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Processo nº 644/2014
(Recurso Jurisdicional Administrativo)

Relator: João Gil de Oliveira
Data: 9/Julho/2015


Assuntos:
  - Co-herdeiro e comproprietário
- Requisito negativo de elegibilidade da candidatura à habitação económica nos termos da al. 1, do n.º 3 do art. 14º da LHE, Lei n.º 10/2011
    
    SUMÁRIO :
1. Tanto a jurisprudência, como a mais abalizada doutrina apontam no sentido de que só se adquirem os bens da herança após a partilha. Até à partilha, os co-herdeiros de um património comum, adquirido por sucessão mortis causa, não são donos dos bens que integram o acervo hereditário, nem mesmo em regime de compropriedade, pois apenas são titulares de um direito sobre a herança (acervo de direitos e obrigações) que incide sobre uma quota ou fracção da mesma para cada herdeiro, mas sem que se conheça quais os bens concretos que preenchem tal quota.

2. Um interessado em candidatar-se à habitação económica, no âmbito do regime da Lei n.º 10/2011, não pode ser excluído, por se considerar proprietário ou comproprietário de prédio urbano ou fracção autónoma com finalidade habitacional se durante esse período adquiriu a qualidade de herdeiro de uma herança, por morte do pai, onde se integrava o direito a metade de uma fracção, sem que, na partilha efectuada, lhe tenha sido adjudicado tal bem.
    
             O Relator,
          João A. G. Gil de Oliveira























Processo n.º 644/20144
(Recurso de Decisões Jurisdicionais)

Data : 9 de Julho de 2015

Recorrente: Presidente do Instituto de Habitação

Recorrido: A


    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
    1. O Exmo Senhor Presidente do Instituto de Habitação, entidade recorrida no processo, inconformado com a decisão proferida no Tribunal Administrativo que anulou decisão por si proferida, considerando que o recorrente, A, não reunia as condições para se habilitar a uma habitação económica, por a herança de seu pai integrar o direito a metade de um prédio habitacional, prédio que depois da partilha não ficou para si, vem recorrer, alegando, em síntese conclusiva:
   
    O objecto de recurso é contra o acórdão proferido pelo Tribunal no dia 19/05/2014, no aludido acórdão entende que a entidade recorrida na aplicação do artº 14º, nº 3, al. 1) LHE, houve erro nos pressupostos de direito, fez com que o acto recorrido violasse a lei, face a isto, veio nos termos do artº 21º, nº 1, al. d) CPAC e artº 124º do CPA, declarar a anulação da rejeição do recurso hierárquico necessário interposto pelo recorrido (recorrente do recurso contencioso), proferida pela entidade recorrida no dia 29/04/2013, onde diz que mantém a exclusão da candidatura do recorrente na lista de concurso para compra de habitação económica.
    O Tribunal a quo proferiu o acórdão com fundamento de que “após considerar integralmente o regulamento de acesso à compra de habitações económicas, o recorrente contencioso obteve o direito de propriedade de imóvel para habitação por sucessão não pertence ao disposto no artº 14º, nº3, al. 1) do LHE.”
    Salvo o devido respeito face ao acórdão recorrido, o recorrente entende que o acórdão supracitado fez uma interpretação restritiva errada do disposto no artº 14º, nº 3, al. 1) da LHE, violou o previsto no artº 8º, nº 2 do CC sobre “que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal”. Ao mesmo tempo, esta interpretação restritiva não corresponde com a intenção inicial da legislação.
    Dos factos provados no acórdão proferido pelo Tribunal a quo, vimos que o recorrido sucedeu a quota hereditária do imóvel para habitação deixado pelo seu pai falecido, sem dúvida que ele passou a ser co-proprietário desse imóvel, não obstante na partilha da herança foi ao mesmo tempo alienada a sua parte a um dos herdeiros. O recorrido não só voluntariamente aceitou e obteve a quota hereditária desse imóvel, bem como, dispôs livremente a sua quota-parte como se fosse um proprietário normal, esta situação constitui condição negativa prevista no artº 14º, nº 3, al. 1) da LHE, assim sendo, o recorrido não reúne os requisitos para requerer a compra de habitação económica, foi por isso que o recorrente excluiu o recorrido da lista de concurso para compra de habitação económica.
    Contudo, o Tribunal entendeu que proprietário por sucessão da quota hereditária de imóvel para habitação não está abrangido no âmbito do conceito de proprietário disposto no artº 14º, nº 3, al. 1) do LHE de 29 de Agosto, do entendimento do Tribunal, se não foi por capacidade económica do interessado que obteve imóvel ou terreno com finalidade habitacional na RAEM (incluindo sucessão ou doação), foi por certas razões que tinha na posse imóvel sem ter alienado, não devia considerar preenchidas os requisitos previstos no artº 14º, nº 3 da LHE, nesta circunstância devia ter em conta as condições económica e habitacional do interessado, aplicando o artº 14º, nº 2 e artº 17º do LHE, para contabilizar se o imóvel pertencente ao interessado excedeu ou não o limite do valor do património líquido previsto na lei avulsa. (vide fls. 11 a 13 do acórdão)
    Além disso, entende o Juiz do Tribunal a quo, que o artº 17º, nº 2 e 3 da LHE, não exclui a contabilização como património, imóvel ou terreno com finalidade habitacional na RAEM. (vide fls. 12 do acórdão)
    Salvo o devido respeito, o recorrente não concorda com a supracitada interpretação restritiva, feita pelo Tribunal a quo face ao artº 14º, nº 3, al. 1) do LHE, que padece de vício, razão porque:
    
    (1) A lei distingue expressamente imóvel com finalidade habitacional e imóvel com outros fins na RAEM
    Se o legislador distingue expressamente imóvel com finalidade habitacional e imóvel ou património com outros fins na RAEM, daí vemos que o legislador não pretende abranger isto no âmbito da apreciação do património, mas sim, quando se trata da situação de ser “proprietário de imóvel com finalidade habitacional na RAEM”, o requerente fica inelegível de poder adquirir a habitação económica.
    Por outras palavras, de facto, se o requerente pertencer à situação prevista no artº 14º, nº 3 do LHE, praticamente não necessita de fazer a apreciação do património – razão porque, mesmo que a contabilização do património não exceda o limite previsto na lei, contudo, por não preencher os requisitos previstos no artº 14º, nº3, o requerente fica inelegível de poder adquirir a habitação económica, caso contrário, não tinha necessidade de estipular especificamente neste artigo a expressão “com finalidade habitacional”.
    Nestes termos, com todo o devido respeito face ao acórdão proferido pelo Tribunal a quo, entendemos que tanto em termos de interpretação lógica, como em termos práticos, as limitações negativas de elegibilidade previstas no artº 14º, nº 3 da LHE, indirectamente exclui a necessidade de apreciar como património, imóvel ou terreno com finalidade habitacional na RAEM. Mas o acórdão recorrido na interpretação deste artigo, não fez distinção dos imóveis com outros fins na RAEM, assim sendo evidentemente que violou a intenção inicial desse artigo.
    
    
    (2) A disposição transitória exclui que seja aplicada no presente caso a apreciação do património
    Além disso, no presente processo, o recorrido foi seleccionado na lista de concurso de acordo com o regime antigo, isto é, foi admitido na lista de concurso nos termos do “regulamento de acesso à compra de habitações construídas no regime de contrato de desenvolvimento para a habitação”.
    De facto, antes da entrada em vigor da LHE, os pedidos de aquisição de habitação económica eram apreciados nos termos do DL nº 19/93/M (sic) (correcto é DL nº 13/93/M), conforme este decreto, não estava previsto apreciação do património, apenas estipula no artº 4º, al. 7): “Nenhum dos membros do agregado pode ser proprietário de qualquer habitação ou terreno no território de Macau ou concessionário de terreno do domínio privado do Território.”
    Face a isto, nos termos do artº 60º, nº 5, al. 1) da LHE estipula: “5. Sem prejuízo do disposto na alínea 5) do artigo 63.º, as candidaturas admitidas na lista geral ao abrigo do disposto no Regulamento de acesso à compra de habitações construídas no regime de contrato de desenvolvimento para a habitação continuam válidas, tendo os respectivos candidatos direito à atribuição prioritária das habitações disponíveis e sendo-lhes aplicáveis: 1) Os requisitos de acesso à compra de habitação económica, previstos na presente lei, com excepção do n.º 2 e, até à data da apresentação da candidatura, do n.º 3 do artigo 14.º”.
    Pelo que, a candidatura do recorrido era tal e qual como as outras candidaturas antes da entrada em vigor da LHE, portanto não é aplicável a apreciação do património nos termos do artº 14º, nº 2 do LHE, nem era necessário de satisfazer o limite de rendimento e património previsto na LHE.
    Infelizmente, o acórdão recorrido usou o critério de apreciação do património previsto nos artºs 14º, nº 2 e 17º da LHE para interpretar o significado de “proprietário” e “finalidade habitacional” constante no nº 3.
    Todavia, tal como acima referiu, no regime antigo DL nº 13/93/M, não existe mecanismo de apreciação do património, além disso, “proprietário” tanto no regulamento antigo como a lei vigente tem quase o mesmo sentido, estipula expressamente que o requerente não pode ter na posse “habitação” (isto é imóvel para habitação ou com finalidade habitacional) e como requisito de exclusão da candidatura.
    Resumindo e concluindo, o acórdão recorrido usou o ponto de vista de apreciação do património para interpretar o objectivo do artº 14º, nº3 da LHE, que por sua vez obteve a conclusão que tanto imóvel com finalidade habitacional ou imóvel com outro fim devem ser apreciados como património, foi evidente que isto violou a intenção inicial da legislação desse artigo.
    
    (3) A questão da situação económica do requerente e fraude à lei
    O recorrente compreende que a supracitada interpretação constante no acórdão recorrido, pretende através do mecanismo de apreciação do património em conjugação com a interpretação restritiva da lei, excluir situações para além do previsto no artº 14º, nº3, al 1) da LHE, a fim de manter o direito de compra de habitação económica aos requerentes que por sucessão tornaram-se proprietários de imóvel com finalidade habitacional na RAEM.
    Contudo, é preciso afirmar que, apenas através do mecanismo de apreciação do património, não permite resolver a insuficiência já existente, designadamente bens móveis como poupanças, jóias etc. normalmente, só podem ser apreciados se o requerente os declarar, porque tais bens móveis possuem características de serem escondidos facilmente, assim sendo “se não foi por capacidade económica própria (incluindo sucessão ou doação) que obteve” o imóvel ou terreno com finalidade habitacional na RAEM, assim como, o requerente ou agregados antes da inscrição no concurso ou antes da apreciação do património tivessem alienado a sua propriedade ou terreno por troca de dinheiro, é difícil para a entidade saber se a situação dos bens declarados pelo requerente (principalmente a parte do dinheiro) corresponde ou não a verdade para poder supervisionar de forma eficaz.
    Quanto mais, aos requerentes que apresentaram a sua candidatura aquando vigorava o “regulamento de acesso à compra de habitações construídas no regime de contrato de desenvolvimento para a habitação” (incluindo o recorrido), estes não têm de cumprir os limites de rendimento e de património previstos na LHE:
    Sinceramente, face ao acórdão recorrido sobre a interpretação restritiva do artº 14º, nº 3, al. 1) do LHE, em certa medida, foi para tentar excluir situações em que o recorrente eventualmente obteve direito de propriedade de imóvel com finalidade habitacional na RAEM por sucessão de herança e não por capacidade económica própria (vide fls. 11 e 12 do acórdão), mas esta interpretação em relação a demais casos, torna-se ainda mais irracional, injusta e está a violar a intenção inicial do legislador quando criou este artigo, ou até provavelmente questão de fraude à lei, como por exemplo: o requerente poderá através da forma de “doação” ou “não por capacidade económica própria” obter propriedade, a fim de não ser limitado pelos requisitos negativos previstos no artº 14º, nº 3, al. 1) da LHE.
    Ou por exemplo outra situação, mesmo nos termos do regime antigo, “regulamento de acesso à compra de habitações construídas no regime de contrato de desenvolvimento para a habitação”, os requerentes da lista, por sucessão obtiveram imóvel para habitação e que se encontram a residir nessa propriedade, esses requerentes que sucederam a tal propriedade, deixam de preencher os requisitos previstos no artº 14º, nº 3, al. 1) da LHE, mas se aplicar a interpretação restritiva acima referida, tais requerentes podem optar pela forma de alienação de propriedade para manter a elegibilidade de compra da habitação económica (uma vez que não necessita de preencher as limitações de elegibilidade), assim sendo, será ainda mais injustos em relação aos requerentes com deficiências económicas, que realmente necessitam de comprar habitação económica.
    Ou ainda, às pessoas que antes da candidatura, por sucessão ou doação obtiveram imóvel com finalidade habitacional, que em princípio não tinha dúvida que estão inelegíveis de comprar habitação económica, mas com esta interpretação restritiva, passaram a ser elegíveis de requerer a compra de habitação económica, esta situação será muito injusta para as pessoas que se vão inscrever ou que já estão inscritas legalmente na lista para compra de habitação económica.
    Nota justificativa da LHE, de fls. 5, “3, ajustamento das condições de candidatura”, no ponto (3) “exigência de não se poder possuir propriedade antes da apresentação da candidatura” é designadamente o sentido constante no artº 14º, nº 3, al. 1) “ “com vista a preencher o objectivo de fornecimento de habitação económica”, prevenindo que a população vende o seu imóvel para obter vantagens e seguidamente requerer habitação económica, o requerente e seus agregados e esposa, não podem ser ou ter sido, nos cinco anos anteriores à data da apresentação da candidatura proprietários de imóvel com finalidade habitacional na RAEM para obter vantagens.” (vide anexo 1)
    Por isso, salvo o devido respeito, a interpretação restritiva constante no acórdão recorrido (isto é, não por capacidade económica própria que obteve imóvel ou terreno com finalidade habitacional na RAEM) é absolutamente contra o previsto no artº 14º, nº 3, al. 1) da LHE, violou o princípio da justiça e princípio da igualdade, bem como violou o objectivo do regulamento de fornecimento de habitação económica.
    
    (4) O legislador não teve intenção de excluir a situação de obtenção por sucessão face à aplicação do artº 14º, nº 3, al. 1 da LHE
    É de salientar que o previsto no artº 14º, nº 3, al. 1 da LHE não é nenhuma inovação do regulamento ou da prática. Isto foi porque, embora tivesse revogado o regulamento antigo de habitação económica (vide artº 7º, nº 1, 8º, nº1, al. b) do DL nº 26/95/M em conjugação com o artº 4º, nº 7 do DL nº 13/93/M), mas estipula na mesma que: “Nenhum dos membros do agregado pode ser proprietário de qualquer habitação ou terreno no território de Macau ou concessionário de terreno do domínio privado do Território.”, caso contrário, o pedido de compra de habitação económica não é aceite ou pode ser excluído.
    Além disso, nos termos do artº 34º, nº 4 da LHE, não porque o legislador não considerou absolutamente esta questão de sucessão, razão porque nesta alínea face à situação de sucessão estipulou um “proviso”: “O IH procede à resolução do contrato-promessa caso verifique, durante o período entre a celebração do contrato-promessa de compra e venda e a emissão do termo de autorização, que o promitente-comprador e os elementos do seu agregado familiar não cumprem os requisitos previstos no n.º 3 do artigo 14.º, salvo o incumprimento daqueles a favor de quem seja transmitida a posição contratual por morte do promitente-comprador ou dos elementos do seu agregado familiar.”
    Assim sendo, caso o legislador pretende que a situação de sucessão do direito de propriedade não esteja abrangida no artº 14º, nº 3, al. 1 da LHE ou considerasse que estes casos se tratam de situação especial ou excepcional, pois teria estipulado “proviso” face ao artº 14º, nº 3, tal como no artº 34º, nº 4 da mesma lei.
    Todavia, o legislador não só não o fez, assim como, propositadamente através do artº 14, nº 5 indicou claramente que não existe “situações excepcionais” em relação ao disposto no artº 14º, nº3 – o artº 14º, nº 5 só confere o poder discricionário à entidade recorrida para autorizar excepcionalmente agregados que requereram compra de habitação económica prevista no artº 14º, nº 4.
    Nestes termos, conforme o disposto no artº 14º, nº 3 da LHE vigente, vimos que o legislador não desconsiderou esta situação, mas sim não pretendia alterar o disposto na lei ou a prática habitual – isto é não pretende excluir a situação de sucessão ou e situações especial/ excepcional.
    
    (5) Os requisitos previstos no artº 14º, nº 3, al. 1) da LHE
    Conforme os requisitos de elegibilidade para compra de habitação económica disposto no artº 14º, nº 2, nº 3 e 4 da LHE, no qual, com excepção da situação de “autorização excepcional” prevista no nº 4, das demais situações têm necessariamente de preencher os requisitos exigidos nos nºs 2 e 3 desse artigo. Por outras palavras, basta existir qualquer uma das situações previstas no nº 2 ou 3 para excluir o candidato da lista de concurso.
    Conforme a 3ª comissão permanente, sobre proposta da lei intitulada “LHE”, índice do parecer nº 3/IV/2011, no ponto 4.2.2. “inelegibilidade” refere: “o artigo 14º da proposta de lei contempla um conjunto de situações que tornam as pessoas por elas abrangidas inelegíveis para se candidatarem à compra de habitação económica. Nos termos do nº 3, “(…) ” A comissão prestou especial atenção à questão dos candidatos não poderem possuir em Macau qualquer prédio urbano ou fracção autónoma com finalidade habitacional. Em face do limite estabelecido na proposta de lei, os representantes do Governo explicaram que esta restrição se aplica aos agregados familiares ou aos indivíduos e que se limita apenas aos prédios urbanos ou fracções com finalidade habitacional, em Macau. No entanto, se se possuir, em nome de uma sociedade comercial, qualquer prédio urbano ou fracção autónoma, estes imóveis são considerados como património e estão sujeitos aos limites de património líquido. De igual forma, se se possuir tal património no exterior, o seu valor será contabilizados para efeitos de limites de património, o que pode levar a que a pessoa em causa deixe de reunir os requisitos para o acesso à habitação económica. (…). (vide anexo 2)
    No supracitado parecer, “em face do limite estabelecido na proposta de lei”, o sujeito trata-se dos agregados familiares ou indivíduos que limitam apenas aos prédios urbanos ou fracções com finalidade habitacional, em Macau”. Por outras palavras, quando na RAEM é proprietário de fracção ou prédio com finalidade habitacional, quer seja parcial ou total, quer seja qual o meio de obtenção (obtida por contrato, sucessão, ocupação, acessão e outros meios dispostos na lei) ou se de facto residia, ocupava ou tinha na posse a fracção, tais pessoas ficam inelegíveis para se candidatarem à compra de habitação económica, mesmo que o seu rendimento não exceda o limite previsto no artº 14º, nº 2 da mesma lei.
    Ou podemos dizer, a intenção inicial da legislação do artº 14º, nº 3, al. 1) da LHE, foi para impedir aos requerentes que têm propriedade, de poder comprar habitação económica, no qual não é considerado como factor de admissão, se de facto, os requerentes residem, ocupam ou se chegaram a usufruir a aludida propriedade ou finalmente vendeu-a para obter vantagens.
    Além disso, pode consultar o acórdão do TSI nº 626/2012 de caso análogo, no qual foi feita a análise da intenção e natureza da legislação sobre requisitos negativos semelhantes, “a simples titularidade do direito de propriedade ou a simples condição de promitente-comprador de prédio ou fracção autónoma ou a propriedade ou concessão de terreno do domínio privado da RAEM nos moldes regulamentarmente estabelecidos (nº4, alíneas 1 e 2)) é eleita pelo articulista como factor objectivo impeditivo da própria candidatura”, entende, se bem que o requerente não obteve qualquer vantagem, “isso não pesou como circunstância atendível para o “legislador”, uma vez que este não deixou aberta a porta a nenhuma prova em contrário. Isto é, para ele é obstáculo inultrapassável o facto objectivo de o interessado ou algum elemento do agregado ser ou ter sido proprietário de fracção no período de três anos antes do termo do prazo para entrega do boletim de candidatura.”
    Além disso, na jurisprudência acima referida entende ainda “o que releva não é já uma situação de facto demonstrativa de actos de posse sobre a coisa, isto é, uma realidade que torne claro que o titular do direito já não usava a coisa ou que já dela não dispunha livremente, como parece ser a tese do recorrente. Quer dizer, o que é determinante não é a circunstância de o recorrente não dispor da coisa desde o momento em que celebrou o contrato-promessa com a respectiva tradição e recebimento do preço. Embora percebamos a fundamentação do recorrente, não podemos, no entanto, concordar consigo. Na verdade, o “legislador” fixou o requisito objectivo da titularidade do direito de propriedade sobre a coisa. Isto é, condicionou a solução à situação jurídica e não à situação de facto.”
    Conforme a análise supracitada, sabemos que o previsto no artº 15º da LHE (requisitos especiais) tem conteúdo diferente, o legislador estipulou os requisitos previstos no artº 14º como sendo requisitos gerais, portanto só se preencher situação excepcional, caso contrário, a falta de preenchimento de qualquer um dos requisitos previsto no artº 14º é razão para ser inelegível à compra de habitação económica e não ter que proceder a apreciação de demais requisitos.
    
    (6) A interpretação restritiva do acórdão supracitado violou o disposto no artº 8º, nº 2 do CC e da LHE
    Sinceramente, em termos de interpretação e explicação literal do artº 14º, nº 3, al. 1) da LHE, de facto, não estabeleceu qualquer exigência ou limitação específica face à razão como obteve a propriedade e se esta propriedade consegue ou não satisfazer as condições económicas e habitacionais do requerente e agregados, mas é lógico interpretar-se desta forma: desde que o requerente e seus agregados, dentro do prazo legal, ou seja, na situação prevista no artº 14º, nº 3, al. 1) da LHE, sejam promitentes-compradores ou proprietários de prédio urbano ou fracção autónoma com finalidade habitacional ou terreno na RAEM, não obstante qual a quota-parte a que têm direito, a forma da sua obtenção, quanto dispõe ou se esta fracção permite ou não resolver ou melhorar a situação habitacional dos agregados, tudo isto não são factores a considerar para a apreciação.
    Além disso, é necessário reconhecer que, se exigir que o recorrente aprecie todos os casos se o requerente obteve ou não a propriedade por capacidade económica própria, qual a parte que dispõe ou se a propriedade consegue ou não satisfazer as suas necessidades habitacionais como factores a considerar para aplicação do artº 14º, nº3 al. 1) da LHE, pois é evidentemente inviável.
    O objectivo das habitações económicas, tal como alega no acórdão, é para ajudar os residentes da RAEM, com nível de rendimento e situação económica específicos, resolver os seus problemas de habitação, mas a candidatura é ou não admitida, não se determina meramente pela situação económica ou se presentemente tem ou não capacidade de compra, também depende do requerente e seus agregados se preenchem e cumprem os requisitos negativos e positivos dispostos na LHE, especialmente em determinado período possuíam ou não imóvel com finalidade habitacional.
    Com vista a salvaguardar o princípio da igualdade prevista na LHE, de modo a poder concretizar e proteger os recursos de habitação económica de forma justa, razoável e eficaz na sua distribuição e disposição, o legislador face à elegibilidade e condições dos requerentes estipulou uma série de requisitos positivos e negativos, com o objectivo (espírito legislativo) de permitir que a entidade pública possa ter critérios e requisitos unânimes para tratar e apreciar cada caso.
    O legislador estipulou claramente e objectivamente os requisitos negativos do artº 14º, nº3, al. 1) da LHE, “os candidatos não podem ser ou ter sido, nos cinco anos anteriores à data da apresentação da candidatura e até à data de celebração da escritura pública de compra e venda da fracção” (aos requerentes do regime antigo, nos termos do artº60º, nº 5, al. 1), o requerente à data da apresentação da candidatura e até à data de celebração da escritura pública de compra e venda da fracção, não pode ser promitentes-compradores, proprietário de prédio urbano ou fracção autónoma com finalidade habitacional ou terreno na RAEM), tais requisitos não fazem distinção por causa da situação económica e habitacional do requerente.
    Por isso, com todo o devido respeito, o acórdão recorrido fez uma interpretação restritiva excessiva do artº 14º, nº 3, al. 1), pois não corresponde com o significado literal desse artigo, violou o artº 8º, nº 2 do CC, “que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal”, portanto a interpretação que fez não corresponde com a intenção inicial da legislação do artigo.
    Nos termos expostos, de facto não devemos actuar contra o sentido e axioma lógico previsto no artº 14º, nº 3, al. 1) da LHE vigente, que talvez possa trazer ainda mais problemas em concreto, como diz no acórdão: o “proprietário” referente no artº 14º, nº 3, al. 1 da lei nº 10/2011, não inclui “requerente que não por capacidade económica própria obteve prédio urbano ou fracção autónoma com finalidade habitacional ou terreno na RAEM (incluindo sucessão ou doação), e por certas razões não fez a sua alienação”.
    Face ao exposto, o acórdão recorrido interpretou erradamente o disposto no artº 14º, nº 3, al. 1), artº 14º e 17º da LHE, que por sua vez reconheceu erradamente que o recorrente na aplicação da lei, houve erro nos pressupostos de direito, tendo assim anulado a decisão do recorrente nos termos do artº 21º, nº 1, al. c) do CPAC e artº 124º do CPA, nestes termos o acórdão recorrido padece do vício de violação da lei..
    Pelo exposto, vem requerer ao TSI que julgue procedente o presente recurso, anule o acórdão recorrido e indefere o recurso contencioso do recorrido.
   
2. Não foram oferecidas contra-alegações.
3. O Exmo Senhor Procurador-Adjunto oferece o seguinte douto parecer:
Insurge-se a entidade recorrente contra o douto acórdão sob escrutínio essencialmente por este não ter assumido que os requisitos negativos contemplados na al. 1) do n° 3 do art° 14° da L.H.E., designadamente o conceito de "proprietárias de prédio urbano ou fracção autónoma com finalidade habitacional na RAEM" são de natureza objectiva, reportada à situação jurídica e não de facto, razão por que, ao entender-se, no acórdão que tal condição de proprietário não constitui, por si só, pressuposto de inadmissibilidade das candidaturas à aquisição de fracções económicas (nomeadamente nos casos, como o presente, em que tal condição não foi obtida devido a capacidade económica para o efeito, mas por mera sucessão), havendo que ponderar "as condições económicas e habitacionais do interessado" e submeter a averiguação da situação aos critérios dos limites de património previstos no n.º 2 do normativo apontado e art° 17° do mesmo diploma, se efectuou errada interpretação restritiva de tais dispositivos legais, com ofensa do disposto no n.º 2 do art° 8°, C.C., por não existir na letra daquelas um mínimo de correspondência verbal com tal interpretação.
    Encontramo-nos de acordo com praticamente todo o argumentado pela recorrente, no que tange à deficiente interpretação dos normativos em questão por parte do acórdão recorrido, afigurando-se-nos, porém, que, "malgré tout", por razão diversa das sustentadas nesse aresto, não poderia deixar de obter provimento o recurso contencioso.
    Tentando esclarecer:
    Expressa-se claramente no douto acórdão em crise que
    "Sem dúvida que o recorrente através da sucessão da quota hereditária de uma fracção autónoma para habitação deixada pelo pai, passou a ser co-proprietário dessa fracção autónoma, entretanto depois da partilha, tal quota hereditária foi, ao mesmo tempo, alienada a outro herdeiro.
    Entende este Tribunal que considerando o regime de acesso à habitação económica em geral, o recorrente por sucessão passou a ser proprietário de uma fracção autónoma habitacional ... "
    Ora, em nosso critério e seguindo, neste passo, o entendimento da recorrente, a simples titularidade do direito de propriedade encontra-se consagrada na norma como factor objectivo, impeditivo da candidatura pelo que, independentemente da concreta situação económica e habitacional do requerente, o mesmo não poderá almejar ser adquirente de habitação social.
    Pode, como é evidente, aquele factor objectivo não ter correspondência efectiva com as reais necessidades e capacidade aquisitiva do requerente, como, acreditamos, seria o caso presente em que o visado teria acedido, através de sucessão, a mínima quota hereditária de fracção autónoma para habitação : porém, tendo o legislador fixado o requisito objectivo de titularidade do direito de propriedade sobre a coisa, condicionando, pois, a solução à situação jurídica e não à situação de facto, não poderia a Administração deixar de se valer da previsão normativa para afastar o recorrente da candidatura em causa (neste sentido, respeitante ao arrendamento de habitação social, cfr ac. deste tribunal, de 22/11/12 in proc. 626/2012, aliás também referenciado pela recorrente).
    Donde, tendo partido o Mmo juíz "a quo" do pressuposto da qualidade de proprietário de fracção habitacional por parte do recorrente, vermos como errónea a interpretação normativa empreendida.
    Porém, é também com a ocorrência efectiva de tal pressuposto que nos não encontramos de acordo, entendendo que a mera aceitação da herança não terá colocado, desde logo, o aqui recorrido na situação de verdadeiro proprietário, designadamente para os efeitos que agora nos ocupam.
    Neste passo, somos a acompanhar o entendimento assumido pelo Exmo Colega junto do tribunal "a quo" (fls. 141 v) :
    
    "Digamos que, por força da aceitação, o recorrente foi abstractamente co-titular do domínio e co-possuidor dos bens da herança, que, recorde-se, equivalia a metade de um terço da identificada fracção habitacional. Mas, como em sede de partilha não recebeu qualquer parte do bem hereditário, tendo, sim, recebido em tomas o equivalente a 1/14 de 1/3 (um catorze avos de um terço) daquela fracção habitacional, ele acabou por não ser empossado como co-proprietário da referida fracção habitacional, sendo que, por força da retroactividade prevista no artigo 1959.º do Código Civil, só podem ser considerados co-proprietários da referida fracção de imóvel aqueles herdeiros aos quais foram atribuídas percentagens do imóvel.
    Dito isto, afigura-se-nos que o recorrente não pode ser considerado proprietário de fracção autónoma com finalidade habitacional, para efeitos do artigo 14.º, n.º 3, alínea 1), da Lei n.º 10/2011, apenas pelo facto de ter sido beneficiário de uma herança constituída por metade de 1/3 de uma fracção habitacional, sendo certo que, em sede de partilha, não lhe foi atribuída qualquer percentagem ou fracção de imóvel."
    Nestes parâmetros, sem necessidade de maiores alongamentos ou considerações, fundando-se a decisão da exclusão da candidatura a aquisição de habitação social do aqui recorrido exclusivamente naquela sua qualidade, que se entende não ter chegado a concretizar, terá agido a Administração com erro nos pressupostos, o que, por esta via, deverá conduzir ao mesmo desfecho preconizado pelo acórdão controvertido, ou seja, a anulação do acto alvo de impugnação contenciosa.
    É o que se entende.
    4. Foram colhidos os vistos legais.
    
    III - FACTOS
    Vêm provados os factos seguintes:

   “No dia 22/11/1989, os pais do recorrente, B e C adquiriram conjuntamente 2/3 da fracção autónoma sita na Rua da XXX nº XX, edf. XXX, XXº andar XX (vide fls. 54 a 65 dos autos, cujo teor se deu aqui por integralmente reproduzido).
   No dia 31/05/2005, o recorrente inscreveu no concurso de acesso à compra de habitações construídas no regime de contrato de desenvolvimento para a habitação com requerimento nº 0078039, posteriormente foi admitido na lista provisória (vide fls. 38 a 40 e verso, cujo teor se deu aqui por integralmente reproduzido)
   No dia 17/01/2011, C, assinou a escritura pública de habilitação notarial de herdeiros no 2º Cartório Notarial, declarando que B faleceu no dia 06/08/2010, antes do falecimento não deixou testamento ou documento que declare a sua última vontade, os herdeiros legítimos são a sua esposa e 7 filhos e filhas, entre os quais incluía o recorrente (vide fls. 51 a 65, cujo teor se deu aqui por integralmente reproduzido)
   No dia 23/05/2012, o recorrente, sua mãe e 6 irmãos e irmãs assinaram a escritura pública de partilha de herança, declarando a partilha de 1/3 da quota hereditária da fracção acima referida pertencente a B, relativamente ao recorrente, este declarou alienar a sua quota hereditária de 1/14 de 1/3 da fracção a um dos herdeiros D e já recebeu devidamente a compensação, este conteúdo consta nos registos da Conservatória dos Registos Predial (vide fls. 54 a 65 e 67 a 71 dos autos, cujo teor se deu aqui por integralmente reproduzidos).
   No dia 01/02/2013, através do ofício do IH nº 1302010117/DAH, o recorrente foi notificado para no dia 22/02/2013 comparecer no referido Instituto, a fim de escolher a habitação económica que estava a ser posta à venda, para o efeito tinha de munir o documento designado, com vista a apreciar de novo, se preenche os requisitos para compra da habitação económica (vide fls. 37 dos autos, cujo teor se deu aqui por integralmente reproduzidos).
   No dia 14/02/2013, o Chefe substituto do DAHP proferiu despacho, concordando com o teor do relatório nº 0370/DAHP/DAH/2013, indicando que após reapreciação do processo, conforme consta na resposta da Conservatória e escritura pública de partilha da herança, refere que o recorrente no dia 31/01/2011, através de sucessão da herança foi registado como proprietário de parte de uma fracção autónoma, bem como em 23/05/2012, através de escritura pública de partilha da herança declarou a alienação da sua parte a outro herdeiro, dado que o recorrente à data da apresentação da candidatura e até à data antes da celebração do contrato de compra e venda, foi proprietário da fracção autónoma para habitação, nos termos do 14º, nº 3. al. l) e artº 60º, nº 5 da Lei 10/2011, não é permitido comprar habitação económica, pelo que, decidiu ouvir o recorrente em audiência escrita (vide fls. 26 a 27 dos autos, cujo teor se deu aqui por integralmente reproduzidos).
   No dia 14/02/2013, o IH através do ofício nº 1302070273/DAH, notificou o recorrente da respectiva decisão, bem como, indicou na notificação que o recorrente tem de, no prazo de 10 dias, contados a partir da data do recebimento da notificação, apresentar explicação por escrito do facto em causa, que para o efeito podia entregar todos os meios de provas, seja testemunhal, material, documental ou demais provas (vide fls. 25 dos autos, cujo teor se deu aqui por integralmente reproduzidos).
   No dia 19/02/2013, o recorrente assinou o recebimento do respectivo ofício (vide fl.s 25 dos autos)
   No dia 21/02/2013, o recorrente apresentou alegações por escrito, declarou que seu pai faleceu por doença em 2010 e deixou uma fracção habitacional, por cuidar dos seus irmãos e irmãs, bem como, tinha candidatado na compra de habitação económica, por isso por vontade própria repudiou a sucessão da fracção, bem como, alienou a sua parte ao seu irmão D, sem ter recebido qualquer vantagem monetária, para comprovar foi entregue a declaração do D (vide fls. 22 a 24 dos autos, cujo teor se deu aqui por integralmente reproduzidos).
   No dia 28/02/2013, o Chefe substituto do DAHP proferiu despacho, concordando com o teor do relatório nº 0542/DAHP/DAH/2013, indicando que conforme as provas apresentadas pelo recorrente, demonstra que o recorrente depois da sucessão da quota hereditária da fracção em causa, alienou ao seu irmão D, se bem que o recorrente não recebeu qualquer compensação devido a isto, mas de facto, à data da apresentação da candidatura e até à data de celebração da escritura pública de compra e venda da fracção, foi proprietário de uma fracção para habitação na RAEM, assim sendo, ao abrigo do artº 14º, nº 3, al. (1) e artº 60º, nº 5, al. (1) da Lei nº 10/2011 e nos termos do artº 16º, nº 2 do Decreto-Lei n.º 26/95/M que aprova o “regulamento de acesso à compra de habitações construídas no regime de contrato de desenvolvimento para a habitação”, com alterações dadas pelo RA nº 25/2002, decidiu excluir a candidatura do recorrente da lista de concurso (vide fls. 20 a 21 e v dos autos, cujo teor se deu aqui por integralmente reproduzidos).
   No dia 05/03/2013, o IH, através do ofício 1302270156/DAH, notificou o recorrente da decisão e que podia interpor recurso hierárquico necessário, no prazo de 30 dias, contados a partir da data do recebimento da presente notificação (vide fls. 18 a 19, cujo teor se deu aqui por integralmente reproduzidos)
   No dia 28/03/2013, o recorrente face à decisão tomada pelo Chefe substituto do DAHP, interpôs recurso hierárquico necessário ao Presidente do IH, alegando designadamente que no dia 27/08/2011 teve uma queda, até à presente data ainda não está completamente curado, que desde a nascença até neste último momento, nunca possuiu nenhuma propriedade, antes não sabia em que circunstância, inconscientemente e sem estar ciente assinou certos documentos, o recorrente entregou certificado médico e recibos e um artigo publicado no jornal da declaração do repúdio da propriedade (vide fls. 4 a 17, cujo teor se deu aqui por integralmente reproduzidos).
   No dia 29/04/2013, a entidade recorrida proferiu despacho, concordou com o teor do relatório nº 0133/DAJ/2013, razão porque as provas, a saúde dos agregados, a situação económica e habitacional alegados pelo recorrente no recurso hierárquico necessário, não foram suficientes para ilidir o facto de o recorrente ter sido proprietário de parte de uma fracção após inscrição no concurso, nem pôde dispensar do cumprimento dos requisitos de não ser proprietário previsto no artº 14º, nº 3, al l) da Lei nº 10/2011, por isso, a sua justificação não foi aceite, deste modo, decidiu indeferir o recurso hierárquico do recorrente, mantendo que seja excluída a candidatura do recorrente da lista de concurso para compra de habitação económica (vide fls. 41 a 48, cujo teor se deu aqui por integralmente reproduzidos).
   No dia 2/05/2013, o IH através do ofício nº 1304220077/DAJ, notificou o recorrente que foi indeferido o seu recurso hierárquico necessário, bem como, indicava na notificação que o recorrente pode interpor recurso contencioso ao TA, no prazo de 30 dias, contados a partir da data de notificação (vide fls. 49 a 51, cujo teor se deu aqui por integralmente reproduzidos).
   No dia 05/06/2013, o recorrente, por meio do envio por fax, interpôs recurso contencioso ao presente Tribunal.”

    IV - FUNDAMENTOS
1. A questão que se coloca passa por saber se a sentença fez errada interpretação da lei ao anular o acto recorrido, ou seja, se houve erro nos pressupostos de direito conducentes à anulação do acto.
Fundamentalmente, na sentença recorrida, entendeu-se, a partir da conjugação de diversas normas da Lei n.º 10/2011, que o habilitante à habitação económica regulamentada naquele diploma não passa a ser automaticamente excluído por ter sido, nos cinco anos anteriores à data da apresentação da candidatura e até à data de celebração da escritura pública de compra e venda da fracção, promitente-comprador ou proprietário de prédio urbano ou fracção autónoma com finalidade habitacional ou terreno na RAEM, pois esse requisito deve ser complementado com o relativo ao património líquido do candidato a ser tido em consideração, nomeadamente, o preço de transacção de imóveis com finalidade habitacional no mercado livre, o montante do crédito bancário e outros encargos.

2. Para melhor compreensão do sentido vertido na douta sentença transcrevemos o segmento pertinente, tal como resulta da tradução junta (sic):
“O legislador na fixação do prazo, vimos que ele não pretende excluir definitivamente esses requerentes que chegaram a ser proprietários de fracção ou terrenos para fins habitacionais na RAEM; além disso, dado que não são proibidos requerentes da RAEM que sejam promitentes-compradores ou proprietários do contrato de promessa de compra e venda para fins não habitacionais, nem são proibidos os requerentes que tenham imóveis fora da RAEM, daí vemos que o legislador não teve a intenção de limitar a disposição patrimonial dos requerentes que têm certas condições económicas, mas os bens que os requerentes possuem (incluindo imóveis e terrenos) têm de cumprir os critérios de limite de património disposto no artº 14º, nº 2 e 17º da LHE.
Com todo o devido respeito face ao pressuposto de ter entendimento diferente sobre a mesma questão, o presente Tribunal considera que o objectivo da criação do artº 14º, nº 3 do LHE, foi evidentemente para garantir às pessoas que em determinado período de tempo por carência de capacidade económica, poder adquirir imóvel ou terreno para habitação (incluindo compra ou outras formas obtidas a título oneroso), reconhecer que a situação económica de tais pessoas é precária e que carecem condições habitacionais objectivas e devido ao facto necessitam de através dos recursos de habitação pública para ajudá-los a resolver o problema da habitação. Relativamente às pessoas que não devido à sua capacidade económica obteve imóvel ou terreno com finalidade habitacional (incluindo prédio urbano ou fracção autónoma) ou promitentes-compradores de imóvel ou concessionários de terrenos, não são completamente dispensados da averiguação, mas sim deve aplicar os critérios de limite de património previsto no artº 14, nº 2 e artº 17 da LHE, para contabilizar o imóvel pertencente ao aludido interessado se excedeu ou não o limite do valor previsto no diploma legal avulsa que regula o limite do património líquido. De facto, nos termos do artº 17º, nº 2 e 3 da lei avulsa, também não exclui que sejam contabilizados como bens, os imóveis e terrenos para habitação na RAEM.
Conforme o entendimento da entidade recorrida sobre o disposto no artº 14º, nº 3 do LHE, esta não ponderou que foi de forma passiva que o interessado teve o direito à sucessão da quota hereditária deixada pelo falecido e as limitações do repúdio da herança (vide artºs 1872º, nº 2, 1873º, 1879º, 1880º 2 1939º do CC); ao mesmo tempo, não considerou que o objectivo do legislador de ter estipulado o limite do prazo, foi porque não pretendia excluir definitivamente os interessados que chegaram a ter capacidade económica, obter imóvel ou terreno na RAEM para fins habitacionais, pelo contrário, se o interessado não por condições económicas próprias que adquiriu o imóvel ou terreno para habitação na RAEM (incluindo sucessão), assim como, por certas razões, tinha na posse propriedade que não foi alienada, então, não pode, conforme o entendimento da entidade recorrida face ao disposto no artº 14º, nº 3 da LHE, considerar preenchidos os requisitos de contagem do prazo previsto nessa lei, esta conclusão não ponderou absolutamente as condições económicas e habitacionais do interessado.
Se bem que o requerente possui certas condições económicas, tal como o acima referido, mas o legislador não teve a intenção de estipular limitações à disposição dos bens do requerente, apenas estipula um prazo para limitação da posse de imóveis e terrenos para fins habitacional na RAEM, reconhecendo que tais requerentes não têm condições económicas suficientes e carecem condições habitacionais objectivas, por isso, mesmo que o requerente, obteve gratuitamente (incluindo sucessão ou doação por morte) bens que depende meramente da sua vontade (acto de aceitação), contudo não existe obstáculo legal, o Tribunal entende que o direito de sucessão não devia limitar-se pelo artº 14º, nº 3 da LHE (se o legislador não teve a intenção de estipular limitações à disposição dos bens do requerente, incluindo não proibir os requerentes de serem Promitentes-compradores ou proprietários de prédio urbano ou fracção autónoma com finalidade não habitacional ou terreno na RAEM, nem exclui os requerentes que têm imóveis fora da RAEM (incluindo imóveis ou terreno para habitação), é difícil de imaginar como o legislador estipula limitações aos candidatos que aceitam bens provenientes de sucessão ou doação do falecido), mas sim, devia limitar-se apenas à apreciação dos bens disposto nos artºs 14º, nº 2 e 17º da mesma lei.
Face ao exposto, entende o presente Tribunal que a entidade recorrida na aplicação do artº 14º, nº 3, al. 1) houve erro nos pressupostos de direito1, fez com que o acto recorrido violasse o disposto no artº 21º, nº 1, al. c) do CPAC e artº 124º do CPA, pelo que deve ser anulado.”

3. Afigura-se-nos que a situação deve ser resolvida noutro prisma e com um fundamento que integra igualmente violação de lei por erro nos pressupostos de direito, razão por que não vamos tomar posição sobre a interpretação expendida, questão que não deixou implicitamente de ser colocada pelo recorrente.
A questão é a de saber se um co-herdeiro é um comproprietário e, assim, se o recorrente chegou a assumir a posição jurídica típica da previsão normativa contida no artigo 14º, n.º 3 da Lei n.º 10/2011 que prevê que “ … os candidatos não podem ser ou ter sido, nos cinco anos anteriores à data da apresentação da candidatura e até à data de celebração da escritura pública de compra e venda da fracção:
1) Promitentes-compradores ou proprietários de prédio urbano ou fracção autónoma com finalidade habitacional ou terreno na RAEM;(…)”.

4. Por o recorrente, dentro daquele período de 5 anos, ter adquirido a co-titularidade do direito à herança, onde se integrava o direito a uma parte de uma fracção de um prédio habitacional, mas que não se chegou a concretizar como direito à propriedade ou compropriedade na sua esfera jurídica, na exacta medida em que esse direito não lhe foi adjudicado na escritura de partilha, logo o IH veio dizer que ele foi comproprietário de um prédio habitacional, devendo ser considerado inelegível à candidatura a uma habitação económica.
É por aqui que as coisas devem ser resolvidas.
O recorrente jamais foi proprietário ou comproprietário de casa alguma, muito menos da que integrava o acervo hereditário de seu falecido pai.
Como podia ele ter actuado de outra forma? Repudiar a herança? Para mais não sendo possível o repúdio parcial (art. 1902, n.º 2 do CC)? Seria exigível que o fizesse para não perder o direito à habitação económica? Todos os candidatos à habitação económica, herdeiros de uma universalidade em que se integre uma casa de habitação terão de renunciar a todos os bens da herança? Não foi isso, seguramente, que o legislador pretendeu ao legiferar como o fez. Bem seriam diferentes as coisas se ele tivesse adquirido por herança casa destinada a habitação.

5. Tanto a jurisprudência, como a mais abalizada doutrina apontam no sentido de que só se adquirem os bens da herança após a partilha. Até à partilha, “os co-herdeiros de um património comum, adquirido por sucessão mortis-causa, não são donos dos bens que integram o acervo hereditário, nem mesmo em regime de compropriedade, pois apenas são titulares de um direito sobre a herança (acervo de direitos e obrigações) que incide sobre uma quota ou fracção da mesma para cada herdeiro, mas sem que se conheça quais os bens concretos que preenchem tal quota.” É pela partilha extrajudicial ou judicial que serão adjudicados os bens dessa universalidade que é a herança e que preencherão aquelas quotas. 2
Esta orientação tem sido proclamada pela Jurisprudência Comparada: “A compropriedade pressupõe um direito de propriedade comum sobre uma coisa ou bem concreto e individualizado, ao invés do que sucede na contitularidade do direito à herança que recai sobre uma universalidade de bens, ignorando-se sobre qual ou quais deles o direito hereditário se concretizará”.3
Ou como se expende noutro passo “A compropriedade pressupõe um direito de propriedade comum sobre uma coisa ou bem concreto e individualizado, e não, como na herança, sobre uma universalidade de bens, ignorando-se sobre qual ou quais esse direito hereditário se concretizará.” 4
6. Também o mesmo ensinamento se colhe da melhor Doutrina. Assim, o Professor Rabindranath Capelo de Sousa: “Nos casos em que haja lugar à partilha da herança, segundo a opinião dominante, o domínio e posse sobre os bens em concreto da herança só se efectivam após a partilha, uma vez que até aí a herança constitui um património autónomo nada mais tendo os herdeiros do que o direito a uma quota parte do património hereditário”5.
O Professor Pereira Coelho, a propósito da herança: “Não se trata de uma vulgar compropriedade entendida como participação na propriedade de bens concretos e determinados. Pelo contrário, contitularidade do direito à herança significa tanto como um direito a uma parte ideal, não de cada um dos bens de que se compõe a herança, mas sim da própria herança em si mesma considerada.” 6
Tanto assim, que se trata de realidades diferentes, é o que resulta do art. 1980º que dispõe: “Quando seja vendida ou dado em cumprimento a estranhos um quinhão hereditário, os co-herdeiros gozam do direito de preferência nos termos em que este direito assiste aos comproprietários.”
Compropriedade e herança não são a mesma coisa: a compropriedade pressupõe um direito de propriedade comum sobre uma coisa ou bem concreto e individualizado enquanto na herança o direito é sobre uma universalidade de bens, ignorando-se sobre qual bem concreto ele (o direito) se concretiza.
A comunhão hereditária não constitui uma compropriedade, pois os herdeiros não são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa – art. 1299º, nº1, do CC; eles são apenas titulares de um direito à herança, universalidade de bens, podendo estes ficar a pertencer só a uns ou a um e os outros compensados em tornas.
Na verdade, bem pode acontecer que, na partilha efectuada, o direito sobre parte do imóvel integrante do acervo hereditário em causa não viesse a ser adjudicado ao recorrente, como, na realidade, não foi.

7. Somos, pois, pelas apontadas razões, embora mantendo a decisão de anulação do acto impugnado, a manter a decisão proferida, ainda que por outros fundamentos, entendendo-se que ocorreu o vício de violação de lei por errada interpretação da mesma, não se concebendo que um co-herdeiro interessado numa herança que integre bens imóveis destinados a habitação seja, sem mais, antes de os receber por partilha possa ser considerado proprietário ou comproprietário desse bem para efeitos de o desconsiderar como pessoa elegível, por essa razão, à habitação económica.

Esta decisão não deixa, aliás, de reflectir o entendimento já anteriormente adoptado nesta Instância, como resulta do Proc. n.º 317/2013, de 12/6/2014.
    Como está bem de ver a decisão ora proferida, assente nesta argumentação, torna inútil o conhecimento das demais questões que vêm suscitadas.
    
    V - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao presente recurso jurisdicional, mantendo, ainda que com fundamentação diversa, a decisão recorrida.
    Sem custas por delas estar isenta a entidade recorrente.
               
               Macau, 9 de Julho de 2015,
               João A. G. Gil de Oliveira
               Ho Wai Neng
               José Cândido de Pinho
               
               Presente
               Victor Manuel Carvalho Coelho
1 Vide acórdãos do TSI nº 20/2005 (19/01/2006) e 162/2003 (15/04/2004)
2 - Ac. STJ, de 30/1/2013, Proc. n.º 1100/11.7TBABT.E1.S1
- Ac. STJ, de 4/2/1997, Proc. n.º 453/96 – 1ª secção - http://www.cidadevirtual.pt/stj/jurisp/bolAnualciv97.html
4 -Ac. do STJ, de 23.03.82, BMJ 315º,275
5 - Lições de Direito das Sucessões, 185
6 - Direito das Sucessões, 2ª ed. 1966-1967

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644/2014 4/31