Processo n.º 410/2015 Data do acórdão: 2015-6-4 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– exame preliminar dos autos de recurso
– conhecimento oficioso da prescrição da pena
– art.º 407.º, n.º 6, alínea a), do Código de Processo Penal
– suspensão da execução da pena
– pendência do recurso da revogação da pena suspensa
– suspensão da prescrição da pena
– art.º 117.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal
S U M Á R I O
1. Sendo a questão da prescrição da pena de conhecimento oficioso, cumpre ao relator dos autos de recurso verificar, à luz do art.º 407.º, n.º 6, alínea a), do Código de Processo Penal, do já decurso total, ou não, do prazo da prescrição da pena de prisão no período da previsível pendência do recurso do despacho revogatório da suspensão da execução da pena, visto que a eventual já conclusão do prazo da prescrição da pena de prisão iria obstar ao conhecimento do recurso.
2. Devido ao regime próprio da suspensão da execução da pena, o facto de a execução da pena não estar ainda a começar constitui motivo da suspensão da prescrição da pena previsto no art.º 117.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal.
3. Assim sendo, enquanto estiver ainda pendente a tomada de decisão judicial sobre a revogação da suspensão da execução da pena de prisão (ou enquanto não houver ainda uma decisão judicial, insusceptível de recurso ordinário, que venha a ordenar finalmente a revogação da suspensão da execução da pena de prisão), não será legalmente possível dar início à execução da pena de prisão.
4. Daí que a causa de suspensão da contagem do prazo de quatro anos de prescrição da pena de sete meses de prisão do ora recorrente só deixa de subsistir a partir da data da decisão judicial, insusceptível de mais recurso ordinário, de determinação da revogação da suspensão da execução da pena (e não a partir da data do fim do prazo pelo qual foi outrora decretada a suspensão da execução da pena).
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 410/2015
(Recurso em processo penal)
(Da questão do prazo da prescrição da pena)
Recorrente: B (B)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA
REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Notificado do despacho liminar proferido em 18 de Maio de 2015 pelo relator dos presentes autos instaurados por causa do recurso interposto da decisão judicial de fls. 152v a 153 dos subjacentes autos de Processo Sumário n.o CR3-08-0294-PSM do 3.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB), revogatória da suspensão da execução da pena de sete meses de prisão aí aplicada na sentença do Primeiro de Dezembro de 2008 por um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.º 90.º, n.º 1, da Lei do Trânsito Rodoviário (LTR), veio o arguido condenado B, já melhor identificado nesses autos subjacentes, insurgir-se, através da exposição apresentada em 21 de Maio de 2015 a fls. 203 a 205 dos presentes autos, contra o entendimento vertido pelo relator no tal despacho liminar, na parte respeitante à questão do prazo da prescrição da pena, defendendo que a montante, o relator não pôde ter decidido da questão do prazo da prescrição da pena em sede do exame preliminar dos autos recursórios, por essa questão não ter sido levantada na motivação do recurso agora em causa, e a justante, nem pôde o relator ter afirmado nesse despacho liminar que não podia valer, nos termos do art.º 580.º, n.os 1 e 2, do Código de Processo Civil, ex vi do art.º 4.º do Código de Processo Penal (CPP), a observação feita pela M.ma Juíza a quo no primeiro parágrafo do seu despacho, ora recorrido, revogatório da pena suspensa (segundo a qual o prazo de quatro anos de prescrição da pena no caso dos autos deve estar completado no dia 11 de Junho de 2015), com o argumento, inverídico, de essa observação da M.ma Juíza ofender o caso julgado firmado no acórdão de 16 de Dezembro de 2014 do TSI de fls. 116 a 120 dos presentes autos. É nesses termos que veio o mesmo recorrente preconizar, na sua exposição de fls. 203 a 205, que o prazo da prescrição da pena dele deveria ficar completado no dia 11 de Junho de 2015, tal como já tinha observado a M.ma Juíza no primeiro parágrafo do recorrido despacho revogatório da pena suspensa, por esse entendimento da M.ma Juíza não ser incompatível com a posição tomada no referido acórdão do TSI.
Sobre essa exposição do recorrente, pronunciou-se a Digna Procuradora-Adjunta a fls. 206 a 207 no sentido da possibilidade legal de o relator decidir, em sede do exame preliminar dos autos de recurso, do acerto, ou não, da observação ali feita pela M.ma Juíza a quo sobre a data de perfeição do prazo da prescrição da pena, por a questão da prescrição ser sempre de conhecimento oficioso, cuja decisão comprometeria necessariamente a utilidade, ou não, do conhecimento do objecto do recurso.
Cumpre ao presente Tribunal Colectivo decidir, em conferência, da matéria suscitada pelo recorrente na sua acima referida exposição.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Com pertinência à decisão, é de coligir dos autos os seguintes dados:
– Por sentença do Primeiro de Dezembro de 2008, proferida a fls. 22 a 23v dos subjacentes autos de Processo Sumário n.o CR3-08-0294-PSM do 3.o Juízo Criminal do TJB, e transitada em julgado em 11 de Dezembro de 2008, o arguido ora recorrente ficou condenado, pela prática, em autoria material, de um crime consumado de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.º 90.º, n.º 1, da LTR, na pena de sete meses de prisão, suspensa na sua execução por dois anos e seis meses, e condenado também na pena acessória de interdição de condução pelo período de dois anos e seis meses;
– Em 5 de Julho de 2010, veio junta (a fls. 44 a 62v dos autos) a certidão da sentença condenatória proferida em 21 de Dezembro de 2009 no seio do Processo Sumário n.º CR4-09-0285-PSM do 4.º Juízo Criminal do TJB, com trânsito em julgado em 24 de Junho de 2010, segundo a qual o mesmo arguido ficou aí condenado, pela prática em 20 de Dezembro de 2009, em autoria material, de um crime consumado de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.º 90.º, n.º 1, da LTR, na pena de sete meses de prisão, e de um crime de desobediência qualificada, na pena de nove meses de prisão, e, em cúmulo jurídico dessas duas penas de prisão, na pena única de um ano de prisão efectiva, para além de estar condenado na cassação da carta de condução;
– Na sequência disso, a M.ma Juíza titular dos subjacentes autos acabou por conseguir ouvir a própria pessoa do recorrente em 9 de Março de 2015 (cfr. o auto lavrado a fls. 152 e seguintes), após o que veio decidir em revogar (através do despacho exarado a fls. 152v a 153) a suspensão da execução da pena de sete meses de prisão, com fundamento no art.º 54.o, n.o 1, alínea b), do Código Penal (CP);
– Inconformado, interpôs o recorrente recurso desse despacho revogatório (através da motivação de fls. 168 a 171);
– Em sede do exame preliminar dos autos desse recurso, foi exarado o seguinte despacho pelo ora relator (a fls. 186 a 181):
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Assim sendo, no caso dos autos, como desde o trânsito em julgado (em 11 de Dezembro de 2008) da sentença condenatória do Primeiro de Dezembro de 2008 até hoje, nunca chegou a iniciar-se a execução da pena de prisão de sete meses (por que vinha condenado o arguido nessa sentença pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez), o prazo de 4 anos de prescrição da pena de prisão (referido no art.º 114.º, n.º 1, alínea e), do Código Penal) está longe de completado. Daí que não pode valer a observação feita pela M.ma Juíza “a quo” no 1.º parágrafo do seu despacho ora recorrido (e exarado a fls. 152v dos autos), revogatório da suspensão da execução da dita pena de prisão, porque essa observação (no sentido de que o prazo de 4 anos de prescricão da pena no caso dos autos deve estar completado no dia 11 de Junho de 2015) ofende o caso julgado já firmado no supra referido acórdão deste TSI – cfr. o art.º 580.º, n.os 1 e 2, do Código de Processo Civil, “ex vi” do art.º 4.º do Código de Processo Penal.
Do acima notado decorre a sempre utilidade de decisão do recurso ora interposto a fls. 168 a 171, do referido despacho revogatório da suspensão da pena de prisão, sendo este recurso motivado a tempo pelo arguido com legitimidade e interesse processuais para o efeito, subido em tempo e de modo adequado e com efeito suspensivo da decisão recorrida.
Portanto, aos vistos.
Após, inscreva em tabela.
Notifique o presente despacho liminar ao arguido (na pessoa do seu Ex.mo Advogado Defensor) e ao M.P.
[…]>>.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Sempre se diz que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver apenas as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Pois bem, sendo a questão da prescrição da pena obviamente de conhecimento oficioso, cumpre ao relator dos autos de recurso verificar, mesmo oficiosamente, e à luz do art.º 407.º, n.º 6, alínea a), do CPP, do já decurso total, ou não, do prazo da prescrição da pena de prisão no período da previsível pendência do recurso do despacho revogatório da suspensão da execução da pena, visto que a eventual já conclusão do prazo da prescrição dessa pena de prisão iria obstar ao conhecimento do recurso desse despacho revogatório da pena suspensa.
Cai por terra, assim, e desde já, a tese, defendida pelo recorrente, de impossibilidade legal de o relator conhecer, em sede do exame preliminar dos autos do recurso, da questão do prazo da prescrição da pena.
Resta ver agora se a observação feita no 1.º parágrafo do texto do recorrido despacho revogatório da pena suspensa (no sentido de que o prazo de quatro anos de prescrição da pena no caso dos autos deve estar completado no dia 11 de Junho de 2015) não é incompatível com a posição assumida pelo TSI no anterior acórdão proferido em 16 de Dezembro de 2014 a fls. 116 a 120 dos presentes autos.
Embora, de facto, nesse anterior acórdão, o TSI não tenha feito constar concretamente qual a data da perfeição do prazo de prescrição da pena de prisão do caso dos autos, já decidiu que devido ao regime próprio da suspensão da execução da pena, o facto de a execução da pena não estar ainda a começar constitui motivo da suspensão da prescrição da pena previsto no art.º 117.º, n.º 1, alínea a), do CP (cfr. o último parágrafo da pág. 8 e o 1.º parágrafo da pág. 9 desse aresto, a fls. 119v a 120 dos autos).
Assim sendo, é adequado o entendimento vertido no 2.º parágrafo do despacho liminar do relator exarado a fls. 186 a 187 dos autos, enquanto a observação feita no 1.º parágrafo do despacho revogatório da pena suspensa em causa nos presentes autos recursórios divergiu realmente daquela posição jurídica já veiculada judicialmente, com força de caso julgado nos presentes autos, no anterior acórdão do TSI acima identificado, isto porque conforme a lógica da tese jurídica firmada nesse anterior acórdão, enquanto estiver ainda pendente a tomada de decisão judicial sobre a revogação da suspensão da execução da pena de prisão (ou enquanto não houver ainda uma decisão judicial, insusceptível de recurso ordinário, que venha a ordenar finalmente a revogação da suspensão da execução da pena de prisão), não será legalmente possível dar início à execução da pena de prisão, daí que a causa de suspensão da contagem do prazo de quatro anos de prescrição da pena de sete meses de prisão do ora recorrente só deixa de subsistir a partir da data da decisão judicial, insusceptível de mais recurso ordinário, de determinação da revogação da suspensão da execução da pena (e não a partir da data do fim do prazo pelo qual foi outrora decretada a suspensão da execução da pena).
Dest’arte, e sem mais indagação por desnecessária, naufraga também a pretensão formulada pelo recorrente na parte final da sua exposição de 21 de Maio de 2015 (no aí alegado sentido de que o prazo da prescrição da sua pena de prisão deveria ficar completado no dia 11 de Junho de 2015).
Portanto, fica mantido, nos seus precisos termos, o despacho liminar do relator na parte respeitante à questão da prescrição da pena.
IV – DECISÃO
Nos termos expostos, acordam em julgar improcedente a pretensão formulada pelo recorrente na sua exposição de 21 de Maio de 2015, mantendo, nos seus precisos termos, o despacho liminar do relator na parte respeitante à questão da prescrição da pena.
Custas do presente processado tramitado por causa dessa pretensão do recorrente tudo a cargo deste, com três UC de taxa de justiça.
Macau, 4 de Junho de 2015.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Chou Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)
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