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Processo nº 320/2015
(Autos de recurso laboral)

Data: 14/Maio/2015

Recorrente:
- B (Autor)

Recorrida:
- C (Macau) – Serviços e Sistemas de Segurança, Ltd (Ré)

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO

B intentou junto do Tribunal Judicial de Base da RAEM a presente acção de processo comum do trabalho, pedindo a condenação da Ré no pagamento do montante de MOP$143.983,00, acrescido de juros legais até integral e efectivo pagamento.
Realizado o julgamento, foi a Ré condenada a pagar ao Autor a quantia de MOP$94.992,00, acrescida de juros moratórios à taxa legal a contar do trânsito em julgado da sentença que procede à liquidação do quantum indemnizatório.
Inconformado com a sentença, dela interpôs o Autor recurso ordinário, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
1. Versa o presente recurso sobre a parte da douta Sentença na qual foi julgada parcialmente improcedente ao Recorrente a atribuição de uma compensação devida pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal na medida de um dia de salário em dobro.
2. Porém, ao condenar a Recorrida a pagar ao Recorrente apenas o equivalente a um dia de trabalho (em singelo) pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal, o Tribunal a quo procedeu a uma não correcta aplicação do disposto no al. a) do n.º 6 do artigo 17º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, pelo que a decisão deve ser julgada nula e substituída por outra que condene a Ré em conformidade com o disposto na referida Lei Laboral.
3. Com efeito, resulta do referido preceito que o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser remunerado pelo dobro do salário normal, entendido enquanto duas vezes a retribuição normal, por cada dia de descanso semanal prestado.
4. Do mesmo modo, ao condenar a Recorrida a pagar ao Recorrente apenas e tão-só um dia de salário em singelo, o Tribunal a quo desviou-se da interpretação que tem vindo a ser seguida pelo Tribunal de Segunda Instância sobre a mesma questão de direito, no sentido de entender que a compensação do trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser feita em respeito à seguinte fórmula: (salário diário x n.º de dias de descanso não gozados x 2).
5. De onde, resultando provado que o Recorrente prestou trabalho durante os dias de descanso semanal durante todo o período da relação de trabalho, deve a Recorrida ser condenada a pagar ao Recorrente a quantia de MOP$94,992.00 a título do dobro do salário - e não só de apenas MOP$47.496,00, correspondente a um dia de salário em singelo conforme resulta da decisão ora posta em crise, acrescido de juros legais até integral e efectivo pagamento, mantendo-se no resto a douta Decisão.
Conclui, pedindo a revogação da sentença que condenou a Ré a pagar ao Autor apenas o equivalente a um dia de trabalho em singelo, e substituída por outra que atenda ao pedido formulado pelo recorrente.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO

A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
Entre 2 de Abril de 2001 a 4 de Abril de 2013, o Autor prestou para a Ré funções de “guarda de segurança”. (A)
A Ré sempre fixou o local (posto de trabalho), o período e o horário de trabalho do Autor de acordo com as necessidades. (B)
O Autor sempre respeitou os períodos e horários de trabalho fixados pela Ré, e sempre prestou trabalho nos locais (postos de trabalho) indicados pela Ré. (C)
Ao longo de toda a relação laboral a Ré sempre pagou ao Autor uma quantia fixa mensal, acrescida de uma quantia variável determinada em função do número de horas de trabalho extraordinário efectivamente prestadas pelo Autor. (D)
Durante a relação de trabalho o Autor auferiu da Ré a título de salário anual e de salário normal diário, as quantias que abaixo se discrimina (Cfr. doc. 2, Certidão de Rendimentos – Imposto Profissional): (E)
Ano
Salário anual
Salário normal diário
2001
28610
119
2002
48337
134
2003
55744
155
2004
56913
158
2005
58673
163
2006
61252
170
2007
73355
204
Entre 2 de Maio de 2001 a 31 de Dezembro de 2007, a Ré nunca atribuiu ao Autor um qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal. (F)
Entre 01 de Janeiro de 2004 a 31 de Dezembro de 2007, a Ré nunca fixou ao Autor, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutiva, sem prejuízo da correspondente retribuição. (excepto 31 dias do ano de 2007)(G)
Entre 02 de Maio de 2001 a 31 de Dezembro de 2003, a Ré nunca fixou ao Autor, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutiva, sem prejuízo da correspondente retribuição. (1.º)
A Ré nunca fixou ao Autor um outro dia de descanso compensatório, em virtude do trabalho prestado em dia de descanso semanal. (2.º)
*
Corridos os vistos, cumpre decidir.

Da compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal

Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).

Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.

Em face das conclusões tecidas na petição dos recursos, a única questão que constitui o objecto da nossa apreciação é a de saber qual é o multiplicador para o cálculo do trabalho prestado nos dias de descanso semanal.

Tem razão o recorrente.

Pois no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, a lei regula as condições do trabalho prestado em dias de descanso semanal e as diferentes formas de compensações desse trabalho consoante as variadas circunstâncias que o justificam.

Diz o artº 17º deste diploma que:

1. Todos os trabalhadores têm direito a gozar, em cada período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, calculada nos termos do disposto sob o artigo 26º.
2. O período de descanso semanal de cada trabalhador será fixado pelo empregador, com devida antecedência, de acordo com as exigências do funcionamento da empresa.
3. Os trabalhadores só poderão ser chamados a prestar trabalho nos respectivos períodos de descanso semanal:
a) Quando os empregadores estejam em eminência de prejuízos importantes ou se verifiquem casos de força maior;
b) Quando os empregadores tenham de fazer face a acréscimos de trabalho não previsíveis ou não atendíveis pela admissão de outros trabalhadores;
c) Quando a prestação de trabalho seja indispensável e insubstituível para garantir a continuidade do funcionamento da empresa.

4. Nos casos de prestação de trabalho em período de descanso semanal, o trabalhador tem direito a um outro dia de descanso compensatório a gozar dentro dos trinta dias seguintes ao da prestação de trabalho e que será imediatamente fixado.
5. A observância do direito consagrado no nº 1 não prejudica a faculdade de o trabalhador prestar serviço voluntário em dias de descanso semanal, não podendo, no entanto, a isso ser obrigado.
6. O trabalho prestado nos termos do número anterior dá ao trabalhador o direito a ser pago pelo dobro da retribuição normal.

Em face dos factos que ficaram provados nos presentes autos, não se mostrando que o trabalho em dias de descanso semanal foi prestado em qualquer das situações previstas no nº 3 e na falta de outros elementos fácticos, a compensação deve processar-se nos termos consagrados no nº 6, isto é, o trabalhador tem direito a ser pago pelo dobro da retribuição normal.

Assim, no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, para cálculo de quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso semanal, a fórmula é:

2 X o salário diário médio X número de dias de prestação de trabalho em descanso semanal, fora das situações previstas no artº 17º/3, nem para tal constrangido pela entidade patronal.

Como, por um lado, a sentença recorrida adoptou o multiplicador X 1 para o cálculo da quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso semanal, em vez de o multiplicador X 2 que defendemos, e por outro lado não foram objecto da impugnação quer o número dos dias de descanso semanal em que trabalhou quer o quantitativo diário do salário, é de alterar a sentença recorrida e passar a aplicar nela o multiplicador X 2 para o cálculo da compensação pelo trabalho prestado nos descansos semanais, o que nos leva a atribuir ao Autor, a título da compensação pelo trabalho prestado nos dias de descanso semanal, o valor de MOP$94.992,00, correspondente ao dobro de MOP$47.496,00, quantia fixada na sentença recorrida.

Tudo visto resta decidir.
***
III) DECISÃO

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conferência conceder provimento ao recurso interposto pelo Autor B:

* revogando a sentença recorrida na parte que diz respeito à compensação pelo trabalho prestado nos dias de descanso semanal;

* passando a atribuir ao Autor, a título da compensação pelo trabalho prestado nos dias de descanso semanal, o valor de MOP$94.992,00; e

* mantendo a condenação da Ré no pagamento ao Autor a título da compensação pelo não gozo dos descansos compensatórios, assim como a forma de cálculo de juros.

Custas a cargo da Ré pelo decaimento da acção na parte tratada neste recurso – arº 376º do CPC e artº 2º/1-i) do RCT, a contrario.

Registe e notifique.

RAEM, 14MAIO2015


Primeiro Juiz-Adjunto
Lai Kin Hong


Segundo Juiz-Adjunto
João A. G. Gil de Oliveira


Relator
Tong Hio Fong
  (Votei vencido quanto à fórmula adoptada na compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal, por entender que, sendo o trabalho prestado nesses dias pago pelo “dobro da retribuição”, este “dobro” é constituído por um dia de salário normal mais um dia de acréscimo.
  
  Provado que o Autor ora recorrente já recebeu da Ré ora sua entidade patronal o salário diário em singelo, para efeitos de cálculo do valor da compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal, terá que deduzir esse montante pago em singelo, sob pena de estar o Autor a ser pago, não pelo dobro, mas pelo triplo do valor diário, ao que acresce ainda o dia de descanso compensatório, o Autor estar a ser pago pelo quádruplo do valor diário.)



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