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Processo nº 823/2014
(Recurso Jurisdicional Administrativo)

Relator: João Gil de Oliveira
Data: 9/Julho/2015


Assuntos:
- Co-herdeiro e comproprietário
  - Requisito negativo de elegibilidade da candidatura à habitação económica nos termos da al. 1, do n.º 3 do art. 14º da LHE, Lei n.º 10/2011
    
    SUMÁRIO :
1. Tanto a jurisprudência, como a mais abalizada doutrina apontam no sentido de que só se adquirem os bens da herança após a partilha. Até à partilha, os co-herdeiros de um património comum, adquirido por sucessão mortis causa, não são donos dos bens que integram o acervo hereditário, nem mesmo em regime de compropriedade, pois apenas são titulares de um direito sobre a herança (acervo de direitos e obrigações) que incide sobre uma quota ou fracção da mesma para cada herdeiro, mas sem que se conheça quais os bens concretos que preenchem tal quota.

2. Um interessado em candidatar-se à habitação económica, no âmbito do regime da Lei n.º 10/2011, não pode ser excluído, por se considerar proprietário ou comproprietário de prédio urbano ou fracção autónoma com finalidade habitacional se durante esse período adquiriu a qualidade de herdeiro de uma herança, por morte do pai, onde se integrava o direito a metade de uma fracção, sem que, na partilha efectuada, lhe tenha sido adjudicado tal bem.
    
             O Relator,




















Processo n.º 823/2014
(Recurso de Decisões Jurisdicionais)

Data : 9 de Julho de 2015

Recorrente: Presidente do Instituto de Habitação

Recorrido: A

    
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
    1. O Exmo Senhor Presidente do Instituto de Habitação, entidade recorrida no processo, inconformado com a decisão proferida no Tribunal Administrativo que anulou decisão por si proferida, considerando que o recorrente, A, não reunia as condições para se habilitar a uma habitação económica, por a herança de seu pai integrar o direito a metade de um prédio habitacional, prédio que depois da partilha não ficou para si, vem recorrer, alegando, em síntese conclusiva:
    a) O presente recurso tem como objecto a sentença (doravante designada por “sentença recorrida”, vd. fls. 113 a 122 e 122v dos autos) proferida em 29 de Julho de 2014 pelo juiz do Tribunal Administrativo que julgou procedentes dois fundamentos, anulando o acto administrativo da entidade recorrida que tinha rejeitado o recurso hierárquico necessário interposto pelo requerente e mantido a exclusão do agregado familiar do recorrente da lista geral de espera de habitação económica e a declaração da nulidade do contrato-promessa de compra e venda.
    b) Quanto ao primeiro fundamento, tendo o meritíssimo juiz do Tribunal Administrativo considerado que, através da sucessão, o recorrido passou a ser co-proprietário do imóvel com finalidade habitacional, não pertencendo isso ao proprietário previsto no art.º 14.º, n.3, al. 1) da Lei da Habitação Económica, pelo que a entidade recorrida, na aplicação do art.º 14.º, nº3, al. 1) da Lei de Habitação Económica, incorreu em erro sobre os pressupostos, conduzindo a que o acto recorrido sofre de violação da lei.
    c) Salvo o devido respeito, a entidade recorrida considera que a sentença recorrida interpretou erradamente o art.º 14.º, n.º3, al. 1) da Lei da Habitação Económica, restringindo o âmbito que o legislador, através da respectiva disposição legal, pretende excluir, violando assim o disposto no art.º 8.º, n.º2 do Código Civil: “Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”, bem como não corresponde à intenção legislativa. Pelo que tal sentença padece do vício de violação da lei.
    d) Em primeiro lugar, nos termos do art.º 2.º da Lei da Habitação Económica, a construção de habitação económica tem por finalidade, apoiar os residentes da Região Administrativa Especial de Macau, com determinados níveis de rendimento e património, na resolução dos seus problemas habitacionais e promover a oferta de habitação mais adequada às reais necessidades e à capacidade aquisitiva dos residentes da RAEM.
    e) A fim de se distribuir de forma adequada e justa o escasso recurso de habitação económica, a autorização do respectivo pedido depende de preenchimento e observação de um conjunto dos requisitos positivos e negativos, ou seja perante cada caso há que aplicar critério científico objectivo, no sentido de evitar a ocorrência de determinação arbitrária, pelo que, é indispensável haver um conjunto de regime e critério que permitem à autoridade administrativa tratamento e apreciação de forma unificada, sendo isso a finalidade que o legislador pretende atingir na criação do respectivo regime.
    f) A Lei da Habitação Económica dispõe no seu art.º 14.º, n.º1 e 2 as condições passivas exigindo que os candidatos da RAEM necessitem de reunir a verificação sobre os limites de rendimento e de património, e no art.º 14.º, n.º3 e 4, dispõe as condições negativas.
    g) Na interpretação da respectiva disposição legal, há que cumprir as regras fixadas no art.º 8.º do Código Civil, segundo o art.º 8.º, n.º2 do código civil, “não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”. Além disso, segundo o art.º 8.º, n.3 do mesmo código, “na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”
    h) Mesmo que se proceda à interpretação do texto da lei, não se deve afastar do sentido contido neste texto, portanto, só há lugar à interpretação ampliativa ou restritiva, só quando haja uma expressão imperfeita ou exista razão importante para recorrer aos outros elementos auxiliares para interpretação (tais como elemento literário, finalístico, sistemático e histórico), caso contrário, deve cingir-se ao sentido preciso expresso pelo legislador no texto.
    i) Feita a análise segundo o elemento literário, tendo o legislador, através do art.º 14.º, n.3, al. 1) da Lei da Habitação Económica, já feito expressamente nele a interpretação da finalidade e dos efeitos que pretende atingir, e a expressão do texto também é clara e directa, pelo que, a intenção legislativa visa não permitir a compra de habitação económica pelo requerente que já detenha propriedade, não tomando em consideração a habitação nele, posse ou utilização de forma efectiva do respectivo imóvel pelo requerente ou se o requerente acaba por vender o imóvel e obter interesses.
    j) Na aplicação da respectiva disposição legal, dado que o legislador não faz qualquer distinção, não deve o intérprete da lei fazer distinção conforme à sua vontade, caso contrário, todos os intérpretes e executores da lei têm a sua interpretação diferente, e isso poderá causar uma dificuldade na execução.
    k) Feita a análise segundo o elemento finalístico e sistemático, embora o legislador tenha feito deliberadamente uma distinção entre o imóvel com finalidade habitacional na RAEM e outro imóvel e património com finalidade não habitacional na RAEM, bem como o outro património localizado no exterior da RAEM, e fixado o limite do prazo, tudo isso não quer significar que o legislador não tenha intenção de restringir o direito de disposição de bens dos candidatos, de qualquer maneira, os candidatos ainda têm que sujeitar-se à verificação do limite de património previsto no art.º 16.º e 17.º, aplicável por remissão do art.º 14.º, n.2 da Lei da Habitação Económica.
    i) Contudo, a partir do ponto de vista lógico, mesmo que os candidatos estão sujeitos à verificação do limite de rendimento e de património, não quer dizer que “o proprietário”, previsto no art.º 14.º, n.º3, al. 1) da Lei da Habitação Económica, divide em proprietário do imóvel com finalidade habitacional adquirido por sua própria condição financeira e proprietário do imóvel adquirido não por sua própria condição financeira, nem tão pouco presume-se que o último deva sujeitar-se à verificação de património previsto no art.º 17.º mas não pertence ao âmbito previsto pelo art.º 14.º, n.º3, al. 1) da mesma lei.
    m) Além disso, o que o legislador deliberadamente distinguiu o imóvel com finalidade habitacional na RAEM do outro imóvel e património com finalidade não habitacional na RAEM, bem como do outro património localizado no exterior da RAEM, e o fixou no art.º 14.º, n.º3, al. 1), pode mostrar que o legislador não tinha intenção de colocar o primeiro na verificação do limite de património, mas sim serve de um requisito de exclusão, Em suma, o limite negativo da candidatura previsto no art.º 14.º, n.º3 da Lei da Habitação Económica exclui indirectamente a consideração como património o imóvel ou terreno com finalidade habitacional na RAEM, de modo a sujeitar-se à verificação do limite de património.
    n) Quando o candidato seja proprietário do imóvel com finalidade habitacional, ele tem o direito de uso, o direito de fruição e o direito de disposição de tal imóvel, de forma completa e excluída. Quer dizer, para além de residir por si próprio, é possível que o candidato possa obter interesses através do imóvel, sendo isso a situação que o legislador pretende excluir.
    o) Tal como foi indicado na Proposta da Lei da Habitação Económica, fls. 5, “3. Ajustamento das condições de candidatura”, n.º3: “Exigência de não se poder possuir propriedade antes da apresentação da candidatura”, daí podemos saber que o art.º 14.º, n.º3, al. 1) tem com finalidade: “Em conformidade com o objectivo da oferta de habitação económica e para evitar que os residentes venham a requerer a habitação económica, logo depois de terem vendido a sua propriedade para obtenção de lucros, exige-se que o requerente e os agregados familiares e os seus cônjuges não possam possuir propriedade, com finalidade habitacional, ou terrenos na RAEM, nos cinco anos imediatamente anteriores à data de apresentação da candidatura.” (vd. Doc.1)
    p) Por outro lado, segundo a redacção integral do art.º 14.º da Lei da Habitação Económica, o legislador, em primeiro lugar, estabeleceu, no art.º 14.º n.ºs 1 a 4, os requisitos positivos e negativos, e no n.º5 do mesmo artigo: “O presidente do IH, a título excepcional e mediante pedido devidamente fundamentado, pode autorizar a candidatura à compra das fracções por elementos dos agregados familiares referidos no número anterior.”
    q) Contudo, quanto à autorização excepcional, o legislador só limitou a situação de agregados familiares prevista no art.º 14.º, nº.4, mas não a situação prevista no nº.3 do mesmo artigo. Quer dizer, dado que o art.º 14.º, n.º5 da Lei da Habitação Económica já concedeu à entidade recorrida o poder discricionário limitando-se ao n.º4 do mesmo artigo, pelo que, o n.º3 do mesmo artigo é um requisito que se deve observar, e o requerente perde a sua qualidade para comparar habitação económica desde que ocorra a situação prevista no n.º3 do mesmo artigo.
    r) Além do mais, segundo o mesmo sistema jurídico e a redacção, o legislador não deixou de considerar a questão de sucessão, por exemplo, nos termos do art.º 34.º, n.º4 da Lei da Habitação Económica, face à situação de sucessão, foi estabelecida a disposição “proviso” que “O IH procede à resolução do contrato-promessa caso verifique, durante o período entre a celebração do contrato-promessa de compra e venda e a emissão do termo de autorização, que o promitente-comprador e os elementos do seu agregado familiar não cumprem os requisitos previstos no n.º 3 do artigo 14.º, salvo o incumprimento daqueles a favor de quem seja transmitida a posição contratual por morte do promitente-comprador ou dos elementos do seu agregado familiar.”
    s) Por isso, caso o legislador queira considerar a situação quanto ao direito de aquisição de herança por sucessão como a situação prevista no art.º 14.º, n.º3 da Lei da Habitação Económica, ou a queira considerar como situação especial ou extraordinária, devia, na aprovação do art.º 14.º, n.º3 da Lei da Habitação Económica, estabelecer uma disposição “proviso” tal como a no art.º 34.º, n.º4, não tendo o legislador, contudo, feito assim.
    t) Na realidade, de acordo com o Índice do Parecer n.º3/IV/2011 da 3ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa, 4.2.2 (Inelegibilidades) onde se indica que “o artigo 14.º da proposta de lei contempla um conjunto de situações que tornam as pessoas por elas abrangidas inelegíveis para se candidatarem à compra de habitação económica. Nos termos do n.º3 (… … ) A Comissão prestou especial atenção à questão dos candidatos não poderem possuir em Macau qualquer prédio urbano ou fracção autónoma com finalidade habitacional. Em face do limite estabelecido na proposta de lei, os representantes do Governo explicaram que esta restrição se aplica aos agregados familiares ou aos indivíduos a que se limita apenas aos prédios urbanos ou fracções com finalidade habitacional, em Macau. No entanto, se se possuir, em nome de uma sociedade comercial, qualquer prédio urbano ou fracção autónoma, estes imóveis são considerados como património e estão sujeitos aos limites de património líquido. De igual forma, se se possuir tal património no exterior, o seu valor será contabilizado para efeitos de limites de património, o que pode levar a que a pessoa em causa deixe de reunir os requisitos para o acesso à habitação económica. (vd. Doc.2)
    u) Em suma, a intenção legislativa do art.º 14.º, n.º3, al. 1) da Lei da Habitação Económica visa não permitir a compra de habitação económica pelo requerente que já detenha propriedade, não tomando em consideração a habitação nele, posse ou utilização de forma efectiva do respectivo imóvel pelo requerente ou se o requerente acaba por vender o imóvel e obter interesses.
    v) Além disso, feita a análise através do elemento histórico, a disposição do art.º 14.º, n.º3, al. 1) da Lei da Habitação Económica não é uma disposição ou prática inovadora. Segundo o antigo Regime de Habitação Económica ora revogado, nele também dispõe que não podem os candidatos ser proprietários de qualquer habitação em Macau.
    w) Contudo, na antiga lei de habitação económica, os requerentes totalmente não precisam de sujeitar-se à verificação do limite de património. Excepto o acrescentamento do limite de prazo, é igual a expressão sobre os “proprietários”, quer na nova lei quer na antiga lei. Já que no antigo regime de habitação económica não existe o mecanismo de verificação do limite de património, nele não se consegue distinguir se o “proprietário” era requerente quem adquira o imóvel por suas próprias condições financeiras ou não por suas próprias condições financeiras. Pelo que, feita a análise das respectivas cláusulas segundo o elemento histórico, a sentença recorrida, a partir do ponto de vista sobre a verificação do limite de património, procedeu à distinção do “proprietário” previsto no art.º 14.º, n.º3 da Lei da Habitação Económica, mas esse entendimento com distinção por parte do Tribunal a quo é meramente uma interpretação sem respeitar a intenção legislativa, sendo evidentemente insustentável.
    x) Por isso, feita a análise do art.º 14.º, n.º3, al. 1) da Lei n.º10/2011, segundo o elemento literário, finalístico, sistemático e histórico, podemos igualmente retirar a conclusão de que tal “proprietário” previsto no referido artigo refere-se objectivamente ao proprietário do imóvel com finalidade habitacional em Macau, mas não se limitando ao proprietário do imóvel adquirido por suas próprias condições financeiras.
    y) Para dizer o mínimo, caso a posição assumida pela sentença recorrida, ou seja, o “proprietário” previsto no art.º 14.º, n.º3 da Lei da Habitação Económica refere-se ao indivíduo quem adquira o imóvel com finalidade habitacional por suas próprias condições financeiras, e que ao indivíduo quem o adquira não por suas próprias condições financeiras (tais como sucessão ou doação) é aplicável a verificação do limite de património prevista no art.º 17.º, interpretação essa poderá fazer surgir muitas questões irrazoáveis e injustas, contrárias a intenção legislativa até à fraude à lei, em particular, para as pessoas quem já foram incluídas na lista de espera, ao abrigo do antigo regime de habitação económica.
    z) Nos termos do art.º 60.º, n.º5, al. 1) da Lei da Habitação Económica: “Sem prejuízo do disposto na alínea 5) do artigo 63.º, as candidaturas admitidas na lista geral ao abrigo do disposto no Regulamento de acesso à compra de habitações construídas no regime de contrato de desenvolvimento para a habitação continuam válidas, tendo os respectivos candidatos direito à atribuição prioritária das habitações disponíveis e sendo-lhes aplicáveis: 1) Os requisitos de acesso à compra de habitação económica, previstos na presente lei, com excepção do n.º 2 e, até à data da apresentação da candidatura, do n.º 3 do artigo 14.º”.
    aa) Caso se considere que o “proprietário” previsto no art.º 14.º, n.º3, al. 1) da Lei da Habitação Económica não abrange o indivíduo quem adquira o imóvel com finalidade habitacional não por as suas próprias condições financeiras, podem então surgir as situações em que os candidatos aproveitam-se da “doação” ou de várias formas “não por as suas próprias condições financeiras”, adquirindo a propriedade sem sujeitar-se ao limite com requisitos negativos previsto no art.º 14.º, n.º3, al. 1) da Lei da Habitação Económica.
    bb) Também pode ocorrer a situação em que o candidato sucedeu num imóvel ou vários imóveis com finalidade habitacional mas não vive neles, dando de arrendamento tais fracções para receber rendas conforme o valor fixado no mercado de arrendamento, e/ou pode o candidato optar por ceder directamente tais fracções a outra pessoa para obter lucros, uma vez que ele totalmente não precisa de sujeitar-se à verificação do limite de património.
    cc) Ou ocorre a situação em que o candidato, em primeiro lugar, adquiriu, por sucessão, parte dos quinhões de várias fracções, e após ter celebrado a escritura pública de compra e venda de habitação económica, procede então à partilha das fracções por si adquiridas por sucessão, fazendo com que, perante a situação em que não precisa de sujeitar-se à verificação do limite de património, o candidato passe a ser o único proprietário de restantes fracções autónomas com finalidade habitacional, para além de ser proprietário de habitação económica.
    dd) Evidentemente, para os outros candidatos com necessidades concretas de aquisição de habitação económica para resolver seu problema habitacional, mas não têm capacidade financeira suficiente, tais situações de fraude à lei derivadas da interpretação restritiva podem causar uma grande injustiça. Esses indivíduos não têm nem sequer oportunidade para adquirir quinhão da fracção com finalidade habitacional através de sucessão, nem tão-pouco adquirem o imóvel mediante o pagamento de compensação no processo de sucessão ou cedem o imóvel a terceiro para obter quaisquer interesses.
    ee) Por outro lado, de acordo com o conteúdo constante de fls. 16 da sentença recorrida, tendo o Tribunal a quo entendido que a entidade recorrida, na interpretação do art.º 14.º, n.º3 da Lei da Habitação Económica, não tomou em consideração a passividade do interessado quanto ao chamamento à sucessão e à partilha de bens, bem como as restrições sobre o repúdio da herança. Contudo, salvo o devido respeito, a entidade recorrida, por sua vez, considera que a respectiva situação não afecta a sua interpretação do art.º 14.º, n.º3, al. 1) da Lei da Habitação Económica, bem como, a entidade recorrida considera que fundamentalmente não existe o factor de passividade do recorrido resultante da sucessão.
    ff) Porque há mecanismo na lei para que ele pudesse optar, desde que ele utilizasse o respectivo regime para prestar declaração de vontade do repúdio de herança, não ficaria “obrigado” a aceitar a herança ou se encontraria em situação de passividade.
    gg) Daí podemos verificar que, mesmo que se considere que o recorrido se encontrava em situação de passividade, é uma opção feita por si – na realidade, o recorrido não só sucedeu no respectivo imóvel, mas também o vendeu para obter interesses. Pelo que, a aceitação da respectiva herança foi devido à vontade pessoal do recorrido, mas não foi obrigado a aceitá-lo por lei. Assim, deve o recorrido responsabilizar-se pela sua opção e assumir a respectiva consequência.
    hh) Após feita a análise segundo os supracitados elementos auxiliares da interpretação jurídica, a situação de fraude à lei, bem como a alegação da sentença recorrida de a entidade recorrida não ter em consideração a situação de passividade do recorrido, não podemos reconhecer o entendimento feito na sentença recorrida – ou seja, o “proprietário” previsto no art.º 14.º, n.º3, al. 1) da Lei n.º 10/2011 (Lei da Habitação Económica) não abrange “a aquisição do imóvel com finalidade habitacional na RAEM não por suas próprias condições financeiras (tais como sucessão ou doação)”. Caso seja adoptada efectivamente tal interpretação, pode causar e derivar mais injustiça e irrazoabilidade, e prejudicar gravemente a coordenação harmoniosa entre os diversos requisitos positivos e negativos do regime de acesso à compra da habitação económica fixado pelo legislador, e a sua científica e objectiva estrutura da lógica.
    ii) Na realidade, tal como o entendimento feito pelo Tribunal de Segunda Instância no acórdão n.º626/2012, quanto ao caso análogo, no qual foi feita a análise da intenção e natureza da legislação sobre requisitos negativos semelhantes, “a simples titularidade do direito de propriedade ou a simples condição de promitente-comprador de prédio ou fracção autónoma ou a propriedade ou concessão de terreno do domínio privado da RAEM nos moldes regulamentarmente estabelecidos (nº4, alíneas 1 e 2)) é eleita pelo articulista como factor objectivo impeditivo da própria candidatura”, entende, se bem que o requerente não obteve qualquer vantagem, “isso não pesou como circunstância atendível para o “legislador”, uma vez que este não deixou aberta a porta a nenhuma prova em contrário. Isto é, para ele é obstáculo inultrapassável o facto objectivo de o interessado ou algum elemento do agregado ser ou ter sido proprietário de fracção no período de três anos antes do termo do prazo para entrega do boletim de candidatura.”
    kk) Pelo que, o “proprietário” previsto no art.º 14.º, n.º3, al. 1) da Lei da Habitação Económica, só tem como critério o proprietário do imóvel com finalidade habitacional nos termos da lei, o qual não depende de detenção da totalidade da quota do imóvel ou de gozo efectivo deste, nem sequer vai fazer a simples distinção pela aquisição do imóvel por sua própria capacidade financeira.
    ll) Pelo acima exposto, dado que a sentença recorrida interpretou erradamente o art.º 14.º, n.º3, al. 1) da Lei da Habitação Económica e consequentemente se baseou nessa interpretação errada para servir do fundamento para anular a decisão da entidade recorrida, tal sentença padece do vício de violação da lei.
    mm) Quanto ao segundo fundamento, o meritíssimo juiz do Tribunal Administrativo considera que a entidade recorrida tinha a sua posição prefixada face à situação de sucessão ocorrida no recorrido, e entende que se deve permitir ao recorrido saber qual o procedimento que a entidade recorrida iria realizar, mas não se deve permitir-lhe que, por si próprio, procedeu à partilha de herança e à cessão do seu quinhão, Pelo que, o meritíssimo juiz entende que, evidentemente, a respectiva solução feita pela entidade recorrida violou o princípio da boa fé previsto no art.º 8.º, n.º2, al. b) do Código do Procedimento Administrativo.
    nn) Salvo o devido respeito, a entidade recorrida considera que, no decurso de apreciação se o recorrida reunisse ou não os requisitos da habitação económica, não incorreu em violação do princípio da boa indicada pela sentença.
    oo) Em primeiro lugar, de acordo com os dados constantes dos autos, a entidade recorrida, após ter celebrado com o recorrido o termo de compromisso para aquisição e o contrato-promessa de compra e venda, só através do ofício da Conservatória do Registo Predial n.º159/CRP/2012, tomou conhecimento de que o recorrido, no dia 31 de Outubro de 2011, tinha assinado a escritura pública de habilitação de sucessão (vd. fls. 12 a 15 e 18 a 20 dos autos administrativos).
    pp) Mais tarde, o recorrido, na primeira quinzena de Junho de 2012, referiu à entidade recorrida que iria resolver o respectivo assunto, mas tendo em consideração que o processo de sucessão já tinha sido instaurado, a entidade recorrida não podia impedir ao recorrido que tratasse por si próprio o respectivo assunto, tal como foi indicado pelo meritíssimo juiz do Tribunal Administrativo.
    qq) Além disso, o recorrido ainda tinha opção na altura, ou seja podia optar por aceitar a sucessão, passando a ser proprietário do respectivo imóvel, ou optar por abandonar a herança sem possuir tal imóvel. Por isso, antes de o recorrido proceder à opção, não era possível que a entidade recorrida tivesse uma posição prefixada, tal como indicada pelo meritíssimo juiz do Tribunal Administrativo.
    rr) Posteriormente o recorrido procedeu à partilha da herança, passando a ser proprietário do imóvel e o vendeu para obter interesses, pelo que a aceitação da herança depende da intenção e da vontade pessoal da parte, mas não foi a entidade recorrida que o obrigou a aceitar tal herança. De facto, não pode a entidade recorrida nem deve fazer uma intervenção na opção do recorrido, mas sim deixar-lhe decidir espontaneamente, após ter ponderado o caso.
    ss) Mais tarde, no dia 8 de Maio de 2013, a entidade recorrida recebeu a justificação escrita feita pelo recorrido, nela tendo o mesmo referido que já passou a ser proprietário do imóvel, através de escritura pública de partilha da herança, e face à opção feita pelo recorrido, a entidade recorrida já não conseguia mudar nem controlar.
    tt) Pelo que, dado que o recorrido não reuniu o requisito previsto no art.º 60.º n.º5, al. 1) e no 14.º, n.º3, al. 1) da Lei da Habitação Económica, o que podia a entidade recorrida fazer apenas, nos termos da disposição da Lei da Habitação Económica, declarar nulidade do contrato-promessa de compra e venda. Pelo que, no decurso de tomada da decisão, a entidade recorrida não violou o princípio da boa fé, tal como foi indicado na sentença.
    
     Pelo acima exposto, pede-se ao Tribunal de Segunda Instância que seja julgada procedente a motivação do presente recurso, anulando a sentença recorrida e rejeitando o recurso contencioso interposto pelo recorrente. Mais se pede ao Tribunal que faça a Justiça.

    
2. Não foram oferecidas contra-alegações.
3. O Exmo Senhor Procurador-Adjunto oferece o seguinte douto parecer:
    “Insurge-se a entidade recorrente contra o douto acórdão sob escrutínio essencialmente por este não ter assumido que os requisitos negativos contemplados na al. 1) do n° 3 do art° 14° da L.H.E., designadamente o conceito de "proprietários de prédio urbano ou fracção autónoma com finalidade habitacional na RAEM" são de natureza objectiva, reportada à situação jurídica e não de facto, razão por que, ao entender-se, no acórdão que tal condição de proprietário não constitui, por si só, pressuposto de inadmissibilidade das candidaturas à aquisição de fracções económicas (nomeadamente nos casos, como o presente, em que tal condição não foi obtida devido a capacidade económica para o efeito, mas por mera sucessão), havendo que ponderar "as condições económicas e habitacionais do interessado" e submeter a averiguação da situação aos critérios dos limites de património previstos no n° 2 do normativo apontado e art° 17° do mesmo diploma, se efectuou errada interpretação restritiva de tais dispositivos legais, com ofensa do disposto no n.º 2 do art° 8°, C.C., por não existir na letra daquelas um mínimo de correspondência verbal com tal interpretação, esgrimindo ainda a recorrente contra o facto de se ter dado como provada a ocorrência de atropelo da boa-fé por parte da Administração, por a mesma, tendo posição prefixada face à situação de sucessão ocorrida, não ter, de tal, alertado o interessado, antes permitido que o mesmo procedesse à partilha, com aceitação tácita do herdado, usando, de seguida, a documentação referente à partilha como fundamento para a decisão da exclusão da lista de espera e declaração de nulidade do contrato.
    Começando precisamente por este último ponto, somos a adiantar que, com base nos precisos factos adiantados pelo julgador "a quo", não descortinamos a ocorrência da ofensa da boa-fé por parte da Administração.
    É claro que, encontrando-se comprovado que, à data de celebração do contrato promessa de compra e venda da fracção económica, o LH. já deteria informação sobre a sucessão "mortis causa" por parte do aqui recorrido, poderia aquele, face à posição e interpretação que assume, ter, desde logo, da mesma avisado o visado, designadamente quanto às consequências da aceitação da herança em questão.
    Aceita-se, porém, que os agentes da Administração intervenientes no procedimento informativo específico pudessem, eles próprios, na altura, não ter presente como definitiva tal interpretação e se tenham, de todo o modo (e, cremos que, bem), abstido de condicionar o visado quanto à opção a tomar pelo mesmo, tanto mais que, se, por um lado, sempre ele poderia ainda renunciar à herança, por outro, mesmo aceitando-a, sempre poderia esgrimir, como não deixa de o fazer, com o facto de, não recebendo a fracção habitacional em termos de partilha, poder ainda aceder à compra de habitação económica, matéria em que, aliás, entendemos assistir-lhe razão, como à frente tentaremos explanar.
    Donde, não se vislumbrar que com o comportamento assumido neste domínio, os agentes da Administração intervenientes no procedimento não se tenham pautado pela correcção e probidade exigíveis na situação, ou, pelo menos, não tenham agido na consciência e convicção de terem adoptado comportamento nesse sentido, pelo que se entende, neste específico, merecer provimento o recurso.
    No restante, encontramo-nos de acordo com praticamente todo o argumentado pela recorrente, no que tange à deficiente interpretação dos normativos em questão por parte do acórdão recorrido, afigurando-se-nos, porém, que, "malgré tout", por razão diversa das sustentadas nesse aresto, não poderia deixar de obter provimento o recurso contencioso.
    Tentando esclarecer:
    Expressa-se claramente no douto acórdão em crise que
    "Na realidade, ficou provado nos autos que o recorrente, antes de receber notificação do Instituto de Habitação por sucessão mortis causa, herdou conjuntamente com os membros familiares os quinhões da fracção com finalidade habitacional deixada pelo pai. Sem dúvida, o recorrente era co-proprietário da respectiva fracção autónoma, mesmo que posteriormente tenha cedido a outra herdeira o quinhão por si detido, na partilha do imóvel".
    Ora, em nosso critério e seguindo, neste passo, o entendimento da recorrente, a simples titularidade do direito de propriedade encontra-se consagrada na norma como factor objectivo, impeditivo da candidatura pelo que, independentemente da concreta situação económica e habitacional do requerente, o mesmo não poderá almejar ser adquirente de habitação social.
    Pode, como é evidente, aquele factor objectivo não ter correspondência efectiva com as reais necessidades e capacidade aquisitiva do requerente, como, acreditamos, poderia ser o caso presente: porém, tendo o legislador fixado o requisito objectivo de titularidade do direito de propriedade sobre a coisa, condicionando, pois, a solução à situação jurídica e não à situação de facto, não poderia a Administração deixar de se valer da previsão normativa para afastar o recorrente da candidatura em causa (neste sentido, respeitante ao arrendamento de habitação social, cfr ac. deste tribunal, de 22/11/12 in proc. 626/2012, aliás também referenciado pela recorrente).
    Donde, tendo partido o Mmo juíz "a quo" do pressuposto da qualidade de proprietário de fracção habitacional por parte do recorrente, vermos como errónea a interpretação normativa empreendida.
    Porém, é também quanto à ocorrência efectiva de tal pressuposto que nos não encontramos de acordo, entendendo que a mera aceitação da herança não terá colocado, desde logo, o aqui recorrido na situação de verdadeiro proprietário, designadamente para os efeitos que agora nos ocupam.
    Por força da aceitação, o recorrente foi, abstratamente, co-titular do domínio e co-possuidor dos bens da herança, com retroacção ao momento da abertura da sucessão (art° 1888°, nºs 1 e 2 C.C.). É um facto.
    Mas, como em sede de partilha não recebeu qualquer parte do bem hereditário, tendo sim, recebido de tomas o equivalente ao seu quinhão, acabou por não ser empossado como co-proprietário da referida fracção habitacional, sendo que, por força da retroactividade prevista no art° 1959° C.C. só assim poderão ser considerados os herdeiros aos quais tenham, em termos de partilha, sido atribuídas percentagem ou fracção do imóvel.
    Dito isto, afigura-se-nos que o recorrente não pode ser considerado proprietário de fracção autónoma com finalidade habitacional, para efeitos do art° 14°, nº 3, al. 1) da Lei 10/2011, apenas pelo facto de ter sido beneficiário de uma herança constituída por parte de uma fracção habitacional, uma vez que em sede de partilha lhe não foi atribuída qualquer percentagem ou fracção de imóvel.
    Nestes parâmetros, sem necessidade de maiores alongamentos ou considerações, fundando-se a decisão da exclusão do agregado familiar do recorrido da lista geral de espera de habitação económica e a declaração de nulidade do contrato promessa de compra e venda celebrado com o I.H. para o efeito, exclusivamente naquela sua qualidade, que se entende não ter chegado a concretizar, terá agido a Administração com erro nos pressupostos, o que, por esta via, deverá conduzir ao mesmo desfecho preconizado pelo acórdão controvertido, ou seja, a anulação do acto alvo de impugnação contenciosa.
    É o que se entende.”
    4. Foram colhidos os vistos legais.
    
    III - FACTOS

Vêm provados os factos seguintes:
    “No dia 29 de Junho de 1999, o recorrente apresentou, junto do Instituto de Habitação, o boletim de candidatura (n.º0XXXX8) para a aquisição de habitação construída em regime de contratos de desenvolvimento para a habitação, tendo o qual posteriormente sido admitido e incluído na lista geral de espera de habitação económica (vd. fls. 1, 2 e 2v, e 8 do processo apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)
    No dia 8 de Setembro de 2000, os pais do recorrente B e C adquiriram conjuntamente a fracção autónoma do Edifício “XX Fa Un”, bloco XX, XXº andar XX, sito em Macau, na Avenida de XX (vd. fls. 30 a 32 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
    No dia 31 de Outubro de 2011, a mãe do recorrente celebrou no 2º Cartório Notarial a escritura pública de habilitação de sucessão, tendo declarado que B faleceu no dia 5 de Julho de 2011 sem contrair testamento ou outro documento com sua vontade última enquanto vivo, sendo como herdeiros legais a sua cônjuge e dois filhos incluindo o recorrente; e no mesmo dia, foi proceder ao registo predial (vd. fls. 44 dos autos, e fls. 19 e 47 do processo apenso, cujo teor aqui se dão por integralmente reproduzido).
    De acordo com o despacho proferido em 17 de Janeiro de 2012 pela entidade recorrida, tendo esta concordado com a proposta n.º0191/DAHP/DAH/2012 e autorizado excepcionalmente o pedido formulado pelo recorrente, quanto à desligação do agregado familiar dos pais, do Edifício “XX Fa Un”, bloco XX, XXº andar XX), sito na Avenida de XX, e ao acrescentamento da cônjuge D como membro do seu agregado familiar (vd. fls. 6 a 10 do processo apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
   No dia 29 de Fevereiro de 2012, o recorrente assinou o termo de compromisso para aquisição da fracção de habitação económica, na Rua XX, n.ºXX, Edifício de XX, bloco XX, XXº andar XX (vd. fls. 12 do processo apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)
   No dia 10 de Abril de 2012, o recorrente celebrou com o Instituto de Habitação o contrato-promessa de compra e venda da supracitada fracção (vd. fls. 13 a 15 do processo apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
   No dia 4 de Junho de 2012, o Instituto de Habitação, através do ofício n.º1206040111/DAH, solicitou a confirmação junto da Conservatória do Registo Predial se o recorrente era proprietário ou promitente-comprador de prédio urbano ou fracção autónoma na RAEM. (vd. fls. 15 a 17 do processo apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
   No dia 7 de Junho de 2012, através do ofício n.º159/CRP/2012, a Conservatória do Registo Predial deu resposta ao Instituto de Habitação, tendo juntado ao ofício os dados do registo de aquisição do recorrente constantes da conservatória (vd. fls. 18 e 19 do processo apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)
   No dia 4 de Setembro de 2012, o recorrente, sua mãe C, sua irmã E celebraram a escritura pública da partilha de herança, tendo o recorrente e sua mãe declarado a cessão a E, dos seus quinhões da fracção autónoma do Edifício “XX Fa Un”, bloco XX, XXº andar XX, sito na Avenida de XX, bem com o recebimento da compensação pecuniária, e procederam ao registo do respectivo imóvel (vd. fls. 50 a 52 e 52v do processo apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
   De acordo com o despacho proferido em 5 de Outubro de 2012 pelo vice-presidente do Instituto de Habitação, tendo o mesmo concordado com a proposta n.º3151/DAHP/DAH/2012, para a transferência do caso do recorrente à Divisão de Assuntos Jurídicos, a fim de se apreciar a eventual resolução do contrato-promessa de compra e venda da fracção de habitação economia celebrado entre o recorrente e o Instituto de Habitação (vd. fls. 33 e 33v do processo apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
   De acordo com o despacho proferido em 22 de Abril de 2013 pelo chefe substituto do Departamento de Assuntos de Habitação Pública, do Instituto de Habitação, tendo o mesmo concordado com o conteúdo da proposta n.º0939/DAHP/DAH/2013, que segundo a resposta dada pela Conservatória o Registo Predial, o recorrente, em 31 de Outubro de 2011, tinha adquirido o direito de propriedade por sucessão mortis causa, e em 4 de Setembro de 2012, através de escritura pública de partilha de herança, cedeu o seu quinhão a outra herdeira. Uma vez que o recorrente era proprietário da fracção autónoma com finalidade habitacional na RAEM, desde a data da apresentação da candidatura até à data de celebração da escritura pública de compra e venda da fracção, nos termos dos art.ºs 60.º, nº5, al. 1) e 14.º, n.º3 al. 1) da Lei n.º10/2011, não pode o recorrente candidatar-se à compra da fracção, e assim foi determinada a realização da audiência escrita do recorrente (vd. fls. 41 a 42 e 42v do processo apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
   No dia 24 de Abril de 2014, através do ofício n.º1304190179/DAH, o Instituto de Habitação notificou o recorrente da supracitada decisão, bem como indicou no ofício que devia o recorrente, dentro do prazo de dez dias contado a partir de recepção da notificação, apresentar justificação escrita e outras provas tais como provas testemunhais, materiais e documentais, ou outra forma de prova (vd. fls. 45 a 52 e 52v do processo apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
   No dia 8 de Maio de 2013, o recorrente apresentou alegação escrita ao Instituto de Habitação com respectivos documentos juntos (vd. fls. 45 a 52 e 52v do processo apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)
   De acordo com o despacho proferido em 24 de Maio de 2013 pelo chefe substituto do Departamento de Assuntos de Habitação Pública, do Instituto de Habitação, tendo o mesmo concordado com a proposta n.º1143/DAHP/DAH/2013, que o recorrente, em 31 de Outubro de 2011, efectivamente tinha adquirido o direito de propriedade da fracção autónoma com finalidade habitacional do Edifício “XX Fa Un”, bloco XX, XXº andar XX, e em 4 de Setembro de 2012, através da escritura pública de partilha de herança, tinha cedido o seu quinhão a outra herdeira, pelo que o recorrente era proprietário da fracção autónoma com finalidade habitacional na RAEM, desde a data da apresentação da candidatura até à data de celebração da escritura pública de compra e venda da fracção, assim nos termos dos art.ºs 14.º, n.º3 al. 1) e 60.º, nº5 da Lei n.º10/2011, bem como do art.º 16.º, n.º2 do Regulamento de Acesso à Compra de Habitações Construídas no Regime de Contrato de Desenvolvimento para a Habitação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 26/95/M e alterado pelo Regulamento Administrativo n.º25/2002, e que assim se determinou a exclusão do recorrente da lista geral de espera de habitação económica e a declaração de nulidade do contrato-promessa de compra celebrado em 10 de Abril de 2012 com o recorrente (vd. fls. 53 a 55 do processo apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)
   No dia 29 de Maio de 2013, através do ofício n.º1305240001/DAH, o presidente do Instituto de Habitação notificou o recorrente da supracitada decisão, indicando na notificação ainda que podia o recorrente apresentar, junto do presidente do Instituto de Habitação, o recurso hierárquico necessário dentro do prazo de 30 dias contado a partir de recepção da notificação (vd. fls. 56 a 57 do processo apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)
   De acordo com o despacho proferido em 31 de Julho de 2013 pela entidade recorrida, tendo esta concordado com a Informação n.º0245/DAJ/2013 e indicado que existe efectivamente o facto de o recorrente ter aceitado tacitamente o quinhão da herança da fracção autónoma do Edifício “XX Fa Un”, bloco XX, XXº andar XX, sito na Avenida de XX, e os efeitos de aceitação de herança retroagem ao momento de morte do seu pai, ou seja a partir de 5/7/2011, o recorrente passou a deter o respectivo quinhão da herança, pelo que o recorrente não preenche o disposto nos art.ºs 60.º, n.º5 e 14.º, n.º3, al. 1) da Lei n.º10/2011 (Lei da Habitação Económica), assim, a entidade recorrida determinou rejeitar o recurso hierárquico necessário interposto pelo recorrente, mantendo a decisão quanto à exclusão do recorrente da lista geral de espera de habitação económica e à declaração de nulidade do contrato-promessa de compra e venda celebrado em 10 de Abril de 2012 com o recorrente (vd. fls. 77 a 86 do processo apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
   No dia 6 de Agosto de 2013, através do ofício n.º1307290214/DAJM, o Instituto de Habitação notificou o recorrente da supracitada decisão quanto à rejeição do recurso hierárquico necessário e à declaração de nulidade do contrato-promessa de compra e venda celebrado entre o recorrente e o Instituto de Habitação em 10 de Abril de 2012, bem como indicou na notificação que podia o recorrente, dentro do prazo de 30 dias contado a partir de recepção do notificação, interpor recurso contencioso para o Tribunal Administrativo (vd. fls. 87 e 88 do processo apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
   No dia 22 de Novembro de 2013, o recorrente constituiu mandatário judicial para interpor recurso contencioso junto deste Tribunal.”
   
    IV - FUNDAMENTOS
1. A questão que se coloca passa por saber se a sentença fez errada interpretação da lei ao anular o acto recorrido, ou seja, se houve erro nos pressupostos de direito conducentes à anulação do acto.
Fundamentalmente, na sentença recorrida, entendeu-se, a partir da conjugação de diversas normas da Lei n.º 10/2011, que o habilitante à habitação económica regulamentada naquele diploma não passa a ser automaticamente excluído por ter sido, nos cinco anos anteriores à data da apresentação da candidatura e até à data de celebração da escritura pública de compra e venda da fracção, promitente-comprador ou proprietário de prédio urbano ou fracção autónoma com finalidade habitacional ou terreno na RAEM, pois esse requisito deve ser complementado com o relativo ao património líquido do candidato a ser tido em consideração, nomeadamente, o preço de transacção de imóveis com finalidade habitacional no mercado livre, o montante do crédito bancário e outros encargos.
2. Para melhor compreensão do sentido vertido na douta sentença transcrevemos o segmento pertinente:
«Nos termos do art.º 2.º da Lei n.º10/2011, a construção de habitação económica tem por finalidade apoiar os residentes da Região Administrativa Especial de Macau, com determinados níveis de rendimento e património, na resolução dos seus problemas habitacionais. É do conhecimento comum, actualmente são muito escassos os recursos de terreno disponíveis na RAEM para a construção de habitação económica, perante a enorme procura, a fim de atingir uma distribuição justa e equilíbrio, o legislador estabeleceu certas condições no regime de acesso à compra de habitação económica e social. Quanto à habitação económica, podemos consultar os art.ºs 13.º a 17.º da Lei n.º10/2011 (Lei da Habitação Económica).
No art.º 14.º da supracitada lei, são fixadas as condições que têm que cumprir os candidatos à habitação económica, tais como os limites de rendimento e o limite de património líquido previstos no art.º 16.º e 17.º da mesma lei, bem como os candidatos não podem ser ou ter sido, nos cinco anos anteriores à data da apresentação da candidatura e até à data de celebração da escritura pública de compra e venda da fracção, promitentes-compradores ou proprietários de prédio urbano ou fracção autónoma com finalidade habitacional ou terreno na RAEM; ou concessionários de terreno do domínio privado da RAEM.
E no art.º 14.º, n.º4 da mesma lei, são fixadas também as condições com natureza de exclusão, que principalmente têm a ver com a resolução do contrato-promessa de compra e venda, a declaração de nulidade do contrato-promessa ou a exclusão de candidatura, ou candidato ser beneficiário de recursos públicos (que lhe foi autorizada a concessão de bonificação ao crédito para aquisição ou locação financeira de habitação económica e habitação própria); ao mesmo tempo, compete ao presidente do Instituto de Habitação conceder a autorização excepcional face ao requerimento de compra de fracção pelo supracitado elemento de agregado familiar e tomar decisão sobre caso concreto.
Por outro lado, tendo em consideração quando foi promulgada a Lei da Habitação Económica, já existiam candidatos admitidas na lista geral nos termos do “Regulamento de Acesso à Compra de Habitações Construídas no Regime de Contrato de Desenvolvimento para a Habitação”, e o legislador, para além de fixar que não era necessário que os candidatos admitidos na lista de espera tivessem que cumprir os limites de rendimento e de património líquido previstos na Lei da Habitação Económica, quanto ao limite de prazo previsto no art.º 14.º, n.º3, só fixou o prazo contado a partir da data da apresentação candidatura até à data de celebração da escritura pública de compra e venda da fracção (vd. art.º 60.º, n.º5, al. 1) da Lei da Habitação Económica).
Pelo que, nos termos do art.º 60.º, n.º5, al. 1), e do 14.º, n.º3 da Lei da Habitação Económica, o recorrente não precisa de sujeitar-se ao que não pode ser ou ter sido, “nos cinco anos anteriores à data da apresentação da candidatura”, promitente-comprador ou proprietário de prédio urbano ou fracção autónoma com finalidade habitacional ou terreno na RAEM; ou concessionários de terreno do domínio privado da RAEM.
Na realidade, ficou provado nos autos que o recorrente, antes de receber notificação do Instituto de Habitação para seleccionar a fracção, por sucessão mortis causa, herdou conjuntamente com os membros familiares os quinhões da fracção com finalidade habitacional deixada pelo pai. Sem dúvida, o recorrente era co-proprietário da respectiva fracção autónoma, mesmo que posteriormente tenha cedido a outra herdeira o quinhão por si detido, na partilha do imóvel.
Após analisado o regime de acesso à compra de habitação económica, este Tribunal entende que, o recorrente, como co-proprietário do imóvel com finalidade habitacional por sucessão mortis causa, não pertence ao proprietário previsto no art.º 14.º, n.º3, al. 1) da Lei n.º10/2011.
Quanto às respectivas disposições da Lei da Habitação, o presente Tribunal também chegou a analisá-las na sentença dos autos 1014/13-ADM e 1041/13-ADM, e salvo o entendimento diverso sobre a mesma questão, cumpre transcrever aqui parte do respectivo conteúdo:
“…….
Tal como acima foi indicado, a construção de habitação económica tem por finalidade apoiar os residentes da Região Administrativa Especial de Macau, com determinados níveis de rendimento e património, na resolução dos seus problemas habitacionais, bem como promover a oferta de habitação mais adequada às reais necessidades e à capacidade aquisitiva dos residentes da RAEM, pelo que o legislador fixou nas condições de candidato os limites de rendimento e de património, tendo expressamente indicado que, na fixação do preço de venda, tem em consideração a capacidade aquisitiva dos possíveis beneficiários (vd. art.º 32.º, n.º2, al. 1) da Lei da Habitação Económica, daí pode-se verificar que a situação financeira do candidato é totalmente reflectida nas condições de candidatura e vinculada à sua capacidade aquisitiva. Caso a capacidade financeira do candidato seja capaz de suportar o preço de habitação no mercado, de nenhuma maneira ele não precisa de concorrer conjuntamente com outras pessoas os escassos recursos públicos na resolução do seu problema habitacional.
Nos termos do art.º 14.º, n.º3 da Lei da Habitação Económica, podemos saber que o legislador fixou dois elementos para consideração nessa disposição de proibição, incluindo o prazo e a finalidade específica de imóvel (excepto os terrenos ou terrenos concedidos, dado que ainda não se devolvem os terrenos, não é fácil determinar as suas finalidades concretas), segundo os quais, não podem os candidatos ser ou ter sido, nos cinco anos anteriores à data da apresentação da candidatura e até à data de celebração da escritura pública de compra e venda da fracção, promitentes-compradores ou proprietários de prédio urbano ou fracção autónoma com finalidade habitacional ou terreno na RAEM; ou concessionários de terreno do domínio privado da RAEM. Nessa disposição o legislador não só não proíbe os candidatos que sejam promitentes-compradores ou proprietários de prédio urbano ou fracção autónoma ou terreno com finalidade não habitacional na RAEM, nem exclui os candidatos que detenham prédio no exterior da RAEM (imóvel ou terreno com finalidade habitacional).
  Da fixação do prazo de proibição, resultou que o legislador não tinha intenção de excluir permanentemente os candidatos que tenham detido o imóvel ou terreno com finalidade habitacional na RAEM; além disso, uma vez que não se proíbe os candidatos que sejam promitentes-compradores ou proprietários de prédio urbano ou fracção autónoma ou terreno com finalidade não habitacional na RAEM, nem exclui os candidatos que detenham prédio no exterior da RAEM, pode-se verificar que o legislador também não tinha intenção de restringir o direito de disposição de bens dos candidatos com certa capacidade financeira, só que os bens por si detidos (incluindo imóvel e terreno) têm que sujeitar-se ao critério do limite de património previsto no art.º 14.º, n.º2 e no 17.º da Lei da Habitação Económica.
  Salvo o devido respeito por entendimento diverso, este Tribunal entende que a finalidade legislativa do art.º 14.º, n.º3 a Lei da Habitação, evidentemente visa assegurar que os indivíduos com situação financeira insuficiente e falta de condições habitacionais objectivas, que não eram capazes de adquirir, por suas próprias condições (comprar ou adquirir por outra forma onerosa), os imóveis ou terrenos com finalidade habitacional, possam resolver os seus problemas habitacionais através do recurso de habitação pública. Mas não quer dizer que não é necessário apreciar as pessoas que adquiram os imóveis ou terrenos (incluindo o prédio urbano ou fracção autónoma) sem contar com sua própria capacidade financeira, mas sim deve aplicar-se o critério do limite de património previsto no art.º 14.º, n.º2 e no 17.º da Lei da Habitação Económica (mesmo que não seja aplicável ao recorrente do presente caso), no sentido de calcular se o valor do imóvel por si detido ultrapassa ou não o limite máximo de património líquido previsto naquela lei avulsa. De facto, segundo a letra do art.º 17.º, n.º2 e 3 da Lei da Habitação Económica, também não se exclui o cálculo do valor do imóvel ou terreno com finalidade habitacional na RAEM considerado como património.
  Segundo a interpretação do art.º 14.º, n.º3 da Lei da Habitação Económica feita pela entidade recorrida, esta não considerou a passividade do interessado quanto ao chamamento à sucessão e à partilha de bens devido ao falecimento do seu pai, bem como as restrições sobre o repúdio da herança (vd. 1872.º, n.º2, 1873.º, 1879.º, 1880.º e 1939.º do Código Civil), nem considerou, ao mesmo tempo, a finalidade do legislador com a fixação do prazo que não visa excluir permanentemente o interessado que tinha capacidade financeira para adquirir imóvel ou terreno com finalidade habitacional na RAEM. Pelo contrário, caso o interessado tenha adquirido o imóvel ou terreno com finalidade habitacional na RAEM não devido às suas próprias condições financeiras (tais como sucessão por mortis causa ou doação) e sempre não tenha procedido à cessão por certo motivo, segundo a interpretação da entidade recorrida, não se pode fazer o cálculo no prazo em que detinha tal imóvel ou terreno, previsto no art.º 14.º, n.º3 da Lei da Habitação Económica, razão pela qual não reúne os respectivos requisitos. Porém, essa conclusão totalmente não tomou em consideração a situação económica e habitacional do interessado.
Afinal de contas, o candidato possui certas condições económicas, por outro lado, tal como acima foi indicado, o legislador também não tinha intenção de restringir o direito dos candidatos quanto à disposição de bens, mas sim só restringir aqueles que detenham o imóvel ou terreno com finalidade habitacional na RAEM num determinado período, considerando as suas situação financeira insuficiente e falta de condições habitacionais objectivas, pelo que, mesmo que a aquisição do imóvel (sucessão por mortis causa ou doação) pelo candidato, a título gratuito, depende pura e simplesmente da sua intenção pessoal (acto de aceitação) e não exista outro obstáculo jurídico, este Tribunal entende que o seu direito de aquisição do imóvel não deve sujeitar-se ao limite previsto no art.º 14.º, n.º3 da Lei da Habitação Económica (já que o legislador não tinha intenção de restringir o direito dos candidatos quanto à disposição de bens, nem proibia que os candidatos sejam promitente-comprador ou proprietário de prédio urbano ou fracção autónoma com finalidade não habitacional ou terreno na RAEM, nem excluía aqueles que detenham prédio no exterior da RAEM (imóvel ou terreno com finalidade habitacional), assim é difícil imaginar como o legislador iria restringir o caso do candidato quem herdou o imóvel por sucessão mortis causa ou doação), mas sim à verificação de património prevista no art.º 14.º, n.º2 e no 17.º da mesma lei.
  ……”
No presente caso, em 17 de Janeiro de 2012, o recorrente foi autorizado excepcionalmente a desligar do agregado familiar estabelecido no Edifício “XX Fa Un”, bloco XX, XXº andar XX, e através da sucessão por mortis causa, ele adquiriu certo quinhão da respectiva fracção autónoma passando a ser co-proprietário, mas, segundo a supracitada análise, certamente não se pode considerá-lo como candidato com capacidade financeira e condição na resolução do seu problema habitacional que o tenta excluir o art.º 14.º, n.º3, al. 1) da Lei da Habitação Económica, pelo que a entidade recorrida incorreu em erro sobre os pressupostos na aplicação do art.º 14.º, n.º3, al. 1) da Lei da Habitação Económica1, resultando daí a violação da lei pelo acto recorrido, e nos termos do art.º 21.º, n.º1, al. d) do Código do Processo Administrativo Contencioso e do 124.º do Código do Procedimento Administrativo, o acto recorrido é anulável.»
3. Afigura-se-nos que a situação deve ser resolvida noutro prisma e com um fundamento que integra igualmente violação de lei por erro nos pressupostos de direito, razão por que não vamos tomar posição sobre a interpretação expendida, questão que não deixou implicitamente de ser colocada pelo recorrente.

A questão é a de saber se um co-herdeiro é um comproprietário e, assim, se o recorrente chegou a assumir a posição jurídica típica da previsão normativa contida no artigo 14º, n.º 3 da Lei n.º 10/2011 que prevê que “ … os candidatos não podem ser ou ter sido, nos cinco anos anteriores à data da apresentação da candidatura e até à data de celebração da escritura pública de compra e venda da fracção:
1) Promitentes-compradores ou proprietários de prédio urbano ou fracção autónoma com finalidade habitacional ou terreno na RAEM;(…)”.

4. Por o recorrente, dentro daquele período de 5 anos, ter adquirido a co-titularidade direito à herança, onde se integrava o direito a uma parte de uma fracção de um prédio habitacional, mas que não se chegou a concretizar como direito à propriedade ou compropriedade na sua esfera jurídica, na exacta medida em que esse direito não lhe foi adjudicado na escritura de partilha, logo o IH veio dizer que ele foi comproprietário de um prédio habitacional, devendo ser considerado inelegível à candidatura a uma habitação económica.
É por aqui que as coisas devem ser resolvidas.
O recorrente jamais foi proprietário ou comproprietário de casa alguma, muito menos da que integrava o acervo hereditário de seu falecido pai.
Como podia ele ter actuado de outra forma? Repudiar a herança? Para mais não sendo possível o repúdio parcial (art. 1902, n.º 2 do CC)? Seria exigível que o fizesse para não perder o direito à habitação económica? Todos os candidatos à habitação económica, herdeiros de uma universalidade em que se integre uma casa de habitação terão de renunciar a todos os bens da herança? Não foi isso, seguramente, que o legislador pretendeu ao legiferar como o fez. Bem seriam diferentes as coisas se ele tivesse adquirido por herança casa destinada a habitação.

5. Tanto a jurisprudência, como a mais abalizada doutrina apontam no sentido de que só se adquirem os bens da herança após a partilha. Até à partilha, “os co-herdeiros de um património comum, adquirido por sucessão mortis-causa, não são donos dos bens que integram o acervo hereditário, nem mesmo em regime de compropriedade, pois apenas são titulares de um direito sobre a herança (acervo de direitos e obrigações) que incide sobre uma quota ou fracção da mesma para cada herdeiro, mas sem que se conheça quais os bens concretos que preenchem tal quota.” É pela partilha extrajudicial ou judicial que serão adjudicados os bens dessa universalidade que é a herança e que preencherão aquelas quotas. 2
Esta orientação tem sido proclamada pela Jurisprudência Comparada: “A compropriedade pressupõe um direito de propriedade comum sobre uma coisa ou bem concreto e individualizado, ao invés do que sucede na contitularidade do direito à herança que recai sobre uma universalidade de bens, ignorando-se sobre qual ou quais deles o direito hereditário se concretizará”.3
Ou como se expende noutro passo “A compropriedade pressupõe um direito de propriedade comum sobre uma coisa ou bem concreto e individualizado, e não, como na herança, sobre uma universalidade de bens, ignorando-se sobre qual ou quais esse direito hereditário se concretizará.” 4
6. Também o mesmo ensinamento se colhe da melhor Doutrina. Assim, o Professor Rabindranath Capelo de Sousa: “Nos casos em que haja lugar à partilha da herança, segundo a opinião dominante, o domínio e posse sobre os bens em concreto da herança só se efectivam após a partilha, uma vez que até aí a herança constitui um património autónomo nada mais tendo os herdeiros do que o direito a uma quota parte do património hereditário”5.
O Professor Pereira Coelho, a propósito da herança: “Não se trata de uma vulgar compropriedade entendida como participação na propriedade de bens concretos e determinados. Pelo contrário, contitularidade do direito à herança significa tanto como um direito a uma parte ideal, não de cada um dos bens de que se compõe a herança, mas sim da própria herança em si mesma considerada.” 6
Tanto assim, que se trata de realidades diferentes, é o que resulta do art. 1980º que dispõe: “Quando seja vendida ou dado em cumprimento a estranhos um quinhão hereditário, os co-herdeiros gozam do direito de preferência nos termos em que este direito assiste aos comproprietários.”
Compropriedade e herança não são a mesma coisa: a compropriedade pressupõe um direito de propriedade comum sobre uma coisa ou bem concreto e individualizado enquanto na herança o direito é sobre uma universalidade de bens, ignorando-se sobre qual bem concreto ele (o direito) se concretiza.
A comunhão hereditária não constitui uma compropriedade, pois os herdeiros não são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa – art. 1299º, nº1, do CC; eles são apenas titulares de um direito à herança, universalidade de bens, podendo estes ficar a pertencer só a uns ou a um e os outros compensados em tornas.
Na verdade, bem pode acontecer que, na partilha efectuada, o direito sobre parte do imóvel integrante do acervo hereditário em causa não viesse a ser adjudicado ao recorrente, como, na realidade, não foi.

7. Somos, pois, pelas apontadas razões, embora mantendo a decisão de anulação do acto impugnado, a manter a decisão proferida, ainda que por outros fundamentos, entendendo-se que ocorreu o vício de violação de lei por errada interpretação da mesma, não se concebendo que um co-herdeiro interessado numa herança que integre bens imóveis destinados a habitação seja, sem mais, antes de os receber por partilha possa ser considerado proprietário ou comproprietário desse bem para efeitos de o desconsiderar como pessoa elegível, por essa razão, à habitação económica.

Esta decisão não deixa, aliás, de reflectir o entendimento já anteriormente adoptado nesta Instância, como resulta do Proc. n.º 317/2013, de 12/6/2014.
    Como está bem de ver a decisão ora proferida, assente nesta argumentação, torna inútil o conhecimento das demais questões que vêm suscitadas.
    
    V - DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao presente recurso jurisdicional, mantendo, ainda que com fundamentação diversa, a decisão recorrida.
Sem custas por delas estar isenta a entidade recorrente.
                 Macau, 9 de Julho de 2015,

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João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira Vitor Manuel Carvalho Coelho
(Presente)
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Ho Wai Neng
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José Cândido de Pinho

                
    
1 Vd. os acórdãos proferidos pelo TSI nos processos n.ºs 20/2005 e 162/2003, em 19/1/2006 e 15/4/2004, respectivamente.
2 - Ac. STJ, de 30/1/2013, Proc. n.º 1100/11.7TBABT.E1.S1
- Ac. STJ, de 4/2/1997, Proc. n.º 453/96 – 1ª secção - http://www.cidadevirtual.pt/stj/jurisp/bolAnualciv97.html
4 -Ac. do STJ, de 23.03.82, BMJ 315º,275
5 - Lições de Direito das Sucessões, 185
6 - Direito das Sucessões, 2ª ed. 1966-1967

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823/2014 1/38