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Processo nº 760/2014 Data: 21.05.2015
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “falsificação de documentos”.
“Erro notório na apreciação da prova”.
“União de facto”.



SUMÁRIO

1. “Erro” é toda a ignorância ou falsa representação de uma realidade. Daí que já não seja “erro” aquele que possa traduzir-se numa “leitura possível, aceitável ou razoável, da prova produzida”.
Sempre que a convicção do Tribunal recorrido se mostre ser uma convicção razoavelmente possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve a mesma ser acolhida e respeitada pelo Tribunal de recurso.
O princípio da livre apreciação da prova, significa, basicamente, uma ausência de critérios legais que pré-determinam ou hierarquizam o valor dos diversos meios de apreciação da prova, pressupondo o apelo às “regras de experiência” que funcionam como argumentos que ajudam a explicar o caso particular com base no que é “normal” acontecer.
Não basta uma “dúvida pessoal” ou uma mera “possibilidade ou probabilidade” para se poder dizer que incorreu o Tribunal no vício de erro notório na apreciação da prova.

2. A “união de facto” é uma “relação havida entre duas pessoas que vivem voluntariamente em condições análogas às dos cônjuges”; (cfr., art. 1471° do C.C.M.).

3. A “partilha de uma habitação, (co-habitação)”, não implica, (necessariamente), uma “união de facto”.

O relator,

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José Maria Dias Azedo


Processo nº 760/2014
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. B (B), arguido com os sinais dos autos, respondeu no T.J.B., vindo a ser condenado como autor da prática de 1 crime de “falsificação de documentos”, p. e p. pelo art. 243°, al. a) e 244°, n.° 1, al. b) do C.P.M., fixando-lhe o Tribunal a pena de 7 meses de prisão suspensa na sua execução por 2 anos; (cfr., fls. 318 a 321-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Inconformado com o assim decidido, o arguido recorreu.
Entende – em síntese – que a decisão recorrida padece de “erro notório na apreciação da prova” e “errada aplicação de direito”; (cfr., fls. 333 a 341-v).

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Em Resposta e posterior Parecer, é o Ministério Público de opinião que o recurso não merece provimento, devendo ser rejeitado por manifesta improcedência; (cfr., fls. 343 a 347 e 363 a 364-v).

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Cumpre decidir; (em conformidade com o art. 19° da R.I.T.S.I.).

Fundamentação

Dos factos

2. Estão provados e não provados os factos como tal elencados na sentença recorrida a fls. 319 a 320 que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Vem o arguido dos autos recorrer da sentença prolatada pelo Mmo Juiz do T.J.B. que o condenou como autor da prática de 1 crime de “falsificação de documentos”, p. e p. pelo art. 243°, al. a) e 244°, n.° 1, al. b) do C.P.M., fixando-lhe a pena de 7 meses de prisão suspensa na sua execução por 2 anos.

É de opinião que a decisão recorrida padece de “erro notório na apreciação da prova” e “errada aplicação de direito”.

Sendo apenas estas as “questões” colocadas, e outras, de conhecimento oficioso, não havendo, comecemos, como é lógico, pelo “vício da decisão da matéria de facto”.

–– Do “erro notório na apreciação da prova”.

Pois bem, sobre a matéria do “erro”, repetidamente tem este T.S.I. afirmado que:

“O vício do erro notório na apreciação da prova”: existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores”.
De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal”; (cfr., v.g., Ac. de 12.05.2011, Proc. n° 165/2011, e mais recentemente de 29.01.2015, Proc. n.° 13/2015 do ora relator).

Como também já tivemos oportunidade de afirmar:
“Erro” é toda a ignorância ou falsa representação de uma realidade. Daí que já não seja “erro” aquele que possa traduzir-se numa “leitura possível, aceitável ou razoável, da prova produzida”.
Sempre que a convicção do Tribunal recorrido se mostre ser uma convicção razoavelmente possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve a mesma ser acolhida e respeitada pelo Tribunal de recurso.
O princípio da livre apreciação da prova, significa, basicamente, uma ausência de critérios legais que pré-determinam ou hierarquizam o valor dos diversos meios de apreciação da prova, pressupondo o apelo às “regras de experiência” que funcionam como argumentos que ajudam a explicar o caso particular com base no que é “normal” acontecer.
Não basta uma “dúvida pessoal” ou uma mera “possibilidade ou probabilidade” para se poder dizer que incorreu o Tribunal no vício de erro notório na apreciação da prova; (cfr., v.g., Ac. de 22.05.2014, Proc. n.° 284/2014 e de 29.01.2015, Proc. n.° 13/2015).

Assente que assim cremos ter ficado o sentido e alcance do aludido “vício”, afigura-se-nos que se impõe negar provimento ao recurso na parte em questão.

De facto, o recorrente esgrime argumentos limitando-se a (tentar) controverter a matéria de facto dada como provada, tentando impor a sua “versão dos factos” que não foi aceite pelo Tribunal a quo que a apreciou no âmbito dos princípio da oralidade e imediação assim como do princípio da livre apreciação da prova consagrado no art. 114° do C.P.P.M., não se vislumbrando violação a qualquer regra sobre o valor da prova tarifada ou legal, regra de experiência ou legis artis, (que nem o próprio recorrente indica).
Na verdade, a prova de que em sede do seu processo de autorização de residência em Macau tenha o recorrente apresentado um pedido de renovação por si assinado, afirmando manter o mesmo “estado civil” de casado quando, efectivamente, se tinha entretanto divorciado, e que agiu livre e conscientemente, mostra-se em total sintonia com os documentos juntos aos autos, mais não se mostrando de dizer sobre a questão, o que, como é óbvio, não deixa de acarretar a improcedência da pedida “renovação da prova”; (cfr., v.g., o Ac. de 29.03.2001, Proc. n° 32/2001-I, do ora relator, e mais recentemente, de 31.05.2012, Proc. n° 49/2012 e de 23.10.2014, Proc. n.° 531/2014).

Seja como for, mostra-se de consignar ainda o que segue.

Nas suas “entrelinhas”, cremos que pretende o recorrente que este T.S.I. afirme que o Tribunal a quo incorreu em erro quando deu apenas como provado que ele e a sua ex-mulher, continuavam a “partilhar a casa após o divórcio”, pois que, em sua opinião, não obstante divorciados, viviam, (continuavam a viver), em “união de facto”, ou seja, “em condições análogas às dos cônjuges”.

Pois bem, não se vê como.

Com efeito, se o Tribunal a quo apreciando livremente a prova, e no âmbito dos referidos princípios de oralidade e imediação, entendeu que não estavam em situação de “união de facto”, como pretender que este T.S.I., altere tal convicção?

–– Aqui chegados, e no que toca ao imputado “erro de direito”, também pouco se mostra de dizer.

Desde já, e como indiscutível se nos mostra, verificados estão todos os elementos típicos objectivos e subjectivos do crime em questão, sendo a factualidade provada perfeitamente subsumível ao preceituado no art. 244°, n.° 1, al. b) do C.P.M..

Por sua vez, (e tentando dar resposta ao inconformismo do recorrente), consigna-se que, também em nossa opinião, idêntico (ou comparável) não é a relação de “união de facto”, (entendida como estado existente entre duas pessoas que “vivem voluntariamente em condições análogas às dos cônjuges”; cfr., art. 1471° do C.C.M.), e uma mera (e eventual) situação de “co-habitação” ou partilha de uma mesma habitação por duas pessoas (que até se encontram divorciadas entre si).

Dest’arte, e não se vislumbrando qualquer dos imputados vícios, impõe-se confirmar a decisão recorrida.

Decisão

4. Em face do exposto, acordam negar provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente com taxa que se fixa em 6 UCs.

Macau, aos 21 de Maio de 2015

José Maria Dias Azedo

Chan Kuong Seng

Choi Mou Pan (Vencido nos termos da declaração que se segue)


上訴案第760/2014號

表決聲明
  本人作為原來的裁判書製作人,在表決中落敗,現作出以下的聲明:
  上訴人的上訴理由是主張原審法院沒有認定可以顯示上訴人存在犯罪故意的事實,並且錯誤地解釋了已證事實中關於上訴人與妻子在離婚以及復婚期間的事實婚姻關係的事實。而是否存在可以顯示上訴人的犯罪故意的事實,完全可以在事實中以推論的方式而得出結論,如原審法院在已證事實中所加入的“嫌犯B在填報有關居留許可續期申請時不實申報其婚姻狀況此一重要法律事實,其目的是為使當時已非為其配偶的C所享有之居留許可得以繼續獲得續期,但最終基於非為嫌犯B己願的原因而未能成功”, 以及“然而,由於當時C已非嫌犯B的配偶,而正正基於此一屬行政當局當初批出居留許可的要件之欠缺,C在本澳的居留許可應依法不得獲續期”。這是一個對事實的解釋和進行法律適用的過程,而非事實的審理的過程,而這方面存在錯誤也並非事實的審理的瑕疵。同樣,對上訴人的事實婚姻的事實的解釋也是一個法律問題。
  關於“投資者管理人員及具特別資格技術人員臨時居留制度”的第3/2005號行政法規第十八條規定了投資者的“狀況的變更”的制度以及程序:
  “一、利害關係人須在臨時居留期間保持居留許可申請獲批准時被考慮的具重要性的法律狀況。
  二、如上款所指法律狀況消滅或出現變更,臨時居留許可應予取消,但利害關係人在澳門貿易投資促進局指定的期限內設立可獲考慮的新法律狀況,又或法律狀況的變更獲具權限的機關接受者,不在此限。
  三、為適用上款的規定,利害關係人須在法律狀況消滅或出現變更之日起計三十日內,就法律狀況的消滅或變更向澳門貿易投資促進局作出通知。
  四、不依時履行上款規定的通知義務又無合理解釋者,可導致臨時居留許可被取消。”
  正如已證事實所顯示:
  上訴人在因投資而獲得澳門非永久居民身份證的臨時居留資格後,於2007年4月21日,嫌犯B與C向上海浦東新區民政局婚姻登記處申請離婚及簽訂離婚協議書,離婚登記日期為同日。
  嫌犯與妻子離婚時,雙方曾簽署自願離婚協議書,就離婚後的財產歸屬作出分配。
  嫌犯於2011年4月8日再次與離婚後的妻子C結婚。
  由2007年4月21日嫌犯與C離婚後至2008年4月8日與C再婚期間,二人均在一起同住。
  誠然,上訴人確實在改變了婚姻狀況之後沒有及時向有關當局作出法律要求的通知,違反了上述的規定。然而,我們是在審理一個刑事案件,而非審理一個關於人的身份的需要嚴格的法律概念的民事案件,我們確實要認真理解作為一個一般人士的上訴人的行為,在我們的刑法體制中,是否構成犯罪並受到刑罰的懲處,只有在最後的情況下在作出。
  原審法院根據上述這些事實,認為“…… 既然二人就離婚後的財產安排也達成了協議,實在難以使本院相信他們在離婚後繼續以類似夫妻關係下共同生活,即使二人在離婚後繼續同住一間居所亦然。……”
  在充分的尊重的情況下,我們並不能同意這種看法。雖然二人就離婚後的財產安排達成了協議,他們在離婚後是否繼續以夫妻關係下共同生活取決於更多的事實,案件中沒有更多具體的客觀事實可資證明,但是我們後來所看到的他們再次結婚的事實,已經可以反過來說明他們,也許為了曾經的愛情以及對子女的共同責任,離婚後繼續同住一間居所的事實正是顯示他們繼續以夫妻關係下共同生活。
  那麼,既然上訴人的“前妻”可以符合有關法規第5條第2款的規定的“符合《民法典》第一千四百七十二條所指條件的有事實婚關係的人”,並沒有當然顯示其在澳門的臨時居留資格將因此被取消。所以在這個角度來看,也就是在刑事方面來看,上訴人並沒有為了他人的不法利益而使法律上重要的事實不實地載於文件之中。而上訴人沒有依法作出通知的行為是否將讓其承擔行政上的責任,甚至被取消居留資格的後果(注意:這個後果並不是因為上訴人以及前妻離婚的事實上本身),就不是在本案和法院能夠解決的。
  因此,我們認為上訴人的行為不構成犯罪,應該予以開釋。
2015年5月21日
蔡武彬

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