Processo n.º 489/2015 Data do acórdão: 2015-6-25 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– crime de auxílio
– art.º 14.º, n.º 2, da Lei n.º 6/2004
– co-autor
– cúmplice
S U M Á R I O
1. Sendo co-autor do crime de auxílio p. e p. pelo art.º 14.º, n.º 2, da Lei n.º 6/2004, o arguido ora recorrente não pode alijar a sua responsabilidade penal com argumento de que não chegou ele a participar pessoalmente nos actos executados por outros co-autores do crime.
2. A comprovada co-autoria do recorrente na prática do crime faz precludir logicamente a sua tese de o ter cometido apenas como cúmplice.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 489/2015
(Autos de recurso penal)
Recorrente (arguido): B (B)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com o acórdão proferido em 10 de Abril de 2015 a fls. 113 a 117 do Processo Comum Colectivo n.º CR2-14-0224-PCC do 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, que o condenou como autor material, na forma consumada, de um crime de reentrada ilegal, p. e p. pelo art.º 21.º da Lei n.º 6/2004, de 2 de Agosto, na pena de quatro meses de prisão, e de um crime de auxílio qualificado (auxílio com obtenção de vantagem patrimonial), p. e p. pelo art.º 14.º, n.º 2, da mesma Lei, na pena de cinco anos e seis meses de prisão, e, em cúmulo jurídico dessas duas penas, finalmente na pena única de cinco anos e oito meses de prisão, veio o arguido B, aí já melhor identificado, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para rogar que fosse absolvido do crime de auxílio, ou pelo menos passasse a ser condenado apenas como cúmplice na prática deste crime, alegando, para o efeito, que como os três indivíduos residentes da China, ao encontrarem o próprio arguido em Macau que os foi receber, já tinham entrado em Macau clandestinamente, lhe era objectivamente impossível a prática desse crime, já consumado com pleno êxito por outrem, por um lado, e, por outro, que, fosse como fosse, ele se limitou a prestar auxílio material à prática por outrem do crime de auxílio, o que deveria relevar em sede do art.º 26.º, n.º 1, do Código Penal, com necessária e consequente atenuação especial da pena (cfr. com mais detalhes, a motivação do apresentada a fls. 128 a 134 dos presentes autos correspondentes.
Ao recurso respondeu o Digno Delegado do Procurador (a fls. 136 a 139) no sentido de não provimento do recurso.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 150 a 151), pugnando também pela manutenção do julgado.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se que ficou provado em primeira instância nomeadamente o seguinte:
– foi em observância do previamente acordado com outrem de identidade desconhecida que o arguido se deslocou sozinho, em 7 de Julho de 2014, cerca das onze horas da noite, à zona costeira perto do Hotel “Westin Resort” de Macau, para aí esperar, a fim de receber alguns indivíduos do Interior da China que viessem a entrar clandestinamente em Macau, e de os levar, através do veículo automóvel previamente preparado para o efeito, para outro sítio de Macau (cfr. o facto provado 4);
– até que em 8 de Julho de 2014, às duas horas e quinze minutos da madrugada, uma embarcação, com três residentes do Interior da China (que em Zhuhai da China tinham pago cada um deles cinco mil renminbis como despesas de imigração clandestina) chegou à zona costeira perto do dito hotel, perante o que o arguido foi logo a ter com eles, guiando-os a irem para uma montanha (cfr. os factos provados 5, 6 e 8);
– o arguido praticou os factos de modo livre, voluntário e consciente, com intuito de os praticar, sabendo que a sua conduta era ilegal e punível por lei (cfr. o facto provado 10).
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, é de notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Nesses parâmetros, conhecendo:
O art.º 14.º da Lei n.º 6/2004, de 2 de Agosto, dispõe que:
– <<1. Quem dolosamente transportar ou promover o transporte, fornecer auxílio material ou por outra forma concorrer para a entrada na RAEM de outrem nas situações previstas no artigo 2.º, é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos.
2. Se o agente obtiver, directamente ou por interposta pessoa, vantagem patrimonial ou benefício material, para si ou para terceiro, como recompensa ou pagamento pela prática do crime referido no número anterior, é punido com pena de prisão de 5 a 8 anos>>.
Enquanto segundo o art.º 2.º, n.º 1, alínea 1), da mesma Lei, são consideradas em situação de imigração ilegal as pessoas que se encontrem na Região Administrativa Especial de Macau, não estando autorizadas a nela permanecer ou residir, e que tenham entrado fora dos postos de migração.
No caso dos autos, ficou já provado o seguinte em primeira instância:
– foi em observância do previamente acordado com outrem de identidade desconhecida que o arguido se deslocou sozinho, em 7 de Julho de 2014, cerca das onze horas da noite, à zona costeira perto do Hotel “Westin Resort” de Macau, para aí esperar, a fim de receber alguns indivíduos do Interior da China que viessem a entrar clandestinamente em Macau, e de os levar, através do veículo automóvel previamente preparado para o efeito, para outro sítio de Macau (cfr. o facto provado 4);
– até que em 8 de Julho de 2014, às duas horas e quinze minutos da madrugada, uma embarcação, com três residentes do Interior da China (que em Zhuhai da China tinham pago cada um deles cinco mil renminbis como despesas de imigração clandestina) chegou à zona costeira perto do dito hotel, perante o que o arguido foi logo a ter com eles, guiando-os a irem para uma montanha (cfr. os factos provados 5, 6 e 8);
– o arguido praticou os factos de modo livre, voluntário e consciente, com intuito de os praticar, sabendo que a sua conduta era ilegal e punível por lei (cfr. o facto provado 10).
Dessa factualidade provada, resulta efectivamente demonstrada a prática, pelo ora recorrente, em co-autoria material (com outrem) do crime de auxílio (qualificado), p. e p. pelo art.º 14.º, n.º 2, da Lei n.º 6/2004, pelo que há que cair por terra a sua tese, defendida na motivação do recurso, de que ele, ao ter com os três indivíduos residentes da China, estes já entraram em Macau por acto de outrem.
De facto, sendo co-autor da prática do crime em questão, o arguido não pode alijar a sua responsabilidade penal com argumento de que não chegou ele a participar pessoalmente nos actos executados por outros co-autores do mesmo crime.
Improcede, pois, o pedido de absolvição do crime de auxílio em mira.
A comprovada co-autoria do recorrente na prática desse crime faz precludir logicamente a sua tese, subsidiária, de o ter cometido apenas como cúmplice, sendo consequentemente inviável a punição dele nos termos do n.º 2 do art.º 26.º do Código Penal.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar não provido o recurso.
Custas pelo arguido recorrente, com três UC de taxa de justiça e três mil e quinhentas patacas de honoários a favor da sua Ex.ma Defensora Oficiosa.
Comunique ao Processo n.º CR2-13-0377-PCS para os efeitos tidos por convenientes.
Macau, 25 de Junho de 2015.
________________________
Chan Kuong Seng
(Relator)
________________________
Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
________________________
Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)
Processo n.º 489/2015 Pág. 1/7