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Processo nº 169/2015

I

Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância da RAEM

No âmbito dos autos da acção de processo do trabalho nº LB1-14-0024-LAC, do Juízo Laboral do Tribunal Judicial de Base, proposta por B, devidamente id. nos autos, contra a C (MACAU) – Serviços e Sistemas de Segurança Limitada, foi proferida a seguinte sentença julgando parcialmente procedente a acção:


  B, de nacionalidade filipina, com residência em ...-...st. ......, cidade de ......, Filipinas, instaurou contra C (Macau) - Serviços e Sistemas de Segurança, Limitada, a presente acção declarativa sob a forma de processo comum, emergente de contrato de trabalho, pedindo que a Ré seja condenada a pagar-lhe a quantia total de MOP$106.354,00, (redução do pedido formulada em sede de audiência de discussão e julgamento, cf. fls. 216 e ss.), acrescida de juros legais até integral e efectivo pagamento, acrescida de juros legais até integral e efectivo pagamento, assim discriminadas:
  - MOP$30.800,00 a título de diferença no vencimento base;
  - MOP$10.319,00 a título de diferença remuneratória por trabalho extraordinário prestado;
  - MOP$17.715,00 a título de subsídio de alimentação;
  - MOP$47.753,00 a título de diferença no vencimento base;
  - MOP$15.840,00 a título de subsídio de efectividade;
  -MOP31.618,00 pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal;
  -MOP21.600,00 pela falta de um dia de descanso compensatório pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal;
  Para fundamentar a sua pretensão alega, muito resumidamente, que entre 01.09.1998 e 15.04.2002 prestou a sua actividade de guarda de segurança sob as ordens, direcção e fiscalização da Ré, mediante uma contrapartida salarial, acrescentando que, por ser um trabalhador não residente na RAEM, a sua contratação só foi autorizada porque a Ré celebrou previamente um contrato de prestação de serviços com uma terceira entidade fornecedora de mão-de-obra não residente, contrato esse que foi sujeito à apreciação, fiscalização e aprovação da Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego, para obedecer aos requisitos mínimos previstos na alínea d) do n.º 9 do Despacho n.º 12/GM/88 de 01 de Fevereiro (diploma que regula a contratação de trabalhadores não residentes).
  Conclui assim que, de acordo com o definido nesses contratos de prestação de serviços aprovados pela DSTE, ao longo da sua relação laboral, teria direito a auferir um salário superior ao que lhe foi pago pela Ré, teria direito ao pagamento de trabalho extraordinário, a uma remuneração horária superior ao que a Ré lhe liquidou, deveria ter recebido subsídio de alimentação e subsídio de efectividade que nunca lhe foram pagos, reclamando tais diferenças retributivas por via desta acção.
  Por outro lado, alega ainda o Autor que a Ré não lhe pagou a compensação legal pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal, durante todo o período da relação laboral, quantia de que pretende ser indemnizado nos termos supra expostos.
  A Ré contestou defendendo, no essencial, que os contratos de prestação de serviço que servem de causa de pedir à pretensão do Autor não são aptos a criarem quaisquer direitos na sua esfera jurídica.
  Foi elaborado despacho saneador em que se afirmou a validade e regularidade da instância, e onde se seleccionou a matéria de facto relevante para a decisão da causa.
  A audiência de julgamento decorreu com observância do formalismo legal, tendo o Tribunal, a final, respondido à matéria controvertida por despacho que não foi objecto de qualquer reclamação pelas partes.
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Questão a decidir: .
  - Se os contratos de prestação de serviços ao abrigo dos quais a Ré foi autorizada a contratar o Autor, define os requisitos/condições mínimas da relação laboral estabelecida entre as partes e se permite sustentar ter o Autor direito aos montantes peticionados.
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  II. Fundamentação de facto:
1) A Ré é uma sociedade que se dedica à prestação de serviços de equipamentos técnicos e de segurança, vigilância, transporte de valores. (A)
2) Desde o ano de 1992, a Ré tem sido sucessivamente autorizada a contratar trabalhadores não residentes para a prestação de funções de «guarda de segurança», «supervisor de guarda de segurança», «guarda sénior», entre outros. (B)
3) A Ré celebrou com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., entre outros, os «contratos de prestação de serviços»: n,? 02/94, de 03/01/1994; n.º 29/94, de 11/05/1994; n.º 45/94, de 27/12/1994. (C)
4) Entre O 1/09/1998 e 15/04/2002, o Autor esteve ao serviço da Ré, exercendo funções de "guarda de segurança" (Doc.1). (D)
5) Do teor dos contratos aludidos em C) resultava que os trabalhadores não residentes ao serviço da Ré teriam direito a auferir no mínimo MOP$90,00 diárias, acrescidas de MOP$15,00 diárias a título de subsídio de alimentação, um subsídio mensal de efectividade «igual ao salário de quatro dias», sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço, sendo o horário de trabalho de 8 horas diárias, sendo o trabalho extraordinário remunerado de acordo com a legislação de Macau. (E)
6) A Ré sempre apresentou junto da entidade competente, maxime junto da Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego (DSTE), cópia do «contratos de prestação de serviço» supra referido, para efeitos de contratação de trabalhadores não residentes. (F)
7) Entre 01 de Julho de 1999 e 15 de Abril de 2007, o Autor não gozou os dias de descanso semanal indicados a fls. 124 e 125. (G)
8) O Autor exerceu a sua prestação de trabalho para a Ré, ininterruptamente, ao abrigo dos contratos aludidos em C). (1.°)
9) Entre Setembro de 1998 e Abril de 2002 a Ré pagou ao Autor, a título de salário de base, a quantia de MOP$2,000.00, mensais. (3.°)
10) Entre Setembro de 1998 e Abril de 2001, o Autor trabalhou 12 horas de trabalho por dia, tendo a Ré remunerado as 4 horas diárias de trabalho extraordinário prestado à razão de MOP9,30 por hora, sem prejuízo do registo de horas constante do Doc. de fls, 98 e ss. (4°)
11) A Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de alimentação. (5°)
12) Durante todo o período da relação laboral entre a Ré e o Autor, nunca o Autor - sem conhecimento e autorização prévia pela Ré - deu qualquer falta ao trabalho. (6°)
13) Durante todo o período da relação laboral entre a Ré e o Autor, a Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de «subsídio mensal de efectividade de montante igual ao salário de 4 dias». (7º)
14) Durante todo o período da relação de trabalho entre a Ré e o Autor, nunca o Autor gozou de qualquer dia a título de descanso semanal. (8°)
15) Os dias de dispensa ao trabalho, nunca foram pela Ré remunerados. (9°)
16) A Ré nunca fixou ou conferiu ao Autor o gozo de um outro dia de descanso compensatório. (10º)

  III. Fundamentação jurídica
  Em face da matéria de facto que se mostra provada e do direito que lhe é aplicável, cumpre dar resposta à questão a decidir que supra se deixou enunciada.
  A pretensão do Autor assenta no regime legal de contratação de trabalhadores não residentes regulado no Despacho n.º 12/GM/88 de 01 de Fevereiro, cujas condições mínimas de contratação estarão, segundo defende, incorporadas no contrato de prestação de serviços que a Ré celebrou tal como exigido pela alínea c) do n.º 9 desse diploma legal e na qualificação jurídica deste contrato como sendo a favor de terceiro.
  Ficou provado que a Ré foi autorizada a contratar o Autor, enquanto trabalhador não residente, através da celebração de um contrato de prestação de serviços com uma entidade fornecedora de mão-de-obra não residente, contrato esse que posteriormente era apresentado junto da Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego para aprovação dessas condições de contratação (tal como ficou assente nos factos 2), 3) e 6), pelo que nesta acção importa analisar o regime legal a que está sujeita a contratação de trabalhadores não residentes, dado que não restarão dúvidas quanto à natureza jus laboral desta relação jurídica, que nenhuma das partes põe em causa.
  Relativamente à questão jurídica relativa ao enquadramento da relação estabelecida entre as partes outorgantes dos mencionados contratos de prestação de serviços e à sua repercussão na esférica jurídica do Autor, o Tribunal de Segunda Instância já firmou jurisprudência unânime no sentido de que estamos na presença de um contrato a favor de terceiro que tem como beneficiário o ora Autor, citando-se como exemplo, o mais recente Acórdão datado de 25.07.20131, cujo sumário parcial aqui nos permitimos reproduzir:
  3. É de aplicar a uma dada relação de trabalho, para além do regulado no contrato celebrado directamente entre o empregador e o trabalhador, o regime legal mais favorável ao trabalhador e que decorre de um contrato celebrado entre o empregador e uma Sociedade prestadora de serviços, ao abrigo do qual o trabalhador foi contratado e ao abrigo do qual, enquanto não residente, foi autorizado a trabalhar em Macau, regime esse devidamente enquadrado por uma previsão normativa constante do Despacho 12/GM/88, de I de Fevereiro.
  4. A Lei de Bases da Política de Emprego e dos Direitos Laborais, Lei n: o 4/98/M, de 27 de Julho, publicada no BO de Macau n. o 30, I série, no artigo 9. o admite a contratação de trabalhadores não residentes quando se verifiquem determinados pressupostos, estatuindo que essa contratação fica dependente de uma autorização administrativa a conceder individualmente a cada unidade produtiva.
  5. O Despacho 12/GM/88 cuida tão somente do procedimento administrativo conducente à obtenção de autorização para a contratação de trabalhadores não residentes e não do conteúdo concreto da relação laboral a estabelecer entre os trabalhadores não residentes e as respectivas entidades patronais.
  6. O trabalhador só foi contratado porque a Administração autorizou a celebração daquele contrato, devidamente enquadrado por um outro contrato que devia ser celebrado com uma empresa fornecedora de mão-de-obra e onde seriam definidas as condições mínimas da contratação, como flui do artigo 9~ d), d.2) do aludido despacho 12/GM/88.
  7. Estamos perante um contrato a favor de terceiro quando, por meio de um contrato, é atribuído um beneficio a um terceiro, a ele estranho, que adquire um direito próprio a essa vantagem.
  8. Esta noção está plasmada no artigo 43r do CC, aí se delimitando o objecto desse beneficio que se pode traduzir numa prestação ou ainda numa remissão de dívidas, numa cedência de créditos ou na constituição, transmissão ou extinção de direitos reais.
  9. Será o que acontece quando um dado empregador assume o compromisso perante outrem de celebrar um contrato com um trabalhador, terceiro em relação a esse primitivo contrato, vinculando-se a determinadas estipulações e condições laborais.
  10. O facto de a empregadora ter assumido a obrigação de dar trabalho, tal não é incompatível com uma prestação de contratar, relevando aí a modalidade de uma prestação de lacere.
  11. Nada obsta que da relação entre o promitente e o terceiro (agência prestadora de serviços e mão de obra), para além do assumido nesse contrato en/re o promitente e o promissório, nasçam outras obrigações como decorrentes de um outro contrato que seja celebrado entre o promitente (Ré, empregadora) e o terceiro (A., trabalhador).
  Assim sendo, sem necessidade de outras considerações, como parte beneficiária de um dos contratos de prestação de serviços dados como assentes o Autor tem direito a prevalecer-se do clausulado mínimo deles constantes para reclamar eventuais diferenças remuneratórias e complementos salariais a que tinha direito e que não lhe foram pagos.
  Debrucemo-nos, pois, sobre os pedidos do Autor.
  Das diferenças remuneratórias.
  Vejamos, pois, se os montantes peticionados pelo Autor lhe são efectivamente devidos.
  O Autor reclama MOP 30.800,00 a título de diferenças remuneratórias entre o salário pago efectivamente pela Ré durante todo o período de execução do contrato e os valores a que estava obrigada através das condições definidas para tal contratação.
  Resulta provado em 5) que a Ré estava obrigada a pagar ao Autor 90 patacas diárias (ou seja 2700 patacas mensais) e que lhe pagou as quantias que resultam provada de 9), pelo que se pode concluir que o Autor é credor da diferença entre os valores que lhe foram pagos e os que deveria ter recebido:
  - entre 1 de Setembro de 1998 e 15 de Abril de 2002, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP 2.000.00 mensais, quando deveria ter pago MOP 2.700,00 mensais, pelo que se regista uma diferença de MOP 700,00 mensais, num total de MOP 30.800,00 (44 meses x 700 patacas);
  O que perfaz a quantia de MOP 30.800,00, nos precisos termos peticionados pelo Autor.
  Relativamente ao trabalho extraordinário prestado pelo Autor à Ré também se verificam diferenças entre aquilo que era devido e o efectivamente pago, tendo em mente o que dispõem os artigos 10.°, n.º 2 e 11.°, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 24/89/M e a correspondente matéria assente.
  Assim, constatamos que:
  - entre 1 de Setembro de 1998 e 15 de Abril de 2002 a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$9.30 por hora, quando se obrigou a pagá-lo a MOP$11.25, havendo uma diferença de MOP$1.95, pelo que relativamente a este período, atentos os factos dados como assentes em 10) relacionado com o teor dos documentos constantes dos autos a fls. 98 e ss, é o Autor credor da quantia global de MOP$10.319,00 (correspondente a 4 horas x 1323 dias x 1,95 patacas);
  Quanto ao subsídio de alimentação resulta provado em 5) que a Ré se comprometeu a pagar 15 patacas diárias a tal título. Resulta ainda provado que a Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia (cf. facto 11), com a correcção que resulta da acta da audiência de discussão e julgamento e que assim tem de ser devidamente compaginada com a matéria de facto provada, pelo que tem o Autor a receber a tal título a quantia de MOP 17.715,00.
  Quanto ao subsídio de efectividade resulta igualmente não ter sido pago pela Ré ao Autor (cf. confrontação dos factos 5 e 13), sendo que o Autor não deu qualquer falta ao serviço, sem conhecimento e autorização prévia da Ré (cf. facto 12), pelo que lhe é devida a quantia de MOP90 x 4 dias x 44 meses, isto é, MOP 15.840,00.
  Por roo, o Autor pretende ser indemnizado pelos dias de descanso semanal que não gozou - facto demonstrado em 14), o que tem de ser compatibilizado com o teor da confissão feita pelo Autor em sede de audiência de discussão e julgamento.
  Está igualmente provado que pela prestação de trabalho nos dias de descanso semanal, o Autor sempre foi remunerado pela Ré com o valor de um salário diário, em singelo, cf. factos 15 a 16.
  O artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M de 03 de Abril dispõe, no seu n.º 1, que todos os trabalhadores têm direito a gozar, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, calculada nos termos do disposto sob o artigo 26.º.
  O n.º 6 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M de 03 de Abril, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 32/90/M, de 9 de Julho, dispõe, pois, que o trabalho prestado em dia de descanso semanal deve ser pago: a) aos trabalhadores que auferem salário mensal, pelo dobro da retribuição normal.
  Vejamos, então, quais os valores que deveriam ter sido pagos a este trabalhador e não foram, partindo dos valores de retribuição diários que lhe eram devidos, segundo a fórmula (Salário diário) x (n.º de dias devidos e não gozados) x 2, com a correcção que resulta da acta da audiência de discussão e julgamento e que assim tem de ser devidamente compaginada com a matéria de facto provada.
  Significa então que a Ré devia ter pago os pedidos 88 dias de descanso semanal não gozados atendendo ao salário diário de 105 MOP (e não 120 MOP como reclama o Autor), a multiplicar por 2, o que dá o montante total de MOP 18.480,00, tendo, no entanto, pago o valor em singelo (e resultando da presente sentença, conforme vimos supra a sua condenação no pagamento da diferença salarial). Significa isto que aos valores supra apurados se tem de deduzir o montante pago em singelo pela Ré2, sob pena de estar o Autor a ser pago, não pelo dobro, mas pelo triplo do valor diário devido, o que a lei manifestamente não prevê3, o que perfaz a quantia de MOP9.240,00.
  Na presente acção o Autor, embora no seu pedido final não o individualize concretamente, embora o englobe no montante peticionado, reclama na parte final do seu articulado, ainda, a compensação económica pelo não gozo do dia de descanso compensatório o que, em face das disposições legais supra citadas, entendemos ser de atribuir de modo a ser-lhe concedido um montante equivalente a um dia de salário, o que dá o montante de MOP 9.240,00.
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  Às quantias supra mencionadas acrescerão juros a contar da data do trânsito em julgado desta sentença (4)atento o que dispõe o artigo 794.°, n.º 4 do CC, dado que por estarmos na presença de um crédito ilíquido, os juros moratórios, só se vencem a contar da data em que seja proferida a decisão que procede à liquidação do quantum indemnizatório.
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  IV. Decisão:
  Nestes termos e pelos fundamentos expostos, julga-se a acção parcialmente procedente e em consequência condena-se a Ré a pagar ao Autor a quantia global de MOP 93.154,00 (a título de diferenças salariais, MOP 30.800,00; a título de trabalho extraordinário, MOP 10.319,00; a título de subsídio de alimentação, MOP 17.715,00; a título de subsídio de efectividade, MOP 15.840,00; a título de descansos semanais, MOP 9.240,00, a título do não gozo dos dias de descanso compensatório, MOP 9.240,00), acrescida de juros moratórios à taxa legal a contar dó trânsito em julgado da sentença que procede à liquidação do quantum indemnizatório.
  As custas serão a cargo da Ré e do Autor na proporção do decaimento.
  Registe e notifique.

Não se conformando com essa sentença, veio a Ré recorrer dela para este Tribunal de Segunda Instância, concluindo e pedindo:

a) O Despacho consagra um procedimento de importação de mão-de-obra nos termos do qual é imposta a utilização de um intermediário com o qual o empregador deve celebrar um contrato de prestação de serviços;
b) A decisão recorrida perfilha o entendimento de que o Despacho se reveste de imperatividade e estabelece condições mínimas de contratação de mão-de-obra não residente;
c) Contrariando tal entendimento, o Despacho em parte alguma estabelece condições mínimas de contratação ou até cláusulas-tipo que devessem integrar o contrato de trabalho a celebrar entre a entidade empregadora e o trabalhador;
d) É patente que o Despacho não fixa de forma alguma condições de contratação específicas e que, ainda que o fizesse, a violação dos seus termos importaria infracção administrativa, e não incumprimento de contrato de trabalho;
e) Assim, contrariamente ao que se propugna na decisão recorrida, nada permite concluir pela natureza imperativa do Despacho;
f) Decidindo em sentido inverso, o Tribunal recorrido fez errada aplicação do Despacho, nomeadamente dos seus arts. 3° e 9°;
g) Os Contratos são configurados na decisão a quo como contratos a favor de terceiro, nos termos do art. 437° do Código Civil;
h) Nesta lógica, o A. apresentar-se-á como terceiro beneficiário de uma promessa assumida pela R. perante a Sociedade, com o direito de exigir daquela o cumprimento da prestação a que se obrigou perante esta;
i) As partes nos Contratos, assim como o próprio Despacho 12/GM/88, qualificaram-nos como "contratos de prestação de serviços";
j) Deles é possível extrair que a Sociedade "contratou" trabalhadores não residentes, prestando o serviço de os ceder, subsequentemente, à R.;
k) Tais Contratos são pois efectivos contratos de prestação de serviços, não podendo ser qualificados como contratos a favor de terceiros;
I) Por outro lado, é unânime que a qualificação de um contrato como sendo a favor de terceiro exige que exista uma atribuição directa ou imediata a esse terceiro;
m) Tem-se entendido que o conceito de contrato a favor de terceiro implica a concessão ao terceiro de um benefício ou de uma atribuição patrimonial, e não apenas de um direito a entrar numa posição jurídica em que se tem a hipótese de auferir uma contraprestação de obrigações;
n) A obrigação da ora R. é assumida apenas perante a Sociedade, não havendo intenção ou significado de conferir qualquer direito, pelo contrato de prestação de serviços, a qualquer terceiro;
o) Igualmente não existe nos Contratos qualquer atribuição patrimonial directa a qualquer terceiro;
p) Sendo pacífico que o contrato a favor de terceiro exige que a prestação a realizar seja directa e revista a natureza de atribuição, é incorrecto o entendimento de que a contratação do A. pela R. é uma prestação à qual a R. ficou vinculada por força do contrato de prestação de serviços;
q) Não pode considerar-se que a remuneração do contrato de trabalho constitua essa atribuição, porque tal afastaria o requisito de carácter directo da prestação no contrato a favor de terceiro;
r) Como tal, é patente que não resulta dos Contratos nenhuma atribuição patrimonial directamente feita ao A., que este possa reivindicar enquanto suposto terceiro beneficiário;
s) Os Contratos ficam pois completamente no domínio do princípio da eficácia relativa dos contratos, vertido no art. 400º, n° 2 do Código Civil (princípio res inter alios acta, aliis neque nocet neque prodest);
t) Por fim, a figura do contrato a favor de terceiro pressupõe que o promissário tenha na promessa um interesse digno de protecção legal;
u) Não consta dos autos qualquer facto que consubstancie um tal interesse;
v) Assim, admitindo que dos Contratos resultará qualquer direito a favor do A., sempre ficou por demonstrar que a Sociedade tivesse interesse nessa promessa, o que impede a qualificação dos Contratos como contratos a favor de terceiro;
w) Assim, arredada a aplicação do mecanismo do contrato a favor de terceiro, nenhum outro sobreleva que possa suportar a produção, na esfera jurídica do A., de efeitos obrigacionais emergentes dos Contratos;
x) Ao decidir como o fez, o Tribunal recorrido violou o disposto nos arts. 400º, n° 2 e 437º do Código Civil;
y) Em função do correcto entendimento do Despacho e dos Contratos, conclui-se que nenhum direito assiste ab initio ao A. para reclamar quaisquer "condições mais favoráveis" emergentes destes contratos;
z) Pelo que não deverá ser-lhe atribuída qualquer quantia a título de putativas diferenças salariais.
aa) Do mesmo correcto entendimento do Despacho e dos Contratos deverá decorrer a absolvição da R. também quanto ao pedido formulado a título de trabalho extraordinário;
bb) do correcto entendimento do Despacho e dos Contratos resulta a sua ineficácia para atribuir ao A. qualquer direito a título de subsídio de alimentação;
cc) O devido entendimento quanto à ineficácia obrigacional de Despacho e dos Contratos deve igualmente conduzir à absolvição da R. do pedido formulado a título de subsídio de efectividade.
Nestes termos, e nos mais de Direito, revogando a decisão recorrida nos termos e com as consequências expostas supra, farão V. Exas a costumada
JUSTIÇA

Notificado, o Autor respondeu pugnando pela improcedência total do recurso interposto pela Ré – cf. fls. 163 a 173 dos p. autos.

II

Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.

Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).

Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.

Em face das conclusões tecidas na petição do recurso, a única questão que constitui o objecto da nossa apreciação é a da qualificação jurídica do acordo celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada.

Não tem razão a recorrente.

Em primeiro lugar, é de frisar que não foi impugnada a qualificação jurídica, feita pelo Tribunal a quo, do celebrado entre o Autor e a Ré como contrato individual de trabalho.

Sobre a questão da qualificação jurídica do contrato de prestação de serviço celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada, este Tribunal de Segunda Instância já se pronunciou de forma unânime em vários acórdãos, concluindo que se trata de um contrato a favor de terceiro – Cfr. nomeadamente os Acórdãos do TSI tirados em 12MAIO2011, 19MAIO2011, 02JUN2011 e 16JUN2011, respectivamente nos proc. 574/2010, 774/2010, 876/2010 e 838/2011.

Não se vê portanto razão para não manter a posição já por este Tribunal assumida de forma unânime.

Ora sinteticamente falando, in casu, o Autor veio reivindicar os direitos com base num contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Limitada.

Ficou provado nos autos que no contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Limitada, foram acordadas as condições de trabalho, nomeadamente o mínimo das remunerações salariais, os direitos ao subsídio de alimentação e ao subsídio mensal de efectividade, e o horário de trabalho diário, que deveriam ser oferecidos pela Ré aos trabalhadores a serem recrutados pela Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Limitada e a serem afectados ao serviço da Ré.

E o Autor é um desses trabalhadores recrutados pela Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Limitada e afectados ao serviço da Ré que lhe paga a contrapartida do seu trabalho.

Segundando a nossa jurisprudência unânime, o Tribunal a quo qualifica o contrato de prestação de serviços, celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Limitada como um contrato a favor de terceiro, regulado nos artºs 437º e s.s. do Código Civil.

Ora, reza o artº 437º do Código Civil que:
1. Por meio de contrato, pode uma das partes assumir perante outra, que tenha na promessa um interesse digno de protecção legal, a obrigação de efectuar uma prestação a favor de terceiro, estranho ao negócio; diz-se promitente a parte que assume a obrigação e promissário o contraente a quem a promessa é feita.
2. Por contrato a favor de terceiro, têm as partes ainda a possibilidade de remitir dívidas ou ceder créditos, e bem assim de constituir, modificar, transmitir ou extinguir direitos reais.
O Prof. Almeida Costa define o contrato a favor de terceiro como “aquele em que um dos contraentes (promitente) se compromete perante o outro (promissário ou estipulante) a atribuir certa vantagem a uma pessoa estranha ao negócio (destinário ou beneficiário)” – Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 7ª ed., p.297 e s.s..
In casu, foi celebrado um contrato de prestação de serviços entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Limitada, em que se estipula, entre outros, o mínimo das condições remuneratórias a favor dos trabalhadores que venham a ser recrutados por essa sociedade e afectados ao serviço da Ré.

Assim, estamos perante um contrato em que a Ré (empregadora do Autor e promitente da prestação) garante perante a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Limitada (promissária) o mínimo das condições remuneratórios a favor do trabalhador (beneficiário) estranho ao contrato, que enquanto terceiro beneficiário, adquire, por efeito imediato do contrato celebrado entre aquelas duas contraentes, o direito ao “direito a ser contratado nessas condições mínimas remuneratórias”.

Reunidos assim todos os requisitos legais previstos no artº 437º/1 do Código Civil, obviamente estamos em face de um verdadeiro contrato a favor de terceiro, pois é imediata e não reflexamente que a favor do trabalhador foi assumida pela Ré a obrigação de celebrar um contrato de trabalho em determinadas condições com o Autor.

Improcede assim o recurso.

Resta decidir.

III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conferência negar provimento ao recurso interposto pela Ré C (MACAU) – Serviços e Sistemas de Segurança Limitada, mantendo na íntegra a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

Notifique.

RAEM, 28MAIO2015


Relator
Lai Kin Hong


Primeiro Juiz-Adjunto
João A. G. Gil de Oliveira


Segundo Juiz-Adjunto
Ho Wai Neng
1 http://www.court.gov.mo/o/odefault.htm
2 Cf., neste preciso sentido, Acórdão do TUI de 27 de Fevereiro de 2008, onde, avaliando uma situação semelhante envolvendo a aqui Ré nos presentes autos, afirma: «...tem razão a Ré ao dizer que o autor já recebeu o salário normal correspondente ao trabalho nesses dias de descanso, pelo que, agora, só tem direito a outro tanto, e não ao dobro, como se decidiu no Acórdão recorrido, que não explica, aliás, porque não levou em conta o salário já pago. É que está em causa o pagamento do trabalho em dia de descanso semanal, pelo dobro da retribuição normal, mas o autor foi pago já em singelo.» Temos conhecimento do sentido adoptado a este respeito pelo Tribunal de Segunda Instância, nomeadamente, no Acórdão tirado nos autos de Processo 1381201 I, com o qual, no entanto, sempre salvaguardando o seu douto entendimento, não concordamos.
3 Cremos, sempre salvaguardando opinião contrária, que a previsão constante do art. 43.º, n.º 2, 1) da Lei 7/2008, de 18/8/2008, traduz uma clarificação muito relevante a este respeito, tomando mais clara ainda a orientação legislativa, no sentido de compensar o trabalhador pela prestação do trabalho em dia que seria de descanso com um dia (e não dois) de remuneração de base; não seria muito compreensível, num território que se aproxima paulatinamente de novos padrões normativos, que, nesta matéria, sinalizasse um retrocesso tão drástico relativamente ao diploma anterior.
4 Com pertinência também para este caso, a jurisprudência do Acórdão do Tribunal de Última Instância no processo n.º 69/2010 de 02.03.2011.
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