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Processo nº 302/2015
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A, (1°) arguido com os sinais dos autos, respondeu no T.J.B., vindo a ser condenado pela prática em concurso real dos crimes de “tráfico ilícito de estupefacientes”, “detenção ilícita de estupefacientes para consumo” e de “detenção indevida de utensílio”, p. e p. respectivamente pelos art°s 8°, 14° e 15° da Lei n.° 17/2009 (e art°s 66°, n.° 2, al. f), 67° e 68°-A do C.P.M. quanto ao crime de “tráfico”), fixando-lhe o Tribunal a pena única pelos referidos 3 crimes em 3 anos e 4 meses de prisão; (cfr., fls. 369 a 378-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformado com a sua condenação pelo crime de “tráfico de estupefacientes”, o arguido recorreu, imputando ao Acórdão recorrido vícios na decisão da matéria de facto, os de “erro notório na apreciação da prova” e “contradição insanável na fundamentação”, e considerando também excessiva a pena; (cfr., fls. 392 a 398-v).

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Após Resposta pelo Exmo. Magistrado do Ministério Público atempadamente apresentada, (cfr., fls. 403 a 404-v), e admitido o recurso com efeito e modo de subida adequadamente fixados, vieram os autos a este T.S.I..

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Em sede de vista juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“Começa o recorrente por assacar ao douto acórdão em crise, vício de contradição insanável da fundamentação, asserção que merece o beneplácito do Exmo Colega junto do tribunal recorrido.
Em nosso critério ocorre, de facto contradição, mas não a vemos como insanável, como inultrapassável.
O exposto sob o ponto 7 dos factos dados como não provados é compatível e congruente com a situação anunciada nos pontos 1 e 7 dos factos dados como provados, já que, tendo-se nestes anunciado que a Ketamina encontrada no corpo do B fora por este adquirida na China em conluio com o recorrente, destinando-se a ser entregue por este ao "C", que lhe havia prometido, por essa entrega, compensação de MOP 500,00, é normal que se tenha dado como não provado que tal droga se destinava para venda a terceiros por parte do visado, sendo certo que, quanto aos "lucros", se poderá perfeitamente entender, tanto poderem advir de possível venda a terceiros por preço superior à compra, como do pagamento da "encomenda" por parte do "C".
A questão põe-se, com maior acuidade, é certo, relativamente ao que se consigna no ponto 21 dos factos provados, onde, expressamente se dispõe que o recorrente "... livre, consciente, voluntariamente e dolosamente usou o menor ... com o objectivo de vender a Ketamina a terceiros", expressão que claramente contradiz a factualidade dada como não provada, referida.
Quer-nos parecer, contudo, que, tratando-se de ponto referente ao elemento subjectivo da infracção e tendo em conta que o "juízo de facto" geral operado se compagina e adequa com os elementos objectivos da infracção imputados, aquele menção, no específico, não terá deixado de passar de mero lapso na linguagem, a nosso ver, sanável.
Donde, para o caso de assim ser entendido, passar-se ao conhecimento do restante alegado.
Entende o recorrente ter existido erro notório na apreciação da prova, em virtude de o tribunal "a quo" ter baseado a sua convicção em declarações por ele prestadas no J.I.C. e não no que declarou em audiência, sendo que, no seu critério, a versão aqui apresentada seria a verdadeira e de acordo com a qual não teria sido ele a mandar o menor para a compra da droga na China, mas sim o "C", para todos consumirem, razão por que se não devia ter dado como provado, por um lado, a sua intenção de obtenção de lucros e, por outro, a "agravação" decorrente do disposto no art° 68°-A, do C.P.
Bom, do que aqui se trata é, claramente, de tentativa do visado em tentar impor a sua pessoalíssima visão e apreciação dos factos quando, em boa verdade, não se vê que do teor da decisão sob escrutínio, por si só, ou conjugada com as regras da experiência e senso comum, resulte evidente, patente ou ostensivo que os julgadores erraram ao apreciarem como apreciaram, tomando-se absolutamente normal a maior credibilidade atribuída à versão que o visado apresentou para os factos no JIC, quer por se apresentar temporalmente mais perto dos mesmos, quer pela compatibilização com o dec1arado pelo B e restante prova produzida, sobre a qual, aliás, o Colectivo não deixou de empreender juízo e apreciação crítica, não passando, a este nível, a invocação do recorrente de uma mera discordância no quadro do julgamento de facto e não competindo a este tribunal, em abono e respeito pelo princípio da livre apreciação da prova, censurar os julgadores por terem formado a sua convicção no sentido em que o fizeram.
Pretende, depois, o recorrente que, sendo primário, tendo confessado integralmente e sem reservas, demonstrando arrependimento e tendo colaborado activamente com os investigadores policiais (com identificação, inc1usivé, de outros consumidores e traficantes) se poderia e deveria ter contemplado "duplamente" a atenuação especial prevista no art° 18° da Lei 17/2009, a qual se não deveria ter limitado apenas à sua menoridade, podendo-se, desta forma ter reduzido a pena a aplicar a 2 anos de prisão, suspensa na sua execução.
Aceitando-se que, a registarem-se, na íntegra, os factores que o visado anuncia, o concreto ''peso'' da atenuação especial pudesse, porventura, ser reforçado, podendo, inc1usivé, nos termos da norma citada, contemplar-se hipótese de dispensa de pena, a verdade é que não se colhe, do teor do douto acórdão, o "manancial" de colaboração adiantado, do mesmo passo que a confissão dos factos se registou apenas como parcial (o que bem se compreende, em face, 'até, da discrepância das versões apresentadas em audiência e no JIC e do que foi dado como provado), tudo a pôr, também seriamente em crise a pretendida contrição, pelo que não se descortina qualquer motivo justificativo para a almejada maior atenuação da pena, nos termos pretendidos.
Finalmente, mostrando-se, face aos concretos circunstancialismos apurados e moldura penal abstracta dos ilícitos imputados, justa e adequada a medida concreta da pena alcançada, quer em sede das penas parcelares, quer no cúmulo jurídico, a afastar, desde logo no plano formal, a possibilidade de suspensão da execução, entende-se não merecer, também por esta via, provimento o recurso”; (cfr., fls. 481 a 484).

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Cumpre decidir.

Fundamentação

2. O Tribunal a quo deu como provada a factualidade o seguinte:

“1.
No dia 29/04/2013, um indivíduo masculino chamado “C” pediu ao arguido A para ajudar a comprar a droga “Ketamina” em Zhuhai, China, pelo preço de RMB$ 600 e trazê-la para Macau, bem como, prometeu pagar ao arguido A MOP$500 a título de compensação. O arguido A aceitou o pedido do “C”.
2.
A e B (aquando do facto ainda não completou 16 anos) tinham o hábito de consumir a droga ICE e era frequente, os dois juntar dinheiro para ir a Zhuhai China adquirir a droga “ICE” para consumo pessoal. O arguido A sabia que B ainda não completou a idade maior, mas vulgarmente mandava B ir a Zhuhai China comprar droga para trazer a Macau.
3.
No mesmo dia, o arguido A mandou B ir a Zhuhai, China comprar a quantia de RMB$600 de Ketamina para trazer a Macau, bem como, prometeu pagar ao B MOP$ 100 a 200 a título de compensação, tendo B aceite o pedido do arguido A.
4.
No mesmo dia, pelas 18H16, B saiu de Macau através das Portas do Cerco (vide fls. 172 dos autos) e foi perto do Hotel XX, sita em Zhuhai, China, para comprar junto de um indivíduo chamado “D” a droga Ketamina, pelo preço de RMB$500 e a droga ICE, pelo preço de RMB$100, este último para consumir com o arguido A. B, pelas 18H54, do mesmo dia, regressou para Macau através Portas do Cerco, posteriormente foi directamente ter com o arguido A à porta da sua casa (......), a fim de entregar ao arguido A a droga Ketamina.
5.
Às 19H10 do mesmo dia, a PJ interceptou B na entrada da casa do arguido A (......) e encontrou no corpo dele um pacote de pó branco e um pacote de cristais transparentes. (vide fls. 12)
6.
Após exame laboratorial, o pó branco trata-se da droga Ketamina, substância controlada na tabela II-C da Lei nº 17/2009, com peso líquido de 14.239 g, feito a análise quantitativa, a percentagem de Ketamina é de 81.82%, correspondente ao peso de 11.650 g; o cristal transparente contém Metanfetamina e N,N-dimetanfetamina, substâncias controladas na tabela II-B da Lei nº 17/2009, com peso líquido de 0.466 g, feito a análise quantitativa, a percentagem de Metanfetamina é de 74.09%, correspondente ao peso de 0.345 g. (vide fls. 129 a 138 e 218 a 226 dos autos)
7.
A Ketamina encontrada no corpo do B, foi adquirida por ele na China, em conluio com o arguido A; sendo B a trazer a droga para Macau, que depois era entregue ao A para ser fornecida “C”, com o objectivo de obter lucros. A Metanfetamina encontrada no corpo do B era para ele e o arguido A consumir.
8.
O pessoal da PJ apreendeu dois telemóveis pertencentes respectivamente ao arguido A e B, tais telemóveis eram utilizados por eles como instrumento de comunicação para tráfico da droga. (vide fls. 16 e 33 dos autos)
9.
Pelas 20H00 do mesmo dia, o pessoal da PJ conforme a informação anónima, interceptou o arguido A na entrada da sua casa, posteriormente, o pessoal da PJ entrou na sua casa (......) para proceder a busca, tendo encontrado na gaveta do armário colocado no quarto do A uma garrafa de plástico com líquido no interior, no qual tinha uma palhinha espetada e papel de estanho, um rolo de papel de estanho, um saco de plástico transparente, um outro saco de plástico transparente com duas palhinhas espetadas, além disso, tinha 10 palhinhas, outros 2 rolos de papel de estanho e um isqueiro. (vide fls. 32 dos autos)
10.
Após exame laboratorial, a garrafa de plástico e acessórios (incluindo a rolha, palhinha e papel de estanho), o liquido dentro da garrafa (390 ml), um saco de plástico transparente, um outro saco de plástico transparente com duas palhinhas no interior, têm vestígios de Metanfetamina e N,N-dimetanfetamina. (vide fls. 129 a 138)
11.
A garrafa de plástico e palhinhas eram utilizadas pelo arguido A como utensilagem para consumo da droga.
12.
Posteriormente, o arguido A referiu ao pessoal da PJ que chegou a comprar droga à arguida E, o arguido A telefonou, de imediato, à arguida E, bem como, combinou encontro com ela na paragem de autocarro do JARDIM HOI WAN da Taipa para efectuar a transacção.
13.
Pelas 22H00 da mesma noite, o pessoal da PJ interceptou E na aludida paragem de autocarro, tendo encontrado na carteira dela um pacote de pó branco. (vide fls. 39 dos autos)
14.
No dia seguinte (30/04/2013), o pessoal da PJ foi à casa da E (......) para proceder a busca, tendo encontrado por cima da mesa cabeceira do seu quarto uma garrafa de vidro com líquido no interior, equipada de tubos de plástico e de vidro e com palhinha espetada, bem como, uma garrafa de plástico com líquido no interior, equipada de tubos de plástico e de vidro e com palhinha espetada, uma garrafa de plástico com líquido no interior, equipada de 2 tubos, dentro de um envelope vermelho continha uma palhinha e 2 pacotes de cristais transparentes, um recipiente de plástico contendo no interior 6 sacos de plásticos transparentes, uma caixa de plástico contendo no interior 3 isqueiros e 5 palhinhas e outros 3 embalagens de palhinhas.
15.
Após exame laboratorial, o pó branco encontrado no corpo da arguida E, trata-se da droga Ketamina, com peso líquido de 1.416 g, feito a análise quantitativa, a percentagem de Ketamina é de 85.98%, correspondente ao peso de 1.217 g; os cristais transparentes encontrados na casa da arguida E contêm Metanfetamina e N,N-dimetanfetamina, com peso líquido de 0.573 g, feito a análise quantitativa, a percentagem de Metanfetamina é de 79.88%, correspondente ao peso de 0.458 g; os 3 recipientes supracitados e acessórios (incluindo as rolhas, tubos, palhinhas contêm), o líquido contido no interior nos recipientes (com peso liquido de 36 ml, 155 ml e 200 ml), 1 palhinha dentro do envelope vermelho, o recipiente de plástico com 6 sacos de plástico transparente e 1 caixa de papel com 5 palhinhas no interior têm vestígios de Metanfetamina e N,N-dimetanfetamina. (vide fls. 129 a 138 e 218 a 226 dos autos)
16.
A droga encontrada no corpo da arguida E, era para ser vendida ao arguido A pelo preço de MOP$500, a fim de obter lucro. A droga encontrada na casa da arguida E foi adquirida por ela a indivíduo desconhecido para consumo pessoal. Os recipientes, tubos e isqueiros encontrados na casa da arguida E eram utilizados por ela como utensilagem para consumo da droga.
17.
O pessoal da PJ apreendeu também o telemóvel da arguida E, este telemóvel era utilizado por ela como instrumento de comunicação para compra e venda da droga. (vide fls. 42)
18.
O pessoal da PJ conforme as declarações da arguida E, obteve conhecimento que ela chegou a vender droga à arguida F, no mesmo dia, foi à casa da arguida F, (......) para proceder a busca, e foi encontrado na casa de banho da aludida residência, uma garrafa de plástico com líquido no interior e duas palhinhas espetadas. (vide fls. 55 dos autos)
19.
Após exame laboratorial, a garrafa de plástico, o líquido no interior da garrafa e acessórios têm vestígios de Metanfetamina e N,N-dimetanfetamina e uma das palhinhas tem o DNA da arguida F. (vide fls. 129 a 138 e 119 a 124 dos autos)
20.
A garrafa de plástico era utilizada pela arguida F como utensilagem para consumo da droga.
21.
O arguido A, livre, consciente, voluntariamente e dolosamente mandou o menor B trazer as drogas Ketamina e Metanfetamina, substâncias controladas por Lei, da0 China para Macau, com o objectivo de vender a Ketamina a terceiros, e a Metanfetamina era para consumo pessoal e do menor B, o arguido A dolosamente tinha na posse utensilagem para consumo da droga.
22.
A arguida E, livre, consciente, voluntariamente e dolosamente tinha na posse a droga Ketamina, com o objectivo de vender a terceiros; bem como, dolosamente tinha na posse a droga Metanfetamina controlada por Lei e utensilagem para consumo pessoal.
23.
A arguida F livre, consciente, voluntariamente e dolosamente tinha na posse utensilagem para consumo pessoal.
24.
Os 3 arguidos agiram livre, consciente, voluntariamente e com dolo, eles bem sabiam que a sua conduta é proibida e punida por lei.
O 1º arguido declara que trabalhava a tempo parcial, auferia mensalmente MOP$2,000.
Tem o 2º ano do ensino secundário, não tem ninguém a cargo.
A 2ª arguida declara ser desempregada.
Tem o 2º ano do ensino secundário.
A 3ª arguida declara ser estudante.
Tem o 2º ano do ensino secundário.
Segundo o registo criminal dos arguidos, o 1º arguido e a 2ª arguida são primários.
Segundo o registo criminal da 3ª arguida F, ela não é primária.
No processo CR2-13-0261-PCC, indica que os factos aconteceram em 23/05/2013, a 3ª arguida por ter cometido 1 crime de Tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas p.p.p. artº 8º , nº 1 da Lei nº 17/2009, com circunstâncias de atenuação especial da pena previstas no artº 66º, nº 2, al. c) e d) do CP, foi condenada no dia 21/11/2014, a pena de 2 anos e 9 meses de prisão. Suspensa a sua execução pelo período de 5 anos, com condição de ter que submeter a regime de prova. A arguida é preciso de ser acompanhada e orientada pelo DRS durante o período de suspensa, bem como está proibida de tocar na droga”.

Por sua vez, em sede de “factos não provados” consignou-se que não se provaram “outros factos importantes que não correspondem com os factos provados, incluindo:
7.
A Ketamina encontrada no corpo do B, era para o arguido A vender a terceiros, a fim de obter lucros.
16.
A droga encontrada no corpo da arguida E, foi adquirida por ela a um indivíduo masculino chamado “G” pelo preço de RMB$200”.

Do direito

3. Vem o (1°) arguido recorrer do Acórdão que o condenou pela prática, em concurso real, dos crimes de “tráfico ilícito de estupefacientes”, “detenção ilícita de estupefacientes para consumo” e de “detenção de utensilagem”, p. e p. respectivamente pelos art°s 8°, 14° e 15° da Lei n.° 17/2009, fixando-lhe o Tribunal a pena única de 3 anos e 4 meses de prisão.

E, insurgindo-se (apenas) contra o segmento decisório que o condenou como autor de 1 crime de “tráfico”, entende que o Acórdão recorrido padece de “erro notório na apreciação da prova”, (quanto à “intervenção de B”, na altura dos factos, menor de 16 anos), de “contradição insanável da fundamentação”, (no que toca ao “destino” da “Ketamina” encontrada no corpo do dito B), e que excessiva é a pena que lhe foi fixada, (por reduzida atenuação especial).

–– Começando pelo segmento decisório da “matéria de facto”, cremos que – como explicitado já está no douto Parecer do Ilustre Procurador Adjunto – motivos não há para se reconhecer razão ao ora recorrente.

Vejamos.

Tem este T.S.I. repetidamente entendido que: “O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores”.
De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal”; (cfr., v.g., Ac. de 12.05.2011, Proc. n° 165/2011, e mais recentemente de 29.01.2015, Proc. n.° 13/2015 do ora relator).

Como também já tivemos oportunidade de afirmar:
“Erro” é toda a ignorância ou falsa representação de uma realidade. Daí que já não seja “erro” aquele que possa traduzir-se numa “leitura possível, aceitável ou razoável, da prova produzida”.
Sempre que a convicção do Tribunal recorrido se mostre ser uma convicção razoavelmente possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve a mesma ser acolhida e respeitada pelo Tribunal de recurso.
O princípio da livre apreciação da prova, significa, basicamente, uma ausência de critérios legais que pré-determinam ou hierarquizam o valor dos diversos meios de apreciação da prova, pressupondo o apelo às “regras de experiência” que funcionam como argumentos que ajudam a explicar o caso particular com base no que é “normal” acontecer.
Não basta uma “dúvida pessoal” ou uma mera “possibilidade ou probabilidade” para se poder dizer que incorreu o Tribunal no vício de erro notório na apreciação da prova; (cfr., v.g., Ac. de 22.05.2014, Proc. n.° 284/2014 e de 29.01.2015, Proc. n.° 13/2015).

Por sua vez, o vício de “contradição” também só ocorre quando “se constata incompatibilidade, não ultrapassável, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão”; (cfr., v.g. no Acórdão deste T.S.I. de 24.10.2013, Proc. n° 645/2013, e mais recentemente de 23.04.2015, Proc. n.° 846/2014).

–– No caso, evidente é que inexiste qualquer “erro notório” quanto à “intervenção do menor B”, clara sendo a improcedência do recurso na parte em questão.

Com efeito, o Colectivo apreciou a prova em conformidade com o “princípio da livre apreciação da prova”, (cfr., art. 114° do C.P.P.M.), não violando – nem o recorrente indicando a violação de – nenhuma regra sobre o valor da prova tarifada, regra de experiência ou legis artis, (mais não se mostrando de consignar por ser manifestamente ocioso).

–– A mesma é a solução para a assacada “contradição”, pois que (a existir), é apenas “aparente”, (quiçá) resultado de uma menos atenta leitura ao Acórdão recorrido.

Vejamos.

Diz o recorrente que deu-se como “provado” que:


“7.
A Ketamina encontrada no corpo do B, foi adquirida por ele na China, em conluio com o arguido A; sendo B a trazer a droga para Macau, que depois era entregue ao A para ser fornecida “C”, com o objectivo de obter lucros. A Metanfetamina encontrada no corpo do B era para ele e o arguido A consumir”.

Que deu-se também como “provado” que:

“21.
O arguido A, livre, consciente, voluntariamente e dolosamente mandou o menor B trazer as drogas Ketamina e Metanfetamina, substâncias controladas por Lei, da China para Macau, com o objectivo de vender a Ketamina a terceiros, e a Metanfetamina era para consumo pessoal e do menor B, o arguido A dolosamente tinha na posse utensilagem para consumo da droga”.

E que, se deu simultaneamente como “não provado” que:

“A Ketamina encontrada no corpo do B, era para o arguido A vender a terceiros, a fim de obter lucros”, alegando estarem tais “factos” em patente “contradição” (insanável).

Eis o porque da solução que atrás deixamos adiantada.

Nenhuma contradição (ou incompatibilidade) existe entre o que – em concreto – se deu como “provado” no “ponto 7°” quanto à “Ketamina encontrada no corpo do B”.

Em sede de acusação tinha tal “facto” a seguinte redacção:

“A Ketamina encontrada no corpo do B, foi adquirida por ele na China, em conluio com o arguido A; sendo B a trazer a droga para Macau, que depois era entregue ao A para ser vendida a terceiros, a fim de obter lucros. A Metanfetamina encontrada no corpo do B era para ele e o arguido A consumir”.

E, como sem esforço nos parece que se alcança, do julgamento, “provado” ficou – apenas – que a Ketamina era para ser “entregue ao arguido (recorrente) para ser fornecida ao C”, (aliás, em sintonia com a factualidade provada e elencada nos pontos anteriores, em especial, o 1°), tendo resultado “não provado” que a mesma Ketamina era para ser “vendida a terceiros”, (como inicialmente constava da acusação).

Daí, e quanto a nós, bem efectuada, a especificação do “facto não provado”, (que “concretiza” a realidade dada como provada).

Quanto à alegada contradição entre o “ponto 21° da matéria de facto provada” e o atrás referido “facto não provado”, é também (apenas) aparente.

Com efeito, enquanto o referido “facto não provado” diz, (como se referiu), especificamente respeito à matéria constante do “ponto 7°” que (por não se ter provado) se decidiu suprimir, (eliminando-se as expressões “vender a terceiros”), o “ponto 21°” – (certamente) incluído na acusação para assegurar o preenchimento do “elemento objectivo” do crime de “tráfico” em questão – refere-se à “actividade do arguido em geral”, de aquisição (compra) de estupefacientes (através do menor B) e posterior venda a “terceiros”, como, (em concreto), foi o caso do “indivíduo chamado C”, referido no “ponto 1° e 7°” da matéria de facto, sendo apenas aquilo que se chama um “facto genérico”, o que também resulta e se colhe da “fundamentação” no mesmo Acórdão exposta sobre o decidido, (e que, como é óbvio, se mostra adequado ter em conta para se esclarecer a “questão”).

Daí, ser também de improceder o recurso na parte em questão.

–– Vejamos agora da pena para o crime de “tráfico”.

Pois bem, é sabido que o mesmo é punido com uma pena de 3 a 15 anos de prisão; (cfr., art. 8° da Lei n.° 17/2009).

No caso, pela “intervenção provocada” do menor B na prática do crime, verificada se considerou a “circunstância agravativa” do art. 68°-A do C.P.M., (introduzido pela Lei n.° 6/2001, 08.05, cfr., B.O., n.° 22, de 28.05.2001), que implica que o limite mínimo e máximo da referida pena aplicável sejam elevados de um terço.

Porém, entendeu o Tribunal a quo que verificada estava também a circunstância prevista no art. 66°, n.° 2, al. f) do mesmo C.P.M. – “ter o agente (arguido) menor de 18 anos ao tempo do facto” – chegando assim, (em simultânea atenuação especial), a uma pena de 3 anos e 3 meses de prisão para o crime de “tráfico”, (e que em cúmulo jurídico com as penas de 2 meses de prisão cada um para dos restantes dois crimes de “detenção para consumo” e “detenção de utensilagem” deu lugar à pena única de 3 anos e 4 meses de prisão).

Ora, como nos parece evidente, (atento o dolo directo e intenso, elevada ilicitude e fortes necessidades de prevenção do crime), é a pena de 3 anos e 3 meses de prisão fixada para o crime de “tráfico” algo – ou mesmo bastante – benevolente, até porque a atenuação da referida “alínea f” não é de “aplicação automática”, afigurando-se-nos, como se referiu, que tanto a “ilicitude do facto”, a “culpa do agente” e “necessidades da pena”, (cfr., art. 66°, n.° 1 do C.P.M.), não aconselhariam uma decisão como a proferida (cfr., v.g., sobre o mesmo crime e questão, o recente douto Ac. do Vdo T.U.I. de 03.12.2014, Proc. n.°118/2014), nomeadamente, quando como no caso sucedeu, o recorrente “confessou (apenas) parcialmente os factos”, demonstrando, assim, (e necessariamente), “ausência de arrependimento”.

Porém, independentemente do demais, em causa estando (tão só) um “recurso do arguido”, e em conformidade com o estatuído no art. 399° do C.P.P.M., que proíbe a “reformatio in pejus”, impedindo assim que numa situação como a presente se agrave a situação do arguido (único) recorrente, consigna-se apenas que inexiste qualquer margem para uma (mais acentuada) redução da pena decretada pelo crime de “tráfico”.

Nada mais havendo a apreciar, por nenhuma outra questão ter sido colocada, resta decidir.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência acordam negar provimento ao recurso.

Pagará o arguido 6 UCs de taxa de justiça.


Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.

Macau, aos 30 de Abril de 2015
José Maria Dias Azedo
[Não obstante ter relatado o acórdão que antecede, mantenho a posição que tenho vindo a assumir quanto ao “concurso real” entre os crimes dos art°s 14° e 15° da Lei n.° 17/2009, dando como integralmente reproduzido o teor da declaração de voto que anexei ao Acórdão de 31.03.2011, Proc. n.° 81/2011].
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa

Proc. 302/2015 Pág. 26

Proc. 302/2015 Pág. 1