打印全文
Processo nº 430/2015 Data: 28.05.2015
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Liberdade condicional.
Pressupostos.


SUMÁRIO

1. A liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão.

2. É de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social.

O relator,

______________________
José Maria Dias Azedo


Processo nº 430/2015
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. B, com os restantes sinais dos autos e ora preso no Estabelecimento Prisional de Macau (E.P.M.), vem recorrer da decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, motivando para, a final, concluir, imputando essencialmente à decisão recorrida o vício de violação do disposto no artº 56º do C.P.M.; (cfr., fls. 91 a 100 que como as que adiante se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os legais efeitos).

*

Em resposta, considera o Exm° Magistrado do Ministério Público que se deve conceder provimento ao recurso; (cfr., fls. 102 a 103).

*

Em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“Na Motivação do recurso (fls.91 a 100 dos autos), O recorrente solicitou a revogação do douto despacho recorrido e a substituição do mesmo pelo de conceder a liberdade condicional, alegando o preenchimento de todos os pressupostos previstos no art.56° do CPM.
Ressalvado respeito pela criteriosa consideração do ilustre Colega na Resposta (fls.102 a 103 dos autos), sufragamos a cristal preocupação da MMa Juiz a quo com o perigo e risco da liberdade condicional pretendida para as finalidades da pena, nomeadamente para a prevenção geral, pelo que inclinamos a entender o não provimento do recurso em apreço.
*
No dia de hoje, constitui jurisprudência firme que a concessão da liberdade condicional depende do preenchimento cumulativo de todos os pressupostos, quer formais quer substanciais, consignados no art.56° do CPM, bastando a não verificação de qualquer um para se negar o pedido da liberdade condicional (a título exemplificativo, Acórdão do TSI no Processo n.°195/2003).
Importa recordar que a liberdade condicional não é uma medida de clemência ou de recompensa por mera boa conduta prisional, e serve na política do C.P.M. um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o recluso possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão. (Acórdão do TSI no Processo n.°50/2002)
Daí decorre que se, não obstante um comportamento prisional adequado, pelo passado do recluso e perspectivas de reintegração se não se formula um juízo de prognose favorável a uma regeneração e se teme pelas razões de prevenção geral. (Acórdãos do TSI nos Processos n.°225/2010)
Ainda se inculca reiteradamente que cada situação deve ser observada em concreto e caso a caso, num circunstancialismo de modo, tempo e lugar próprios, analisando de forma crítica a personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo se vai reinserir na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo ainda constituir matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social. (Acs. do TSI nos Processos n.°225/2010 e n.°404/2011)
Envolvendo conceitos indeterminados de prognose, as alíneas a) e b) do n.°1 do referido art.56° dota aos julgadores certa margem de livre apreciação na interpretação e na valorização, pelo que a convicção de não verificação dos pressupostos subjectivos só poderia ser neutralizado se houvesse uma exemplar e excelente evolução activa da personalidade do recluso durante a execução da prisão, e não um mero comportamento passivo cumpridor das regras básicas de conduta prisional. (Acórdãos do TSI nos Processos n.°9/2002)
No caso sub judice, os factos dados como provados pelo 2° Juízo Criminal do TJB no Acórdão de fls.25 a 30 dos autos tomam irrefutável que o recorrente praticou o crime de furto qualificado na co-autoria com demais 3 indivíduos desconhecidos. Sucede que ele nunca colaborou em descobrir a identidade daqueles 3 comparticipantes.
Sendo assim, e considerando que o recorrente não apresentou plano de pagar a indemnização, afigura-se-nos que o comportamento adequado do recorrente e a evolução da sua personalidade, adquiridos durante a execução da prisão, não são suficientes nem incontroverso para fundadamente esperar que ele, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crime.
À nível da prevenção geral, acolhemos inteiramente a doutíssima consideração da MMa Juiz a quo: 本案涉及地盤盜竊,此犯罪行為對社會治安構成嚴重影響,且此類犯罪近年更有所增加。本案並無任何應予考慮的情節足以降低一般預防的要求,因此,被判刑人所服刑期,尚未能抵消其犯罪行為所造成的惡害,本法庭認為,提早釋放被判刑人將會對社會安寧構成嚴重負面影響,同時將削弱刑法的威懾力及社會成員對法律的信心。
É, pois, generalizadamente sabido que em termos comparativos, a peculiaridade muito saliente do ordenamento jurídico de Macau consiste na levez da moldura penal abstracta. O que justifica e exige maior cautela ao ponderar a liberdade condicional, sob pena de a indulgência do Direito penal decair em descaminho e em fecundar ou estimular perigos para a ordem e tranquilidade públicas da RAEM.
Nesta medida, não obstante existirem, nos autos, umas circunstâncias favoráveis ao recorrente, na esteia das persuasivas jurisprudências supra citadas, aderimos, sem reserva, à posição da MMa Juiz a quo, no sentido de aquele ainda não reunir, por ora, os pressupostos consagrados no n.° 1 do art. 56° do CPM.
Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso”; (cfr., fls. 110 a 111-v).

*

Corridos os vistos legais dos Mmºs Juízes-Adjuntos, e nada obstando, vieram os autos à conferência.

*

Passa-se a decidir.


Fundamentação

Dos factos

2. Flui dos autos a factualidade seguinte (com relevo para a decisão a proferir):

– por Acórdão do T.J.B. de 25.07.2014, foi B, ora recorrente, condenado como autor de 1 crime de “furto qualificado” na forma tentada, na pena de 2 anos e 3 meses de prisão e no pagamento ao ofendido do montante de RMB$220.000,00.
– o mesmo recorrente, deu entrada no E.P.M. em 10.09.2013, e em 17.03.2015, cumpriu dois terços da referida pena, vindo a expiar totalmente a mesma pena em 17.12.2015;
– se lhe vier a ser concedida a liberdade condicional, irá regressar ao Vietnam, de onde é natural, vivendo com o pai e filha, e tencionando retomar a sua vida de pescador.

Do direito

3. Insurge-se o ora recorrente contra a decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, afirmando, em síntese, que se devia considerar que reunidos estão todos os pressupostos do artº 56º do C.P.M. para que tal libertação antecipada lhe fosse concedida.

Vejamos.

— Preceitua o citado artº 56º do C.P.M. (que regula os “Pressupostos e duração” da liberdade condicional) que:

   “1. O tribunal coloca o condenado a pena de prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses, se:
a) For fundamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
   
2. A liberdade condicional tem duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, mas nunca superior a 5 anos.

3. A aplicação da liberdade condicional depende do consentimento do condenado”; (sub. nosso).
   
Constituem, assim, “pressupostos objectivos” ou “formais”, a condenação em pena de prisão superior a seis (6) meses e o cumprimento de dois terços da pena, num mínimo de (também) seis (6) meses; (cfr. nº 1).

“In casu”, atenta a pena que ao recorrente foi fixada, e visto que se encontra ininterruptamente preso desde 10.09.2013, expiados estão já dois terços de tal pena, pelo que preenchidos estão os ditos pressupostos formais.

Todavia, e como é sabido, tal “circunstancialismo” não basta, já que não sendo a liberdade condicional uma medida de concessão automática, impõe-se para a sua concessão, a verificação cumulativa de outros pressupostos de natureza “material”: os previstos nas alíneas a) e b) do nº 1 do referido artº 56º.

Com efeito, importa ter em conta que a liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão; (cfr., v.g., J. L. Morais Rocha e A. C. Sá Gomes in “Entre a Reclusão e a Liberdade – Estudos Penitenciários”, Vol. I, em concreto, “Algumas notas sobre o direito penitenciário”, IV cap., pág. 41 e segs.).

Na esteira do repetidamente decidido nesta Instância, a liberdade condicional “é de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir óbviamente matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 11.04.2013, Proc. nº 177/2013, de 25.04.2013, Proc. nº 213/2013 e o de 20.06.2013, Proc. n.° 350/2013).

Assim, detenhamo-nos na apreciação de tais pressupostos de natureza material.

Ponderando na factualidade atrás retratada, poder-se-á dizer que é fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, mostrando-se a pretendida liberdade condicional compatível com a defesa da ordem jurídica e paz social?

Cremos que de sentido positivo deve ser a resposta.

De facto, sendo o recorrente primário antes da condenação na pena que ora cumpre, tendo um comportamento prisional pelo Director do E.P.M. considerado como adequado, demonstrando arrependimento pela sua conduta, e presentes se apresentando as condições para a sua reinserção social, uma vez que vai voltar a viver com a sua família, possível se mostra o necessário juízo de prognose favorável.

Por sua vez, em causa estando um crime de “furto” na “forma tentada”, tendo em conta o bem jurídico com o mesmo protegido, o período da pena que cumpriu e que falta cumprir, e sendo que irá regressar à sua terra natal, (Vietnam), afigura-se de considerar igualmente verificado o pressuposto da alínea b) do n.° 1 do art. 56° do C.P.M., se ao ora recorrente for fixado o dever de no período de liberdade condicional pagar a indemnização em que foi condenado.

Assim, em face das expostas considerações, há que revogar a decisão recorrida.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam conceder provimento ao recurso, concedendo-se a pretendida liberdade condicional e fixando-se ao recorrente o dever de, durante esta, pagar a indemnização em que foi condenado.

Sem custas.

Passem-se os competentes mandados de soltura.

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.

Macau, aos 28 de Maio de 2015

(Relator)
José Maria Dias Azedo

(Primeiro Juiz-Adjunto)
Chan Kuong Seng

(Segunda Juiz-Adjunta)
Tam Hio Wa (Vencido por não entender que estejam reunidos os pressupostos consagrados no nº 1 do art. 56º do C.P. e confirmava a decisão de negar a Liberdade condicional.)

Proc. 430/2015 Pág. 14

Proc. 430/2015 Pág. 1