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Proc. nº 456/2015-A
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 18 de Junho de 2015
Descritores:
- Suspensão de eficácia
- Requisitos
- Prejuízos de difícil reparação

SUMÁRIO

I. Se o objecto da suspensão de eficácia for um acto que sanciona o requerente com a pena disciplinar de demissão, não carece o requerente de provar o requisito da alínea a), do nº1 do art. 121º, do CPAC, face ao disposto no nº3 do mesmo artigo.

II. Geraria grave lesão para o interesse público da saúde a manutenção de um médico que abandona frequentemente os doentes a meio das consultas hospitalares para se deslocar para o exterior do edifício a fim de efectuar e receber chamadas telefónicas e que, além disso, e em violação do princípio da exclusividade de funções, exerceu actividades privadas na área da saúde incompatíveis com o serviço público.

III. Sendo os requisitos previstos nas alíneas a) a c), do nº1, do art. 121º de verificação necessariamente cumulativa, a falta de um deles é motivo para o indeferimento da pretensão.
Proc. nº 456/2015-A

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I – Relatório
A, casado com B, residente em Macau, RAE, na 澳門氹仔XX大馬路XX花園第XX座XX, Médico Consultor dos Serviços de Saúde, de nomeação definitiva, funcionário número 0XXXXX1,
Requereu a suspensão da eficácia do acto administrativo do Ex.mo Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, que, no âmbito do processo disciplinar nº 7/2014 da Direcção dos Serviços de Saúde, lhe aplicou a pena de demissão no âmbito do Processo Disciplinar número 07/2014.
Para tanto, invoca prejuízos que diz serem de difícil reparação, para si e membros da sua família, defende que a suspensão não causa lesão ao interesse público e sustenta a legalidade processual do recurso contencioso entretanto em curso.
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A entidade requerida apresentou contestação, para conceder a existência do prejuízo para o requerente, ao abrigo do art. 121º, nº3, do CPAC, mas para pugnar pela lesão do interesse público caso fosse decretada a pretendida suspensão. E quanto ao requisito da legalidade da interposição do recurso, achando-o assente na inexistência de questões de índole adjectiva ou processual, não o considera verificado, na medida em que o requerente o teria orientado para a manifesta ilegalidade do acto praticado.
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O digno Magistrado do MP lavrou, então, o seguinte parecer:
« (…) Pese embora decorrer ainda o prazo para pronúncia da Administração quanto ao incidente de execução indevida, uma vez que já se encontra junta a contestação, e tendo em conta que, conforme jurisprudência assente, quer deste tribunal, quer do TUI, (cfr, a mero título de exemplo, o acórdão citado a fls. 100/101), neste meio processual preventivo não é admissível prova testemunhal, cremos nada obstar a que se conheça, após a decisão do incidente prévio, do mérito da suspensão de eficácia, razão por que, dada a natureza urgente e célere do meio, emitimos, de seguida, parecer quanto ao mesmo.
Tanto quanto se alcança da redacção introduzida ao art. 121º CPAC, os requisitos contemplados nas diversas alíneas do seu nº 1 para a suspensão de eficácia dos actos administrativos são cumulativos, bastando a inexistência de um deles para que a providência possa ser denegada, conforme jurisprudência uniforme deste Venerando Tribunal.
Por outro lado, de acordo com o nº3 do citado mio 121º do CPAC, “Não é exigível a verificação do requisito previsto na alínea a) do nº 1 para que seja concedida a suspensão de eficácia do acto com a natureza de sanção disciplinar”, pelo que se afobou inutilmente o requerente na tentativa de demonstração do mesmo.
Teremos, portanto, que a suspensão de eficácia do acto administrativo com natureza de sanção disciplinar, como é o caso, está sujeita apenas à verificação cumulativa dos dois requisitos negativos das alíneas b) e c) do nº 1 do art.º 121º do CPAC, os quais impõem que a suspensão não cause grave lesão do interesse público e não resultem do processo fortes indícios de ilegalidade do recurso.
Ficando a ordem do conhecimento desses requisitos ao critério do Tribunal, não nos repugna, porém, desde logo, admitir que se não vislumbra que, no caso, resultem indícios, e muito menos fortes, de ilegalidade do recurso, com reporte, obviamente, a matéria não substantiva, que é do que aqui se cuida.
Relativamente ao requisito previsto na al. b), ou seja, à lesão do interesse público, na área disciplinar existe, por norma, grave lesão desse interesse se a suspensão contende com a dignidade ou com o prestígio que o serviço deve manter perante o público em geral e perante seus funcionários em particular.
No caso, as infracções imputadas ao requerente, enquanto médico consultor na área de pediatria dos Serviços de Saúde, reportam-se ao atropelo dos deveres de zelo, assiduidade e exercício de actividades incompatíveis com o desempenho das suas funções, por, alegadamente, ter desempenhado funções como sócio e membro de órgãos de administração de empresas da área privada, (que procederam ao registo e inscrição na adjudicação de sistema de fornecedores dos S.S.), prestando, inclusivé, serviços de entrevistador, sem permissão dos Serviços de Saúde, violando o princípios da exclusividade, sendo que, além disso, se ausentava, regular e prolongadamente, do serviço de pediatria para efectuar ou receber chamadas telefónicas no terraço do CHCSJ, passando ao telemóvel muito tempo, dentro do horário normal do serviço, tratando de assuntos relacionados com a gestão das empresas, abandonando, frequente e demoradamente, o seu posto de trabalho, a meio das consultas e mesmo nas rondas realizadas aos doentes internados, para efectuar chamadas telefónicas, infracções que a entidade administrativa/sancionadora vê como susceptíveis de quebrar de forma irremediável a relação de confiança que tem necessariamente de existir entre os Serviços de Saúde e os seus trabalhadores, em particular os médicos, revelando-se tal conduta, pela sua gravidade, apta a instalar um clima de profunda desconfiança e suspeição para o futuro, inviabilizando, pois, de forma irreversível, a manutenção da relação laboral.
Pois bem.
Sendo certo que na suspensão de eficácia não poderão ser apreciados os vícios imputados ao acto administrativo, havendo que partir da presunção da sua legalidade e veracidade dos respectivos pressupostos, afigura-se-nos que, de facto, em face da factualidade subjacente às infracções disciplinares imputadas, o eventual regresso do requerente ao posto de trabalho até decisão do recurso contencioso, já interposto, ou mesmo a mera notícia da suspensão da sanção aplicada, será passível de se apresentar perante os utentes do hospital e seus trabalhadores em geral, como afectando seriamente, a dignidade e prestígio dos Serviços de Saúde, criando imagem de complacência e permissividade face à gravidade dos factos imputados, em área tão importante e sensível como é a da saúde, ainda por cima reportada às nossas crianças.
Daí que se nos afigure que, por não registo do requisito cumulativo contemplado na al. b) do nº 1 do art.º 121º, CPAC, haja que indeferir a presente pretensão.».
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Cumpre decidir.
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II – Pressupostos processuais
O tribunal é absolutamente competente.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não há outras excepções prévias que obstem ao conhecimento de mérito.
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III – Os Factos
1 - O ora Requerente é médico consultor dos Serviços de Saúde, de nomeação definitiva,
2 - Ingressou na função pública no dia 30 de Novembro de 1989, contando com 25 anos, 4 meses e 23 dias de serviço.
3 - O requerente auferia um salário mensal de cerca de MOP$120,000.00, onde se incluia já a remuneração decorrente de horas extraordinárias que em diversas ocasiões eram efectuadas (docs. 1 a 4, juntos com a p.i.)
4 - Por força da execução imediata do acto recorrido o Requerente deixará de auferir o seu salário
5 - O agregado familiar do Requerente é composto pela sua mulher, e duas filhas menores, todas a seu cargo.
6 - As suas filhas estão a estudar no C College, onde o Requerente paga duas propinas mensais que rondam as MOP9,000.00 (docs. 5 a 8, juntos com a p.i.).
7 – As suas filhas frequentam ainda outras actividades extra-curriculares (docs. 9 e 10 juntos com a p.i.)
8 - Em relação a um empréstimo bancário para aquisição de um veículo automóvel, o Requerente despende mensalmente a quantia de MOP16,679.00 (docs. 11 a 13 juntos com a p.i.)
9 - Em relação a um empréstimo para aquisição de casa, o Requerente despende mensalmente a quantia de MOP35,036.42, composto por duas prestações bi-mensais de MOP$8,290.93 e MOP9,227.28 respectivamente (docs. 14 a 32 juntos com a p.i.).
10 - Para aquisição de uma fracção destinada a escritório, o Requerente contraiu um empréstimo no qual despende mensalmente a quantia de MOP5,621.35 (doc. nº 33 junto com a p.i.).
11 - No seu dia-a-dia o Requerente e o seu agregado familiar despende, em média, as seguintes quantias:
- cerca de MOP400,00 em despesas com telefones (docs. 34 a 44, juntos com a p.i);
- cerca de MOP300,00 em despesas de electricidade (docs. 45 a 48 juntos com a p.i.);
- cerca de MOP100,00 em despesas de água (doc. nº 49 junto com a p.i);
12 - O Requerente é doente crónico (doc. nº 50, junto com a p.i. a fls. 74).
13 - A esposa do requerente é sócia e administradora de uma empresa.
14 - O despacho de cuja eficácia vem pedida a suspensão, com o nº 9/2015, foi praticado no âmbito do processo disciplinar nº 7/2014, e tem o seguinte conteúdo:
«Despacho do Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura n.º 9/2015
Concordo integralmente com a proposta constante do Relatório, bem como com os fundamentos de facto e de direito dele constantes, apresentado pelo Instrutor do Processo Disciplinar n.º PD-07/2014, instaurado contra A, Médico Consultor do Serviço de Pediatria, com nomeação definitiva, do Centro Hospitalar Conde de São Januário (doravante, “CHCSJ” ou “Hospital”), Trabalhador dos Serviços de Saúde n.º 0XXXXX1.
1. De acordo com os autos do Processo Disciplinar, A era suspeito da prática dos seguintes factos:
i) A, médico consultor dos Serviços de Saúde, estaria a desempenhar funções como sócio e membro de Órgão de Administração das empresas “D Engenharia Limitada”, “E物業管理有限公司” , “F Lda.”, “H有限公司” e “GLimitada”, sem qualquer permissão dos Serviços de Saúde para o fazer;
ii) A teria cometido outras infracções disciplinares, nomeadamente, ausentar-se do posto de trabalho.
I.
a) Efectivamente, A exerceu actividades incompatíveis com o exercício das suas funções nas empresas supra descritas, violando por isso o princípio da exclusividade.
b) A não podia exercer funções no CHCSJ e ao mesmo tempo na área privada sem prévia autorização dos Serviços de Saúde.
c) O facto de A ter sido destituído da função de administrador de algumas empresas antes de ter sido levantado o presente processo disciplinar, não faz prescrever a infracção, porquanto se insere dentro do prazo de 3 anos.
d) A mesmo tendo sido destituído da função de administrador das empresas e tendo ficado apenas como sócio (“F Lda.” e “H有限公司 ”), as referidas empresas procederam ao registo de inscrição e adjudicação no sistema de fornecedores dos Serviços de Saúde dessas mesmas empresas.
e) Através dos depoimentos testemunhais, constatou-se que A prestou serviços na empresa “I醫療中心/J醫療中心”, como entrevistador no período compreendido entre Fevereiro de 2012 e Junho/Julho/Agosto de 2013.
II.
a) Resulta da prova testemunhal que muito do tempo que A passa ao telemóvel durante o seu horário normal de serviço se relaciona com a sua gestão das empresas em referência por via telefónica imiscuindo-se das suas principais funções como médico e prejudicando não só os pacientes bem como o bom nome e reputação da Instituição Hospital para a qual é suposto trabalhar.
b) Provou-se também, mediante prova testemunhal, que A se ausenta regular e prolongadamente do Serviço de Pediatria para efectuar ou receber chamadas telefónicas no terraço do CHCSJ.
c) Ficou ainda provado, mediante prova testemunhal, que A frequente e demoradamente abandona o seu posto de trabalho deixando os pacientes a meio das suas consultas para efectuar/receber chamadas telefónicas, o que “de per si” é demonstrativo que aquele não comparece regular e continuadamente no seu posto de trabalho, pois constantemente se ausenta do mesmo.
d) Durante as rondas realizadas aos pacientes internados A retira-se para receber/efectuar chamadas telefónicas, não cumprindo os deveres que lhe são atribuídos.
2. Considerando toda a prova produzida no presente processo, resulta demonstrado que os factos praticados por A são passíveis de censura disciplinar.
- Assim, subsumindo os factos supra descritos, e que constam como provados no Relatório do processo disciplinar, ao direito, resulta que ao praticar esses factos A violou o dever de zelo previsto na alínea b) do n.º 2 e no n.º 4 do artigo 279.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau (ETAPM), que “consiste em exercer as suas funções com eficiência e empenhamento e, designadamente, conhecer as normas legais e regulamentares e as instruções dos seus superiores hierárquicos, bem como possuir e aperfeiçoar os seus conhecimentos técnicos e métodos de trabalho.”
- Violou ainda o dever de assiduidade, previsto na alínea g) do n.º 2 e n.º 9 do artigo 279.º do ETAPM, que consiste “em comparecer regular e continuadamente ao serviço.
- Bem como, o dever de não exercer actividades incompatíveis com o desempenho das suas funções, previsto na alínea i) do n.º 2 e n.º 11 do artigo 279.º do ETAPM, que consiste “em não desempenhar e se abster do exercício de actividades incompatíveis com o desempenho das suas funções” - decorrentes do principio da exclusividade que rege a função pública - artigo 17.º do ETAPM e n.º 2 do artigo 26.º da Lei n.º 10/2010 (Regime da carreira médica), e que constituem infracções disciplinares nos termos do disposto no artigo 281.º do ETAPM.
3. Em conformidade com o disposto nos n.º 1 e 2 do artigo 316.º do ETAPM, no caso em apreço foram tidas em consideração as circunstâncias agravantes previstas nas alíneas h) e j) do n.º 1 do artigo 283.º do ETAPM, a saber:
i) A acumulação de infracções que se dá “quando duas ou mais infracções são cometidas na mesma ocasião ou quando uma é cometida antes de ter sido punida a anterior”;
ii) A responsabilidade do cargo exercido por A que está intrinsecamente associada à categoria que o mesmo detém de médico consultor dos Serviços de Saúde desde 5 de Agosto de 2009, com as funções específicas estabelecidas no artigo 14.º da citada Lei n.º 10/2010 (referente ao respectivo “Conteúdo funcional”), e, bem assim, o seu elevado grau de instrução.
4. Em contrapartida, a favor de A verificou-se a existência da circunstância atenuante prevista na alínea a) do artigo 282.º do ETAPM, uma vez que A prestou mais de 10 (dez) anos de serviço com classificação de “Bom”.
5. Acresce que A demonstrou intenção dolosa ao exercer actividades incompatíveis com o exercício das suas funções, violando por isso o princípio da exclusividade ao trabalhar em simultâneo no CHCSJ e em empresas privadas sem prévia autorização dos Serviços de Saúde.
6. Considerando toda a prova produzida no presente processo disciplinar, resulta claro que os factos praticados por A são susceptíveis de quebrar de forma irremediável a relação de confiança que tem necessariamente de existir entre os Serviços de Saúde e os seus trabalhadores, em particular com aqueles que exercem funções de elevado grau de responsabilidade e de contacto com os doentes, como é o caso dos médicos.
7. A conduta de A, pela sua gravidade, é apta a instalar um clima de profunda desconfiança e suspeição para o futuro, o que inquina a relação laboral, verificando-se, pois, a inviabilidade da manutenção da presente relação jurídico-funcional.
8. Revela-se assim seguro que ao praticar tais factos, A comprometeu, de forma irreversível, a confiança existente no âmbito da actual relação laboral.
9. Pelos fundamentos expostos, ponderados todos estes factores e toda a prova produzida nos autos, ao abrigo da competência que me está atribuída pelo artigo 322.º do ETAPM e pela Ordem Executiva n.º 112/2014, tendo em consideração o disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 300.º e nos artigos 305.º e 315.º todos do ETAPM, determino que a A seja aplicada a pena de demissão.
10. Notifique-se A da presente decisão e entregue-se ao mesmo uma fotocópia do Relatório do presente processo disciplinar de fls. 583 a 629 dos autos.
11. Mais se informe o Fundo de Pensões da decisão em apreço, para efeitos de aplicação do disposto no n.º 3 do artigo 14.º em conjugação com a alínea 5) do n.º 1 do artigo 13.º da Lei n.º 8/2006 (Regime de Previdência dos Trabalhadores dos Serviços Públicos).
Arquive-se no respectivo processo individual de A uma fotocópia do presente despacho.
Gabinete do Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, aos 9 de Abril de 2015.».
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IV – O Direito
1 - O requerente pretende a suspensão de eficácia do acto que, praticado no âmbito de um procedimento disciplinar instaurado contra si, o sancionou com a pena de demissão.
Estamos, assim, perante um acto com conteúdo positivo, em virtude de alterar o status quo ante do requerente (cfr. art. 120º, al. a), do CPAC) e a providência é, como se alcança facilmente, de cariz conservatório.
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2 – O art. 121º do CPAC dispõe:
“1. A suspensão de eficácia dos actos administrativos, que pode ser pedida por quem tenha legitimidade para deles interpor recurso contencioso, é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos:
a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
2. Quando o acto tenha sido declarado nulo ou juridicamente inexistente, por sentença ou acórdão pendentes de recurso jurisdicional, a suspensão de eficácia depende apenas da verificação do requisito previsto na alínea a) do número anterior.
3. Não é exigível a verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 para que seja concedida a suspensão de eficácia de acto com a natureza de sanção disciplinar.
4. Ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1, a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente.
5. Verificados os requisitos previstos no n.º 1 ou na hipótese prevista no número anterior, a suspensão não é, contudo, concedida quando os contra-interessados façam prova de que dela lhes resulta prejuízo de mais difícil reparação do que o que resulta para o requerente da execução do acto.”
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O requisito da alínea a), do nº1
Tem sido entendido que os requisitos da providência previstos no art. 121º do CPAC são de verificação necessariamente cumulativa1, pelo que a falta de um deles importará o indeferimento da pretensão.
A afirmação acabada de fazer só cederá nos casos em que em concreto concorra alguma das excepções previstas nos nºs 2 a 4 do art. 121º do CPAC.
Na situação dos autos, não estamos seguramente perante a situação do nº 2.
Mas já estamos em presença da situação prevista no nº3. Com efeito, uma vez que o acto suspendendo tem natureza disciplinar, fica o requerente dispensado de provar o requisito do prejuízo de difícil reparação estabelecido na alínea a), do nº 1. O legislador dá-o como presumivelmente adquirido, por assim dizer, tendo em conta a especificidade sancionatória do acto e a actuação administrativa, que se diz, agressiva e ablativa, nestes casos, com repercussões invariavelmente danosas na esfera do interessado.
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O requisito da alínea b)
É preciso que a suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto. Assim se refere a norma.
Cada caso merece um olhar diferente. Tudo depende da situação detectada e do quadro de valores envolvidos e violados com a actuação da pessoa sancionada e, bem entendido, do interesse público subjacente.
No caso concreto, o interesse público fundamental é o da saúde. O requerente é médico pediatra e o seu serviço tem sido relacionado com a análise de doentes, fazer o diagnóstico e prescrever o tratamento. É um serviço de importância vital, como facilmente se adivinha.
Mas, por ser assim, a sua conduta - pelo que consta do acto – deveria pautar-se pelo respeito pelos doentes e pelo próprio serviço público que o acolheu como seu servidor.
Abandonar frequentemente os doentes a meio de consultas para efectuar ou receber chamadas de telemóvel no terraço do edifício, denota uma desvalorização do serviço clínico que se está a praticar em cada momento, para valorizar o assunto que o leva aos contactos telefónicos para o exterior.
E transmite, inclusive, a noção de que se está perante um segredo mais importante do que a transparência. Se a chamada telefónica veicula uma urgência (familiar ou outra relevante), é aceitável que o médico a faça ou a atenda, ainda que de forma breve, mesmo que na presença do doente ou da enfermeira, exceptuando os casos de reserva que sempre devem ser respeitados no quadro dos direitos de personalidade. Mas, se a chamada é demorada, na ausência do local de trabalho e com desprezo aparente para com o doente que está a ser consultado, isso abre rasgos irreparáveis no tecido da ética que deve cobrir a relação doente-médico, com reflexos negativos na relação médico-serviço.
Por outro lado, ao mesmo tempo que o requerente esteve ao serviço do interesse público da saúde, que devia ser em regime de exclusividade, colhendo dele todas as regalias de cuja perda agora se queixa consternado, a sua participação na actividade privada descrita revela má compreensão dos seus deveres de servidor público. Já não é somente a má relação entre si e o doente por ocasião dos abandonos das consultas em curso para chamadas frequentes ao telefone que o coloca em má reputação pessoal; é também a má reputação dos serviços que fica em causa. E isso agora já se reflecte na imagem de seriedade, dignidade, credibilidade e no prestígio da função e dos Serviços de Saúde.
Estas breves notas servem para explicar que há efectivamente lesão no interesse público com a manutenção do requerente ao serviço. Isso seria desprestigiante para a imagem da própria Administração Pública, que deve procurar acarinhar servidores impolutos em todas as dimensões e não dar abrigo a servidores que não servem o interesse público, mas que dele se servem para satisfazerem interesses privados. Como opinou o digno Magistrado do MP “…o eventual regresso do requerente ao posto de trabalho até decisão do recurso contencioso, já interposto, ou mesmo a mera notícia da suspensão da sanção aplicada, será passível de se apresentar perante os utentes do hospital e seus trabalhadores em geral, como afectando seriamente, a dignidade e prestígio dos Serviços de Saúde, criando imagem de complacência e permissividade face à gravidade dos factos imputados, em área tão importante e sensível como é a da saúde, ainda por cima reportada às nossas crianças” (a respeito da imagem negativa para a Administração Pública derivada da manutenção ao serviço de funcionário punido disciplinarmente, no quadro também de um pedido de suspensão de eficácia, ver o Ac. do TSI, de 2/06/2011, Proc. nº 273/2011).
Dito isto, lamentamos concluir que o requisito da alínea b) não está provado.
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O requisito da alínea c).
Embora nos arts. 61º a 63º da p.i. o requerente desvie a tónica do seu discurso para uma acentuação substantiva do aparente êxito da sua pretensão anulatória (fumus boni iuris), no artigo 60º tinha já manifestado que também não haveria falta de requisitos de natureza processual impeditivos do conhecimento de mérito. Basta esta afirmação para darmos por invocado o requisito da alínea c).
E sobre ela, o que se nos oferece dizer é que, de acordo com uma análise perfunctória da petição do recurso contencioso, não parece que estejamos perante uma situação que indicie a ilegalidade na interposição de recurso, sabendo-se que este requisito contende exclusivamente com aspectos de ordem processual (ilegitimidade, caducidade, etc., etc.).
Assim, é de acolher a existência do requisito em causa.
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Mas, e como se disse, sendo os requisitos de verificação cumulativa, a ausência do requisito da alínea b), impede o deferimento da providência.
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V – Decidindo
Nos termos expostos, acordam em indeferir o pedido de suspensão de eficácia.
Custas pelo requerente, com taxa de justiça em 4UCs.
TSI, 18 de Junho de 2015

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Vitor Manuel Carvalho Coelho José Cândido de Pinho
(Presente)
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Tong Hio Fong

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Lai Kin Hong


1 Neste sentido, entre outros, Acs. do TUI de 2/06/2010, Proc. nº 13/2010 ou de 13/05/2009, Proc. nº 2/2009, TSI de 10/03/2011, Proc. nº 41/2011/A.
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