Processo nº 426/2015
(Autos de recurso laboral)
Data: 18/Junho/2015
Recorrente:
- A (Autor)
Recorrida:
- B (Macau) – Serviços e Sistemas de Segurança, Ltd (Ré)
Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
A intentou junto do Tribunal Judicial de Base da RAEM a presente acção de processo comum do trabalho, pedindo a condenação da Ré no pagamento do montante de MOP$152.231,00, acrescido de juros legais até integral e efectivo pagamento.
Realizado o julgamento, foi a Ré condenada a pagar ao Autor a quantia de MOP$120.763,00, acrescida de juros moratórios à taxa legal a contar do trânsito em julgado da sentença que procede à liquidação do quantum indemnizatório.
Inconformado com a sentença, dela interpôs o Autor recurso ordinário, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
1. Versa o presente recurso sobre a parte da douta Sentença na qual foi julgada parcialmente improcedente ao Recorrente a atribuição de uma compensação devida pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal na medida de um dia de salário em dobro.
2. Porém, ao condenar a Recorrida a pagar ao Recorrente apenas o equivalente a um dia de trabalho (em singelo) pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal, o Tribunal a quo procedeu a uma não correcta aplicação do disposto no al. a) do n.º 6 do artigo 17º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, pelo que a decisão deve ser julgada nula e substituída por outra que condene a Ré em conformidade com o disposto na referida Lei Laboral.
3. Com efeito, resulta do referido preceito que o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser remunerado pelo dobro do salário normal, entendido enquanto duas vezes a retribuição normal, por cada dia de descanso semanal prestado.
4. Do mesmo modo, ao condenar a Recorrida a pagar ao Recorrente apenas e tão-só um dia de salário em singelo, o Tribunal a quo desviou-se da interpretação que tem vindo a ser seguida pelo Tribunal de Segunda Instância sobre a mesma questão de direito, no sentido de entender que a compensação do trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser feita em respeito à seguinte fórmula: (salário diário x n.º de dias de descanso não gozados x 2).
5. De onde, resultando provado que o Recorrente prestou trabalho durante todos os dias de descanso semanal durante toda a relação de trabalho, deve a Recorrida ser condenada a pagar ao Recorrente a quantia de MOP$52,996.00 a título do dobro do salário - e não só de apenas MOP$26.498,00, correspondente a um dia de salário em singelo conforme resulta da decisão ora posta em crise, acrescido de juros até efectivo e integral pagamento; devendo manter-se a restante condenação da Ré no pagamento da quantia devida a título de não gozo de dias de “descanso compensatório” em virtude do trabalho prestado em dia de descanso semanal.
Conclui, pedindo a revogação da sentença que condenou a Ré a pagar ao Autor apenas o equivalente a um dia de trabalho em singelo, e substituída por outra que atenda ao pedido formulado pelo recorrente.
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II) FUNDAMENTAÇÃO
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
A Ré é uma sociedade que se dedica à prestação de serviços de equipamentos técnicos e de segurança, vigilância, transporte de valores. (A)
Desde o ano de 1992, a Ré tem sido sucessivamente autorizada a contratar trabalhadores não residentes para a prestação de funções de «guarda de segurança», «supervisor de guarda de segurança», «guarda sénior», entre outros. (B)
Entre 25/04/2005 a 09/05/2010, o Autor esteve ao serviço da Ré, exercendo funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente (Doc. 1). (C)
O Autor foi recrutado pela C Lda., e posteriormente exerceu a sua prestação de trabalho para a Ré ao abrigo do Contrato de Prestação de Serviços n.º 1/1:(D)
- aprovado pelo Despacho n.º 00830/IMO/SEF/2005, de 08/02/2005, e válido até 31/01/2006 (Cfr. Doc. 2);
- foi substituído pelo Despacho n.º 00751/IMO/DSAL/2006, de 24/01/2006, com efeitos a partir de 15/03/2006 a 31/03/2007 (Cfr. Doc. 3)
- foi substituído pelo Despacho n.º 09501/IMO/DSAL/2007, de 29/05/2007, aprovado em 12/06/2006 e válido até 31/05/2008 (Cfr. Doc. 4);
- foi substituído pelo Despacho n.º 04735/IMO/GRH/2008, de 20/03/2008, com efeitos a partir de 27/03/2008 a 31/05/2010 (Cfr. Doc. 5).
Durante o início da relação de trabalho e até 31 de Dezembro de 2007, o A. auferiu da Ré, a título de salário anual e de salário normal diário, as quantias que abaixo se discriminam: (E)
Ano
Salário anual
Salário normal diário
2005
39014
153
2006
60061
167
2007
78761
219
O Autor exerceu a sua prestação de trabalho para a Ré, ininterruptamente, ao abrigo dos contratos aludidos em D). (1º)
Entre 25/04/2005 a 31/03/2007 a Ré nunca pagou ao Autor uma qualquer quantia a título de subsídio de alimentação. (3º)
Nos termos do Contrato de Prestação de Serviços n.º 1/1, aprovado pelo Despacho n.º 00830/IMO/SEF/2005, com entrada em vigor em 15/03/2005 e válido até 15/03/2006, seria “(…) sempre garantido (à Autora) o pagamento durante um período de 30 dias, actualmente correspondente a MOP$3,500.00 (três mil e quinhentas patacas), conforme as funções e salários do Mapa II e dos anexos”. (4º)
Entre Março de 2005 a Março de 2006, a Ré pagou à Autora a título de salário de base a quantia de Mop$2,100.00. (5º)
Nos termos do Contrato de Prestação de Serviços n.º 1/1, aprovado pelo Despacho n.º 00751/IMO/DSAL/2006, de 24/01/2006, válido até 31/03/2007 (mas que se manteve em vigor até Maio de 2007), foi acordado que seria “(…) sempre garantido (ao Autor) o pagamento mensal correspondente a MOP$4,000.00 (quatro mil patacas), conforme as funções e salários do Mapa II”. (6º)
Entre Abril de 2006 a Dezembro de 2006, a Ré pagou ao Autor a título de salário de base a quantia de Mop$2,288.00. (7º)
Entre Janeiro de 2007 a Maio de 2007, a Ré pagou ao Autor a título de salário de base a quantia de Mop$2,704.00. (8º)
Nos termos do Contrato de Prestação de Serviços n.º 1/1, aprovado pelo Despacho n.º 09501/IMO/DSAL/2007, de 29/05/2007, aprovado em 12/06/2007 e válido até 31/05/2008, seria sempre garantido (ao Autor) o pagamento mensal correspondente a MOP$5,070.00 (cinco mil e setenta mil patacas), conforme as funções e salários do Mapa II. (9º)
Entre Junho de 2007 a Dezembro de 2007, a Ré pagou ao Autor a título de salário de base a quantia de Mop$2,704.00. (10º)
Entre Janeiro de 2008 a Maio de 2008, a Ré pagou ao Autor a título de salário de base a quantia de Mop$4,659.00. (11º)
Resulta do Contrato de Prestação de Serviços n.º 1/1, aprovado pelo Despacho n.º 04735/IMO/GRH/2008, de 20/03/2008, valido até 31/05/2010, ser garantido (ao Autor) o pagamento mensal correspondente a MOP$4,868.00 (quatro mil oitocentas e sessenta e oito patacas), conforme as funções e salários do Mapa II. (12º)
Entre Junho de 2008 a Maio de 2010, a Ré pagou ao Autor a título de salário de base a quantia de Mop$4,576.00. (13º)
Durante todo o período da relação de trabalho entre a Ré e o Autor, nunca o Autor gozou de qualquer dia a título de descanso semanal. (14º)
Durante todo o período da relação de trabalho entre a Ré e o Autor, nunca a Ré atribuiu ao Autor um qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal. (15º)
A Ré nunca fixou ou conferiu ao Autor o gozo de um outro dia de descanso compensatório em virtude do trabalho prestado em dia de descanso semanal. (17º)
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Corridos os vistos, cumpre decidir.
Da compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal
Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).
Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.
Em face das conclusões tecidas na petição dos recursos, a única questão que constitui o objecto da nossa apreciação é a de saber qual é o multiplicador para o cálculo do trabalho prestado nos dias de descanso semanal.
Tem razão o recorrente.
Pois no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, a lei regula as condições do trabalho prestado em dias de descanso semanal e as diferentes formas de compensações desse trabalho consoante as variadas circunstâncias que o justificam.
Diz o artº 17º deste diploma que:
1. Todos os trabalhadores têm direito a gozar, em cada período de sete dias ume descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, calculada nos termos do disposto sob o artigo 26º.
2. O período de descanso semanal de cada trabalhador será fixado pelo empregador, com devida antecedência, de acordo com as exigências do funcionamento da empresa.
3. Os trabalhadores só poderão ser chamados a prestar trabalho nos respectivos períodos de descanso semanal:
a) Quando os empregadores estejam em eminência de prejuízos importantes ou se verifiquem casos de força maior;
b) Quando os empregadores tenham de fazer face a acréscimos de trabalho não previsíveis ou não atendíveis pela admissão de outros trabalhadores;
c) Quando a prestação de trabalho seja indispensável e insubstituível para garantir a continuidade do funcionamento da empresa.
4. Nos casos de prestação de trabalho em período de descanso semanal, o trabalhador tem direito a um outro dia de descanso compensatório a gozar dentro dos trinta dias seguintes ao da prestação de trabalho e que será imediatamente fixado.
5. A observância do direito consagrado no nº 1 não prejudica a faculdade de o trabalhador prestar serviço voluntário em dias de descanso semanal, não podendo, no entanto, a isso ser obrigado.
6. O trabalho prestado nos termos do número anterior dá ao trabalhador o direito a ser pago pelo dobro da retribuição normal.
Em face dos factos que ficaram provados nos presentes autos, não se mostrando que o trabalho em dias de descanso semanal foi prestado em qualquer das situações previstas no nº 3 e na falta de outros elementos fácticos, a compensação deve processar-se nos termos consagrados no nº 6, isto é, o trabalhador tem direito a ser pago pelo dobro da retribuição normal.
Assim, no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, para cálculo de quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso semanal, a fórmula é:
2 X o salário diário médio X número de dias de prestação de trabalho em descanso semanal, fora das situações previstas no artº 17º/3, nem para tal constrangido pela entidade patronal.
Como, por um lado, a sentença recorrida adoptou o multiplicador X 1 para o cálculo da quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso semanal, em vez de o multiplicador X 2 que defendemos, e por outro lado não foram objecto da impugnação quer o número dos dias de descanso semanal em que trabalhou quer o quantitativo diário do salário, é de alterar a sentença recorrida e passar a aplicar nela o multiplicador X 2 para o cálculo da compensação pelo trabalho prestado nos descansos semanais, o que nos leva a atribuir ao Autor, a título da compensação pelo trabalho prestado nos dias de descanso semanal, o valor de MOP$52.996,00, correspondente ao dobro de MOP$26.498,00, quantia fixada na sentença recorrida.
Tudo visto resta decidir.
***
III) DECISÃO
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conferência conceder provimento ao recurso interposto pelo Autor A:
* revogando a sentença recorrida na parte que diz respeito à compensação pelo trabalho prestado nos dias de descanso semanal;
* passando a atribuir ao Autor, a título da compensação pelo trabalho prestado nos dias de descanso semanal, o valor de MOP$52.996,00, com juros legais calculados de acordo com a forma definida pelo TUI no seu douto Acórdão de 02MAR2011, tirado no processo nº 69/2010; e
* mantendo o resto da condenação da Ré, nomeadamente o pagamento ao Autor a título da compensação pelo não gozo dos descansos compensatórios.
Custas a cargo da Ré pelo decaimento da acção na parte tratada neste recurso – arº 376º do CPC e artº 2º/1-i) do RCT, a contrario.
Registe e notifique.
RAEM, 18JUN2015
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Lai Kin Hong
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João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
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Tong Hio Fong
(Votei vencido quanto à fórmula adoptada na compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal, por entender que, sendo o trabalho prestado nesses dias pago pelo “dobro da retribuição”, este “dobro” é constituído por um dia de salário normal mais um dia de acréscimo.
Provado que o Autor ora recorrente já recebeu da Ré ora sua entidade patronal o salário diário em singelo, para efeitos de cálculo do valor da compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal, terá que deduzir esse montante pago em singelo, sob pena de estar o Autor a ser pago, não pelo dobro, mas pelo triplo do valor diário, ao que acresce ainda o dia de descanso compensatório, o Autor estar a ser pago pelo quádruplo do valor diário.)
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