmente procedente a acção:
I – RELATÓRIO
A, de nacionalidade filipina, titular do Passaporte Filipino n.º …, emitido pela autoridade competente da República das Filipinas, em 1 de Julho de 2011, residente na …, Macau, veio intentar a presente
Acção de Processo Comum do Trabalho contra
B LIMITADA, com sede na …, Macau.
Concluiu pedindo que seja julgada procedente por provada a presente acção e, em consequência ser a Ré condenada a pagar ao Autor:
a) A quantia de MOP$160,489.00, pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal;
b) A quantia de MOP$80,245.00, por falta de gozo de um dia de descanso compensatório pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal.
c) Em custas e procuradoria condigna.
Juntou os documentos constantes de fls. 8.
*
Realizada a tentativa de conciliação pelo MP, não chegou a acordo entre as partes.
*
A Ré contestou a acção com os fundamentos constantes de fls. 26 a 30 dos autos.
Concluiu pedindo que sejam julgados improcedentes os pedidos do Autor.
*
Posteriormente, veio o Autor requerer a redução do pedido ao descanso semanal e à falta de marcação de dia de descanso compensatório para o montante de MOP236,097.00 (MOP157,398.00 e MOP78,699.00, respectivamente).
*
Realiza-se a audiência de discussão e de julgamento com observação de todo o formalismo legal.
*
II – PRESSSPOSTOS PROCESSUAIS
O Tribunal é competente em razão da matéria, hierarquia e internacional.
O processo é próprio.
As partes gozam de personalidade e capacidade jurídicas e são legítimas.
Não existem excepções, nulidades ou outras questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
*
III – FACTO
Discutida a causa, resultam provados os seguintes factos:
- Entre 8 de Outubro de 1996 e 31 de Maio de 2008, o Autor prestou para a Ré funções de "guarda de segurança", enquanto trabalhador não residente. (alínea A) dos factos assentes)
- Entre o referido período, o Autor trabalhou sobre as ordens, direcção, instruções e fiscalização da Ré. (alínea B) dos factos assentes)
- A Ré sempre fixou o local, o período e o horário de trabalho do Autor de acordo com as necessidades. (alínea C) dos factos assentes)
- O Autor sempre respeitou os períodos e horários de trabalho fixados pela Ré, e sempre prestou trabalho nos locais indicados pela Ré. (alínea D) dos factos assentes)
- Ao longo de toda a relação laboral a Ré pagou ao Autor uma quantia fixa mensal, acrescida de uma quantia determinada em função do número de horas de trabalho extraordinário efectivamente prestadas pelo Autor. (alínea E) dos factos assentes)
Durante a relação de trabalho o Autor auferiu de Ré, a título de salário anual e de salário normal diário, as quantias que abaixo se discrimina (Cfr. fls.8, Certidão de Rendimentos - Imposto Profissional, que se junta e se dá por reproduzido para todos os legais efeitos):
Ano
Salário anual
Salário diário
1997
45805
127
1998
51946
144
1999
52116
145
2000
48095
134
2001
44620
124
2002
36240
101
2003
55770
155
2004
64404
176
2005
52295
145
2006
52983
147
2007
93466
260
(alínea F) dos factos assentes)
- Para além das referidas quantias, o Autor não auferiu quaisquer outras por parte da Ré, ou de qualquer outra entidade patronal. (alínea G) dos factos assentes)
- Enquanto trabalhador não residente, o Autor apenas estava autorizado a exercer a sua actividade profissional para a Ré. (alínea H) dos factos assentes)
- Entre 8 de Outubro de 1996 a 31 de Dezembro de 2007 e excepto durante o período compreendido entre 26/06/2000 a 20/04/2001, a Ré nunca atribuiu ao Autor um qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal. (alínea I) dos factos assentes)
- Entre 1 de Julho de 1999 a 31 de Dezembro de 2007 e excepto durante o período compreendido entre 26 de Junho de 2000 e 20 de Abril de 2001, a Ré nunca atribuiu ao Autor, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, com excepção de 28 dias em 2000, 19 dias em 2001 e 10 dias em 2003. (alínea J) dos factos assentes)
- Para os presentes efeitos, entre 8 de Outubro de 1996 a 30 de Junho de 1999, a Ré nunca fixou ao Autor, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição. (Resposta ao quesito 1º da base instrutória)
- Entre 8 de Outubro de 1996 a 30 de Junho de 1999, por solicitação da Ré o Autor prestou trabalho todos os dias da semana, de modo a garantir o contínuo e diário funcionamento da actividade da Ré. (Resposta ao quesito 2° da base instrutória)
- Entre 8 de Outubro de 1996 a 31 de Dezembro de 2007 e excepto durante o período compreendido entre 26/06/2000 a 20/04/2001, a Ré nunca fixou ao Autor um outro dia de descanso compensatório, em virtude do trabalho prestado em dia de descanso semanal. (Resposta ao quesito 3° da base instrutória)
- O trabalho que prestou em dias de descanso semanal foi remunerado pela R. com o valor de um salário diário, em singelo. (Quesito 8° da base instrutória, aceite pelas partes)
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IV – FUNDAMENTO DE DIREITO
Cumpre analisar os factos e aplicar o Direito.
Atentas as posições tomadas pelas partes, são seguintes questões essenciais a decidir nos presentes autos:
a) Caracterização do contrato celebrado entre o Autor e a Ré;
b) Regime aplicável à presente relação laboral;
c) Compensação pelo trabalho prestado em dias de descanso semanal;
d) Compensação dum outro dia de descanso compensatório;
e) Juros de mora.
*
Caracterização do contrato celebrado entre o Autor e a Ré
Nos termos do art. 1079º, n 1º do Código Civil, “Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta.”
Desse preceito resulta que são três elementos do contrato de trabalho:
1) A prestação da actividade;
2) A retribuição;
3) A subordinação jurídica.
No contrato de trabalho, a uma parte (trabalhador) incumbe a prestação duma actividade quer intelectual quer manual, bem como a sua disponibilidade junto de outra parte (empregador), por forma a que esta possa obter o resultado pretendido com outros meios de produção.
Em contrapartida, o trabalhador ganha retribuição como preço do trabalho prestado por ele, sendo essa retribuição paga normalmente em dinheiro.
A subordinação jurídica é característica mais importante do contrato de trabalho, que se traduz numa relação de dependência do trabalhador face às ordens, directivas e instruções do empregador na prestação da actividade daquele.
Conforme os factos provados, ficou demonstrado que, o Autor esteve, entre 13 de Dezembro de 1994 e 31 de Maio de 2008, ao serviço da Ré para, sob as suas ordens, direcção, instruções e fiscalização, exercer funções de guarda de segurança, ganhando remuneração paga pela Ré como preço de trabalho seu.
Nestes termos, dúvidas não restam em qualificar como relação laboral, a relação existente entre o Autor e a Ré.
*
Regime aplicável à presente relação laboral
Nos termos do art. 1079°, n 2° do Código Civil, "o contrato de trabalho está sujeito a legislação especial."
Quanto a isso, encontram-se no ordenamento jurídico de Macau regimes diferentes consoante o caso de trabalhadores-residentes e o de não residentes.
No caso sub judice, o Autor é trabalhador não-residente, aplicando-se-lhe o respectivo regime.
Como se sabe, a legislação especial relativa à relação laboral não residente é actualmente a Lei n" 21/2009, que entrou em vigor em 13 de Abril de 2010. Antes disso, aplica-se o Despacho n. 49/ CM/ 88 e o n. 12/GM/88, consoante trabalhador especializado e não especializado.
Conforme os factos provados nos autos, o Autor trabalhou, como mão-de-obra não especializada, junto da Ré entre 1996 e 2008, período em que ainda se vigorava a lei antiga, isto é, o Despacho n. 12/ CM/ 88.
No entanto, esse diploma limitava-se definir as condições, o âmbito e o procedimento quanto à admissão de trabalhadores não residentes, abstendo-se de regular direitos, deveres e garantias emergentes desse tipo de relação jurídica.
Mesmo assim, nada impede que, sendo caso análogo, lhe pode aplicar, por analogia, o DL nº 24/89/M, diploma aplicável à relação laboral referente ao trabalhador residente. Como referem os doutos Acórdãos do TSI n. 596/2010 e 805/2010, "A circunstância de o próprio D. L. nº 24/89/M ter determinado a sua não aplicação às relações laborais com trabalhadores não residentes não obsta a sua aplicação analógica a essas relações laborais, uma vez que a não aplicação é condicional, isto é, só se não aplica se existirem normas especiais nesta matéria."
*
Compensação pelo trabalho prestado em dias de descanso semanal
Quanto ao problema sobre compensação pelo trabalho prestado em dias de descanso semanal pedida pelo Autor, encontram-se os doutos arestos do TUI de que resulta que o trabalhador recebe o dobro da retribuição normal, mas como os Autores nos respectivos casos já receberam o salário normal correspondente ao trabalho nesses dias de descanso, só têm direito a outro tanto (conforme os Ac. do TUI n.os 28/2007, 29/2007, 58/2007 e 40/2009).
Aqui, vale a pena citar essa parte do douto Acórdão n. 28/2007 do Venerando TUI:
"Na redacção original do n.º 6 do art. 17.° do RJRL o trabalho prestado em dia de descanso semanal dava sempre direito a ser pago pelo dobro da retribuição normal.
O n.º 6 do art. 17.° do RJRL, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 32/90/M, de 9 de Julho, dispõe:
“6. O trabalho prestado em dia de descanso semanal deve ser pago:
a) Aos trabalhadores que auferem salário mensal, pelo dobro da retribuição normal;
b) Aos trabalhadores que auferem salário determinado em função do resultado efectivamente produzido ou do período de trabalho efectivamente prestado, pelo montante acordado com os empregadores, com observância dos limites estabelecidos nos usos e costumes”.
Ao caso aplica-se a alínea b), dado que o autor era remunerado, não em função do mês, mas ao dia (salário determinado em função do período de trabalho efectivamente prestado).
O pagamento do trabalho prestado em dia de descanso semanal é pago pelo montante acordado com os empregadores.
Não tendo havido acordo entre autor e ré sobre a forma de remunerar o trabalho em dia de descanso semanal, existe uma lacuna quanto à forma de determinar tal pagamento.
É que a referência, na parte final da alínea b) aos “usos e costumes”, não tem por finalidade substituir o acordo entre as partes, nem pode constituir nenhum acordo tácito entre as partes, que não se vislumbra a partir dos factos provados. Os usos e costumes são apenas um limite para o montante acordado pelas partes.
Ora, não tendo havido qualquer acordo entre as partes, há falta de previsão legal sobre o pagamento prestado em dia de descanso semanal, para aqueles que não auferem salário mensal.
Há que integrar a lacuna, por meio da norma aplicável aos casos análogos (art. 9.°, n.º 1, do Código Civil, correspondendo ao art. 10.°, n.º 1 do Código Civil de 1966).
Ora a norma aplicável aos casos análogos é, manifestamente, a da alínea a) do mesmo n.º 6 do art. 17.°, que se refere à remuneração em dia de descanso semanal, para os que recebem em função do mês, ou seja o dobro da retribuição, no caso, diária.
Por outro lado, para haver lugar à remuneração do trabalho prestado em dia de descanso semanal não é necessário que o empregador tenha impedido o trabalhador de gozar tal descanso. Basta que tenha havido uma conduta do empregador a determinar o trabalho nesses dias, como não pode ter deixado de ser, pois é a ré que alega que o descanso dos trabalhadores poria em causa o funcionamento dos casinos.
Estas considerações aplicam-se também ao trabalho nos dias feriados.
Mas já tem razão a ré ao dizer que o autor já recebeu o salário normal correspondente ao trabalho nesses dias de descanso, pelo que, agora, só tem direito a outro tanto, e não em dobro, como se decidiu no Acórdão recorrido, que não explica, aliás, porque não levou em conta o salário já pago. É que está em causa o pagamento do trabalho em dia de descanso semanal, pelo dobro da retribuição normal, mas o autor foi pago já em singelo.”
Salvo melhor opinião, entendo ser um bom entendimento para a resolução da presente causa.
Com efeito, segundo os factos considerados como provados nos autos, sendo ao Autor já pago salário diário em singelo referente à prestação do trabalho nos dias de descanso semanal, ela tem direito receber a outro tanto, também em singelo:
Período
N.os do dia de trabalho em descanso semanal (A)
Salário diário
(B)
Compensaçãoes
(A x B x 1)
1997
Jan. a Dez.
52
127
6,604.00
1998
Jan. a Dez.
52
144
7,488.00
1999
Jan. a Dez.
52
145
7,540.00
2000
Jan. a Dez.
(28 dias de descanso semanal gozado)
24
134
3,216.00
2001
Jan. a Dez.
(19 dias de descanso semanal gozado)
33
124
4,092.00
2002
Jan. a Dez.
52
101
5,252.00
2003
Jan. a Dez.
(10 dias de descanso semanal gozado)
42
155
6,510.00
2004
Jan. a Dez.
52
179
9,308.00
2005
Jan. a Dez.
52
145
7,540.00
2006
Jan. a Dez.
52
147
7,644.00
2007
Jan. a Dez.
52
260
13,520.00
Tendo em conta que o Autor não pediu essa compensação relativamente ao ano 1996, o Tribunal não a condena conforme o princípio dispositivo.
Em suma, o Autor tem direito a receber o montante de MOP$78,714.00, a título de compensação de descanso semanal.
*
Compensação dum outro dia de descanso compensatório
Por outro lado, nos termos do art. 17°, n 4° do DL n. 24/89/M, "nos casos de prestação de trabalho em período de descanso semanal, o trabalhador tem direito a um outro dia de descanso compensatório a gozar dentro dos trinta dias seguintes ao da prestação de trabalho e que será imediatamente fixado."
No caso vertente, sendo provado que o Autor não foi concedido nenhum dia de descanso compensatório pelo facto de ter prestado trabalho nos dias de descanso semanal acima referidos, tem ela direito a compensações correspondentes aos dias de descanso compensatório não gozados. Assim,
Período
N.os do dia de trabalho em descanso semanal (A)
Salário diário
(B)
Compensaçãoes
(A x B x 1)
1997
Jan. a Dez.
52
127
6,604.00
1998
Jan. a Dez.
52
144
7,488.00
1999
Jan. a Dez.
52
145
7,540.00
2000
Jan. a Dez.
(28 dias de descanso semanal gozado)
24
134
3,216.00
2001
Jan. a Dez.
(19 dias de descanso semanal gozado)
33
124
4,092.00
2002
Jan. a Dez.
52
101
5,252.00
2003
Jan. a Dez.
(10 dias de descanso semanal gozado)
42
155
6,510.00
2004
Jan. a Dez.
52
179
9,308.00
2005
Jan. a Dez.
52
145
7,540.00
2006
Jan. a Dez.
52
147
7,644.00
2007
Jan. a Dez.
52
260
13,520.00
Tendo em conta que o Autor não pediu essa compensação relativamente aos anos 1996, o Tribunal não a condena conforme o princípio dispositivo.
Em suma, o Autor tem direito a receber o montante de MOP$78,714.00, a título de compensação dos dias de descanso compensatório não gozados. Conforme o princípio dispositivo, é a Ré condenada a pagar o montante de MOP$78,699.00.
*
Juros de mora
Sendo os créditos supra mencionados ilíquidos, às quantias a eles referentes acrescerão, nos termos do art. 794°, n 4° do Código Civil que se conjuga com a jurisprudência fixada no Douto Acórdão do TUI, de 2 de Março de 2011, no processo n. 69/2010, juros a partir da data da decisão judicial que fixa o respectivo montante.
*
V - DECISÃO
Pelo exposto, julga-se a acção parcialmente procedente e em consequência condena-se, absolvendo dos restantes pedidos, a Ré a pagar ao Autor as seguintes quantias:
a) MOP$78,714.00, a título de compensação de descanso semanal;
b) MOP$78,699.00, a título de compensação dos outros dias de descanso compensatório não gozados;
c) Juros de mora sobre cada uma das aludidas quantias, à taxa legal a contar da data da presente sentença até o efectivo e integral pagamento.
As custas serão a cargo da Ré e do Autor na proporção do decaimento.
Registe e notifique.
Não se conformando com essa sentença, veio o Autor recorrer dela para este Tribunal de Segunda Instância.
Alegou concluindo e pedindo:
1. Versa o presente recurso sobre a parte da douta Sentença na qual foi julgada parcialmente improcedente ao Recorrente a atribuição de uma compensação devida pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal na medida de um dia de salário em dobro.
2. Porém, ao condenar a Recorrida a pagar ao Recorrente apenas o equivalente a um dia de trabalho (em singelo) pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal, o Tribunal a quo procedeu a uma não correcta aplicação do disposto na al. a) do n.º 6 do artigo 17.° do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, pelo que a decisão deve ser julgada nula e substituída por outra que condene a Ré em conformidade com o disposto na referida Lei Laboral;
3. Com efeito, resulta do referido preceito que o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser remunerado pelo dobro do salário normal, entendido enquanto duas vezes a retribuição normal, por cada dia de descanso semanal prestado;
4. Do mesmo modo, ao condenar a Recorrida a pagar ao Recorrente apenas e tão-só um dia de salário em singelo, o Tribunal a quo desviou-se da interpretação que tem vindo a ser seguida pelo Tribunal de Segunda Instância sobre a mesma questão de direito, no sentido de entender que a compensação do trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser feita em respeito à seguinte fórmula: (salário diário X n.° de dias de descanso não gozados X 2);
5. De onde, resultando que o Recorrente prestou trabalho durante todos os dias de descanso semanal durante toda a relação de trabalho, deve a Recorrida ser condenada a pagar ao Recorrente a quantia de MOP$157,428.00 a título do dobro do salário - e não só de apenas MOP$78,714.00, correspondente a um dia de salário em singelo conforme resulta da decisão ora posta em crise acrescido de juros legais até integral e efectivo pagamento, devendo no resto manter-se a douta decisão no que respeita ao descanso compensatório.
Nestes termos e nos de mais de Direito que V. Exas. encarregar-se-ão de suprir, deve a Sentença na parte em que condena a Recorrida a pagar ao Recorrente apenas o equivalente a um dia de retribuição em singelo, ser julgada nula e substituída por outra que atenda ao pedido tal qual supra formulado, assim se fazendo a já costumada JUSTIÇA!
Notificada, a Ré respondeu pugnando pela improcedência do recurso.
II
Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.
Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).
Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.
Em face das conclusões tecidas na petição dos recursos, a única questão que constitui o objecto da nossa apreciação é a de saber qual é o multiplicador para o cálculo do trabalho prestado nos dias de descanso semanal.
Tem razão o recorrente.
Pois no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, a lei regula as condições do trabalho prestado em dias de descanso semanal e as diferentes formas de compensações desse trabalho consoante as variadas circunstâncias que o justificam.
Diz o artº 17º deste diploma que:
1. Todos os trabalhadores têm direito a gozar, em cada período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, calculada nos termos do disposto sob o artigo 26º.
2. O período de descanso semanal de cada trabalhador será fixado pelo empregador, com devida antecedência, de acordo com as exigências do funcionamento da empresa.
3. Os trabalhadores só poderão ser chamados a prestar trabalho nos respectivos períodos de descanso semanal:
a) Quando os empregadores estejam em eminência de prejuízos importantes ou se verifiquem casos de força maior;
b) Quando os empregadores tenham de fazer face a acréscimos de trabalho não previsíveis ou não atendíveis pela admissão de outros trabalhadores;
c) Quando a prestação de trabalho seja indispensável e insubstituível para garantir a continuidade do funcionamento da empresa.
4. Nos casos de prestação de trabalho em período de descanso semanal, o trabalhador tem direito a um outro dia de descanso compensatório a gozar dentro dos trinta dias seguintes ao da prestação de trabalho e que será imediatamente fixado.
5. A observância do direito consagrado no nº 1 não prejudica a faculdade de o trabalhador prestar serviço voluntário em dias de descanso semanal, não podendo, no entanto, a isso ser obrigado.
6. O trabalho prestado nos termos do número anterior dá ao trabalhador o direito a ser pago pelo dobro da retribuição normal.
Em face dos factos que ficaram provados nos presentes autos, não se mostrando que o trabalho em dias de descanso semanal foi prestado em qualquer das situações previstas no nº 3 e na falta de outros elementos fácticos, a compensação deve processar-se nos termos consagrados no nº 6, isto é, o trabalhador tem direito a ser pago pelo dobro da retribuição normal.
Assim, no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, para cálculo de quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso semanal, a fórmula é:
2 X o salário diário médio X número de dias de prestação de trabalho em descanso semanal, fora das situações previstas no artº 17º/3, nem para tal constrangido pela entidade patronal.
Como, por um lado, a sentença recorrida adoptou o multiplicador X 1 para o cálculo da quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso semanal, em vez de o multiplicador X 2 que defendemos, e por outro lado não foram objecto da impugnação quer o número dos dias de descanso semanal em que trabalhou quer o quantitativo diário do salário, é de alterar a sentença recorrida e passar a aplicar nela o multiplicador X 2 para o cálculo da compensação pelo trabalho prestado nos descansos semanais, o que nos leva a atribuir ao Autor, a título da compensação pelo trabalho prestado nos dias de descanso semanal, o valor de MOP$157.428,00, correspondente ao dobro de MOP$78.714,00, quantia fixada na sentença recorrida.
Tudo visto resta decidir.
III
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conferência conceder provimento ao recurso interposto pelo Autor A:
* revogando a sentença recorrida na parte que diz respeito à compensação pelo trabalho prestado nos dias de descanso semanal;
* passando a atribuir ao Autor, a título da compensação pelo trabalho prestado nos dias de descanso semanal, o valor de MOP$157.428,00; e
* mantendo a condenação da Ré no pagamento ao Autor a título da compensação pelo não gozo dos descansos compensatórios, assim como a forma de cálculo de juros.
Custas a cargo da Ré pelo decaimento da acção na parte tratada neste recurso – artº 376º do CPC e artº 2º/1-i) do RCT, a contrario.
Registe e notifique.
RAEM, 23ABR2015
Lai Kin Hong
João Gil de Oliveira
Ho Wai Neng