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Acórdão do Tribunal de Última Instância
da Região Administrativa Especial de Macau



Recurso penal
N.° 37 / 2007

Recorrente: A






1. Relatório
   O recorrente A, juntamente com outros arguidos, foi julgado no processo comum colectivo n.° CR3-06-0132-PCC do Tribunal Judicial de Base.
   Afinal o recorrente foi absolvido dos seguintes crimes:
   – um crime de consumo de drogas previsto e punido pelo art.º 23.º, al. a) do Decreto-Lei n.º 5/91/M;
   – um crime de posse e uso de arma proibida previsto e punido pelos art.ºs 262.º, n.º 1 do Código Penal e 1.º, n.º 1, al. d) e 6.º, n.º 1, al. b) do Decreto-Lei n.º 77/99/M.
   E foi condenado pelos seguintes crimes:
   – um crime de tráfico de drogas previsto e punido pelo art.º 8.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 5/91/M na pena de 8 anos e 4 meses de prisão e multa de 8,000 patacas, convertível em 54 dias de prisão;
   – um crime de detenção indevida de cachimbos e outra utensilagem previsto e punido pelo art.º 12.º do Decreto-Lei n.º 5/91/M na pena de 5 meses de prisão;
   – um crime de posse e uso de arma proibida previsto e punido pelos art.ºs 262.º, n.º 1 do Código Penal e 1.º, n.º 1, al. f) e 6.º, n.º 1, al. b) do Decreto-Lei n.º 77/99/M na pena de 2 anos e 4 meses de prisão.
   Em cúmulo, foi condenado na pena de 9 anos de prisão e multa de 8,000 patacas, convertível em 54 dias de prisão.
   Inconformado com a decisão, recorreu para o Tribunal de Segunda Instância. Por seu acórdão de 26 de Julho de 2007 proferido no processo n.º 304/2007, foi negado provimento ao recurso.
   Vem agora o arguido recorrer para este Tribunal de Última Instância, apresentando, em síntese, as seguintes conclusões da sua motivação:
   1. A decisão recorrida incorreu nos mesmos vícios em que incorrera a precedente decisão do TJB, na parte em que deu por provada a prática pelo recorrente do crime de tráfico de drogas por que o condenou.
   2. Trata-se de erro de direito, vício que, no caso, se articula com o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto apurada, e ainda a violação do princípio da tipicidade e, fundamentalmente, do princípio in dubio pro reo ou princípio da aplicação mais favorável da lei penal (in dubio pro libertatem).
   3. Deram as instâncias por assente que o arguido é consumidor de anfetaminas e traficante de produtos contendo metanfetaminas.
   4. Fundando a opção pela sua condenação como traficante no facto de ter concluído que o relatório do exame da urina a fls. 45 demonstra que era consumidor de “anfetamina”, dele não resultando que fosse consumidor de “metanfetamina”, sendo que os 90 comprimidos encontrados na sua posse continham esta última substância e não a primeira.
   5. Demonstrado que o recorrente era dependente e consumidor de múltiplas substâncias estupefacientes, repousou num erro manifesto a decisão de o dar como não consumidor de um produto.
   6. Irrelevam, no caso, os níveis de pureza da “Metanfetamina” – relevando, antes, o facto de o exame à urina do tipo a que se procedeu nos autos ter detectado resíduos de anfetaminas e não resultar a exclusão de qualquer categoria ou espécie das anfetaminas em sentido lato, a qual compreende também as metanfetaminas.
   7. A prova produzida e assente apenas permitia a condenação do recorrente como mero consumidor (art.º 23.º), provando-se que destinava a consumo todos os produtos que lhe foram apreendidos.
   8. Ou como traficante de quantidades diminutas (art.º 9.º) se, demonstrado que era consumidor e traficante, fosse apurado que destinava ao tráfico quantidades inferiores ao consumo individual para 3 dias do produto em questão ou esse apuramento não fosse possível.
   9. Não pode, a partir de um relatório de exame à urina de um indivíduo, na qual se detectou a existência de resíduos de anfetaminas, dar-se por excluída a existência de resíduos de metanfetamina.
   10. O exame em questão é, manifestamente, um exame restritivo, que apenas permite detectar um produto-mãe.
   11. Os relatórios médicos juntos aos autos são elucidativos do facto de ser o recorrente um consumidor de drogas distintas.
   12. No quadro que se deixa exposto, ainda que se apurasse que o recorrente destinava parte do produto a consumo e parte a cedência, não se afigura possível ultrapassar uma dúvida razoável sobre a quantidade (eventualmente) detida pelo arguido destinada, efectivamente, a ser cedida a terceiros, sendo que a dúvida tem de funcionar a favor do arguido e não contra este.
   13. A decisão recorrida violou as normas dos citados art.ºs 8.º (pela sua aplicação) e 23.º (pela sua não aplicação) ou, no quadro hipotético que se deixou traçado nas relações entre o art.º 8.º e o art.º 9.º, entre a primeira das normas citadas (8.º) e o art.º 9.º.
   Pedindo que seja julgado procedente o recurso e, em consequência, convolado o crime do art.º 8.º para o crime do art.º 23.º do Decreto-Lei n.º 5/91/M. Ou anulado o acórdão recorrido com o reenvio do processo para novo julgamento.
   
   Na resposta, o Ministério Público entende que o recurso deve ser julgado parcialmente procedente por insuficiência da matéria de facto provada para concluir o tráfico de droga ma-ku (metanfetamina) pelo recorrente.
   
   A magistrada do Ministério Público junto do Tribunal de Última Instância emitiu o seguinte parecer:
   “Na manutenção da posição assumida no parecer emitido no Tribunal de Segunda Instância, entendemos que se deve determinar o reenvio do processo para novo julgamento, não pela verificação do vício invocado pelo recorrente da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, mas sim com fundamento nos vícios do erro notório na apreciação da prova e da contradição insanável da fundamentação.
   
   De facto, o recorrente foi condenado pelo crime de tráfico, tendo o Tribunal recorrido considerado como provado que os estupefacientes apreendidos na residência do recorrente, em que se detectaram metanfetamina, foram adquiridos por este e não se destinavam ao consumo próprio, tal como deu provado o Tribunal de primeira instância.
   O Tribunal de primeira instância chegou a tal conclusão porque, não obstante revelar o relatório de teste à urina de fls. 45 que o recorrente tinha consumido anfetamina, não houve prova no sentido de indicar que ele tinha consumido metanfetamina, substância esta contida nos comprimidos que se encontravam na posse do recorrente.
   Daí que deu como não provado que a droga apreendida na residência do recorrente se destinava ao consumo pessoal deste.
   
   Ora, a metanfetamina e a anfetamina encontram-se indicadas na mesma Tabela II-B anexa ao DL n.º 5/91/M, em que estão incluídas substâncias do tipo anfetamínico (n.º 2 do art.º 4.º do Diploma), sendo certo que ambas têm componentes químicos similares.
   É duvidoso se é possível afastar o consumo de metanfetamina só porque através do exame à urina efectuado não foi detectado vestígio desta substância (mas sim anfetamina), tendo em conta o tipo de exame, que é apenas usual e regular, não sofisticado, e a proximidade dos compostos químicos das substâncias em causa.
   Acrescenta que, tal como expressa o Exmo. Juiz adjunto na sua declaração de voto, o facto de se ter detectado apenas vestígios de anfetamina na urina do recorrente não permite excluir que o mesmo seja consumidor de metanfetamina, ‘já que o podia ter feito em momento que, dado o decurso do tempo, tenha tornado inviável a sua verificação (com o exame que foi efectuado)’.
   Assim sendo, afigura-se-nos que se verifica o vício do erro notório na apreciação da prova.
   
   Por outro lado e salvo o devido respeito, parece-nos que a convicção formada pelo Tribunal no sentido de que o recorrente não consumia comprimidos “ma-ku” contendo metanfetamina se mostra incompatível como um outro facto também dado como assente.
   Na matéria de facto provada consta que na residência do recorrente foram apreendidos vários instrumentos para consumir droga em que se detectava vestígio de metanfetamina e anfetamina, tendo o Tribunal considerado que o recorrente detinha tais instrumentos para consumir os estupefacientes referidos nos autos(該等器具是嫌犯甲持有“可作吸食上述毒品之工具”).
   Estamos perante uma situação em que o Tribunal a quo deu como provado que o recorrente detinha os comprimidos aprendidos na sua residência não com vista ao consumo próprio e, ao mesmo tempo, que o recorrente detinha os instrumentos em que foi detectado vestígio de metanfetamina e anfetamina para consumir os referidos estupefacientes.
   Daí que nos parece existir uma contradição insanável de fundamentação.
   
   Acrescentando, é de entendimento deste Alto Tribunal que, não obstante o seu poder de cognição circunscrito a matéria de direito quando julgue em recurso não correspondente a segundo grau de jurisdição, pode o Tribunal de Última Instância apreciar a matéria de facto nos termos do art.º 400.º n.ºs 2 e 3 do CPPM.
   Daí que nada obsta ao conhecimento dos vícios referidos no n.º 2 do art.º 400.º do CPPM, que são de conhecimento oficioso.
   Pelo exposto, entendemos que se deve decretar o reenvio do processo para novo julgamento a fim de apurar o destino dos comprimidos apreendidos na residência do recorrente, nos termos do art.º 418.º do CPPM.”
   
   
   Foram apostos vistos pelos juízes-adjuntos.
   
   
   
   2. Fundamentos
   2.1 Foram dados como provados os seguintes factos pelas instâncias:
   “Em 20 de Julho de 2005, cerca das 10H50 da noite, agentes da PJ foram à residência de B, no [Endereço(1)], numa busca domiciliária, tendo interceptado o arguido C, fora do apartamento supra citado, com a cooperação de B.
   Agentes da PJ encontraram, em flagrante, na mão direita do arguido C, 12 comprimidos de cor vermelha, conhecido como ma-ku.
   Na noite do mesmo dia, cerca das 11H45, numa busca domiciliária na residência do arguido C, no [Endereço(2)], agentes da PJ encontraram numa roupa comprida de cor preta guardada num armário de guarda-roupa no quarto de dormir, 15 comprimidos de cor vermelha, conhecido como ma-ku; foram encontradas um saco de palhinhas no armário de televisor; foram encontrados, numa gaveta do armário de guarda-roupa do quarto de dormir, um maço de papel de prata, uma lata de cigarro de marca “Dupla Felicidade”, um isqueiro de cor amarela, 4 palhinhas com parte de frente embalada por papel de prata, 3 palhinhas, uma garrafa plástica transparente com duas palhinhas usadas.
   Além disso, o pessoal da P.J. ainda apreendeu 2 aparelhos de telefone móvel e respectivos montantes de MOP$1.000,00 (mil), HKD$6.000,00 (seis mil) e 4.980,00 Baht (Tailândia) (4 mil, novecentos e oitenta) em dinheiro vivo.
   Após o exame laboratorial, os 12 comprimidos de cor vermelha, num peso de 1,113 gramas, continham heroína e metanfetamina, substâncias essas sujeitas a controlo constante respectivamente na Tabela I-A do DL n.º 5/91/M e na Tabela II-B do mesmo Decreto; submetidos a exame laboratorial por quantidade determinada, o peso líquido total de metanfetamina foi de 0,298 gramas. Os 15 comprimidos de cor vermelha, num peso de 1,402 gramas, continham também heroína e a metanfetamina, substâncias essas sujeitas a controlo constante respectivamente na Tabela I-A do DL n.º 5/91/M e na Tabela II-B do mesmo Decreto; submetidos a exame laboratorial por quantidade determinada, o peso líquido total de metanfetamina foi de 0,387 gramas.
   Após exame laboratorial, as 4 palhinhas com a parte de frente embalada por papel de prata, continham vestígios de metanfetamina e anfetamina, substâncias sujeitas a controlo constante na Tabela II-B do DL n.º 5/91/M; as outras 3 palhinhas continham vestígios de metanfetamina e anfetamina e N,N-Dimetanfetamina, substâncias sujeitas a controlo constante na Tabela II-B do DL n.º 5/91/M; e a garrafa plástica transparente com duas palhinhas continha vestígios de metanfetamina, substância sujeitas a controlo constante na Tabela II-B do DL n.º 5/91/M.
   Os aludidos produtos de estupefacientes foram adquiridos pelo arguido C por meios ainda não apurados com o objectivo de oferecer e ceder a outrem; e num dia não apurado de Junho de 2005, o arguido C ofereceu 3 comprimidos de cor vermelha supra referidos, conhecido como ma-ku, ao B.
   Os artefactos referidos, tais como palhinhas, papel de prata, lata de cigarro, isqueiro, garrafa plástica foram instrumentos usados para o consumo de drogas.
   Em 21 de Julho de 2005, cerca da 1H30, com a cooperação do arguido C quem combinou por telefone com A para entregar droga no Lobby do Hotel.
   Agentes da PJ encontraram, em flagrante, uma metade da tesoura de marca “LV” numa bolsa de mão.
   Após exame laboratorial, os 40 comprimidos num peso de 3,747 gramas, apreendidos na fls.33 dos autos, continham metanfetamina, substância sujeita a controlo constante na Tabela II-B do DL n.º 5/91/M, e ethylvanillin e cafeína, as substâncias não abrangidas nas tabelas do DL n.º 5/91/M; submetidos a exames por quantidade determinada, entre outros, o peso líquido da metanfetamina foi de 1,071 gramas.
   A metade da tesoura acima referida, com comprimento total de 19,3 cm, dos quais, 8,4 cm de cabo e 11 cm de gume.
   Madrugada do dia 21 de Julho, cerca das 2H20, agentes da P.J. foram à residência do arguido A, sita na [Endereço(3)], para uma busca. Na altura, a fracção estava sendo usada pelos arguidos A e D quem se encontrava quando agentes da P.J. chegaram. Na hora, foram encontrados, na mesa da sala, uma folha de papel de prata, meio comprimido de cor vermelha, uma garrafa plástica contendo lá dentro pó de cor café clara, 2 folhas de papel de prata, 4 tubos transparentes, 2 palhinhas plásticas, 3 pequenas garrafas plásticas, 3 pequenos utensílios plásticos de auto fabricação, 1 tubo de auto fabricação e 1 cola de “3M”; foram encontrados, no sofá da sala, uma tesoura, um utensílio plástico de auto fabricação, uma caixa de papel contendo lá dentro vários palhinhas plásticas e 14 isqueiros, uma caixa em metal com várias tampas plásticas, uma pequena caixa em metal contendo lá dentro 89 comprimidos de cor vermelha e 2 comprimidos de cor verde; foram encontrados no armário de TV da sala, uma caixa contendo lá dentro um maço de papel plástico e várias garrafas plásticas; foram encontrados no vão do armário de TV da sala, 8 garrafas de vidro; foi encontrada, no quarto de dormir, uma caixa em metal com vários saquinhos de plástico e uma caderneta de depósito bancário do Banco com o arguido A como seu titular e foi encontrado, em cima de uma cómoda doutro quarto de dormir, um aparelho eléctrico com descarga eléctrica com capa.
   Além disso, agentes da P.J. apreenderam 2 aparelhos de telefone móvel e o montante de MOP$300,00 (trezentos) em dinheiro vivo do arguido A.
   Foram apreendidos ainda um aparelho de telefone móvel e um montante de MOP$2.000,00 (dois mil) em dinheiro vivo da arguida D.
   Após exame laboratorial, na folha de papel de prata continha vestígios de metanfetamina, substância sujeita a controlo constante na Tabela II-B do DL n.º 5/91/M e de cafeína, não abrangida; meio comprimido de cor vermelha, com peso de 0,057 gramas, continha metanfetamina, substância sujeita a controlo constante na Tabela II-B do DL n.º 5/91/M e cafeína, substância não abrangida; submetidos a exame por quantidade determinada, o peso líquido da metanfetamina foi de 0,012 gramas; os comprimidos de cor de café clara, num peso de 0,391 gramas, continham metanfetamina, substância sujeita a controlo constante na Tabela II-B do DL n.º 5/91/M e de cafeina, não abrangida; submetidos a exame por quantidade determinada, o peso líquido da metanfetamina foi de 0,093 gramas. Os 89 comprimidos de cor vermelha num peso de 8,255 gramas, continham metanfetamina, substância sujeita a controlo constante na Tabela II-B do DL n.º 5/91/M e de ethylvanillin e cafeína, ambas não abrangidas; submetidos a exame por quantidade determinada, o peso líquido da metanfetamina foi de 2,005 gramas. Os 2 comprimidos de cor verde, num peso de 0,189 gramas, continham metanfetamina, substância sujeita a controlo constante na Tabela II-B do DL n.º 5/91/M e de cafeina, não abrangida; submetidos a exame por quantidade determinada, o peso líquido da metanfetamina foi de 0,014 gramas.
   Os dois tubos plásticos e várias outras palhinhas plásticas continham também vestígios de metanfetamina e anfetamina, substâncias sujeitas a controlo constante na Tabela II-B do DL n.º 5/91/M; um outro tubo de auto fabricação continha vestígios de metanfetamina, anfetamina e N,N-Dimetanfetamina, substâncias sujeitas a controlo constante na Tabela II-B do DL n.º 5/91/M.
   Os produtos de estupefacientes apreendidos na residência do arguido A foram adquiridos pelo mesmo arguido por meio ainda não apurado, com o objectivo de não se destinar ao consumo pessoal.
   Os instrumentos como papel de prata, tubos transparentes, palhinhas plásticas, pequenas garrafas plásticas, garrafas plásticas de auto fabricação, tesoura, isqueiros, tampas plásticas e papel plástico são detidos pelo arguido A que podem servir para consumir a referida droga.
   Após exame laboratorial, o aparelho eléctrico encontrava-se com bom funcionamento de descarga eléctrica, sendo por isso uma arma que possa ferir e matar outro.
   Os arguidos A, C e D agiram livre, voluntária e conscientemente.
   Os arguidos A e C sabiam bem da natureza e das características dos estupefacientes supra citados.
   O arguido A deteve, sem nenhuma autorização de lei, produtos de estupefacientes encontrados na sua residência com o objectivo de não se destinar ao consumo pessoal.
   O arguido C deteve, sem nenhuma autorização de lei, produtos de estupefacientes supra citados, com o objectivo de se destinar a oferecer e ceder a outrem.
   Os arguidos A e C tinham perfeito conhecimento de que era proibida por lei sua conduta de deter artefactos apreendidos supra citados para uso no consumo de drogas.
   O arguido A sabia bem da natureza e das características da metade da tesoura na posse dele com o comprimento de gume superior a 10 cm, e que era proibida por lei a conduta de deter tal instrumento que possa ferir e ofender outro sem razões justas.
   Os arguidos A e C sabiam perfeitamente que suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

   Ainda foram provados os seguintes factos:
   Segundo o CRC, os três arguidos são primários.
   Segundo o relatório médico de psicanálise, o arguido A estava com capacidade de actuação ao praticar os factos acusados, sendo por isso agente imputável. Porém, vários meses depois de sua prisão preventiva, quer dizer, em Março ou Abril de 2006, foi diagnosticado que o arguido estava com doença mental e não tinha capacidade de actuação, sendo por isso passou a ser agente imputável. Por outro lado, o arguido foi avaliado como agente de perigosidade moderada.
   Segundo outro certificado social, o arguido 1º se dizia ser empresário de uma oficina de reparação de automóveis ligeiros, auferia de RMB$100.000,00 ao ano, tendo a esposa a seu encargo. O arguido tem habilidades académicas do terceiro ano do ensino primário.

   Os factos ainda não provados:
   São os seguintes factos relevantes não provados constantes na acusação/pronúncia e não correspondidos aos factos já provados:
   Os produtos de drogas apreendidos na residência do arguido C foram adquiridos pelo arguido C junto ao arguido A; em 28 de Junho de 2005, o arguido C adquiriu junto ao arguido A 10 comprimidos supra citados; e em 15 de Julho do mesmo ano, adquiriu mais uma vez junto ao arguido A 20 comprimidos anteriormente referidos. O arguido C adquiriu drogas para o consumo pessoal.
   Os aparelhos de telefone móvel e montantes em dinheiro vivo foram meios de comunicação e receita de negócios praticados supra referidos.
   Em 21 de Julho de 2005, cerca de 1H30, agentes da PJ encontraram 40 comprimidos de cor vermelha, conhecido como ma-ku, no Lobby do Hotel.
   Os produtos estupefacientes encontrados na posse do arguido A foram adquiridos pelo arguido A no mesmo dia a preço de MOP$1.000,00 (mil) junto a um indivíduo não identificado, com o objectivo de os vender ao arguido C e outros.
   Os produtos estupefacientes encontrados na residência do arguido A foram adquiridos pelo arguido A junto a um indivíduo chamado de E ou de E1, com o objectivo de se destinar ao consumo pessoal.
   Os aparelhos de telefone móvel, dinheiro vivo e depósito bancário encontrados e apreendidos na residência dos arguidos A e D foram meios de comunicação e receita em negócios praticados pelos arguidos A e D.
   A arguida D agiu livre, voluntária e conscientemente.
   Os arguidos A e D sabiam perfeitamente da natureza e das características do aparelho eléctrico com descarga eléctrica e que era proibida por lei a conduta de deter qualquer instrumento com descarga eléctrica que possa ferir o corpo e o estado psicológico de outrem.
   A arguida D sabia perfeitamente que sua conduta era proibida e punida por lei.”
   
   
   2.2 Vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada
   O recorrente entende que não pode partir do exame à urina de um indivíduo, na qual se detectou a existência de resíduos de anfetaminas, para dar por excluída a existência da metanfetamina, dada a proximidade dos seus componentes químicos. A prova produzida permitiria apenas a condenação do recorrente como consumidor de droga ou como traficante de quantidades diminutas.
   
   De acordo com os factos provados, na residência do recorrente foram apreendidos, entre outros objectos, 91 comprimidos com metanfetamina e utensílios para consumir drogas com vestígio de metanfetamina e nos tubos plásticos ainda com anfetamina, matérias incluídas na tabela II-B do Decreto-Lei n.º 5/91/M. Tais comprimidos foram adquiridos pelo recorrente com o objectivo de não se destinar ao consumo pessoal.
   Sobre estes comprimidos, o tribunal colectivo de primeira instância explica na parte da convicção do acórdão: “mesmo o relatório de exame à urina constante da fls. 45 dos autos mostra que o 1º arguido tinha consumido anfetamina, mas faltam provas que possam provar que ele tinha consumido metanfetamina, substância contida nos 90 comprimidos detidos por ele, razão pela qual, não foi provado que o 1º arguido tinha consumido a droga ma-ku detida por ele. Por isso, o Colectivo podia confirmar que o 1º arguido detinha grande quantidade de estupefacientes com o objectivo de não se destinar ao consumo pessoal.”
   
   Ao formar a convicção o tribunal colectivo de primeira instância considera que o relatório de exame à urina a fls. 45 mostra que o recorrente chegou a consumir anfetamina, mas não havia prova para demonstrar que ele consumiu os comprimidos ma-ku que estavam na sua posse e continham metanfetamina. Por isso, entende que não havia provas de que o recorrente consumiu estes comprimidos.
   No entanto, a dedução do colectivo não está em conformidade com o metabolismo de metanfetamina.
   
   Metanfetamina é um derivado de anfetamina. Após o metabolismo no corpo humano, a metanfetamina é transformada em anfetamina e outras matérias químicas.
   “No corpo humano, os estimulantes de tipo anfetamina são eliminados através de excreção do protótipo e biotransformação. ... Cerca de metade da dose de metanfetamina consumida é excretada por meio de rim e uma parte continua o metabolismo depois de transformar em anfetamina.”1
   “Por isso, se for detectada anfetamina numa amostra de metanfetamina, pode-se afirmar que o examinado consumiu metanfetamina, estimulante espiritual controlado legalmente.”2
   “Depois de consumir a metanfetamina, cerca de metade da dose é excretada na urina na forma primária. Mas uma pequena parte é transformada em anfetamina depois de demetilase. Em consequência, no exame à urina são detectadas anfetamina e metanfetamina mesmo que só se consumiu esta última.”3
   “Depois de ser consumida, por volta de 35–45% da metanfetamina absorvida é excretada na urina na forma primária. Na realidade, a acidimetria da urina determina claramente a quantidade de metanfetamina excretada.”4
   “O período de semi-desintegração da metanfetamina é 10 a 30 horas e depende do valor de pH da urina. Em regra, na urina ácida aumenta-se a quantidade excretada na forma primária. Dentro de 16 horas, 55% – 70% da dose consumida é excretada na forma primária, 6% – 7% é excretada na forma de anfetamina. Ao passo que, na urina alcalina, apenas 0.6% – 2% é excretada na forma primária.”5
   “Quando a urina apresenta ácida, a anfetamina é filtrada do sangue e absorvida pela urina. Consequentemente, é excretada com maior rapidez. Na urina normal, cerca de 30% duma dose da anfetamina aparece na urina sob forma primária. Mas pode chegar a 70% na urina ácida e diminui a 1% na urina alcalina.”6
   
   Do exposto se conclui que, com base apenas no “resultado positivo de anfetamina” do exame selectivo de urina não se pode excluir a possibilidade de que o examinado, ora recorrente, chegou a consumir comprimidos com metanfetamina num certo período anterior ao exame da urina, seja porque são excretadas na urina a própria metanfetamina e anfetamina após a desintegração daquela, seja porque a quantidade de metanfetamina excretada da urina, depois da sua desintegração, depende da acidimetria da urina.
   O tribunal colectivo de primeira instância, ao dar por provado que o recorrente não consumiu os comprimidos ma-ku que continham metanfetamina com base no relatório do exame selectivo de urina de que consta anfetamina positiva, incorreu no erro notório na apreciação da prova previsto no art.º 400.º, n.º 2, al. c) do CPP, mas não o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada alegado pelo recorrente.
   Assim se torna impossível determinar a responsabilidade criminal do recorrente em relação ao crime de tráfico de drogas previsto no art.º 8.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 5/91/M, pelo que se impõe o reenvio do processo à primeira instância no sentido de proceder ao novo julgamento para apurar o destino dos comprimidos apreendidos na residência do recorrente e, em consequência, decidir sobre o crime de tráfico de drogas imputado a este.
   
   
   2.3 A contradição insanável da fundamentação
   O Ministério Público entende ainda que existe o vício da contradição insanável da fundamentação ao dar por provado que o recorrente não consumia os comprimidos ma-ku contendo metanfetamina e que o recorrente detinha os utensílios para consumir os estupefacientes referidos nos autos.
   
   Realmente o tribunal colectivo de primeira instância deu como provados, por um lado:
   “Os produtos de estupefacientes apreendidos na residência do arguido A foram adquiridos pelo mesmo arguido por meio ainda não apurado, com o objectivo de não se destinar ao consumo pessoal.”
   E por outro lado:
   “Os instrumentos como papel de prata, tubos transparentes, palhinhas plásticas, pequenas garrafas plásticas, garrafas plásticas de auto fabricação, tesoura, isqueiros, tampas plásticas e papel plástico são detidos pelo arguido A que podem servir para consumir a referida droga.”
   Visto bem este último facto, o sentido principal deste está na detenção dos instrumentos para consumir droga e não o consumo da droga. Portanto, deste facto não resulta o consumo de droga por parte do recorrente ou de outra pessoa. Assim, entendemos que, embora não é facto inteiramente claro, não existe aqui contradição insanável entre os dois factos provados referidos.
   
   
   
   3. Decisão
   Face ao exposto, acordam em julgar procedente o recurso, revogar o acórdão recorrido e determinar o reenvio do processo à primeira instância para proceder ao novo julgamento, para apurar o destino dos comprimidos apreendidos na residência do recorrente e decidir sobre o crime de tráfico de drogas imputado a este.
   Sem custas neste Tribunal e no TSI.


   Aos 10 de Outubro de 2007.




Os juízes:Chu Kin
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
Sam Hou Fai

1苯丙胺類興奮劑濫用及相關障礙的診斷治療指導原則(Princípios Directivos de Diagnóstico e Terapêutica para o Abuso de Estimulantes de Tipo Anfetamina e o Respectivo Obstáculo), decretados pelos Ministério da Saúde da RPC e Instituto Nacional de Fiscalização e Administração de Produtos Alimentares e Farmacêuticos em 26 de Fevereiro de 2002, publicados em中國藥物濫用防治雜誌(Revista Chinesa de Prevenção e Tratamento de Abusos de Medicamentos), n.º 2 do ano 2002, p. 3.
2 冰毒危害與毒品犯罪法律懲罰 (Os Prejuízos de Ice e a Punição Legal dos Crimes Ligados a Drogas), redacção dirigida por He Songyue , Editora dos Tribunais Populares, Beijing, 1ª ed. de Junho de 1999, p. 47.
3 Paul M. Gahlinger, Illegal Drugs: A Complete Guide to Their History, Chemistry, Use and Abuse, Sagebrush Press, EUA, 2001, p. 217.
4 冰毒危害與毒品犯罪法律懲罰 (Os Prejuízos de Ice e a Punição Legal dos Crimes Ligados a Drogas), p. 47.
5 毒品學 (Toxicologia), redacção dirigida por Wei Yuzhi, Editora Popular, Beijing, 1ª ed. de Dezembro de 1999, p. 175 e 176.
6 Illegal Drugs: A Complete Guide to Their History, Chemistry, Use and Abuse, p. 217.
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Processo n.° 37 / 2007 1