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Processo nº 513/2015
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. O Digno Magistrado do Ministério Público deduziu acusação contra os arguidos A e B, imputando-lhes a prática em co-autoria, na forma consumada e em concurso real de:
- um crime de “venda, exposição e exibição pública de material pornográfico e obsceno”, p. e p. pelo n.° 1 do art. 4°, conjugado com o art. 1°, ambos da Lei 10/78/M, e,
- um crime de “exploração de prostituição”, p. e p. pelo n.° 2 do art. 8° da Lei n.° 6/97/M; (cfr., fls. 190 a 192-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Realizado o julgamento, o Colectivo do T.J.B. decidiu absolver os arguidos do imputado crime de “venda, exposição e exibição pública de material pornográfico e obsceno”, condenando-os pela prática do crime de “exploração de prostituição”, na pena (individual) de 1 ano de prisão suspensa na sua execução por 2 anos; (cfr., fls. 287 a 307).

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Recorreram o arguido A e o Digno Magistrado do Ministério Público.

O arguido, assacando à decisão (condenatória) recorrida o vício de “contradição insanável da fundamentação”, “erro notório na apreciação da prova” e violação dos art°s 101° e 102° do C.P.M.; (cfr., fls. 310 a 319-v).

O Ministério Público, considerando que o segmento decisório que absolveu ambos os arguidos do crime de “venda, exposição e exibição pública de material pornográfico e obsceno” padecia de “erro notório na apreciação da prova”; (cfr., fls. 324 a 328).

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Neste T.S.I. juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“Do recurso do arguido A
Na Motivação de fIs.310 a 319v. dos autos, o recorrente assacou ao douto Acórdão sob sindicância, a contradição insanável da fundamentação, o erro notório na apreciação de prova e a violação do preceituado nos arts.101° e 102° do CPM por não se dever declarar perdidos os bens que sejam adquiridos através dos factos ilícitos.
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Argumentou o recorrente que o 8° facto provado (Com a distribuição dos cartões referidos supra os arguidos iam angariando clientes para as raparigas que prestavam serviços de relação sexual) está na contradição insanável com o seguinte facto não provado: «b) As descrições e imagens das raparigas vestidas de sexy, expostas nos cartões e panfletos em causa, podiam fazer pensar nos serviços pornográficos e obscenos que ofendem o pudor e a moral pública.»
Acolhendo as boas doutrinas, o Venerando TUI consolida a firme jurisprudência que proclama: «A contradição insanável da fundamentação é um vício intrínseco da decisão, que consiste na contradição entre a fundamentação probatória da matéria de facto, bem como entre a matéria de facto dada como provada ou como provada e não provada. A contradição tem de se apresentar insanável ou irredutível, que não possa ser ultrapassada com o recurso à decisão recorrida no seu todo e às regras da experiência comum.» (vide. Acórdão no Processo n.°9/2015)
Em esteira, cremos com tranquilidade que não se verifica in casu a invocada contradição insanável da fundamentação: O referido facto não provado nada contradiz ou colide com a intenção dos arguidos traduzida em angariar, por via de distribuir os cartões e panfletos em causa, clientes para as raparigas que prestavam serviços de relação sexual.
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No que respeite ao «erro notório na apreciação de prova» previsto na c) do n. °2 do art.400° do CPP, é pacífica e consolidada, no nosso actual ordenamento jurídico de Macau, a seguinte jurisprudência (cfr. a título exemplificativo, Acórdãos do Venerando TUI nos Processo n.°17/2000, n.°16/2003, n.°46/2008, n.°22/2009, n.°52/2010, n.°29/2013 e n.°4/2014): O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem de formação média facilmente dele se dá conta.
Fundamentando o erro notório na apreciação de prova, o recorrente arguiu, no art.24° da Motivação, a inexistência da prova virtuosa de demonstrar o relacionamento entre si e as raparigas prestadora de serviço de relação sexual, e também os indivíduos chamados "C" e "D". (然而,在整個案件之證據調查中,由其審判聽證中各證人之證言、兩名嫌犯之聲明以及卷宗內之文件,根本不能證實或沒有足夠之確實證據證明上訴人曾與兩名賣淫女子以及控訴書內指出之 "C" 及 "D" 有任何接觸及溝通。)
É verdade que não há provas que permitam seguramente apurar a identidade concreta dos indivíduos "C" e "D", nem estavam descobertos, com precisão, os contactos ou comunicações entre os dois arguidos (o recorrente e a sua mulher) com estes dois indivíduos e com as raparigas prestadora de serviço de relação sexual.
Todavia, sucede que como bem observou a ilustre colega, a busca pelos agentes policiais na casa do recorrente descobriram 692 panfletos de 16 géneros, e 2649 cartões, e está comprovado o "negócio" da relação sexual provocado por tais panfletos e cartões. (警方在上訴人住所發現16款共692張宣傳卡片及2649張宣傳單張,以及證實存在透過該等卡片促成之賣淫交易。)
Em harmonia com a orientação jurisprudencial dominante no ordenamento jurídico de Macau, a factualidade provada na sua totalidade faz-nos entender, sem hesitação, que a apontada "falta de apuramento" não pode conduzir erro notório na apreciação de prova à decisão de condená-lo na prática, na co-autoria material e na forma consumada, dum crime p.p. pelo n.°2 do art.8° da Lei n.°6/97/M.
Com efeito, a circunstância de o recorrente e a sua mulher/2ª arguida não terem contacto e conhecimento pessoais com aqueles dois indivíduos e as referidas raparigas nunca os impedem de exercer a exploração de prostituição.
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Note-se que o recorrente/1° arguido é cônjuge da 2ª arguida B, tendo ambos declarado que estavam desempregados. Pois, esse casal exercia profissionalmente a exploração de prostituição e fazia deste exercício modo de vida único meio financeiro.
Nestes termos, e à luz da regra da normalidade, parece-nos crível o alegado no art.45° da Motivação. Quer dizer que na nossa óptica, não se pertencem nem ao recorrente nem à sua mulher/2ª arguida as quantias mencionadas na Apreensão n.°12.
O que nos aconselha a entender que merece provimento o recurso do recorrente nesta parte, no sentido de ser revogado o Acórdão recorrido e ordenada a restituição das quantias especificadas na Apreensão n.°12 ao recorrente.
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Do recurso do M.°P.°
Sem prejuízo do muito respeito pela melhor opinião em sentido contrário, subscrevemos inteiramente todas as criteriosas explanações da ilustre Colega na Motivação de fls.325 a 328 dos autos, dando-as aqui por integralmente reproduzidas para os devidos efeitos.
O que significa que na nossa modesta opinião, as distribuições realizadas pelos dois recorrentes constituem crime de «venda, exposição e exibição pública de material pornográfico e obsceno» p.p. pelo preceito no n.°1 do art.4° conjugado com art.l° da Lei n.°10/78/M. Daí que não podemos deixar de defender a procedência do mesmo.
Por todo o expendido acima propendemos pela procedência parcial do recurso do 1° arguido A e pelo provimento do recurso interposto pelo Ministério Público”; (cfr., fls. 346 a 348).

Fundamentação

2. O Colectivo do T.J.B. deu como provada a seguinte matéria de facto:

“1º
   Em data não apurada o 1.o arguido A e a 2.a arguida B entraram em acordo com terceiro e começaram a atirar para o chão e a distribuir às pessoas que passavam na zona dos aterros do Porto Exterior (ZAPE), sendo o 1º arguido junto ao Centro Internacional de Macau, cartões com imagens de mulheres, fazendo publicidade a serviços de massagens, recebendo cada um dos arguidos uma quantia pecuniária em montante não apurado por cada vez que distribuíam cartões.
   2º
   Os cartões e panfletos a dar publicidade ao serviço de massagem tinham os seguintes números de telefone: 6XXXXX25, 6XXXXX54, 6XXXXX74, 6XXXXX75, 6XXXXX30, 6XXXXX91, 6XXXXX89, 6XXXXX38, 6XXXXX28, 6XXXXX32, 6XXXXX78, 6XXXXX31 e 6XXXXX59.
   3º
   Os cartões acima referidos são coloridos e estão impressos dos dois lados, havendo-os com dois tipos de impressão:
   - Um dos tipos de cartões apresenta de um lado uma imagem de uma rapariga jovem vestida com fato de banho, de cor branca, a dizer o seguinte: “a nossa companhia reúne raparigas bonitas provenientes da China, Japão, Coreia, Europa e América, Negras bonitas, Singapura e Malásia, Vietname, Tailândia, etc. e ainda domésticas jovens e donzelas oriundas de Hong Kong, Macau e Taiwan”; do outro lado do cartão mostra uma imagem de uma rapariga jovem vestida a dizer o seguinte: “ Serviço durante 24 horas e deslocação ao local”. Em ambos os lados consta o número de telefone: 6XXXXX06.
   - Outro tipo de cartões apresenta de um lado uma imagem de três raparigas jovens, uma vestida de fato de banho, de cor laranja, outra vestida com camisa sem mangas (baby-doll) e com decote profundo, de cor prateada e florescente, outra vestida com uma camisa com decote profundo a dizer o seguinte: “Serviço de massagem durante 24 horas e deslocação ao hotel, negra bonita, preço adequado, bom serviço”; do outro lado do cartão mostra uma imagem de três raparigas jovens vestidas de bikini, de cor vermelho e amarelo; em ambos os lados do cartão consta o número de telefone: 6XXXXX89.
   4º
   No dia 27 de Outubro de 2012, cerca das 21.15horas, os agentes da polícia interceptaram o 1.o arguido no Centro Internacional de Macau, junto do Hotel E, e encontraram 15 cartões para divulgação do serviço de massagem entre os objectos na posse do arguido.
   5º
De seguida, na companhia do 1.o arguido, os agentes da polícia deslocaram-se à residência do 1.o arguido e da 2.a arguida, sita no XX, n.o XX, edf. XX, XX.o andar XX, e encontraram mais de dois mil cartões e panfletos com publicidade ao serviço de massagem e verificaram que havia alguns idênticos aos cartões acima aludidos e que foram apanhados do chão por agentes da polícia, num total de 692 cartões e 2649 panfletos.
   6º
   Os cartões e panfletos acima aludidos têm 16 tipos de impressão, entre os quais há 2 tipos que são iguais aos que foram encontrados na posse do 1.o arguido. Os cartões e panfletos estão impressos dos dois lados, são coloridos e com imagens de raparigas jovens, vestidas sexy. Há ainda dois cartões com imagens de raparigas jovens nuas, mostrando os seios. Para além dos números de telefones: 6XXXXX06, 6XXXXX89, 6XXXXX60, 6XXXXX24, 6XXXXX46, 6XXXXX70, 6XXXXX59, 6XXXXX28, 6XXXXX78, 6XXXXX74, 6XXXXX31, 6XXXXX74, 6XXXXX31, 6XXXXX32, 6XXXXX30, 6XXXXX91, 6XXXXX75, 6XXXXX38, 6XXXXX98, 6XXXXX54 e 6XXXXX25, descrevem ainda “raparigas de beleza pura”, “raparigas bonitas provenientes na Europa e América”, “serviço de massagem”, “a nossa companhia reúne raparigas bonitas provenientes na China, Japão, Coreia, Europa e América, Negra Bonita, Singapura e Malásia, Vietname, Tailândia, etc. E ainda domésticas jovens e donzelas oriundas de Hong Kong, Macau e Taiwan”, “raparigas bonitas provenientes no Japão e Coreia”, “Negra Bonita” “fica satisfeito com boas técnicas de massagem” “serviço especial dado por raparigas bonitas”, “Serviço durante 24 horas e deslocação ao local” “Há raparigas bonitas de várias nacionalidades e com idade entre 18 e 25 anos à sua escolha” “Há meninas Japonesas e Coreanas”, “Satisfação em 99,9%”, “Aparência atraente”, “Meninas Coreanas”, “Meninas Japonesas”, “Meninas do Continente”, “Meninas Portuguesas”, “Meninas Americanas”.
   7º
   Os cartões acima aludidos estão imprimidos nos dois lados, coloridos, e há dois tipos de impressão que são os seguintes:
   - Primeiro tipo, um lado apresenta uma imagem de uma rapariga jovem vestida sexy, com fato de banho, de cor branca, a dizer o seguinte: “a nossa companhia reúne raparigas bonitas provenientes da China, Japão, Coreia, Europa e América, Negras bonitas, Singapura e Malásia, Vietname, Tailândia, etc. e ainda domésticas jovens e donzelas oriundas de Hong Kong, Macau e Taiwan”; do outro lado do cartão mostra uma imagem de uma rapariga jovem vestida de sexy a dizer o seguinte: “ Serviço durante 24 horas e deslocação ao local”; em ambos os lados consta o número de telefone: 6XXXXX06.
   - Segundo tipo, de um lado apresenta uma imagem de três raparigas jovens, uma vestida de fato de banho, de cor laranja, outra vestida com camisa sem mangas (baby-doll) e com decote profundo, de cor prateada e florescente, outra vestida com uma camisa com decote profundo a dizer o seguinte: “Serviço de massagem durante 24 horas e deslocação ao hotel, negra bonita, preço adequado, bom serviço”; do outro lado do cartão mostra uma imagem de três raparigas jovens vestidas de bikini, de cor vermelho e amarelo; em ambos os lados do cartão consta o número de telefone: 6XXXXX89.
   8º
   Com a distribuição dos cartões referidos supra os arguidos iam angariando clientes para as raparigas que prestavam serviços de relação sexual.
   9º
   No apartamento sito na Rua de XX, edf. “XX”, XX.o andar XX, havia raparigas a praticar actividades de prostituição, as quais iam saindo daquela fracção autónoma deslocavam-se aos hotéis do ZAPE e batiam à porta dos quartos, aguardando que alguém abrisse a porta, posteriormente elas ficavam nos quartos durante 30 minutos a 1hora e depois voltavam ao apartamento acima aludido.
   10º
   No dia 21 de Outubro de 2012, G entrou em Macau, por disponibilização do indivíduo “D ”, passou a viver no apartamento sito na Rua de XX, edf. “XX”, XX.o andar XX. No dia 24 do mesmo mês, a G conheceu um indivíduo, do sexo feminino, de alcunha “C”, no casino H, e fizeram um acordo mútuo, pelo qual G recebia HKD2.000,00 (duas mil dólares de Hong Kong) e depois de prestar serviço de relação sexual dava HKD1.000,00 (mil dólares de Hong Kong) “C” como recompensa pela apresentação de clientes.
   11º
   No dia 27 de Outubro de 2012, cerca de 20:00horas, nas proximidades da Rua de XX, o 1.o arguido distribuiu um dos cartões a I.
   12º
   No dia 27 de Outubro de 2012 cerca das 20:00horas, G recebeu um telefonema da “C”, pedindo-lhe para se dirigir ao quarto n.o 1XX9 do Hotel E, para se encontrar com um cliente de nome I. G foi com J ao local indicado, onde I escolheu J para ter relação sexual e depois pagou-lhe HKD1.000,00 (mi dólares de Hong Kong) como recompensa pelo serviço prestado.
   13º
   I chamou as raparigas que prestavam serviços sexuais, G e J, através do número de telefone do cartão dado pelo 1.o arguido o qual consta de folhas 21 e aqui se dá por reproduzido.
   14º
   Os dois arguidos conjugaram-se com terceiros, que agiram por vontade própria e dividiram o trabalho, distribuindo os cartões e panfletos de publicidade ao serviço, a fim de angariar clientes para as raparigas que prestavam serviços sexuais, com intenção de obterem interesses pecuniários.
   15º
Os dois arguidos agiram livre, voluntária e conscientemente repartindo entre si tarefas, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
16º
No âmbito dos autos CR2-13-0414-PCS, o arguido A, por sentença de 25/03/2014, pela prática de um crime de venda, exposição e exibição pública de material pornográfico e obsceno p. e p. pelo art.º 4º nº 1 conjugado com o artº 1º ambos da Lei 10/78/M, foi condenado numa pena de 60 dias de multa, à razão diária de MOP$70,00, o que perfaz o montante de MOP$4,200.00, a qual corresponde a 40 dias de prisão caso não seja paga nem substituída por trabalho. Multa essa que foi paga por despacho de 28/05/2014.
17º
No âmbito dos autos CR1-14-0193-PCS, a arguida B, por sentença de 11/07/2014, pela prática de um crime de venda, exposição e exibição pública de material pornográfico e obsceno p. e p. pelo art.º 4º nº 1 conjugado com o artº 1º ambos da Lei 10/78/M, foi condenada numa pena de 45 dias de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano, e com 45 dias de multa, à razão diária de MOP$50,00, o que perfaz o montante de MOP$2,250.00, a qual corresponde a 30 dias de prisão caso não seja paga nem substituída por trabalho. Multa essa que foi paga por despacho de 29/09/2014”.
Seguidamente, consignou o Colectivo que:
“Não se provou que:
a)
A 2.a arguida ainda atendia as chamadas das pessoas que ligavam para os números de telefone constantes naqueles cartões e apresentava o serviço de deslocação ao local.
b)
As descrições e imagens das raparigas vestidas de sexy, expostas nos cartões e panfletos em causa, podiam fazer pensar nos serviços pornográficos e obscenos que ofendem o pudor e a moral pública.
c)
Os arguidos sabiam que as imagens e o teor dos cartões e panfletos ofendem o pudor e a moral pública, e mesmo assim distribuíam os objectos pornográficos e obscenos em lugar público”.

Do direito

3. Dois são os recursos trazidos à apreciação deste T.S.I..
O primeiro, do arguido A, imputando à decisão (condenatória) recorrida o vício de “contradição insanável da fundamentação”, “erro notório na apreciação da prova” e violação dos art°s 101° e 102° do C.P.M.
O segundo, da autoria do Ministério Público, considerando que o segmento decisório que absolveu os arguidos do crime de “venda, exposição e exibição pública de material pornográfico e obsceno” padecia de “erro notório na apreciação da prova”.

Vejamos então se padece o Acórdão recorrido dos vícios que lhe são imputados.

Nos termos do art. 400° do C.P.P.M.:

“1. O recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de direito de que pudesse conhecer a decisão recorrida.
2. O recurso pode ter também como fundamentos, desde que o vício resulte dos elementos constantes dos autos, por si só ou conjugados com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação;
c) Erro notório na apreciação da prova.
3. O recurso pode ainda ter como fundamento a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada”.

Sendo de se considerar que os “fundamentos de recurso” identificados nas várias alíneas do n.° 2 do transcrito comando legal correspondem a vícios da decisão da matéria de facto, e atentas as questões pelos recorrentes colocadas, comecemos, como se mostra lógico, pelos assacados vícios de “contradição insanável da fundamentação” e “erro notório na apreciação da prova”.

Pois bem, tratando do vício de “contradição insanável da fundamentação”, teve já este T.S.I. oportunidade de consignar que só ocorre o vício de “contradição insanável” quando “se constata incompatibilidade, não ultrapassável, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão”; (cfr., v.g. no Acórdão deste T.S.I. de 24.10.2013, Proc. n° 645/2013, e mais recentemente de 23.04.2015, Proc. n.° 846/2014).

E, em relação ao “erro”, igualmente tem este T.S.I. considerado que: “O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores”.
De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal”; (cfr., v.g., Ac. de 12.05.2011, Proc. n° 165/2011, e mais recentemente de 29.01.2015, Proc. n.° 13/2015 do ora relator).

Como também já tivemos oportunidade de afirmar:
“Erro” é toda a ignorância ou falsa representação de uma realidade. Daí que já não seja “erro” aquele que possa traduzir-se numa “leitura possível, aceitável ou razoável, da prova produzida”.
Sempre que a convicção do Tribunal recorrido se mostre ser uma convicção razoavelmente possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve a mesma ser acolhida e respeitada pelo Tribunal de recurso.
O princípio da livre apreciação da prova, significa, basicamente, uma ausência de critérios legais que pré-determinam ou hierarquizam o valor dos diversos meios de apreciação da prova, pressupondo o apelo às “regras de experiência” que funcionam como argumentos que ajudam a explicar o caso particular com base no que é “normal” acontecer.
Não basta uma “dúvida pessoal” ou uma mera “possibilidade ou probabilidade” para se poder dizer que incorreu o Tribunal no vício de erro notório na apreciação da prova; (cfr., v.g., Ac. de 22.05.2014, Proc. n.° 284/2014 e de 29.01.2015, Proc. n.° 13/2015).

Aqui chegados, e esclarecidos que cremos ter ficado o sentido e alcance dos assacados vícios de “contradição” e “erro”, que dizer das pretensões dos recorrentes?

–– Começando pelo “recurso do arguido”, mostra-se-nos de dizer desde já que o mesmo não merece provimento quanto aos assacados “vícios da matéria de facto”.

Com efeito, e tal como o considera o Ilustre Procurador Adjunto, também nós não vislumbramos nenhuma “contradição” entre o “facto provado n.° 8” – onde consta que “com a distribuição dos cartões referidos supra os arguidos iam angariando clientes para as raparigas que prestavam serviços de relação sexual” – e o “facto não provado”, no sentido de “as descrições e imagens das raparigas vestidas de sexy, expostas nos cartões e panfletos em causa, podiam fazer pensar nos serviços pornográficos e obscenos que ofendem o pudor e a moral pública”.

Basta pois ter em consideração que “sexo”, não implica, (necessária e automaticamente), “serviços pornográficos e obscenos que ofendem o pudor e a moral pública”, para além de os “factos” em questão situarem-se em “perspectivas ou planos diferentes”. O “facto provado n.° 8” tem relevo para o crime de “exploração de prostituição”, e o “não provado”, para o crime de “venda, exposição e exibição pública de material pornográfico e obsceno”.

No que tange ao “erro notório”, surpreende-o o recorrente, considerando que o Tribunal a quo incorreu em tal vício ao dar como provado que “com a distribuição dos cartões referidos supra os arguidos iam angariando clientes para as raparigas que prestavam serviços de relação sexual” e que “os dois arguidos conjugaram-se com terceiros, que agiram por vontade própria e dividiram o trabalho, distribuindo os cartões e panfletos de publicidade ao serviço, a fim de angariar clientes para as raparigas que prestavam serviços sexuais, com intenção de obterem interesses pecuniários”.

Ora, como é bom de ver, limita-se o recorrente a tentar impor uma outra – a sua – versão, (que não foi acolhida pelo T.J.B.), afrontando o princípio da livre apreciação da prova ínsito no art. 114° do C.P.P.M., que, como é óbvio não colhe, mais não se mostrando de dizer sobre a questão.

–– Quanto à alegada “violação dos art°s 101° e 102° do C.P.M.”, afigura-se de sobre a mesma nos pronunciarmos após apreciação do recurso do Ministério Público que, como se viu, também é de opinião que o Acórdão recorrido padece de “erro notório”.

Pois bem, aqui, a questão – o assacado “erro” – está na decisão de se ter absolvido ambos os arguidos quanto ao crime de “venda, exposição e exibição pública de material pornográfico e obsceno”, em consequência de provado não ter ficado que “os arguidos sabiam que as imagens e o teor dos cartões e panfletos ofendem o pudor e a moral pública, e mesmo assim distribuíam os objectos pornográficos e obscenos em lugar público”.

Ora, com todo o respeito pelo assim entendido, não nos parece de reconhecer razão ao Exmo. Recorrente, já que, independentemente do demais, não vislumbramos como, onde, ou em que termos tenha o Colectivo a quo incorrido no imputado erro notório, já que, em nossa opinião, não violou nenhuma regra sobre o valor da prova tarifada, regra de experiência ou legis artis.

Nesta conformidade, há que negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão de absolvição de ambos os arguidos pelo dito crime, (até por se mostrar em harmonia com o decidido em algumas decisões deste T.S.I., como v.g., e entre outras, o Ac. de 09.10.2014, Proc. n.°479/2014).

–– Por fim, apreciemos da alegada “violação dos art°s 101° e 102° do C.P.M.”.

Pois bem, no dispositivo do Acórdão recorrido consignou-se o seguinte:

“Ao abrigo do disposto no artigo 101° do Código Penal, no que concerne aos bens apreendidos, o dinheiro e telemóveis, declaram-se perdidos a favor da RAEM. Os restantes bens apreendidos são igualmente declaram-se perdidos a favor da RAEM e, oportunamente, destruídos por não terem valor económico. (cfr., fls. 200)”.

E cremos que o assim decidido não se pode manter.

Vejamos.

Nos termos do art. 101° do C.P.M.:

“1. São declarados perdidos a favor do Território os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de um facto ilícito típico, ou que por este tiverem sido produzidos, quando, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas ou a moral ou ordem públicas, ou oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos.
2. O disposto no número anterior tem lugar ainda que nenhuma pessoa possa ser punida pelo facto.
3. Se a lei não fixar destino especial aos objectos declarados perdidos nos termos dos números anteriores, pode o juiz ordenar que sejam total ou parcialmente destruídos ou postos fora do comércio”.

E, estatui o art. 102° do mesmo C.P.M.:

“1. Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, a perda não tem lugar se os objectos não pertencerem, à data do facto, a nenhum dos seus agentes ou beneficiários, ou não lhes pertencerem no momento em que a perda for decretada.
2. Ainda que os objectos pertençam a terceiro, é decretada a perda quando os titulares dos objectos tiverem concorrido, de forma censurável, para a sua utilização ou produção, ou do facto tiverem retirado vantagens, ou ainda quando os objectos forem, por qualquer título, adquiridos após a prática do facto, conhecendo os adquirentes a sua proveniência.
3. Se os objectos consistirem em inscrições, representações ou registos lavrados em papel, noutro suporte ou em meio de expressão audiovisual, pertencentes a terceiro de boa-fé, não tem lugar a perda, procedendo-se à restituição depois de apagadas as inscrições, representações ou registos que integrarem o facto ilícito típico; não sendo isso possível, o tribunal ordena a destruição, havendo lugar a indemnização nos termos da lei civil”.

Ora, constatando-se que com excepção do aludido “segmento decisório”, nada mais no Acórdão recorrido existe – nem na decisão da matéria de facto – quanto a tal “declaração de perdimento”, afigura-se-nos pois que se impõe a revogação do decidido para que, em sua substituição, e outro motivo não obstando, seja proferida nova decisão, justificando-se – de facto e de direito – os seus motivos; (cfr., v.g., o Ac. deste T.S.I. de 12.12.2013, Proc. n.° 696/2013).

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, acordam julgar parcialmente procedente o recurso do arguido A, e improcedente o recurso do Ministério Público.

Pelo seu decaimento pagará o arguido recorrente a taxa de justiça de 5 UCs.

Honorários ao Exmo. Defensor Oficioso no montante de MOP$1.500,00.

Macau, aos 02 de Julho de 2015
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José Maria Dias Azedo
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Tam Hio Wa
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Chan Kuong Seng (vencido na votação da decisão, nos termos da declaração apendiculada).







Declaração de voto ao Acórdão de 2 de Julho de 2015 do
Tribunal de Segunda Instância no Processo n.º 513/2015
Discorda o ora signatário da decisão feita no acórdão hoje proferido por este Tribunal de Segunda Instância (TSI) nos presentes autos recursórios n.o 513/2015, porquanto:
– na esteira da posição jurídica já assumida sobretudo no acórdão de 23 de Janeiro de 2014 do Processo n.º 766/2013 do TSI, na presente lide recursória seria de passar a declarar directamente os dois arguidos dos autos como co-autores do acto ilícito p. e p. pelo art.º 4.º, n.º 1, da Lei n.º 10/78/M, de 8 de Julho, julgando-se, pois, provido o recurso do Ministério Público;
– por outro lado, haveria que julgar totalmente não provido o recurso do arguido, sendo inclusivamente de considerar como legal e sensata a declaração, proferida pelo Tribunal a quo à luz do art.º 101.º do Código Penal, da perda dos objectos apreendidos à ordem dos autos a favor da Região Administrativa Especial de Macau, ante a matéria de facto já dada por provada em primeira instância.
Macau, 2 de Julho de 2015.
O primeiro juiz-adjunto,
Chan Kuong Seng
Proc. 513/2015 Pág. 26

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