Proc. nº 266/2015
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 16 de Julho de 2015
Descritores:
-Recurso jurisdicional
-Natureza do recurso
-Contrato de promessa
-Reconhecimento das assinaturas
-Registo Predial
SUMÁRIO:
I. Os recursos jurisdicionais são meios específicos de impugnação de decisões judiciais, que visam modificar as decisões recorridas, e não criar decisões sobre matéria nova e, por tal motivo, e em princípio, não se pode tratar neles questões que não tenham sido apreciadas pela decisão impugnada, exceptuando as questões novas que sejam de conhecimento oficioso e não decididas com trânsito em julgado. Ou seja, o recurso tem, por via de regra, um carácter de revisão ou reponderação e não uma natureza necessariamente de reexame.
II. De acordo com o art. 41º do CRP um contrato-promessa a que falte o reconhecimento presencial das assinaturas é um título insuficiente para efeitos de registo provisório.
III. Face ao art. 26º, nºs 1 e 6 da Lei nº 7/2013, de 27/05, os negócios jurídicos validamente celebrados antes da sua entrada em vigor manter-se-ão válidos.
IV. Ou seja, a Lei nº 7/2013 não se aplica, em regra, aos contratos de pretérito, salvo nos casos previstos no art. 26º, dos quais, porém, são afastados os contratos-promessa.
V. Nenhuma interpretação sensata pode legitimar a ideia de que um negócio validamente celebrado ao tempo do CRP bastará para o registo, se tanto o regime vigente ao tempo da sua celebração, como o actualmente imperante obrigam ao reconhecimento das assinaturas dos contraentes. Não faria, aliás, o menor sentido – nem isso tem o menor apoio na lei – dizer que só por ser válido, nada já mais obsta ao registo provisório, até porque são coisas diferentes: uma coisa é a validade do negócio, que tem que ser analisada sob o comando das disposições substantivas do Código Civil – outra é a sua registabilidade, que deve obedecer aos comandos normativos do registo predial.
VI. Se no regime legal anterior à Lei nº 7/2013 o registo não podia ser feito por falta de reconhecimento presencial das assinaturas dos outorgantes, mal se perceberia que, à luz do novo diploma - que sabemos entretecido de malhas mais apertadas para controlo do mercado imobiliário especulativo e reforço da transparência, segurança e certeza jurídicas - ele pudesse ser feito, tendo em conta, inclusive, que o próprio artigo 6º até continua a exigir o reconhecimento notarial das assinaturas dos contratantes!
Proc. nº 266/2015
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.
I – Relatório
SOCIEDADE DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO A, S.A., em chinês, A置業發展股份有限公司 e, em inglês A Property Investment Company Limited, com sede em Macau, na Avenida XX, XX Center of Macau, XX.º andar “XX”, registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis de Macau sob o n.º 7.XX1(SO) (de ora em diante, a “Requerente”), instaurou no TJB (Proc. nº CV3-14-0046-CRJ), ao abrigo, nos termos e para os efeitos dos artigos 121.º e seguintes do Código do Registo Predial, ---
PROCESSO ESPECIAL DE RECTIFICAÇÃO JUDICIAL ---
do registo a que se refere a inscrição n.º 2XXXX5G da Conservatória do Registo Predial, lavrado a favor de ---
B (0XX5-4XX9-0XX3), solteiro, maior, titular do titular do Bilhete de Identidade de Residente Permanente de Macau n.º 5XXXXX5(4), residente em Macau, na Avenida XX, Edifício XX Jardim, XX.º andar, apartamento “XX” (澳門XX大馬路XX閣XX樓XX座) (de ora em diante, o “Requerido”).
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Na oportunidade foi proferida sentença que julgou procedente o pedido e, em consequência, declarou a nulidade do registo de aquisição do direito resultante da concessão por arrendamento, incluindo a propriedade de construção da fracção identificada a favor do requerido, mais determinando o respectivo cancelamento.
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É contra essa decisão que ora se insurge o requerido, em cujas alegações de recurso formulou as seguintes conclusões:
«1. Nos presentes autos discute-se se um contrato-promessa de alienação de uma fracção de um edifício em construção celebrado antes da entrada em vigor da Lei n.º 7/2013, cuja assinatura dos outorgantes não esteja reconhecida presencialmente, é registável ao abrigo do novo regime;
2. Considerou o Tribunal recorrido que não e, por isso, declarou a nulidade do registo provisório por natureza de aquisição do mesmo, com base em título insuficiente para a prova legal do facto registado em face do disposto no artigo 41.º do CRP, determinando, em consequência, o respectivo cancelamento;
3. Em resumo, o Senhor Juiz a quo entende que o legislador, ao dispor no n.º 1 do artigo 26.º da Lei n.º 7/2013 que se mantêm válidos os negócios jurídicos do pretérito ali mencionados (promessa de transmissão ou oneração sobre parte do edifício em construção), quis apenas significar que os mesmos não deixam de ser válidos em face do novo regime, e não que todos eles, designadamente os que não foram objecto de reconhecimento presencial das assinaturas dos outorgantes, por serem válidos, são agora registáveis (cf. fls. 171 dos autos);
4. Não oferece dúvidas que, nos termos do n.º 3 do artigo 41.º do CRP, o reconhecimento presencial das assinaturas dos outorgantes nos contratos-promessa de alienação ou de oneração era condição necessária para o registo provisório de aquisição ou de hipoteca;
5. Porém, a entrada em vigor da Lei n.º 7/2013, subtraiu do âmbito de aplicação do artigo 41.º do CRP as promessas de transmissão e de oneração de edifícios em construção (cf. artigos 2.º e 3.º, n.º 1, da Lei n.º 7/2013);
6. Do âmbito de aplicação do novo diploma ficam excluídas as promessas de transmissão e de oneração celebradas antes da sua entrada em vigor, sem prejuízo do disposto no seu artigo 26.º (cf. artigo 3.º, n.º 2, alínea 1»;
7. O artigo 26.º é uma norma transitória, de natureza excepcional, que visa ressalvar a validade das promessas de transmissão e de oneração anteriores à entrada em vigor do novo regime, ainda que estas não preencham os requisitos da nova lei;
8. Da leitura do artigo 26.º não se pode concluir, como o faz o Senhor Juiz a quo, que as promessas de transmissão e de oneração do pretérito que não obedecem ao critério do reconhecimento presencial estão excluídas da registabilidade;
9. A dúvida consiste em saber se a referência à validade prevista no n.º 1 do artigo 26.º da Lei n.º 7/2013 é suficiente para que os negócios jurídicos do pretérito sejam registáveis;
10. Para esclarecer a dúvida é fundamental tomar em consideração a finalidade do novo regime: racionalização do funcionamento do mercado, reforço da transparência das transacções e garantia dos legítimos direitos e interesses das partes nas transacções (cf. artigo 1.º da lei n.º 7/2013);
11. Para o efeito, a Lei n.º 7/2013 estabeleceu um conjunto de mecanismos, tais como a autorização prévia de venda, forma dos contratos, cláusulas imperativas, confirmação por advogado, reconhecimento notarial e o registo dos negócios jurídicos (cf. artigos 4.º a 10.º);
12. Na versão primitiva da proposta de lei consagrava-se a exigência do registo obrigatório, contrariando deste modo o regime regra do registo facultativo, procurando-se com a medida assegurar a publicidade e a transparência das transacções das fracções autónomas em construção, no sentido de tomar pública a sua situação jurídica, colmatando as lacunas das “vendas repetidas da mesma moradia”, a fim de garantir a segurança na transmissão de imóveis (cf. Parecer da Assembleia Legislativa sobre a proposta de lei, pág. 8, a fls. 91v. dos autos);
13. O legislador deixou cair a exigência do registo obrigatório, determinando, contudo, que o pedido de registo dos negócios jurídicos relativos a edifícios em construção deve ser efectuado no prazo de 30 dias a contar do reconhecimento notarial referido no artigo 6.º, sob pena de após este prazo o registo estar sujeito ao pagamento do triplo dos emolumentos, sendo a inscrição provisória por natureza (cf. artigo 10.º, n.os 2 e 3);
14. Ao fixar o prazo de 30 dias, sob pena do pagamento do triplo dos emolumentos, o legislador pretendeu claramente acolher à protecção registral todos os negócios jurídicos válidos;
15. E no mesmo sentido vai o disposto no n.º 1 do artigo 9.º da Lei n.º 7/2013, nos termos do qual o pedido de reconhecimento notarial carece da apresentação da respectiva certidão do registo predial, determinando a alínea 1) do n.º 2 do mesmo preceito que o notário deve recusar o reconhecimento notarial quando exista registo provisório de aquisição a favor de pessoa diversa do promitente-vendedor, cedente da posição contratual ou promitente-onerante;
16. E nos termos do disposto no n.º 6 do artigo 26.º, com excepção da autorização prévia, confirmação por advogado e elementos necessários do contrato, a cessão da posição contratual ou promessa de oneração celebradas na vigência do novo regime mas relativas a contratos-promessa do pretérito estão sujeitas às disposições da Lei n.º 7/2013, estando por isso também sujeitas ao reconhecimento notarial previsto no n.º 3 do artigo 6.º, sob pena de nulidade por força do n.º 4 do mesmo preceito;
17. Da conjugação do artigo 9.º, n.º 1 e 2, alínea 1), e 26.º, n.º 6, resulta a impossibilidade do registo da cessão da posição contratual ou da promessa de oneração celebradas na vigência da Lei n.º 7/2013 relativamente a contrato-promessa celebrado antes da nova lei cujas assinaturas dos outorgantes não estejam reconhecidas notarialmente.
18. Não foi essa a intenção do legislador, sob pena de a esmagadora maioria dos contratos do pretérito não serem passíveis de ser objecto de contratos de cessão contratual ou de promessas de oneração, ficando sem efeito útil o disposto nos n. os 1 e 6 do artigo 26.º, contribuindo assim para uma situação de óbvia insegurança e incerteza jurídicas, em contradição com os objectivos de regularização do funcionamento do mercado imobiliário, o reforço da transparência das suas transacções e a garantia dos legítimos direitos e interesses dos contra entes traçados pelo legislador;
19. A necessidade do registo do contrato-promessa para efeitos de cedência da posição contratual ou sua oneração não só decorre da lei, como também transparece nos trabalhos preparatórios que a antecederam, em especial na nota justificativa (cf. pág. 5, a fls. 87 dos autos) e no parecer da Assembleia Legislativa (cf. págs. 128 e 129, a fls. 147v. e 148 dos autos);
20. Acresce que o teor do artigo 26.º vai no sentido de promover o registo dos negócios jurídicos de promessa de transmissão ou oneração de edifícios em construção celebrados antes da entrada em vigor da nova lei, não havendo qualquer distinção entre os negócios com a assinatura dos outorgantes reconhecida presencialmente e aqueles cujas assinaturas o não estão;
21. Ao estabelecer um regime excepcional no artigo 26.º, o legislador pretendeu estabelecer uma regra excepcional: que todos os contratos-promessa de transmissão e oneração sobre edifícios em construção ou as suas fracções autónomas sejam acolhidas à protecção registral;
22. E é porque se trata de uma situação de excepção que o registo em causa é feito a título provisório por natureza, valendo aqui exactamente as mesmas razões que o Senhor Juiz a quo, ao citar a Prof.ª Mónica Jardim, invoca para fazer valer opinião contrária;
23. Se não fosse para abranger todos os contratos do pretérito, não faria sentido este regime excepcional, uma vez que o artigo 3.º, n.º 2, alínea 1), já dizia que não se aplica aos negócios jurídicos celebrados antes da entrada em vigor da nova lei;
24. A ser assim, muito poucos negócios estariam aptos para efeitos de registo, uma vez que a prática corrente no período anterior à entrada em vigor da nova lei era, como é público e notório, a celebração dos contratos-promessa por escrito particular, sendo, quanto muito, testemunhado por advogado e nada mais;
25. Nos termos do n.º 1 do artigo 369.º do Código Civil, “se estiverem reconhecidas presencialmente, nos termos das leis notariais, a letra e a assinatura do documento, ou só a assinatura, têm-se por verdadeiras”;
26. A exigência do n.º 3 do artigo 41.º do CRP deriva da necessidade de se ter por verdadeira a assinatura das partes no contrato-promessa de alienação ou de oneração para efeitos de registo;
27. É a própria Requerente quem, nos artigos 3.º e 4.º da petição inicial, vem confessar que, efectivamente, celebrou o contrato-promessa e que aí apôs a sua assinatura;
28. Perante o teor meramente probatório do disposto no n.º 3 do artigo 41.º, e face ao disposto no n.º 2 do artigo 357.º do Código Civil, a confissão judicial da Requerente é suficiente para suprir a falta de reconhecimento presencial, tudo se passando como se a assinatura da promitente-vendedora tivesse sido ratificada ou realizada perante o funcionário da conservatória como se de um registo provisório de aquisição de um direito, antes de titulado o negócio, feito com base em declaração do proprietário, se tratasse;
29. Não permitir o registo no caso sub judice seria ignorar a intencionalidade do legislador que, num período de grande actividade especulativa, pretendeu regularizar o funcionamento do mercado imobiliário, reforçar a transparência das suas transacções e garantir os legítimos direitos e interesses dos contratantes;
30. Uma decisão como a que ora se recorre pode, inadvertidamente, premiar e legitimar a actuação de quem participa no tráfico jurídico de forma fraudulenta, não cumprindo pontualmente os contratos, frustrando assim a confiança depositada pela parte honesta, que se comporta de acordo com as regras da boa fé.
Termos em que deve o presente recurso ser declarado procedente, por provado, e em consequência ser a sentença ora recorrida revogada e substituída por outra que declare a validade do registo provisório de aquisição lavrado a favor do ora Recorrente sob a inscrição n.º 2XXXX5G, relativo à promessa de transmissão da fracção autónoma “F19” do 19.º andar do prédio sito em Macau, na Baía da XX denominado “XX - Zona A - Lote XX”, s/n, descrito sob o n.º 2XXX5, a fls. 81 do Livro BXX, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!».
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A requerente, nas suas contra-alegações, concluiu o seguinte:
«A. Ao pedir a revogação da douta sentença recorrida e a sua substituição por outra que declare a validade do registo, a Recorrente não indica qual a norma violada ou a que devia ter sido aplicada pelo Tribunal a quo, em manifesta inobservância do ónus imposto pelo artigo 598.º do CPC.
B. Ao suscitar a questão delimitada pelos parágrafos 25 a 28 das conclusões da sua alegação, a Recorrente pretende submeter à apreciação do Tribunal ad quem matéria nova cuja apreciação não pediu ao Tribunal a quo quando deduziu oposição ao pedido formulado pela Recorrida e que, como tal, não foi abordada na sentença recorrida;
C. Sendo entendimento pacífico dos tribunais que o objecto do recurso é a decisão recorrida e que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, salvo questões de conhecimento oficioso do tribunal, não deverá, salvo melhor opinião, o Tribunal ad quem conhecer da referida questão nova;
D. O entendimento propugnado pelo Recorrente quanto à interpretação da Lei n.º 7/2013 e sua aplicabilidade ao caso dos autos não encontra acolhimento na letra ou espírito das normas contidas no regime transitório estabelecido no artigo 26.º da citada lei, não se podendo também dali retirar que o artigo 41.º do CRP deixou de ser aplicado aos contratos de pretérito;
E. Através da Lei n.º 7/2013, o legislador pretendeu, essencialmente, controlar o regime dos contratos-promessa de compra e venda de imóveis em construção exigindo, para o efeito, o cumprimento de um conjunto de requisitos, como que “apertando” um regime que até então se encontrava “folgado” e sem qualquer controlo;
F. Se o legislador' planeou “apertar” o regime que regula 'os contratos-promessa de compra e venda de imóveis em construção, é desprovido de sentido sustentar que o artigo 26.o da Lei n.º 7/2013 tenha estabelecido uma “folga” ainda maior do que aquela que existia anteriormente, i.e. conferindo legalidade ao que, no regime pré-existente, se encontrava fora dela;
G. Tem razão o Tribunal a quo quando esclarece que “Da leitura de toda a letra do art.º 26, por defeito nosso, naturalmente não logramos retirar qualquer Intenção do legislador em repor na legalidade o que fora dela estava em termos de registabilidade (artº 41º do C.R.P.), registabilidade essa que, a não cair o casa na previsão do artº3º nº2 a.1) e 26º da Lei 7/2013, também não o é ao abrigo do regime agora imposto.”;
H. E que “… visando a lei também a regularização do funcionamento do mercado imobiliário, o reforço da transparência das suas transacções, não entendemos como pode ela, com esse desiderato (com tudo que com isso se opera de controlo de legalidade, da especulação imobiliária, quiçá também, por via do controlo fiscal - é assim que funciona noutros sistemas: comunicabilidade pelas conservatórias dos contratos de promessa ao fisco com vista ao controlo da simulação do preço e para efeitos de efectiva cobrança do imposto devido pela transacção), permitir que os contratos, que até então não eram provisoriamente registáveis por falta de reconhecimento das assinaturas dos promitentes (e que também não o são ao abrigo do regime regra ora imposto), o sejam agora”;
I. A Recorrida louva-se na interpretação do Tribunal a quo, quando refere que, na sua óptica “...o que garante àquelas segurança e certeza jurídicas, igualmente a transparência e regularização das transacções perante os contratantes e terceiros, é a inviabilidade de registo daquilo que não era registável antes da novel lei, como não registável é ao abrigo do apertado regime ora imposto”;
J. A Recorrente confunde validade dos negócios jurídicos com a sua registabilidade;
K. Também neste aspecto, andou bem o douto Tribunal a quo ao referir Que “Ora, manterem-se válidos, pressupõe, naturalmente, que já eram válidos antes da entrada em vigor da Lei 7/2013, ou seja, que não perdem essa validade face ao regime da nova lei que, agora, põe restrições relevantes aos negócios que tenham como objecto “edifícios em construção” e que “Mas isso não quer dizer, todavia, e isso parece-nos insofismável, que, sendo válidos, são agora registáveis não obstante não verificado um dos requisitos exigidos pelo artº 41 do CRP, portanto não registáveis antes da entrada em vigor da lei em análise.”.
L. A douta sentença recorrida foi proferida em conformidade com a lei e, como tal, deve ser mantida em toda a sua plenitude e alcance.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, deve o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida que determinou o cancelamento do registo com fundamento na nulidade do mesmo, assim se fazendo a costumada Justiça!».
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Cumpre decidir.
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II – Os Factos
A sentença deu por assente a seguinte factualidade:
«Em 21 de Junho de 2013, B requereu, junto da Conservatória do Registo Predial, sob a apresentação n.º 4, o registo da aquisição, a seu favor, da fracção autónoma “F19” do 19.º andar do prédio sito em Macau, na Baía da XX, denominado “XX Zona A - Lote XX”, s/n, descrito sob n.º 2XXX5, a fls. 81 do Livro BXX, com o titulo constitutivo da propriedade horizontal inscrito, então provisoriamente por natureza, sob o n.º 33.712F,ali registado a favor da Requerente sob a inscrição n.º 4.301, a fls. 88 do Livro FXX, tudo conforme consta das certidões do registo predial, emitidas por aquela Conservatória, em 17 de Junho e 11 de Julho de 2014 juntas aos autos e aqui dão por reproduzidas na íntegra para os legais e devidos efeitos.
O prédio supra identificado prédio encontra-se construído em terreno concedido por arrendamento, pelo prazo de 25 anos, a contar de 30 de Julho de 1991, conforme inscrição n.º 2.XX3, a fls. 174 do Livro FXX da aludida Conservatória.
O pedido de registo foi instruído com a pública-forma do contrato-promessa de compra e venda da Fracção, celebrado por documento particular, no dia 19 de Abril de 2011, entre a Requerente, como promitente-vendedora, e o Requerido, como promitente-comprador, e, ainda, com a guia de pagamento do imposto do selo devido, cobrado em 25 de Abril de 2011.
As assinaturas dos representantes da Requerente e do Requerido apostas no aludido contrato-promessa não se encontram reconhecidas notarialmente, não tendo sido atribuída eficácia real ao mesmo pelas referidas partes contratantes.
O registo de aquisição do direito resultante da concessão por arrendamento, incluindo a propriedade de construção da Fracção, foi lavrado a favor do Requerido sob a inscrição, provisória por natureza, n.º 2XXXX5G, com menção expressa ao n.º 3 do artigo 10.º da Lei n.º 7/2013, de 27 de Maio.
O registo provisório de constituição de propriedade horizontal do referido prédio havia sido feito anteriormente a favor da Requerente, através da apresentação n.º 108, de 30 de Maio de 2013, sob o n.º 3XXX2F, tendo, entretanto, sido registada a sua conversão em definitivo sob a apresentação n.º 342, de 29 de Maio de 2014, a que corresponde o averbamento n. º 1 à aludida inscrição.
Em 23 de Julho de 2014, a Requerente solicitou, junto da Conservatória do Registo Predial, a rectificação do aludido registo, com fundamento em nulidade, requerendo, ainda, o averbamento à inscrição n.º 2XXXX5G da pendência da rectificação, e, bem assim, que o Requerido fosse notificado nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 120.º do Código do Registo Predial.
Por via do ofício n.º 106/CRP/2014, de 11 de Agosto p.p., recebido no dia 13 do mesmo mês, foi notificado à Requerente o despacho ex arado pelo Exmo. Senhor Conservador Substituto da Conservatória do Registo Predial de Macau, que lhe inferiu liminarmente a sua pretensão, tudo conforme doc. 1 junto com a p.i e cujo teor aqui dá por reproduzido na íntegra para os legais e devidos efeitos.».
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III – O Direito
1 - Questões prévias
1.1 - Considera a recorrida nas suas alegações de resposta ao recurso que o recorrente não imputou à sentença vício ou erro de direito ou de julgamento que importe a sua revogação, o que alegadamente contraria o disposto no art. 598º, do CPC.
Discordamos. O recorrente, passou o tempo todo das suas alegações a desdizer, com recurso a um determinado grupo de artigos da Lei nº 7/2013, aquilo que a sentença, com base nos mesmos preceitos, nela tinha avistado diferentemente. Ou seja, com base nas mesmas normas, o recorrente fez um exercício de convencimento do tribunal de recurso com vista a demonstrar o sentido com que elas deviam ter sido interpretadas. Ora, isto é uma forma de cometer implicitamente à sentença a violação dos referidos incisos legais.
Improcede, pois, esta questão.
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1.2 - Invoca o recorrente também o disposto nos artigos 357º, nº2 e 369º do Código Civil para sustentar a tese de que, mesmo no caso de se entender ser exigível o reconhecimento, ele se deve ter por substituído por confissão judicial da declaração efectuada nos arts. 3º e 4º da petição inicial dos autos.
A este argumento contrapôs a recorrida que este é um fundamento que não havia sido colocado pela recorrente na sua oposição ao pedido inicial.
Realmente, é sabido que os recursos são meios específicos de impugnação de decisões judiciais, que visam modificar as decisões recorridas, e não criar decisões sobre matéria nova e que, por tal motivo, e em princípio, não se pode tratar neles questões que não tenham sido apreciadas pela decisão impugnada, exceptuando as questões novas que sejam de conhecimento oficioso e não decididas com transito em julgado1. Ou seja, o recurso tem, por via de regra, um carácter de revisão ou reponderação e não uma natureza necessariamente de reexame.
Esse é o modelo seguido no direito processual de Macau2.
Isto significa, portanto, que esta questão não poderá ser abordada no recurso, até mesmo sob pena de se subverter o princípio do duplo grau de jurisdição.
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2 – Do recurso
2.1 - A situação de facto
A sociedade requerente prometeu vender ao requerido, em 19/04/2011, através de documento particular (com assinaturas não reconhecidas), a fracção”F-19”, do 19º andar do prédio sito na Baía da XX, denominado “XX-Zona A-Lote XX”, descrito sob o nº 2XX5 a fls. 81 do livro BXX (doc. de fls. 46-49).
Tratava-se ainda de um prédio em construção.
O requerido obteve na Conservatória o registo de aquisição do direito resultante da concessão por arrendamento, incluindo a propriedade da construção da fracção, sob a inscrição provisória por natureza nº 2XXXX5G, com a menção expressa do nº3, do art. 10º da ei nº 7/2013, de 27 de Maio.
A requerente tentou obter junto da Conservatória a rectificação do aludido registo, porém, sem sucesso.
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2.2 – A pretensão da requerente
Visava a requerente a rectificação do registo, com fundamento em nulidade deste a favor do requerido, por considerar que a Lei nº 7/2013 não permitia o registo a este “contrato de pretérito”. E mesmo que se entendesse o contrário, proclamava ainda a requerente, sempre se haveria de exigir o reconhecimento notarial imposto pelo art. 26º, nº6 dessa lei, requisito que o contrato de promessa celebrado entre as partes não respeitava.
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2.3 – A sentença recorrida
A 1ª instância tomou como ponto de partida que as assinaturas do contrato de promessa não haviam sido objecto de reconhecimento presencial (notarial). E assim, ao abrigo do art. 41º do Código de Registo Predial o registo provisório não era possível face a esse diploma, por falta de título suficiente!
Ao mesmo tempo, e estudando o caso à luz do novo regime instituído pela Lei nº 7/2013, de 27 de Maio, concluiu que nem sequer o art. 26º desse articulado legal permitia o registo sobre este contrato de pretérito.
Em consequência, julgou procedente o pedido.
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3 – Apreciando
3.1 - Discute-se, então, no presente recurso se a Lei supra citada permitiria ou não o registo provisório a que se refere a inscrição nº 2XXXX5G lavrado a favor do requerido, ora recorrente.
Vejamos o que dizem as disposições legais.
É efectivamente nulo, segundo o art. 17º, nº1, al. b), do CRP, o registo que “tiver sido lavrado com base em título insuficiente para a prova legal do facto registado”.
Esta questão da prova assume particular importância, na medida em que “Só podem ser registados os factos constantes de documentos que legalmente os comprovem” (art. 37º, nº1, do CRP).
Ou seja, o que está em causa é um título “suficientemente” comprovativo do facto registando.
Claro está que a declaração negocial é importante, pois é nela que se descobre a densificação do acto jurídico e, portanto, do direito em apreço, mas as assinaturas mostram-se, neste plano do registo, elementos ainda mais reveladores da intenção subjacente, sendo como que o garante de uma paz para o comércio jurídico.
É nessa senda que se alcança o disposto no art. 41º do CRP, ao prescrever a necessidade de reconhecimento presencial das assinaturas dos declarantes/outorgantes. Atente-se no seu conteúdo:
«1. O registo provisório de aquisição de um direito ou de constituição de hipoteca voluntária, antes de titulado o negócio, é feito com base em declaração do proprietário ou titular do direito.
2. A assinatura do declarante deve ser reconhecida presencialmente, salvo se for feita perante o funcionário da conservatória.
3. O registo provisório de aquisição ou de hipoteca pode também ser feito com base em contrato-promessa de alienação ou de oneração, com reconhecimento presencial da assinatura dos outorgantes».
Ora, estamos seguros que as assinaturas apostas neste contrato-promessa não foram objecto de reconhecimento presencial. Parece ser, por isso, firme que à sombra do CRP estar-se-ia perante um título insuficiente, que não permitiria o registo provisório.
Todavia, o registo foi feito sob a expressa e declarada égide da Lei nº 7/2013!
Poderia sê-lo?
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3.2 – A lei nº 7/2013, de 27/05 veio regular os negócios jurídicos que tenham por objecto a promessa de transmissão de edifícios em construção, bem como a sua promessa de oneração. E introduziu parâmetros e critérios mais apertados, tendo em vista, precisamente, a regularização do funcionamento do mercado imobiliário, o reforço da transparência das suas transacções e a garantia dos legítimos direitos e interesses dos contratantes (cfr. art. 1º).
De acordo com este diploma, os negócios jurídicos de promessa de transmissão e oneração de edifícios em construção obedecem a determinadas regras:
a) Sob pena de nulidade, só podem realizar-se após autorização prévia da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, adiante designada por DSSOPT (art. 4º);
b) Os contratos de promessa são titulados por documento particular com as assinaturas reconhecidas notarialmente (art. 6º, nºs 2 e 3; 9º);
c) Os contratos devem conter determinados elementos, sob pena de anulabilidade (art. 7º, nº1);
d) O conteúdo do contrato deve estar em conformidade com o disposto na lei, o que deve ser declarado por advogado (art. 8º)
É claro que esta lei não se aplica aos negócios jurídicos celebrados antes da sua entrada em vigor (art. 3º, nº2, al. 1)). No entanto, excepcionalmente haverá que ter em conta o disposto no art. 26º (art. 3º, nº2, al. 1), “fine”).
O que contém o art. 26º? A resposta está na sua epígrafe: disposições transitórias.
Vejamos o seu conteúdo integral:
«1. Mantêm-se válidos os negócios jurídicos de promessa de transmissão ou oneração sobre parte do edifício em construção celebrados antes da entrada em vigor da presente lei, devendo, todavia, os negócios jurídicos sobre a parte restante do edifício obedecer ao disposto na presente lei.
2. Caso hajam sido celebrados negócios jurídicos de promessa de transmissão ou oneração de edifícios em construção, antes da entrada em vigor da presente lei, sem que o registo provisório de constituição de propriedade horizontal tivesse sido efectuado, deve o promotor do empreendimento requerer o registo em causa no prazo de 90 dias a contar da entrada em vigor da presente lei.
3. Após o decurso do prazo referido no número anterior sem que tivesse sido requerido o registo provisório de constituição de propriedade horizontal, qualquer interessado nos negócios jurídicos de promessa de transmissão ou oneração de edifícios em construção celebrados antes da entrada em vigor da presente lei, pode requerer o registo em causa, sendo os emolumentos suportados pelo promotor do empreendimento.
4. O promotor do empreendimento goza de redução de 10% dos emolumentos de registo provisório de constituição de propriedade horizontal, desde que, aquando do pedido, nos termos do n.º 2, apresente a pública-forma de todos os negócios jurídicos em que tenha intervindo, e que tenham sido celebrados antes da entrada em vigor da presente lei, relativos aos contratos-promessa de compra e venda, contratos de cessão da posição contratual e contratos-promessa de oneração.
5. Está isento de emolumentos o registo dos contratos-promessa de compra e venda, contratos de cessão da posição contratual e contratos-promessa de oneração, celebrados antes da entrada em vigor da presente lei, nas seguintes situações:
1) O promotor do empreendimento requeira o registo nos termos do n.º 4;
2) Caso o registo provisório da constituição de propriedade horizontal de edifício em construção tenha sido efectuado antes da entrada em vigor da presente lei, seja requerido o registo no prazo de 1 ano a contar da data de entrada em vigor da presente lei;
3) Caso o registo provisório da constituição de propriedade horizontal tenha sido requerido nos termos do n.º 2 ou n.º 3, seja requerido o registo no prazo de 1 ano a contar da data de realização do registo provisório.
6. Relativamente aos contratos-promessa de compra e venda celebrados antes da entrada em vigor da presente lei, a cessão da posição contratual ou promessa de oneração supervenientes estão sujeitas às disposições da presente lei, excepto o disposto sobre autorização prévia, confirmação por advogado e elementos necessários do contrato».
Deste artigo, destaquemos duas normas: a do nº1 e a do nº6.
O nº1 preceitua que os contratos celebrados antes da entrada em vigor da lei «sobre parte do edifício em construção» se mantêm válidos. E dele resultam, desde logo, duas ordens de considerações:
Em primeiro lugar, trata-se de uma disposição que só se aplica aos contratos de promessa de partes do edifício, nomeadamente, a fracções de residência ou de aparcamento.
Em segundo lugar, e como é evidente, só se manterão válidos os negócios que eram válidos ao tempo da sua celebração. Quer dizer, esta lei não tem virtudes sanatórias de modo a tornar válidos os negócios que sofriam de algum tipo de invalidade.
O nº6 estipula que, em relação aos contratos de promessa de compra e venda celebrados antes da entrada em vigor da lei, a cessão da posição contratual ou promessa de oneração supervenientes ficam sujeitas às disposições da presente lei, excepto quanto à “autorização prévia”, “confirmação por advogado” e “elementos necessários ao contrato”.
Não nos iludamos quanto ao alcance das palavras deste inciso: as disposições da presente lei só se aplicam à cessão da posição contratual e às promessas de oneração (supervenientes) que venham a ocorrer após os contratos de promessa celebrados antes da entrada em vigor da lei 7/2013.
Isto parece querer dizer que as disposições da lei em causa, “a contrario sensu”, não se aplicam directamente aos contratos de promessa, em si mesmos, celebrados anteriormente.
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3.3 – (Idem)
E assim sendo, se tais contratos eram válidos, assim continuarão a ser, face à nova lei (6º, nº1). Mas, o facto de colherem a sua validade na lei anterior (CRP) não significa que bebam da nova os requisitos da sua registabilidade. Isso não é dito em lado nenhum da lei.
Quer dizer, a conjugação dos nºs 1 e 6 do art. 26º está perfeitamente em consonância com a trajectória do âmbito de aplicação definido no art. 3º, nº2, al. 1).
Ou seja, o novo diploma não se aplica, em princípio (em regra) aos contratos de pretérito, porque assim o estatui imperativamente o art. 3º, nº2, al.1), a não ser nos casos (de excepção) previstos no art. 26º, entre os quais se não prevêem, declarada e expressamente, os contratos de promessa celebrados anteriormente, podendo até dizer-se que, com a literalidade restritiva do nº6, teria querido o legislador intencionalmente afastá-los.
Aliás, se na lei anterior o registo não podia ser feito por falta de reconhecimento presencial das assinaturas dos outorgantes, mal se perceberia que, à luz do novo diploma - que sabemos entretecido de malhas mais apertadas para controlo do mercado imobiliário especulativo e reforço da transparência, segurança e certeza jurídicas - ele pudesse ser feito, tendo em conta, inclusive, que o próprio artigo 6º até continua a exigir o reconhecimento notarial das assinaturas dos contratantes!
Repare-se que o nº6 do art. 26º referido, exclui expressamente o disposto na lei sobre “autorização prévia” do art. 4º, sobre “confirmação por advogado” do art. 8º e sobre os “elementos necessários do contrato” do art. 7º, mas não exclui o reconhecimento notarial previsto no art. 6º, nº3. Quer dizer, além de o nº6 do art. 26º apenas ter na sua mira as cessões de posição contratual e as promessas de oneração posteriores aos contratos-promessa de compra e venda, em relação a estes (contratos-promessa) não excluiu a necessidade de reconhecimento notarial.
Por conseguinte, estamos seguros que tanto o CRP, como a lei 7/2013 exigem o reconhecimento das assinaturas dos outorgantes (presencial, além; notarial, aqui) e nenhuma interpretação sensata pode legitimar a ideia de que um negócio validamente celebrado ao tempo do CRP bastará para o registo, se tanto o diploma vigente ao tempo da sua celebração, como o actualmente imperante obrigam ao reconhecimento das assinaturas dos contraentes.
Não faria, aliás, o menor sentido – nem isso tem o menor apoio na lei – dizer que só por ser válido, nada já mais obsta ao registo provisório, até porque são coisas diferentes: uma coisa é a validade do negócio, que tem que ser analisada sob o comando das disposições substantivas do Código Civil – outra é a sua registabilidade, que deve obedecer aos comandos das regras registrais prediais.
Aceitar uma diferente interpretação seria o mesmo que reconhecer um anacronismo. Isto é, seria o mesmo que admitir a aplicação da nova lei, porém expurgada do requisito do reconhecimento notarial que ela impõe aos novos contratos celebrados sob o seu império. Ora, nada disso está no articulado da lei em forma de preceito, nem isso emerge, sequer longinquamente, do espírito normativo.
O lapso do recorrente reside, cremos nós, na circunstância de olhar para a “validade” mantida pelo art. 26º, nº1 da Lei 7/2013, como sendo uma fonte excludente dos requisitos da registabilidade.
Mas, como pode ousar ler no texto dessa lei uma tal permissividade, se todo o diploma vai no sentido contrário?!
Olhar para o nº1 do art. 26º dessa forma equivale a aceitar que o legislador, apesar de obrigar ao reconhecimento notarial das assinaturas dos contratantes, quis dar um “bónus” registral aos contraentes dos negócios celebrados ao tempo do CRP, passando uma esponja sobre a exigência contida no art. 41º, que impunha o reconhecimento presencial.
Assim, é de entender que quanto aos contratos-promessa celebrados antes da entrada em vigor da Lei 7/2013, o seguinte:
- Se eles eram válidos, assim continuarão a ser face à nova lei, o que bem demonstra que não houve um propósito de interferir na sua substância e no seu conteúdo;
- As disposições que a nova lei acolhe não se lhes aplicam (art. 3º, nº2, al. 1));
- Aplicam-se as disposições da lei nova apenas no que se refere aos contratos de cessão de posição contratual e promessa de oneração fundados no contrato-promessa (e mesmo assim, com a exclusão alusiva à autorização prévia, confirmação por advogado e quanto aos elementos necessários do contrato (nº6, do art. 26º);
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3.4 – (Continuação)
E não se diga que a interpretação que sufragamos impede a celebração de contratos de cessão da posição contratual ou de promessa de oneração supervenientes, ao contrário do que o afirma o recorrente.
Expliquemo-nos.
Realmente, de acordo com a nova lei, o reconhecimento notarial das assinaturas (art. 6º, nº3) implica um pedido que deve ser acompanhado da respectiva certidão de registo predial (art. 9º, nº1). A tese do recorrente é a de que sem registo prévio, isto é, sem a possibilidade de o promitente comprador efectuar o registo provisório, não há lugar a reconhecimento notarial dos contratos de cessão da posição contratual ou de promessa de oneração supervenientes. E a maioria dos contratos de pretérito celebrados ao abrigo do CRP seriam insusceptíveis de aquisição derivada por uma daquelas vias.
Mas, sobre isso, apenas nos cumpre dizer o seguinte:
Em primeiro lugar, no que se refere aos contratos-promessa em si mesmos, não se lhes aplicando o regime da nova lei, como dissemos, impor-se-á o reconhecimento presencial, nos moldes do CRP já vistos. Uma vez obtido esse reconhecimento, nada imporá o registo provisório e, dessa maneira, os contratos de cessão contratual ou de promessa de oneração supervenientes, celebrados ao abrigo já da nova lei (art. 26º, nº6) já poderão ser celebrados sem dificuldade com observância do reconhecimento notarial a que alude o art. 9º obtido, uma vez que o reconhecimento notarial que se lhes aplique já pode ser acompanhado do respectivo registo predial.
Em segundo lugar, não nos pode torpedear, pela interpretação, aquilo que é estatuição normativa. Realmente, o intérprete não deve ir à procura de uma solução que a lei rejeita. Se o legislador quis que os contratos de cessão contratual e de promessa de oneração subsequentes a um contrato de promessa celebrados ao abrigo da nova lei fiquem sujeitos às disposições desta, escapa ao poder do julgador saber se a solução é a melhor para os interesses das partes. Nesta matéria o que é preciso é ver se há alguma lógica no aperto da malha, se a restrição a este tipo de negócios tem fundamento. E, quanto a esse aspecto, já vimos que o objectivo é, precisamente, controlar a especulação e fomentar a transparência, a certeza e a segurança jurídicas. Ora, o benefício de um tão grande interesse público não se obtém sem algum sacrifício de alguns interesses privados.
De maneira que, respondendo ao recorrente, a lei não impede a formalização de tais contratos de cessão de posição contratual ou de promessa de oneração. Simplesmente, obriga as partes a um registo, a partir do qual se obterá a respectiva certidão e o consequente reconhecimento notarial. E aquele registo, reportado que seja a um contrato-promessa celebrado antes da Lei nº 7/2013 implicará, como já se viu, um reconhecimento presencial das assinaturas dos outorgantes (art. 41º, nº3, do CRP). Portanto, os promitentes que se encontrem numa dessas situações terão se reconhecer as assinaturas e partir daí já não haverá obstáculos ao accionamento das regras da nova lei para os contratos supervenientes de cessão de posição contratual e de promessa de oneração celebrados já ao abrigo da nova lei.
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3.5 – (Continuação)
No que respeita à invocação da nota justificativa que acompanhou a proposta de lei, bem como ao parecer da AL que precedeu a lei, importa dizer que não passam de meros elementos de interpretação, mas que, por acaso, não têm correspondência directa no articulado da lei. Isto é, aquilo que podia ser um conteúdo normativo a partir desses textos, não foi vazado para o diploma em termos, pelo menos, claros.
Por exemplo, quando na nota justificativa se diz que “relativamente aos edifícios em construção antes da entrada em vigor da presente lei, a respectiva transmissão ou oneração só é permitida depois de ter sido efectuado o registo predial, sob pena de nulidade do contrato” (pág. 5, a fls. 87 dos autos), tal é apresentado com uma tal força dispositiva que mais parece a expressão de um comando normativo. Realmente, não pode prescrever-se a nulidade através de uma simples nota justificativa; a nulidade, sendo uma sanção severa para uma invalidade, tem que estar expressamente prevista. Todavia não vemos a emanação de uma tal sanção no articulado da lei. Apenas encontramos afirmado no art. 10º, nº1, que “Estão sujeitos a registo os negócios jurídicos relativos a promessa de transmissão ou de oneração de edifícios em construção” ou no art. 23º que “Às transmissões ou onerações de edifícios em construção que se pretendem efectuar, seja a que título for, aplica-se com as devidas adaptações o disposto na presente lei”, sem que, no entanto, se estabeleça aí qualquer sanção de nulidade. E, de qualquer maneira, sempre é bom lembrar que são disposições aplicáveis aos negócios posteriores à entrada em vigor da lei.
No que se refere aos negócios de promessa de transmissão ou oneração celebrados antes da entrada em vigor da lei, apenas o nº2 do art. 26º prescreve que se o registo provisório de constituição de propriedade horizontal não tiver sido efectuado, deve o promotor do empreendimento requerê-lo no prazo de 90 dias a contar da entrada em vigor da lei, sendo que, se não o fizer, qualquer interessado nos negócios o pode fazer (nº3, art. 26º).
Ora, esse registo da constituição da propriedade horizontal não estava em causa no caso em apreço, uma vez que ele já se encontrava efectuado pelo empreendedor/requerente.
Portanto, não se pode apelar a regras concernentes a um tipo de registo para daí se extrair efeitos relativamente a outro.
Relativamente ao registo de aquisição a favor do promitente-comprador a que se refere o art. 10º, nº 3 da Lei 7/2013 (esse é o que está em causa) a sua disciplina apenas se aplica aos negócios celebrados após a entrada em vigor da Lei, afigurando-se-nos importante dizer que o art. 9º, nº2 da proposta alternativa citado pelo recorrente nas suas alegações como modo de convencer o tribunal a optar por uma determinada interpretação iluminado pelo espírito e intenção do legislador ou pela mens legistoris – preceito que, relativamente a contratos-promessa celebrados antes da entrada em vigor da lei, pretendia fazer depender a cessão da posição contratual ou a promessa de oneração do registo de aquisição – não passou para o texto do diploma.
Estamos, enfim, de acordo que as normas do art. 26º, nomeadamente a do nº6, têm um carácter excepcional. Mas é, precisamente, por isso mesmo e por causa do art. 10º do Código Civil, que, se nem a analogia é permitida, também a interpretação extensiva se não justifica aqui no sentido que nos é proposto pelo recorrente, uma vez que as razões que invoca concernentes às exigências de segurança e certeza jurídicas neste comércio imobiliário já também implicam, pela nova lei, o reconhecimento notarial das assinaturas, como já vimos.
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3.6 – (Continuação)
Invoca o recorrente por último, o disposto nos artigos 357º, nº2 e 369º do Código Civil para sustentar a tese de que, mesmo no caso de se entender ser exigível o reconhecimento, ele se deve dar por substituído por confissão judicial da declaração efectuada nos arts. 3º e 4º da petição inicial dos autos.
A esta matéria, porém, já demos resposta supra (III-1.2).
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IV – Decidindo
Nos termos expostos, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente.
TSI, 16 de Julho de 2015
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José Cândido de Pinho
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Tong Hio Fong
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Lai Kin Hong
1 Ac. TUI, de 27/02/2008, Proc. nº 58/2007; Ac. STA, de 5/11/2014, Proc. nº 01508/12, entre outros.
2 Viriato Lima, Manual de Direito Processual Civil, 2ª ed., pág.640.
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266/2015 29