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Processo nº 467/2014
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 02 de Julho de 2015
Descritores:
-Revisão de sentença
- Adopção

SUMÁRIO:

I. Não se conhecendo do fundo ou do mérito da causa na revisão de sentença, o Tribunal limita-se a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento tanto da questão de facto como de direito.

II. Quanto aos requisitos relativos à competência do tribunal do exterior, ausência de litispendência ou de caso julgado, citação e garantia do contraditório, o tribunal verifica oficiosamente se concorrem as condições indicadas nas alíneas a) e f) do artigo 1200º, negando também oficiosamente a confirmação quando, pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, apure que falta algum dos requisitos exigidos nas alíneas b), c), d) e e) do mesmo preceito.

III. É de confirmar a decisão de Tribunal competente segundo a lei da RAEM que decreta a adopção de uma menor a favor dos requerentes residentes em Macau, desde que não se vislumbre qualquer violação ou incompatibilidade com a ordem pública da RAEM ou qualquer obstáculo à sua revisão.














Proc. Nº 467/2014

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I – Relatório
1) A, casado, de nacionalidade chinesa, titular do Bilhete de identidade de Hong Kong com o n.º XXX emitido pelas autoridades de Hong Kong, e, sua mulher,
2) B, de nacionalidade chinesa, titular do Bilhete de Identidade de Residente Permanente de Macau com o n.º XXX emitido pelos Serviços de Identificação, ambos com a residência em Macau, XXX,
Intentaram acção especial de revisão e confirmação de sentença estrangeira contra:
1) C, solteira, menor, titular do Bilhete de Identidade de Hong Kong com o n.º XXX, residente em Macau, na XXX, aqui representada pela sua mãe biológica, D;
2) D, do sexo feminino, desconhecendo-se em absoluto a última morada e o paradeiro da mesma; e
3) INTERESSADO INCERTO, na qualidade de pai biológico incógnito da menor C.
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Houve lugar a citação edital e, após, procedeu-se à citação do MP em representação da ausente, do interessado incerto e da menor.
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Não houve contestação.
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Cumpre decidir.
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II - Pressupostos Processuais
O Tribunal é o competente internacionalmente e também em razão da matéria e da hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária, dispondo de legitimidade ad causam.
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III – Os Factos
1 - Os Autores, A e B ambos de nacionalidade chinesa, são casados entre si (doc. 4, junto com a p.i. e traduzido a fls. 2 do apenso “traduções”) e têm presentemente a sua residência em Macau, sita na XXX).
2 - Desse casamento não existem filhos.
3 - Por sua vez, a 1ª Ré, C, nasceu em Hong Kong, no dia 1 de Agosto de 1999, altura em que lhe foi dado o nome de E - v., (doc. 5 e 6 juntos com a p.i., traduzidos a fls. 4 a 6 do apenso “traduções”).
4 – A 1ª ré é filha de uma senhora, ora 2ª Ré, D, e de pai incógnito, ora 3º Réu, conforme se comprova pelo certificado emitido pelo “Social Welfare Department” de Hong Kong de 13 de Maio de 2000 (cfr. doc. n.º 5 com a pi., e sentença proferida pelo Tribunal Distrital (“District Court”) de Hong Kong na mesma data (cfr. doc. n.º 6, dos autos)
5 - Por essa sentença proferida em 13 de Maio de 2000, o Tribunal Distrital (“District Court”) de Hong Kong, decretou a adopção da 1ª Ré, por parte dos 1º e 2ª Autores, no âmbito do processo de adopção com o n.º 30 do ano de 2000, que havia sido requerido por estes últimos (cfr. doc. n.º 6 junto aos autos a fls. 19 e traduzida a fls.84 dos autos) em 14/007/2014, estando o registo da adopção já concluído para efeitos de averbamento no respectivo assento de nascimento (doc. nº 7 a fls. 21 dos autos, traduzido a fls. 10-12 do apenso “traduções”).
6 - A sentença em língua inglesa apresenta o seguinte conteúdo:
Form 7
In The Disctrict Court of Hong Kong Special Administrative Region
Adoption Case nº 30 of 2000
In the Matter of C an infant
and
In the Matter of the Adoption Ordinance, Cap. 290.
Before Deputy Judge D’ALMADA REMEDIOS in Chambers
Application having been made by A by occupation BUSINESSMAN and resident at XXX. [and B his wife] (hereinafter called the applicants) for an order under the Adoption Ordinance, Cap. 290, authorizing them to adopt E, an infant, the child of D;
And the said E (hereinafter called the infant) being of the Female sex, and never having been married;
And one of the applicants having attained the age of twenty-five years and the other applicant having attained the age of twenty-one years;
[And the names by which the infant is to be known being C].
[And it having been proved to the satisfaction of the judge that the infant is identical with E, to whom the entry numbered XXX and made on the 23th August 1999, in the registers of births in the registration office at Hong Kong relates.]
And the date of the birth of the infant appearing to be the 1st August 1999;
And all the consents required by the said Ordinance being obtained or dispensed with;
It is ordered that the applicants be authorized to adopt the infant;
And it is directed that the Registrar of Births and Deaths shall make in the Adopted Children Register an entry recording the adoption in accordance with the particulars set out in the Schedule to this order.
[And it is further directed that the Registrar of Births and Deaths shall cause the said entry in the registers of births to be marked with the word “adopted”]
Dated the 13th day of May, 2000.
(S.P. WONG)
Duputy Registrar, District Court
7 – E em língua portuguesa, o seguinte conteúdo:
«No Tribunal Distrital da Região Administrativa Especial de Hong Kong
Caso de adopção nº 30 de 2000
Em matéria da criança C
e
Em matéria da Lei de Adopção, Capítulo 290.
Perante o Juiz Adjunto D'Almada Remedios em Chambers
Requerimento feito por A com a ocupação de empresário e residente em Hong Kong na “XXX, Hong Kong [e pela sua mulher B] (doravante denominados os Requerentes) de uma ordem sob a Lei de Adopção, capítulo 290, autorizando-os a adoptar a criança, E, filha de D;
E a dita E (doravante denominada criança) sendo do sexo feminino, e nunca ter sido casada;
E um dos Requerentes ter atingido a idade de 25 anos e a outra requerente ter tingido a idade de 21 anos;
[E os nomes pelos quais a criança deve ser conhecida C].
[E tendo sido comprovado a contento do juiz que a criança tem a mesma identidade de E, de entrada numerada XXX e feita no dia 23 de Agosto de 1999, nos registos de nascimentos no serviço de registo em Hong Kong.].
E a data de nascimento da criança é 1 de Agosto de 1999;
E todos os consentimentos necessários pela referida Lei ficam obtidos ou dispensados;
É de ordenar que os Requerentes sejam autorizados a adoptar a criança;
E é instruído que o registador de Nascimentos e Óbitos fará nos registos de crianças adoptadas o registo da entrada de adopção, em conformidade com as particularidades estabelecidas no plano desta ordem.
[E é ainda instruído que o registador de Nascimentos e Óbitos deve proceder à referida entrada nos registos de nascimentos marcada com a palavra “adoptado”).]
Datado do dia 13 de Maio de 2000
(S.P. WONG)
Secretário adjunto, Tribunal Distrital.»
8 - Os 1º e 2ª Autores deram à menor o nome de C
9 - A referida sentença já transitou em julgado
10 - A partir de 13 de Maio de 2000, a menor, 3ª Ré, vive com os 1º e 2ª Autores, enquanto pais adoptivos daquela, que lhe têm devotado todo o carinho, amor e cuidados.
11 - Posteriormente, a 2ª Autora, em representação da criança, alterou o nome desta para C em 27 de Agosto de 2010, junto do “Immigration Department” de Hong Kong (doc. 8 a fls. 24-25 dos autos, e traduzido a fls. 13-15 do apenso “traduções”).
12 - Os 1º e 2ª Autores passam a residir, a partir de Junho de 2014, em Macau, na XXX.
13 - E requereram junto do Corpo de Polícia de Segurança Pública de Macau autorização de fixação de residência em Macau da sua filha adptiva, ora 1ª Ré (doc. 9 dos autos junto a fls. 26-27 dos autos, traduzido a fls. 16- 20 do apenso “traduções”).
14 - A menor está matriculada no Colégio Diocesano de São José de Macau para o ano lectivo de 2014-2015 (doc. 10 a fls 28-29 dos autos, traduzido a fls. 21 a 23 do apenso “traduções”).
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IV – O Direito
Prevê o artigo 1200º do C. Processo Civil:
“1. Para que a decisão proferida por tribunal do exterior de Macau seja confirmada, é necessária a verificação dos seguintes requisitos:
a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a decisão nem sobre a inteligibilidade da decisão;
b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do local em que foi proferida;
c) Que provenha de tribunal cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau;
d) Que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal de Macau, excepto se foi o tribunal do exterior de Macau que preveniu a jurisdição;
e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do local do tribunal de origem, e que no processo tenham sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
f) Que não contenha decisão cuja confirmação conduza a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública. 2. O disposto no número anterior é aplicável à decisão arbitral, na parte em que o puder ser.”
Neste tipo de processos não se conhece do fundo ou do mérito da causa, uma vez que o Tribunal se limita a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento, nem da questão de facto, nem de direito.
Vejamos, então, os requisitos previstos no artigo 1200º do CPC.
Ora, os documentos constantes dos autos reportam e certificam a situação invocada pelos requerentes. Revelam, além da autenticidade, a inteligibilidade da decisão do tribunal de Hong Kong que decretou a adopção da menor com observância dos preceitos legais em vigor aplicáveis à situação.
Por outro lado, a decisão em apreço não conduz a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública da RAEM (cfr. art. 20º e 273º do C.C.). Com efeito, também o direito substantivo de Macau prevê a adopção. Como foi dito em acórdão deste mesmo TSI, de 27/05/2010, no Proc. nº 828/2009: “Aliás, sempre se realça que o nosso direito substantivo prevê exactamente esse procedimento e constituição de tais laços familiares no sentido da protecção das crianças, constatando-se da situação vantajosa e de bem estar dali resultante para a menina adoptanda.”
Reunidos estão, pois, os requisitos de verificação oficiosa do art. 1200º, n.1, als. a) e f), do CPC.
Além destes, não se detecta que os restantes (alíneas b) a e)) constituam aqui qualquer obstáculo ao objectivo a que tendem os autos.
Na verdade, os documentos juntos, nomeadamente a sentença revidenda proferida pelo tribunal de Hong Kong, provêm da autoridade competente, não se mostrando haver qualquer obstáculo relativamente à sua autenticidade, nem óbice referente ao trânsito.
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No que se refere à matéria concernente à competência exclusiva dos Tribunais de Macau, entende-se que ela implica uma análise em função do teor da decisão em causa, face ao disposto no artigo 20º do CPC:
“A competência dos tribunais de Macau é exclusiva para apreciar:
a) As acções relativas a direitos reais sobre imóveis situados em Maca
b) As acções destinadas a declarar a falência ou a insolvência de pessoas
colectivas cuja sede se encontre em Macau.”
Ora, é bom de ver que nenhuma das situações estabelecidas no artigo transcrito servem aqui de impedimento à procedência da pretensão, na medida em que o seu objecto é uma sentença que decreta uma adopção e cuja revisão e confirmação é pedida por ambos os cônjuges, adopção essa que não mereceu oposição do MP.
Por tudo isto e porque também não se vê que tivesse havido violação das regras de litispendência e do caso julgado ou que tivessem sido violadas as regras da citação no âmbito daquele processo ou que não tivessem sido observados os princípios do contraditório ou da igualdade das partes, tudo se conjuga para a procedência do pedido (cfr. art. 1204º do CPC).
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V – Decidindo
Face ao exposto, acordam em conceder a revisão e confirmar a decisão proferida pelo Tribunal de Hong Kong, que decretou a adopção da menor C por parte dos adoptantes A e B, nos precisos termos acima transcritos
Custas pelos requerentes.
TSI, 02 de Julho de 2015
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong


467/2014 13