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Processo nº 470/2014
(Recurso Contencioso)

Relator: João Gil de Oliveira
Data: 28/Maio/2015


Assuntos:
- Idoneidade moral para o exercício do cargo de director técnico de empresa de segurança
    
    SUMÁRIO :
Não obstante o melindre da situação, competindo às Forças de Segurança da PSP dar parecer sobre a substituição de um director técnico de uma empresa privada de segurança e o departamento respectivo se pronuncia pela inidoneidade moral de um determinado interessado, com base em informações fornecidas pela Polícia Judiciária, no sentido de esse indivíduo pertencer a uma seita, a entidade recorrida pode servir-se desse elemento na avaliação, tratando-se da actividade que se trata, estando em causa razões de segurança, estando aquela actividade muito condicionada e controlada pelas autoridades públicas, sempre em nome dos superiores interesses dos cidadãos e da ordem na RAEM.
    
O Relator,

João A. G. Gil de Oliveira

Processo n.º 470/2014
(Recurso Contencioso)

Data : 28 de Maio de 2015

Recorrente: Companhia de Segurança B, Limitada

Entidade Recorrida: Secretário para a Segurança

    
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO

1. A Companhia de Segurança B, Limitada, mais bem identificada nos autos, vem interpor recurso contencioso do acto consubstanciado na decisão proferida em 23 de Maio de 2014 pelo Exmo Senhor Secretário para a Segurança de Macau que indeferiu o pedido da recorrente de substituir o seu director técnico por C (C), por este não preencher o requisito previsto na al. 4) do artº 9º da Lei nº 4/2007, alegando, para tanto e em síntese:

    a) No início de Abril de 2014, a Companhia de Segurança B, Limitada pediu ao CPSP e Secretário para a Segurança a substituição do seu director técnico por C, apresentando, em anexo, os dados pessoais de C, nomeadamente a nota curricular e a certificado de registo criminal.
    b) Em 12 de Junho de 2014, a recorrente foi notificada pelo CPSP de que, por despacho do Secretário para a Segurança, foi indeferido o pedido da recorrente de substituição de director técnico e foi determinado que o sócio C se retire da Companhia de Segurança B, Limitada e se exonere do cargo de membro do órgão de administração no prazo de 60 dias.
    c) Tendo-se consultado o presente processo administrativo, verificou-se que o único fundamento em que se baseou o acto administrativo é a informação decorrente de outro órgão administrativo que revela que o Sr. C é membro de sociedade secreta, pela qual se reconhece que o mesmo não tem idoneidade moral, não preenchendo assim as disposições do artº 8º, nº 6, e do artº 9º, nº 4 da Lei nº 4/2007.
    d) Segundo o artº 1º da Lei da Criminalidade Organizada, considera-se associação ou sociedade secreta toda a organização constituída para obter vantagens ou benefícios ilícitos cuja existência se manifeste por acordo ou convenção ou outros meios, nomeadamente pela prática, cumulativa ou não, dos crimes enumerados no nº 1 do mesmo artigo
    e) Mas o acto administrativo não enumerou detalhadamente os factos concretos e fundamentos jurídicos, ou quaisquer dados pelos quais foi reconhecido que C é membro de sociedade secreta, nem especificou de qual serviço da Administração são os dados.
    f) Ser membro de sociedade secreta constitui um crime. Porém, conforme o registo criminal constante dos autos, que foi fornecido por C, não existe, quer agora quer no passado, qualquer caso pendente ou julgado ou qualquer processo de inquérito criminal contra si. Por outras palavras, o reconhecimento da Administração do facto de C ser membro de sociedade secreta não foi sustentado pela prova legal, nomeadamente uma decisão judicial.
    g) Na realidade, C tem prestado serviços de segurança por mais de 20 anos, não sendo possível que ele participe em qualquer associação secreta que tem como objectivo a prática de crimes.
    h) Portanto, o despacho, que reconhece que o referido interessado não tem adequada idoneidade moral, carece manifestamente de fundamentação factual e jurídica.
    i) Igualmente, a decisão do Secretário para a Segurança – C, sócio da recorrente se retire da Companhia e se exonere do cargo de membro do órgão de administração – carece de fundamentação, em particular, os fundamentos jurídicos aplicáveis.
    j) Pelo exposto, violou o acto administrativo em causa as disposições do CPA, nomeadamente as normas jurídicas de carácter imperativo previstas nos artºs 113º e 114º, o que torna nulos ou revogáveis a decisão recorrida e o acto.
    k) O mais incompreensível é que a Administração exige que o sócio C que se retire da Companhia no prazo de 60 dias.
    l) A exploração da actividade de segurança e as respectivas restrições são reguladas pela lei especial – Lei nº 4/2007. Segundo o artº 8º, nº 1, als. 6) e 7), e artº 9º, nº 1, als. 3) e 4) da Lei nº 4/2007, quando se trate de empresário comercial, pessoa colectiva, a lei especial exige apenas a comprovação da idoneidade moral dos administradores, gerentes ou directores da entidade requerente, não incluindo os sócios da sociedade.
    m) Nem o Código Comercial, o Código Civil ou outras leis gerais estabelecem exigências especiais sobre a conduta moral dos sócios. Realmente, os administradores são aqueles que se responsabilizam pelo exercício das actividades e funcionamento da empresa, portanto, é importante que eles possuam uma conduta moral alta. Isto é fácil compreender. Mas um sócio é aquele que aporta um capital a uma empresa e assume a responsabilidade pelos ganhos e perdas empresariais, por isso não há necessidade de censurar rigorosamente a conduta moral dele.
    n) Vamos pensar, caso a Companhia de Segurança B, Limitada seja uma “empresa listada na bolsa”, será que a Administração precisa de censurar a “conduta moral” de novo sócio em cada transacção de quotas? Isto é obviamente irrazoável e ilegal!!!
    o) Pelo exposto, nem o Secretário para a Segurança nem o CPSP é competente para censurar a conduta moral de sócio empresarial. O mais importante é que a Lei nº 4/2007 não confere ao Secretário para a Segurança a competência de exigir a retirada obrigatória de sócio de uma sociedade.
    p) Dispõe o artº 3º (princípio da legalidade), nº 1 do CPA que “os órgãos da Administração Pública devem actuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes estejam atribuídos e em conformidade com os fins para que os mesmos poderes lhes forem conferidos.”
    q) Nesta conformidade, o acto do recorrido violou manifestamente o princípio da legalidade.
    r) A exigência de retirada obrigatória de um sócio da sociedade é aparentemente um acto dentro do âmbito do poder legislativo. Nesta causa, a autoridade administrativa usurpou o poder do órgão legislativo, tendo praticado, sem base legal, um acto administrativo que envolve o poder legislativo, o que violou manifestamente o princípio da separação de poderes, padecendo assim do vício de usurpação de poder.
    s) Nestes termos, o acto administrativo recorrido é um acto juridicamente inexistente, nulo ou revogável, conforme os artºs 122º e seguintes do mesmo Código.
    
    Pedido:
    Nestes termos e em face do exposto, requer a V.Exªs que julguem
    (1) procedente o recurso contencioso e declarem nulo ou revogável o acto administrativo recorrido;
    (2) requer mais a V.Exªs que determinem que a entidade recorrida envie o respectivo processo administrativo ao Tribunal de Segunda Instância, a fim de ser juntado e fazer parte dos autos.

    
    
    2. O Exmo Senhor Secretário para a Segurança da Região Administrativa Especial de Macau, contestando nos autos de recurso contencioso supra identificados, em que é recorrente a Companhia de Segurança B, Limitada, vem dizer o seguinte, em conclusão:
    - A actividade de segurança privada tem que ser protagonizada por quem não deixe quaisquer dúvidas sobre a integração nos princípios que a fundamentam e sustentam, designadamente os que resultam dos artigos 2.° e 3.° da Lei n.º 4/2007
    - O acto administrativo impugnado representa um exercício do poder discricionário da administração quanto à densificação do conceito de idoneidade dos artigos 8.° n.º 6 e 9 n.º 4, da lei n.º 4/2007;
    - O acto administrativo impugnado não merece censura, outrossim, é equilibrado e razoável, tem fundamento na lei e realiza o interesse público, por via de uma boa e sensata administração da justiça relativa;
    - Improcedem os vícios alegados como fundamento para a invalidade jurídica do acto administrativo impugnado.
    Termos em que deve o presente Recurso Contencioso improceder e, consequentemente, ser mantido o acto administrativo impugnado.
    
    3. O Exmo Senhor Procurador Adjunto emite o seguinte douto parecer:
    Assaca a "Companhia de Segurança B, Ltd." ao acto despacho do Secretário para a Segurança de 23/5/14 que lhe indeferiu pedido de substituição do seu director técnico por C, por o mesmo não ter "idoneidade moral adequada", sendo, portanto, incompatível com a al. 4) do art. 9° da Lei 4/2007 - vícios que a própria apelida de violação de lei, de forma e de desvio de poder.
    Começando precisamente por este último, dir-se-à, desde logo, assentar o mesmo em equívoco, derivado do conteúdo da la notificação efectuada, onde, de facto, constava, além do mais, uma suposta "ordem" constante do acto, no sentido de o indivíduo acima identificado dever retirar-se da companhia recorrente e exonerar-se do cargo de administrador, no prazo de 60 dias, quando, em boa verdade, de acordo com a rectificação da notificação empreendida posteriormente, por força do despacho da entidade recorrida de 20/11/14 (cfr. tradução a fls. 82/83) e, mais importante que isso, de acordo com o que efectivamente foi decidido pelo acto, o que foi determinado a tal propósito foi apenas o " ... acompanhamento, nos termos da lei, do assunto de que o interessado em causa é presentemente sócio e administrador da referida Companhia" (cfr. fls. 63), matéria formal e substancialmente diversa da constante da 1ª notificação empreendida à recorrente e da qual esta colheu motivação para o vício que invoca.
    De todo o modo, sempre se adiantará que do citado segmento se não colhe qualquer intromissão do executivo no legislativo, como pretendido, atendo-se a entidade decidente às suas competências próprias, não se divisando, por outra banda, que o determinado a propósito se haja guiado por quisquer outras motivações que não a "garantia do interesse público", como, de resto, não deixa de ser, expressa e claramente anunciado no próprio corpo do acto, pelo que, nestes parâmeros, se revelará inócua a argumentação atinente a pretensa ocorrência de desvio de poder.
    No que tange à forma, pode-se cindir o argumentado em 2 planos completamente diversos, ambos atinentes a suposta insuficiência : a da notificação e a da fundamentação.
    Quanto à 1ª, como já se deixou expresso, não deixou a entidade recorrida, logo que alertada para o efeito (quiçã por força do argumentado pela recorrente), de providenciar ela rectificação da primitiva notificação do acto, efectuando, desta feita, correcta transmissão do conteúdo do mesmo, não se descortinando que em tal transmissão "falhe" qualquer elemento essencial (fls. 91 do apenso), sendo certo que, de todo o modo, sempre nos não encontraríamos face a qualquer causa de invalidade do acto, mas sim, porque exterior ao mesmo, apenas de razão atinente à eficácia do mesmo.
    Quanto à 2ª, não deixaram de expressar, no próprio corpo do acto, clara, suficiente e congruentemente, os motivos de facto e de direito que sustentaram a decisão, os quais, sinteticamente, se prendem com a noção que a entidade recorrida, através dos elementos indiciários recolhidos pelas entidades policiais, obteve acerca da falta de "idoneidade moral adequada" do visado, em virtude da existência de informes acerca da pertença do mesmo a sociedade secreta, o que, nos termos da lei citada (al. 4) do art. 9° da Lei 4/2007) inviabilizaria o pedido, ficando qualquer cidadão médio, através de tal exposição, em perfeitas condições de apreender aquela motivação, o que não deixou de suceder com a recorrente, a avaliar, até, pelos termos da própria argumentação.
    Finalmente, toma-se evidente que a apreciação da "idoneidade moral" de qualquer indivíduo é matéria a acarretar, em princípio, forte grau de subjectividade, sendo certo, porém, que não poderá o conceito ficar sujeito ao mero arbítrio, antes carecendo de dados minimamente objectiváveis, o que, afigura-se-nos, não deixou de suceder no caso vertente.
    É claro que a entidade recorrida não pode, sem mais, elaborar a informação peremptória (tal como consta na tradução do acto a fls. 63) de que " ... o interessado é membro de uma associação secreta", sob pena de, não se divisando a respectiva imputação criminal (já que de um crime se trata), algo estar a falhar nesse domínio, mesmo por parte da entidade recorrida, a quem competiria, desde logo, a denúncia e "perseguição" criminal por tal actividade.
    Topa-se, porém, bem, que, do que se tratará é da existência de meros indícios daquela situação, assentes em dados/registos policiais, quiçá (adiantamos nós) sem suficiente força probatória, para já, relativamente aquele efeito.
    De todo o modo, cremos que, podendo e devendo a entidade recorrida, para preenchimento do conceito em causa, servir-se de todos os elementos válidos para o efeito, não será de somenos a informação policial constante do procedimento, nesse domínio.
    Revelar-se-ia, quiçá, desejável alguma concretização, alguma objectivação desses informes/dados/registos: deparando-nos, porém, com matéria sensível, a envolver algum melindre, onde, pela própria natureza das coisas, aquela concretização se não afigura fácil e, apresentando-se diferentes os interesses a titular, em sede penal e na administrativa, não repugna que, pese embora nada constando em desabono do visado em termos do respectivo C.R.C., se possa mostrar tal conceito preenchido com a informação policial sobre suspeitas válidas da pertença do visado a sociedade secreta, vulgo "seita", razões por que, por não ocorrência de qualquer dos vícios assacados, ou de qualquer outro de que cumpra conhecer, somos a entender não merecer provimento o presente recurso.
    
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito.

    III - FACTOS
    Com pertinência, têm-se por assentes os factos seguintes:

1. Num primeiro momento. a recorrente foi notificada nos seguintes termos da decisão proferida:

“À
Companhia de Segurança B, Limitada

Sua referência Sua comunicação de Nossa referência C. Postal 464 – Macau
CT/S075/14 01/04/2014 303/SESPDI/2014P 12/06/2014
Assunto : Resultado do pedido de substituição de director técnico

Notifica-se a Companhia de Segurança B, Limitada de que o Sr. Secretário para a Segurança proferiu um despacho em 23 de Maio de 2014, respeitante ao assunto em epígrafe, entendendo que o exercício da actividade de segurança privada está regulado pela Lei nº 4/2007 e Regulamento Administrativo nº 20/2007. Para assegurar o interesse público, a entidade requerente deve preencher todos os requisitos legais, como por exemplo a comprovada idoneidade moral dos administradores, gerentes ou directores da entidade requerente.
Relativamente ao pedido de V.Exª. de substituição de director técnico, após analisados as informações e pareceres, bem como examinados os dados constantes nos autos, reconhece-se que o Sr. C não tem idoneidade moral, não preenchendo assim o requisito previsto na al. 4) do artº 9º da Lei nº 4/2007.
Embora V.Exª. tenha apresentado o certificado de registo criminal da pessoa designado para o cargo, este não é o único documento a considerar na comprovação da idoneidade moral do interessado. É necessário analisar vários aspectos, atendendo-se nomeadamente aos registos e dados provenientes da autoridade policial, no sentido de assegurar o interesse público. Deve saber que o certificado de registo criminal comprova somente a situação no processo de registo criminal.
Face ao exposto, o Sr. Secretário para a Segurança proferiu um despacho em 23 de Maio de 2014, em que indeferiu o pedido de substituição de director técnico, por o Sr. C não preencher o requisito previsto na al. 4) do artº 9º da Lei nº 4/2007
Mais se notifica que, em cumprimento da Lei nº 4/2007, o Sr. C deve retirar-se dessa Companhia e exonerar-se do cargo de administrador no prazo de 60 dias.
Ao abrigo do artº 25º do Código do Procedimento Administrativo, do despacho do Sr. Secretário para a Segurança pode V.Exª. recorrer contenciosamente para o Tribunal de Segunda Instância no prazo de 30 dias, a contar da notificação do mesmo despacho.
Com os melhores cumprimentos.

O Segundo-comandante do CPSP
(Ass. – vd. o original)
XXXXXX
Superintendente”

    
2. Mas num segundo momento, em 24 de Novembro de 2014, foi proferido um despacho, ordenando uma rigorosa notificação do despacho que fora proferido e abaixo transcrito:
   “Assunto: Notificação feita à Companhia de Segurança B, Limitada na sequência do despacho do Secretário para a Segurança
   
    A Companhia de Segurança B, Limitada interpôs recurso contencioso para o Tribunal de Segunda Instância contra a decisão proferida, em 23 de Maio de 2014, pelo Secretário para a Segurança que indeferiu o pedido de alteração de director técnico formulado pela mesma Companhia.
    Tendo conferido a notificação do CPSP anexa ao articulado, constata-se que o conteúdo desta é expressamente incompatível com a supramencionada decisão do Secretário para a Segurança, mormente a última mensagem transmitida pela aludida notificação – “Em conformidade com as correspondentes disposições da Lei n.º 4/2007, o Sr. C (C) deve ceder suas quotas sociais e cessar o exercício do cargo de administrador no prazo de 60 dias” – que não é, de forma qualquer, parte integrante do despacho em apreço.
    Deste modo, ordena-se ao CPSP que cumpra rigorosamente o disposto no art.º 70º do Código do Procedimento Administrativo, de modo a notificar urgentemente a supracitada Companhia do despacho em causa e, em seguida, remeter imediatamente o processo de inquérito administrativo para o Gabinete do Secretário para a Segurança, com vista a contestar perante o recurso contencioso interposto pela referida Companhia.
   
   O Secretário para a Segurança,
   (Assinatura vide o original)
   YYYYYY”
3. Essa rectificação da notificação veio a ser feita em 25/11/2014.

4. Consta do PA o seguinte parecer e respectivo despacho, ora recorrido:

Parecer:
- Concordo, submeto à consideração do Exmo. Senhor Secretário para a Segurança.
(Assinatura vide o original)
16/5/2014
- Propõe-se que seja indeferido o requerimento e que o interessado em causa não possa ser sócio nem administrador da Companhia de Segurança B;
- Submete-se à consideração do Exmo. Sr. Comandante.
(Assinatura vide o original)
15/5/2014
- A requerente não reúne o requisito previsto na alínea 7) do n.º 1 do art.º 8º da Lei n.º 4/2007;
- Propõe-se que seja indeferido o requerimento;
- À consideração e decisão superior.
(Assinatura vide o original)
12/5/2014
Despacho:
Visto:
Em Abril do corrente ano, a requerente comunicou ao CPSP a alteração do director técnico, cargo esse seria assumido pelo Sr. C (C).
A actividade de segurança privada é regulada pela Lei n.º 4/2007 e Regulamento Administrativo n.º 20/2007, o requerente do alvará tem de reunir os respectivos requisitos legais, nomeadamente, os administradores, gerentes, directores e directores técnicos da entidade requerente devem ter idoneidade moral adequada, ou seja, boa conduta.
Ostensivamente, a actividade de segurança privada tem natureza subsidiária da segurança pública, pelo que a lei exige expressamente a boa conduta com vista a garantir o interesse público.
Face ao pedido de alteração do director técnico formulado pela Companhia de Segurança B, Limitada, tendo consultado a análise e os pareceres desta Informação, bem como apreciado os dados constantes do processo, mormente, de acordo com os dados policiais fornecidos pela Polícia Judiciária, o interessado em causa é membro duma associação secreta, por conseguinte, prova-se que o mesmo não tem idoneidade moral adequada, sendo incompatível com a alínea 4) do art.º 9º da Lei n.º 4/2007.
Embora a requerente tenha apresentado o certificado de registo criminal do interessado em causa, não se cinge ao aludido documento para ajuizar se o indivíduo possui ou não a idoneidade moral adequada, mas sim, deve efectuar-se também uma avaliação sintética de vários aspectos, sobretudo deve ter-se em consideração os registos e os dados existentes nos órgãos policiais, a fim de garantir o interesse público. Como é sabido que o certificado de registo criminal prova meramente o estado dum indivíduo que se encontra discriminado no arquivo de registo criminal.
Pelo exposto, indefiro o requerimento de alteração do director técnico, por não se verificar o preenchimento do requisito previsto na alínea 4) do art.º 9º da Lei n.º 4/2007.
A par disso, concordo com a parte desta Informação em que se propõe o acompanhamento, nos termos da lei, do assunto de que o interessado em causa é presentemente sócio e administrador da referida Companhia.
Ordena-se ao CPSP a notificar, nos termos da lei, os interessados da presente decisão.
Secretário para a Segurança
(Assinatura vide o original)
YYYYYY
23/5/2014
   “
   
   5. Mais consta dos autos o seguinte:
   
   
   
   
   
   Assunto: Comunicação de alteração de director técnico
   Refª.: -----------------------
   
   
   
   
   “Informação N.º: 23/2014-Pº.226.02
   
   Data: 12/5/2014
   
   Exmo. Senhor Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública
   
    Informa-se a V. Ex.ª que, em 1 de Abril de 2014, a Companhia de Segurança B, Limitada, detentora do alvará para o exercício da actividade de segurança privada n.º 17/2007, comunicou a este CPSP a nomeação do novo director técnico (entrada n.º 16734/SCTPSP/2014 da Secretaria – vide p. 4 do anexo).
    O sucessor é C (C) (masculino), nascido a ... de ...... de 19..., titular do BIRPM n.º 50......(...), fotocópia do seu documento de identificação, sua nota curricular, certificado de registo criminal e atestado médico.
    Os sucedidos são D (D) e F (F) (os dados de identificação dos mesmos foram pormenorizadamente registados no arquivo desta Secção), por serem nomeados para desempenharem outras funções, seriam substituídos por C (C) na assunção do cargo de director técnico.
    A nota curricular de C (C) contém os seguintes dados de experiência profissional e de habilitações académicas:
    - De 2003 a 2007, exercia funções de oficial de segurança sénior na G (Macau) Ltd.;
    - De 1997 a 2003, foi colocado pela G (Macau) Ltd. no Hotel H a exercer funções de gerente de segurança;
    - De 1987 a 1996, exercia funções de guarda de segurança, respectivamente, no Hotel I, no Hotel J na Taipa, no Hotel K e no Hotel L;
    - Tem como habilitações académicas o ensino secundário complementar (Escola Secundária M em Xinhui na província de Guangdong).
    - Do registo criminal da Direcção dos Serviços de Identificação não consta antecedente criminal de C (C) (vide p. 7 do anexo).
    Finda a verificação, apura-se que este CPSP não tem quaisquer registos criminais nem policiais de C (C), porém, conforme as informações recolhidas por este CPSP, constata-se que C (C) é membro da associação secreta:
    A actividade de segurança privada tem natureza subsidiária da segurança pública, sendo, muitas vezes, envolvida na liberdade e garantia dos direitos dos residentes, pelo que a lei exige expressamente a idoneidade moral adequada dos administradores, gerentes ou directores, com vista a proteger o interesse público.
    Embora não se verifique qualquer antecedente criminal de C (C) no seu certificado de registo criminal, não se pode deixar de atender aos registos dos arquivos e às informações existentes noutros serviços que servem de elementos objectivos de avaliação da idoneidade moral adequada, mormente, as respectivas informações apuram que C (C) é membro da associação secreta.
    Assim sendo, C (C) não tem notoriamente idoneidade moral adequada, sendo incompatível com a alínea 7) do n.º 1 do art.º 8º da Lei n.º 4/2007.
    Além do mais, conforme as informações desta Secção e da Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis, C (C) é sócio e administrador da Companhia de Segurança B, Limitada, entretanto, de acordo com as informações obtidas da investigação, esta situação é manifestamente incompatível com o disposto na alínea 6) do n.º 1 do art.º 8º da Lei n.º 4/2007.
    Pelo exposto, propõe-se que seja indeferido o requerimento, uma vez que C (C) não cumpriu o requisito de avaliação vedado pela alínea 4) do art.º 9º da Lei n.º 4/2007 (Lei da actividade de segurança privada).
    Presentemente, C (C) é sócio e administrador da Companhia de Segurança B, Limitada, quanto a isto, propõe-se que seja notificada a aludida Companhia para proceder à reparação, de modo a exigir a C (C) a efectuar a cessão de quotas e cessar o exercício do cargo de administrador.
    À consideração e decisão superior.
   
   Chefe da Secção de Empresas de Segurança Privada
   (Assinatura vide o original)”
    
    
    IV – FUNDAMENTOS
    1. Antes de analisar o caso importa realçar que o acto consubstanciado no despacho recorrido não impõe que o visado abandone a sua qualidade de sócio. Perante uma proposta que ia nesse sentido, isso sim altamente intrusiva na esfera negocial e patrimonial do cidadão residente, o despacho proferido pelo Exmo Senhor Secretário para a Segurança foi de indeferir o requerimento de alteração do director técnico, por não se verificar o preenchimento do requisito previsto na alínea 4) do art. 9º da Lei n.º 4/2007.
    Quanto à sua qualidade de sócio e administrador da referida Companhia, o despacho limita-se a concordar o que diz ser uma proposta de acompanhamento, não se vendo que daí tenha sido definida pela Administração qualquer conformação jurídica com a virtualidade de definir ou alterar a situação jurídica do interessado em causa.
    Pelo que só a primeira parte do despacho releva e dela nos ocuparemos.
    
2. Da fundamentação do acto e prova dos factos

Padeceria do vício de falta de fundamentação, porquanto o acto administrativo não enumerou detalhadamente os factos concretos e fundamentos jurídicos, ou quaisquer dados pelos quais foi reconhecido que C é membro de sociedade secreta, nem especificou de qual serviço da Administração são os dados.
Constituindo crime a pertença a sociedade secreta, tal não consta do certificado do registo criminal, nem existe qualquer inquérito contra si. O reconhecimento da Administração do facto de C ser membro de sociedade secreta não foi sustentado pela prova legal, nomeadamente uma decisão judicial, sendo que ele tem prestado serviços de segurança ao longo de 20 anos, não sendo possível que ele participe em qualquer associação secreta que tem como objectivo a prática de crimes.
Portanto, o despacho, que reconhece que o referido interessado não tem adequada idoneidade moral, carece manifestamente de fundamentação factual e jurídica.
Igualmente, a decisão do Secretário para a Segurança – no sentido de que C, sócio da recorrente, se retire da Companhia e se exonere do cargo de administrador – carece de fundamentação, em particular, por falta dos fundamentos jurídicos aplicáveis.

3. Constata-se que a recorrente mistura falta de fundamentação quanto a falta de prova, o que pode envolver eventualmente outro vício, qual seja o de erro nos pressupostos de facto.
Comecemos pela falta de fundamentação.
É verdade que a lei impõe o dever de fundamentar a decisão, o que decorre expressamente do disposto no nº 1, al. c) do artigo 114º do CPA.
Nos termos da alínea a) do n.º1 do artigo 114º do C.P.A., aprovado pelo D.L. n.º 57/99/M, de 11.10, “Para além dos casos em que a lei especialmente o exija, devem ser fundamentados os actos administrativos que, total ou parcialmente, neguem, extingam ou afectem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções”.
Relativamente aos requisitos da fundamentação, impõe o artigo 115º C.P.A., no seu n.º1, que a “fundamentação deve ser expressa, através da sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas que constituirão, neste caso, parte integrante do respectivo acto” e nos termos do n.º 2 do mesmo artigo 115º “equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto”.
Ora, analisado o despacho em apreço, que indeferiu a pretensão da interessada percebe-se claramente qual o processo cognoscitivo e valorativo e qual a motivação que conduziram àquela decisão, mostrando-se que a fundamentação apresentada se mostra expressa, clara, suficiente e congruente.
Na verdade, ao não autorizar o pedido daquele director técnico, o despacho é muito claro ao dizer que indefere a pretensão, por não se verificar o preenchimento do requisito previsto na al. 4) do art. 9º da Lei n.º 4/2007, depois de afirmar que não tem idoneidade adequada para o cargo.
Dispõe a norma:
“O pedido de autorização pode ser indeferido com fundamento no incumprimento de qualquer dos requisitos gerais, nomeadamente:
1) Irregular constituição ou situação registral;
2) Irregular situação contributiva fiscal;
3) Insuficiente idoneidade dos administradores, gerentes, directores ou responsáveis;
4) Insuficiente competência profissional e idoneidade moral do director técnico;
5) Insuficiente caracterização do objecto do licenciamento, designadamente quanto à natureza dos serviços a prestar;
6) Prestação de falsas declarações. “

4. Posto isto, passemos a apreciar da alegada insuficiência de prova.
Estaremos a entrar, assim, num outro vício, não configurado como tal, mas que a ele se reconduz, qual seja o do vício de erro nos pressupostos de facto.
Pertence o referido director técnico daquela empresa de segurança à seita?
Curiosamente, sem afirmar de forma clara uma não pertença, o que também não seria necessário, a recorrente não deixa de dizer sobre a matéria que a Administração não pode considerar esse facto, por falta de prova, que não há prova legal, nomeadamente uma decisão judicial, que o sustente. Na realidade, C tem prestado serviços de segurança por mais de 20 anos, não sendo possível que ele participe em qualquer associação secreta que tem como objectivo a prática de crimes. Portanto, o despacho, que reconhece que o referido interessado não tem adequada idoneidade moral, carece manifestamente de fundamentação factual e jurídica.
É verdade que numa perspectiva criminal, em termos de prova bastante para condenar por esse crime, uma mera informação interna, policial, de um serviço congénere, não deixaria de atentar contra as regras próprias de produção das provas, mostrando-se esses elementos insuficientes para condenar o arguido. Quanto a isso não parece haver dúvidas. Só que estamos num outro domínio, no âmbito de tomadas de posição administrativas, mais particularmente, de polícia, de segurança, matéria sujeita a regras próprias e a controle das autoridades competentes, mesmo tratando-se de segurança privada.
Servirá aqui, mutatis mutandis, quanto foi já por nós afirmado noutro processo, ainda que em sede de expulsão de determinados indivíduos e onde se exigia o preenchimento do conceito de fortes indícios:
“... tratando-se, como se trata, de uma medida de polícia, como, aliás, se vem entendendo neste Tribunal, devendo pautar-se a integração do conceito por especiais razões de segurança, ordem pública e prevenção da criminalidade, salvaguardando as razões de confidencialidade que se devam impor, havendo um suporte documental mínimo dessas informações reputadas idóneas a fim de se aquilatar da sua fonte e autenticidade, considera-se que se mostra preenchida a previsão típica para a interdição no Território em conformidade com o disposto na al. b) do artigo 33º da Lei n.º 6/97/M de 30 de Julho.
Não se exige, vistos os fins prosseguidos e a natureza da medida aplicada, que se tenha do conceito em causa uma visão penalista, de forma a considerar apenas a factualidade relevante como aquela que seja constituída como o “conjunto dos elementos que, relacionados e conjugados, persuadem da culpabilidade do agente, fazendo nascer a convicção de que virá a ser condenado pelo crime que lhe imputam”[TSI 662/2007]. Mas não se pode deixar de reclamar a existência daquele mínimo integrante do próprio conceito de indícios tidos como os “elementos sensíveis, materiais do crime, tais como vestígios, sinais, rastos, marcas, ou o reporte documental a esses elementos por parte de fontes idóneas de forma a que se compreenda que esses elementos são tomados como fortes indícios, por parte dos serviços policiais competentes, deles se fazendo a elaboração conceptual, como dizia o Prof. Cavaleiro Ferreira, correspondente às presunções naturais em matéria civil ”impressões, traços” [ - Leib Soibelman, Dic. Geral Dir., 2º, 315; - Curso de Processo Penal, II, 289; Ac. TSI 166/2002, de 5/6/2003 ].1

Ou, citando o V.º TUI:
“Não se pode perder de vista que a medida de proibição de entrada constitui uma autêntica medida de polícia, que visa intervir no exercício de actividades individuais susceptíveis de fazerem perigar interesses gerais que se prendem concretamente com a manutenção da ordem pública e segurança da RAEM, que podem ser postos em perigo com a entrada e permanência de não residentes em consideração na previsão do art.º 33.º da Lei n.º 6/97/M.
E o facto de a Administração tomar a decisão com o mesmo fundamento, isto é, a pertença do recorrido à seita, não constitui obstáculo à aplicação da medida em causa, uma vez que a sua permanência na seita faz persistir o risco e o perigo que se pretende evitar e prevenir com a proibição de entrada.
Há que ter sempre presente as razões atinentes à segurança e à paz social que estão subjacentes na proibição de entrada e a natureza dessa mesma medida.”2

Ou, «Chama-se atenção para uma informação oferecida pela entidade policial de Hong Kong em 5 de Novembro de 2008, que aponta o recorrido como membro da seita XXX.
   Trata-se, a nosso ver, duma informação actualizada, afirmativa de que o recorrido continua a pertencer à seita, sendo também credível para o efeito de determinar a interdição da entrada.
   Por outro lado, o Tribunal recorrido entendeu não haver necessidade de produção de prova sobre os factos da causa (art.º 63.º do CPAC).
   Ao mesmo tempo, a decisão de interdição da entrada foi tomada ao abrigo da al. b) do n.º 1 do art.º 33.º da Lei n.º 6/97/M, segundo a qual será interdita a entrada na RAEM aos não residentes a respeito dos quais conste informação sobre “existência de fortes indícios de pertença ou ligação a associação criminosa, nomeadamente do tipo de associação ou sociedade secreta, ainda que esta aqui não desenvolva qualquer actividade”.   
Ora, se a lei não exige o exercício de qualquer actividade aqui no território para que um indivíduo não residente seja interdito de entrar, sendo bastante constar informação sobra a sua pertença ou ligação a associação criminosa, por lógica das coisas não fará diferença se o indivíduo é ou não membro activo desta associação, uma vez que a interdição da entrada visa proteger a ordem e segurança públicas dos riscos que estes bens jurídicos corriam com a presença em Macau da pessoa ligada a associação criminosa.»3

Ainda que noutro âmbito, importa não esquecer que estamos numa área muito sensível, devendo, em primeira linha, caber às autoridades de segurança proceder à avaliação daquela idoneidade reclamada por lei.

5. Assinala-se até que o Exmo Senhor Secretário para a Segurança teve a preocupação de consignar, não que o visado pertencia à seita, mas sim que de acordo com informações da PJ pertencia a uma sociedade secreta criminosa.
O facto de tal conduta não ser criminalizada não obsta à verificação desse pressuposto, compreendendo-se que na génese de tal previsão estará uma preocupação de boa conduta e adequação cívica dos cidadãos aos ordenamentos com que se conexionam.
O que afirmamos não é feito de ânimo leve, convictos do perigo que pode decorrer de um abuso desse tipo de informações, não escrutinadas por uma entidade estranha, sem se saber qual a origem das mesmas e que esse tipo de prática pode ser altamente nocivo para o sistema que se pretende implementado na RAEM e limitativo dos direitos e garantias dos residentes permanentes. Já não se trata de não permitir que alguém de fora, por razões securitárias, aqui venha, pondo em perigo a segurança interna, mas sim limitar a liberdade de profissão e de estabelecimento de quem aqui resida. Isto pode ser muito grave, tanto mais que fica por perceber se essas informações são consistentes, como é que se pactuou e continua a pactuar com uma situação dessa natureza, de carga criminógena tão elevada. Ou será que só agora se tem conhecimento desse facto?
O fiel da balança, neste caso, pende, contudo, ainda para a Administração, pelas razões acima aduzidas, estando em causa razões de segurança e pelo controle que essa actividade deve merecer das autoridades, estando sujeita a uma regulamentação estrita.
Como assinala a entidade recorrida, não deixa de ser verdade que, da conjugação dos artigos 8.°, n.º 6 e 9º, n.º 4, da lei n.º 4/2007, resulta claramente a preocupação do legislador em expurgar da actividade de segurança privada quaisquer elementos que, pelo seu perfil, história pessoal e enquadramento social, possam não só diminuir as garantias de um exercício da actividade de segurança privada conforme aos princípios que a enquadram, como também afastar desse mesmo exercício concreto qualquer sentimento de insegurança por parte da população em geral.
Com efeito, a actividade de segurança privada é subsidiária das atribuições dos órgãos próprios do sistema de segurança interna e tem por objectivo prevenir a prática de crimes e contribuir para o normal exercício dos direitos e liberdades individuais dos cidadãos, bem como para o desenvolvimento socioeconómico da RAEM – vd. artigos 2.° e 3.° da Lei n.º 4/2007.

6. Pode-se objectar que uma actuação deste teor vai perseguir o cidadão para sempre e que ele pode ficar estigmatizado, senão com a sua vida destruída, com base numa informação que pode ser falsa. Se isto é verdade, não se deixa de contrariar esta objecção com a possibilidade, em tese, ainda que remota em termos práticos, que o cidadão tem de, por via judicial, contrariar essa afirmação, por via de uma apreciação negativa de infundada imputação avançada contra ele.
Não deixa de ser matéria sensível e problemática.
Acresce que, independentemente da possibilidade acima aventada, também neste processo a recorrente permaneceu inerte, podendo fazer contraprova dos factos, não sem que se reconheça a dificuldade de esgrimir contra “moinhos de vento” e da prova, por vezes, quase diabólica, do facto negativo, em particular numa situação como a presente.
De todo o modo, somos a concluir pela possibilidade de a Administração poder relevar informações internas de natureza policial para aquilatar da idoneidade de uma dada pessoa para os fins tidos em conta.

7. Usurpação de poder e incompetência

Depois de afirmar que a Administração exige que o sócio C que se retire da Companhia no prazo de 60 dias e de afirmar que a exploração da actividade de segurança e as respectivas restrições são reguladas pela lei especial – Lei nº 4/2007 que exige apenas a comprovação da idoneidade moral dos administradores, gerentes ou directores da entidade requerente, não incluindo os sócios da sociedade, e que nem o Código Comercial, o Código Civil ou outras leis gerais estabelecem exigências especiais sobre a conduta moral dos sócios, de assinalar que nem o Secretário para a Segurança nem o CPSP é competente para censurar a conduta moral de um sócio empresarial, conclui pela verificação de violação do princípio da separação de poderes, dizendo padecer o acto do vício de usurpação de poder, pelo que o acto seria juridicamente inexistente, nulo ou revogável, conforme o art. 122º do CPA.

Poderia, eventualmente, assistir-lhe razão, perante a ausência de uma previsão legal impeditiva ou restritiva do exercício de determinada actividade económica ou participação em negócio ou actividade comercial, mas como não deixámos de alertar, logo no início, o acto praticado mostra-se consubstanciado no despacho proferido, despacho esse que foi mal notificado e obrigou o Senhor Secretário a dar uma ordem de notificação correcta.

Na verdade não deixou de ocorrer rectificação da 1ª notificação, por força do despacho de 20/Nov./2014, dando-se então conta ao notificando do exacto alcance do despacho proferido, no sentido tão-somente do indeferimento da mudança do director técnico.
Pelo que, existindo um único despacho conformador da situação jurídica em apreço, tendo acabado por ser devidamente notificado, não interessa mais estar a discutir um despacho com um conteúdo que não existiu, tendo-se corrigido uma errada notificação que nem sequer expressava o sentido do que fora decidido.

Posto isto, como é evidente, perspectivado o vício de usurpação de poder e de violação do princípio da legalidade sobre um segmento inexistente, o certo é que em relação ao segmento relevante, o do indeferimento do pedido, não se vislumbra que a lei tenha sido subvertida ou que a decisão não tenha sido proferida dentro dos limites das competências do órgão decisor, sem atropelo do que coubesse ao poder legislativo ou judicial.

Nesta conformidade, o recurso não deixará de improceder.

V - DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em julgar improcedente o presente recurso contencioso.
Custas pela recorrente, com 8 UC de taxa de justiça.

Macau, 28 de Maio de 2015

Presente (Relator) Vítor Manuel Carvalho Coelho João A. G. Gil de Oliveira
  
  (Primeiro Juiz-Adjunto)
  Ho Wai Neng
  
  (Segundo Juiz-Adjunto)
  José Cândido de Pinho
1 - Ac. TSI, de 11/9/2014, Proc. n.º 673/2013
2 - TUI, Proc. n.º 83/2012
3 - Ac. TUI, de 4/7/2012, Proc. n.º 26/2012
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