Processo n.° 293/2015
(Recurso extraordinário de revisão da sentença)
Recorrente: A
Data: 11 de Junho de 2015
Assuntos:
- O princípio de ne bis in idem.
- Condenação dos mesmos factos em duas jurisdições diferentes
Sumário
1. O principio de ne bis in idem aplica-se nos processos criminais de mesma jurisdição e não se aplica nos processos de entre duas jurisdições diferentes.
2. Aplica-se aqui o disposto no art.76º do Código Penal: “É descontada, nos termos dos artigos anteriores, qualquer medida processual ou pena que o agente tenha sofrido, pelo mesmo ou pelos mesmos factos, fora de Macau.”
Relator
___________________________
Tam Hio Wa
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.
Processo n.° 293/2015
(Recurso extraordinário de revisão da sentença)
Recorrente: A
Data: 11 de Junho de 2015
I – RELATÓRIO
No processo comum colectivo nº CR2-99-0004-PCC do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Base, foi o arguido recorrente A julgado e condenado, pela prática de um crime de rapto, um crime de violação de domicílio, um crime de homicídio qualificado, um crime de ofensa ao respeito devido ao morto, e de um crime de detenção de arma, numa pena única de 23 anos de prisão.
Inconformado com a decisão, veio agora este arguido pedir a revisão dessa decisão judicial nos termos do art.º 431.°, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal, para pretender a invalidação da mesma decisão na parte respeitante à sua condenação pelos crimes de rapto e de homicídio qualificado, alegando, para o efeito, e na sua essência, que como ele já tinha sido penalmente condenado antes no Interior da China pelos mesmos factos relativos a esses dois crimes, a decisão condenatória penal de Macau violou assim o princípio de ne bis in idem, com os fundamentos expostos no requerimento de revisão de fls. 3 a 21 dos presentes autos que aqui se dão como integralmente reproduzidos.
Sobre este pedido de revisão, o Digno Delegado do Procurador junto do Tribunal Judicial de Base respondeu no sentido de improcedência da argumentação do requerente, com os fundamentos expostos na resposta junta a fls. 22 a 24 que se dão por aqui integralmente reproduzidos.
Subsequentemente, o Tribunal a quo emitiu, no despacho da fls. 133v a 134, informação judicial ao abrigo do art.º 436.° do Código Processo Penal, no sentido de improcedência da pretensão do requerente.
Subido o processado para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), a Digna Procuradora-Adjunta emitiu parecer, junto a fls. 144 a 145 dos autos, no sentido de improcedência do pedido de revisão.
Feito, em seguida, o exame preliminar pelo relator e corridos os vistos pelos Mm. Os Juízes-Adjuntos, cumpre agora decidir do presente pedido de revisão.
II – FACTOS
Em 29 de Novembro de 1999, o requerente A foi arguido no Processo Comum Colectivo n.º CR2-99-0004-PCC em Macau, e, foi julgado e condenado, pela prática de um crime de rapto, um crime de violação de domicílio, um crime de homicídio qualificado, um crime de ofensa ao respeito devido ao morto, e de um crime de detenção de arma, numa pena única de 23 anos de prisão.
Entretanto, em 24 de Novembro de 1999 e 17 de Dezembro de 1999, o mesmo arguido chegou ele a ser condenado no Interior da China em pena de prisão perpétua, por prática de factos relativos aos delitos de rapto e homicídio alí julgados em Macau.
E posteriormente em 1 de Julho de 2002, foi-lhe reduzida a pena de prisão para 19 anos e mais tarde, em 25 de Agosto de 2005, foi-lhe descontado mais um ano e oito meses de prisão.
Finalmente, o requerente foi solto no dia 9 de Dezembro de 2013 pelas autoridades judiciais do continente da China.
III - FUNDAMENTOS
O arguido condenado A pede a revisão da decisão condenatória penal de Macau acima referida ao abrigo do disposto no art. ° 43l.°, n.º 1, alínea c), do Código Processo Penal, alegando como fundamento de que a decisão condenatória penal de Macau violou o princípio de ne bis in idem.
O princípio de ne bis in idem traduz-se que ninguém pode responder duas vezes sobre o mesmo facto já julgado, ou seja, ninguém pode ser duplamente punido pelos mesmos factos ilícitos.
No entanto, o principio de ne bis in idem aplica-se nos processos criminais de mesma jurisdição e não se aplica nos processos de entre duas jurisdições diferentes.1
Conforme o disposto no art.19º da Lei Básica de Macau, a RAEM goza de poder judicial independente, incluindo o de julgamento em última instância.
Portanto, face ao interior da China, a RAEM tem a sua própria jurisdição.
Por isso, mesmo o recorrente tenha sido julgado e condenado no tribunal do interior da China, pela prática de crime de rapto e de homicídio, a sentença condenatória dos tribunais de Macau pelos mesmos factos não se viola o principio de ne bis in idem por se tratar das decisões judiciais das duas jurisdições diferentes.
Então como se resolve a questão? Vamos ver em seguinte.
Art.º 43l.°, n.º 1, alínea c), do Código Processo Penal: “A revisão da sentença transitada em julgado é admissível quando: Os factos que serviram de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;”
Assim sendo, segundo a citada disposição legal, a revisão da sentença transitada em julgado é admissível quando os factos que serviram de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
No seu requerimento de revisão, o arguido requerente defende que como ele foi condenado antes no Continente da China pelos mesmos factos respeitantes aos crimes de rapto e homicídio julgados no acima identificado processo penal em Macau. Por isso, há que aplicar-lhe a norma do art.º 580.° do Código de Processo Civil, com necessária invalidação da decisão condenatória de Macau na parte tangente aos crimes de rapto e homicídio.
Art.º 580.° do Código de Processo Civil: “1. Havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumpre-se a que transitou em julgado em primeiro lugar. 2. É aplicável o mesmo princípio à contradição existente entre duas decisões que, dentro do processo, versem sobre a mesma questão concreta da relação processual.”
No entanto, aplica-se aqui o disposto no art.76º do Código Penal.
Art.º 76º do Código Penal: “É descontada, nos termos dos artigos anteriores, qualquer medida processual ou pena que o agente tenha sofrido, pelo mesmo ou pelos mesmos factos, fora de Macau.”
Pois bem, do seguinte expressamente preceituado no art.º 76.° do Código Penal, “É descontada, nos termos dos artigos anteriores, qualquer medida processual ou pena que o agente tenha sofrido, pelo mesmo ou pelos mesmos factos, fora de Macau”
Nestes termos, resolvendo a questão, é de julgar improcedente o pedido de revisão de sentença.
IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam em negar a revisão pedida pelo arguido condenado A, devido à sua improcedência.
Custas pelo requerente, com 6 UCs de taxa de justiça.
Notifique e D.N..
-*-
11 de Junho de 2015
______________________________
Tam Hio Wa (Relator)
______________________________
Ho Wai Neng (Primeiro Juiz-Adjunto)
______________________________
José Cândido de Pinho (Segundo Juiz-Adjunto)
1 Do mesmo entendimento no acórdão do TSI nº 794/2011
---------------
------------------------------------------------------------
---------------
------------------------------------------------------------
1
293/2015 p.7/7