Processo nº 356/2015
(Revisão de Sentença do Exterior)
Data: 25/Junho/2015
Assuntos:
- Revisão de Sentença do exterior
SUMÁRIO :
É de confirmar uma sentença proferida pelos Tribunais de Hong Kong, relativa a um divórcio por mútuo consentimento, desde que se mostre a autenticidade e inteligibilidade da decisão revidenda, desde que transitada, não se tratando de matéria da competência exclusiva dos Tribunais de Macau e não se vendo em que tal confirmação possa ofender os princípios de ordem pública interna.
O Relator,
Processo n.º 356/2015
Data : 25/Junho/2015
Requerentes : - A e B
Requeridos : - Os mesmos
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I - RELATÓRIO
1. A (XXX1 XXX9 XXX8) e
B (XXX1 XXX9 XXX0), mais bem identificados nos autos,
Vêm nos termos dos artigos 1199.° e seguintes de Código de Processo Civil requerer,
REVISÃO E CONFIRMAÇÃO DE SENTENÇA PROFERIDA POR EXTERIOR DE MACAU
Nos termos e com os fundamentos seguintes :
1. Os ora Requerentes constituíram matrimónio em Macau, na Ílha de Coloane, em 23 de Setembro de 2005. - cfr. Doc. 1
2. No ano 2011 o ora Requerente B, requereu o divórcio junto ao Tribunal Distrital da Região Administrativa Especial de Hong Kong - cfr. Doc. 2
3. E por sentença proferida pelo Tribunal Distrital da Região Administrativa Especial de Hong Kong, no dia 29 de Novembro de 2012, foi decretada a dissolução do casamento entre os requerentes - cfr. Docs. n.º 3 .
4. Conforme no n.º 1 do artigo 1199 do CPC dispõe que: "Salvo disposição em contrário de convenção internacional aplicável em Macau, de acordo no domínio da cooperação judiciária ou de lei especial, as decisões sobre direitos privados, proferidas por tribunais ou árbitros do exterior de Macau, só têm aqui eficácia depois de estarem revistas e confirmadas.";
5. Estão preenchidos todos os requisitos previstos no artigo 1200.° do CPC, mormente quanto a trânsito em julgado, a partir do dia 21 de Janeiro de 2013, a competência do Tribunal donde provem a sentença revidenda e a regularidade da citação da Ré.
6. O Tribunal é o competente e os requerentes têm legitimidade processual.
7. Termos em que, deve a sentença identificada ser confirmada, por estar em condições legais de o ser, com todos os efeitos legais advenientes .
2. O Digno Magistrado do Ministério Público pronuncia-se no sentido de não vislumbrar obstáculo à revisão em causa.
3. Foram colhidos os vistos legais.
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
O Tribunal é o competente internacionalmente, em razão da matéria e da hierarquia.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária, dispondo de legitimidade ad causam.
Inexistem quaisquer outras excepções ou questões prévias de que cumpra conhecer.
III - FACTOS
Com pertinência, têm-se por assentes os factos seguintes:
Relativamente ao processo de divórcio que correu seus termos nos Tribunais de Hong Kong, foi proferida sentença certificada e documentada nos termos seguintes:
“Região Administrativa Especial de Hong Kong
Tribunal Distrital
Processo de divórcio
Nº 1XXX8 de 2011
________________________
B Peticionante
e
A
Contestante
________________________
Certificado do registrar
Acredito que o peticionante já comprovou suficiente o teor da petição, a ele deve conceder a sentença provisória do divórcio pelos seguintes fundamentos:
(a) Adultério cometido pela contestante ( )
(b) Comportamento irracional ( )
(c) Estão separados há um ano e por consentimento ( x )
(d) Estão separados há dois anos ( )
(e) Abandonado(a) há um ano ( )
E determino os seguintes:
(a) Não foi tomada decisão sobre as custas processuais ( x )
(b) A contestante pagará a metade das custas processuais ao peticionante ( )
(c) A contestante pagará as custas processuais fixadas ao peticionante ( )
(d) Fixa-se o valor das custas processuais a cargo do peticionante, que lhe foi
Concedida a assistência jurídica, conforme os dispostos no Regulamento de
Assistência Jurídica ( )
(e) A questão referente às custas processuais será decidida posteriormente ( )
Não têm filhos que implica a aplicação do artigo 18º do Capítulo 192 da Lei de Processo Matrimonial e Propriedade.
Aos 07 de Novembro de 2012
(Assinatura)
C
Registrar
(Selo)
Processo Especial
Notificação da Data de Declaração de Sentença
FCMC1XXX8/2011
No Tribunal Distrital da
Região Administrativa Especial de Hong Kong
Processo Matrimonial
Entre B Peticionante
e
A Contestante
De acordo com o artigo 33º (2A) do Regulamento de Processo Matrimonial, este processo já se encontra na lista de processo especial.
Tal como se mostra na cópia do certificado em anexo, o registrar certificou que o peticionante já comprovou suficiente o teor da petição e deve obter a sentença deste processo.
Decide-se que a sentença será declarada por juiz no dia 29 de Novembro de 2012, pelas 9:30, no Juízo de Família situado no Wanchai Tower, Harbour Road nº 12, Hong Kong, salvo motivo em contrário.
Não é necessário o comparecimento de ambas as partes no dito juízo na data supra indicada.
Aos 07 de Novembro de 2012.
Pel´Registrar
D
Tang & Associates
Room XX, XX Floor, XX
Centre, XX XX Road
Tsuen Wan,
NEW TERRITORIES
A
Jardins XX
Edf. XX, XXº andar-XX
Taipa, Macau
O presente documento electrónico não precisa de ser assinado
Impresso modelo 6
Certidão do Trânsito da Sentença Provisória em Absoluta (processo de divórcio)
Região Administrativa Especial de Hong Kong
Tribunal Distrital
Processo Matriomonial
Nº 1XXX8 de 2011 FCMC
________________________
B Peticionante
e
A Contestante
________________________
A sentença proferida em 29 de Novembro de 2012 neste processo decretou que caso ninguém apresente ao Tribunal motivos fundamentados para a decisão não transitar em absoluta no prazo de seis semanas, contado a partir da data da sua prolação, dissolver-se-á o casamento contraído entre
B Peticionante
e
A Contestante
em 23 de Setembro de 2005 na Conservatória do Registo Civil de Coloane, Macau. Certifica-se que a referida sentença foi transitada em decisão final e absoluta em 21 de Janeiro de 2013 por ninguém ter apresentado os motivos referidos, dissolvendo-se assim o casamento.
Aos 22 de Janeiro de 2013.
C
Registrar
(Selo)
--- o 0 o ---
Cartório de Juízo de Família
M2/F, Harbour Road
Wanchai Tower
Hong Kong
Tel.: 25825382
Data: 22 de Janeiro de 2013
Exmo (a) Senhor(a)
Refª: Processo matrimonial nº FCMC1XXX8/2011
Ao abrigo do artigo 66º do Regulamento de Processo Matrimonial, Capítulo 179, junto envio a VªExª a cópia carimbada da sentença absoluta deste processo, cujo original já se encontra arquivado.
Com os melhores cumprimentos.
Pel´Registrar
E
Tang & Associates
Room XX, XX Floor, XX
Centre, XX XX Road
Tsuen Wan,
NEW TERRITORIES
A
Jardins XX
Edf. XX, XXº andar-XX
Taipa, Macau
IV - FUNDAMENTOS
O objecto da presente acção - revisão de sentença proferida em processo de divórcio pelo Tribunal de Hong Kong, de forma a produzir aqui eficácia, passa pela análise das seguintes questões:
1. Requisitos formais necessários para a confirmação;
2. Colisão ou não com matéria da exclusiva competência dos Tribunais de Macau;
3. Compatibilidade com a ordem pública;
*
1. Prevê o artigo 1200º do C. Processo Civil:
“1. Para que a decisão proferida por tribunal do exterior de Macau seja confirmada, é necessária a verificação dos seguintes requisitos:
a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a decisão nem sobre a inteligibilidade da decisão;
b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do local em que foi proferida;
c) Que provenha de tribunal cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau;
d) Que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal de Macau, excepto se foi o tribunal do exterior de Macau que preveniu a jurisdição;
e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do local do tribunal de origem, e que no processo tenham sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
f) Que não contenha decisão cuja confirmação conduza a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública.
2. O disposto no número anterior é aplicável à decisão arbitral, na parte em que o puder ser.”
Com o Código de Processo Civil (CPC) de 1999, o designado privilégio da nacionalidade ou da residência - aplicação das disposições de direito privado local, quando este tivesse competência segundo o sistema das regras de conflitos do ordenamento interno - constante da anterior al. g) do artigo 1096º do CPC, deixou de ser considerado um requisito necessário, passando a ser configurado como mero obstáculo ao reconhecimento, sendo a sua invocação reservada à iniciativa da parte interessada, se residente em Macau, nos termos do artigo 1202º, n.º 2 do CPC.
A diferença, neste particular, reside, pois, no facto de que agora é a parte interessada que deve suscitar a questão do tratamento desigual no foro exterior à R.A.E.M., facilitando-se assim a revisão e a confirmação das decisões proferidas pelas autoridades estrangeiras, respeitando a soberania das outras jurisdições, salvaguardando apenas um núcleo formado pelas matérias da competência exclusiva dos tribunais de Macau e de conformidade com a ordem pública.
Não se conhecendo do fundo ou do mérito da causa, na revisão formal, o Tribunal limita-se a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade1, pelo que não há que proceder a novo julgamento tanto da questão de facto como de direito.
Vejamos então os requisitos previstos no artigo 1200º do CPC.
Autenticidade e inteligibilidade da decisão.
Parece não haver dúvidas de que se trata de um documento autêntico devidamente selado e traduzido, certificando-se uma decisão proferida pelo Tribunal de Hong Kong, Região Administrativa Especial da República Popular da China, de 29 de Novembro de 2012, cujo conteúdo facilmente se alcança, em particular no que respeita à parte decisória - dissolução do casamento -, sendo certo que é esta que deve relevar.2
Quanto aos requisitos relativos ao trânsito em julgado, competência do tribunal do exterior, ausência de litispendência ou de caso julgado, citação e garantia do contraditório, dispõe o artigo 1204º do CPC:
“O tribunal verifica oficiosamente se concorrem as condições indicadas nas alíneas a) e f) do artigo 1200º, negando também oficiosamente a confirmação quando, pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, apure que falta algum dos requisitos exigidos nas alíneas b), c), d) e e) do mesmo preceito”.
Tal entendimento já existia no domínio do Código anterior3, entendendo-se que, quanto àqueles requisitos, geralmente, bastaria aos requerentes a sua invocação, ficando dispensados de fazer a sua prova positiva e directa, já que os mesmos se presumiam4.
É este, igualmente, o entendimento que tem sido seguido pela Jurisprudência de Macau.5
Ora, nada resulta dos autos ou do conhecimento oficioso do Tribunal, no sentido da não verificação desses requisitos que assim se têm por presumidos, antes pelo contrário, até documentalmente se mostram comprovados.
2. Já a matéria da competência exclusiva dos Tribunais de Macau está sujeita a indagação, implicando uma análise em função do teor da decisão revidenda, à luz, nomeadamente, do que dispõe o artigo 20º do C.P.C.:
“A competência dos tribunais de Macau é exclusiva para apreciar:
a) As acções relativas a direitos reais sobre imóveis situados em Macau
b) As acções destinadas a declarar a falência ou a insolvência de pessoas colectivas cuja sede se encontre em Macau.”
Ora, facilmente se observa que nenhuma das situações contempladas neste preceito colide com o caso sub judice, tratando-se aqui da revisão de um divórcio requerido por ambos os cônjuges, divorciados em Hong Kong que aqui pretendem a confirmação desse divórcio.
3. Da ordem pública.
Não se deixa de ter presente a referência à ordem pública, a que alude o art. 273º, nº2 do C. Civil, no direito interno, como aquele conjunto de “normas e princípios jurídicos absolutamente imperativos que formam os quadros fundamentais do sistema, pelo que são, como tais, inderrogáveis pela vontade dos indivíduos.”6 E se a ordem pública interna restringe a liberdade individual, a ordem pública internacional ou externa limita a aplicabilidade das leis exteriores a Macau, sendo esta última que relevará para a análise da questão.
No caso em apreço, em que se pretende confirmar a sentença que dissolveu o casamento, decretando o divórcio entre os ora Requerentes, não se vislumbra que haja qualquer violação ou incompatibilidade com a ordem pública.
Aliás, sempre se realça que o nosso direito substantivo também prevê a dissolução do casamento, seja por via litigiosa, seja por mútuo consenso, seja a pedido de um dos cônjuges, como foi o caso, seja de ambos.
O pedido de confirmação de sentença do Exterior não deixará, pois, de ser procedente.
V - DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam conceder a revisão e confirmar a decisão, proferida na acção matrimonial (matrimonial cause) n.º 1XXX8 de 2011 FCMC, pelo Tribunal da Região Administrativa Especial de Hong Kong da República Popular da China, de 29 de Novembro de 2012, transitada em 21 de Janeiro de 2013, nos seus precisos termos.
Custas pelos requerentes.
Macau, 25 de Junho de 2015,
_________________________
João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
_________________________
Ho Wai Neng
_________________________
José Cândido de Pinho
1 - Alberto dos Reis, Processos Especiais, 2º, 141; Proc. nº 104/2002 do TSI, de 7/Nov/2002
2 - Ac. STJ de 21/12/65, BMJ 152, 155
3 - cfr. artigo 1101º do CPC pré-vigente
4 - Alberto dos Reis, ob. cit., 163 e Acs do STJ de 11/2/66, BMJ, 154-278 e de 24/10/69, BMJ, 190-275
5 - cfr. Ac. TSJ de 25/2/98, CJ, 1998, I, 118 e jurisprudência aí citada, Ac. TSI de 27/7/2000, CJ 2000, II, 82, 15/2/2000, CJ 2001, I, 170, de 24/5/2001, CJ 2001, I, 263 de 11/4/2002, proc. 134/2002 de 24/4/2002, entre outros
6 -João Baptista Machado, Lições de DIP, 1992, 254
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356/2015 1/14