Processo n.º 613/2015 Data do acórdão: 2015-7-9 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– art.º 27.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 27/96/M
– não transcrição da decisão em certificado de registo criminal
– não confissão franca dos factos acusados
– não arrependimento da prática dos factos
– indeferimento da não transcrição da decisão
S U M Á R I O
1. O art.º 27.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 27/96/M prevê que “Os tribunais que condenem em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade podem determinar na sentença ou em despacho posterior, sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, a não transcrição da respectiva sentença nos certificados a que se refere o artigo 21.º”, daí que mesmo que concluísse pela inexistência do perigo de prática de novos crimes, o tribunal poderia ainda não determinar a não transcrição em certificados de registo criminal para fins não judiciais, da decisão condenatória em pena de prisão até um ano ou em pena não privativa da liberdade.
2. No caso dos autos, ainda que se entendesse que das circunstâncias fácticas que acompanharam o crime por que ficou já condenado o recorrente não se conseguiria induzir perigo de prática de nova conduta criminal por ele, o facto de ele não ter confessado francamente os factos acusados na audiência de julgamento (a despeito de jusprocessualmente falando não ser obrigado a fazer essa confissão) já seria suficiente para se indeferir a sua pretensão de não transcrição da decisão condenatória penal em certificados do seu registo criminal para fins não judiciais, isto precisamente porque a não confissão franca dos factos acusados reflecte o não arrependimento da prática dos factos, pelo que, independentemente do demais, não merece ele o benefício da pretendida não transcrição da decisão condenatória em certificados de registo criminal.
O primeiro juiz-adjunto,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 613/2015
(Autos de recurso penal)
Arguido recorrente: A
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por acórdão proferido em 18 de Dezembro de 2014 a fls. 531 a 540v do Processo Comum Colectivo n.º CR4-13-0270-PCC do 4.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, ficaram o 1.º arguido A, o 3.º arguido B e o 4.º arguido C, todos aí já melhor identificados, finalmente condenados pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de ofensa simples à integridade física, p. e p. pelo art.º 137.º, n.º 1, do Código Penal, igualmente em sete meses de prisão, todos com suspensão da execução da pena pelo período de dois anos, sob condição de pagarem, dentro de um mês contado do trânsito em julgado desse acórdão condenatório, um total de quinze mil patacas de indemnização a favor do ofendido D, acrescido de juros legais contados a partir da data desse próprio acórdão.
Ulteriormente, em 14 de Janeiro de 2015, o 1.º arguido pediu ao Tribunal sentenciador a determinação da não transcrição dessa condenação penal em certificados de registo criminal nos termos do n.º 1 do art.º 27.º do Decreto-Lei n.º 27/96/M, de 3 de Junho, “de modo a não prejudicar o arguido, designadamente no que se refere à sua situação profissional e residência na RAEM” (cfr. o requerimento a fls. 554 a 556 dos presentes autos correspondentes).
Pretensão essa que acabou por ser indeferida por despacho exarado em 24 de Abril de 2015 pelo M.mo Juiz titular dos autos em Primeira Instância (cfr. o teor de fls. 622 a 622v dos autos).
Insatisfeito com essa decisão, dela veio recorrer o 1.º arguido para este Tribunal de Segunda Instância, para peticionar, ao fim e ao cabo, o deferimento da dita sua pretensão inicial, tendo concluído, em seguintes moldes, a sua motivação do recurso (apresentada a fls. 654 a 680 dos autos):
<<(I) O presente recurso tem por objecto a decisão do Tribunal Judicial de Base de Macau proferida nos autos acima identificados a fls. 622 e 622 verso, na parte em que indeferiu o expresso pedido do 1° Arguido, ora Recorrente, formulado no sentido de não ser a sentença que o havia condenado na pena de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos, condicionada ao pagamento solidário da quantia de MOP$15.000,00 ao ofendido pelo cometimento do crime de ofensas simples à integridade física - transcrita para os certificados a que alude o artigo 21.° do Decreto-Lei n.° 27/96/M, nos termos do artigo 27.° do mesmo diploma, através do requerimento de fls. 554 a 556.
(II) Tal aconteceu, na sequência de ordem do tribunal a quo de prova do cumprimento da mencionada condição e de elaboração de relatório social sobre personalidade do então arguido cuja conclusão foi inteiramente favorável à pretensão do Recorrente, por o Tribunal Recorrido ter entendido não poder afastar a presunção de perigo de cometimento de novos crimes por parte do Recorrente.
(III) Para sustentar tal decisão o douto Tribunal alegou, em súmula, (1) que os factos pelos quais foi condenado revelam “pouca consciência e respeito pela lei!”, (2) a sua personalidade, hábitos e costumes e ainda, (3) porque assim ditavam as exigências de prevenção geral positiva e a especial negativa, na sua vertente de intimidação.
(IV) O ora Recorrente, com todo o respeito, reputa os argumentos assacados pelo Tribunal como inválidos, na medida em que (1) resultam da consideração de critérios proibidos por lei, e, bem assim, (2) da errada definição dos limites e conteúdo do critério previsto no artigo 27.°, n.° 1 do citado Decreto-Lei, fundando-se ainda em asserções que resultam (3) de uma errada apreciação da matéria de facto existente nos autos (4) e da discordância imotivada da prova pericial realizada, conduzindo assim, a um juízo insanavelmente contraditório com a decisão que havia proferido aquando da suspensão da execução da pena de prisão.
(V) Comportando a decisão recorrida uma alteração negativa e desfavorável à esfera jurídica e ao estatuto pessoal do Recorrente, na medida em que comporta sérias repercussões na sua esfera pessoal, uma vez que dela - injustificadamente - resulta que se passe a fornecer toda a informação resultante da transcrição integral do registo criminal ao público em geral, deve a decisão sub iudice ser considerada uma decisão condenatória para os efeitos do artigo 3981°, n.°1 do CPP, e, por consequência, atribuir-se ao presente recurso efeito suspensivo, como, aliás tem vindo a ser entendimento dos tribunais da RAEM.
(VI) Para além disto, acresce ainda que a atribuição de efeito meramente devolutivo ao presente recurso esgotar-lhe-ia todo o seu efeito útil, na medida em que a mesma seria imediatamente transcrita para os certificados de registo criminal a que se refere o artigo 21.° do já citado Decreto-Lei, uma vez que se produziriam de imediato e irreversivelmente o efeito que se pretende evitar com o presente recurso.
(VII) No que respeita à ilegalidade dos critérios utilizados para o indeferimento da pretensão do ora Recorrente, é de salientar, em primeiro lugar, que, alguns dos argumentos utilizados pelo Tribunal a quo só podem ser resultado, na perspectiva do ora Recorrente, de uma errada compreensão daquela que é a última e específica função do Registo Criminal e, bem assim, dos princípios dogmáticos e político-criminais que modelam tal instituto.
(VIII) Na verdade, para fundamentar a decisão impugnada, o tribunal recorrido socorre-se de elementos que, na perspectiva do Recorrente, pertencem exclusivamente ao domínio da escolha e determinação da medida da pena, perdendo de vista as únicas finalidades e intenções existentes, de iure condendo, no acesso às informações de registo criminal dos indivíduos para os fins do artigo 21.° do Decreto-Lei 27/96/M e, bem assim, no âmbito do artigo 27.° do mesmo diploma: a defesa social contra os perigos da reincidência e a de ressocialização dos delinquentes.
(IX) Ora, a previsão normativa do artigo 27.° do citado diploma consagra - um poder-dever de se ordenar a não transcrição das sentenças que condenem em pena de prisão até um ano ou em pena não privativa da liberdade, desde que não se possa induzir perigo de prática de novos crimes, tendo o legislador, ao definir tais critérios, efectuado a necessária ponderação entre a diminuta danosidade social dos crimes sancionados até àquele limite, por um lado, e a diminuta perigosidade dos agentes que o praticam, desde que, do caso concreto, não resultem evidências que devam - firmar na convicção do julgador a existência de especial perigo de cometimento de novos crimes;
(X) Assim, a intervenção do julgador neste domínio terá pois que se circunscrever à verificação, no Caso concreto, do requisito dito formal respeitante ao limite da pena aplicada e, bem assim, do requisito dito substancial, isto é, não ser possível induzir do perigo de cometimento de novos crimes, sendo-lhe pois vedado decidir em função de adicionais juízos de culpa ou gravidade dos factos cometidos, e bem assim, em função de quaisquer outros critérios, como as exigências de prevenção geral positiva, cuja garantia foi já alcançada em momento próprio - o da determinação da medida concreta da pena.
(XI) Ora, a reprodução feita pelo Tribunal recorrido dos factos praticados pelo Recorrente que consubstanciam o crime pelo qual foi condenado, acrescido da asserção de que os mesmos foram cometidos “com pouca consciência e respeito pela lei”, considerando que não se trata de qualquer crime qualificado, especialmente censurável ou sobre o qual haja recaído um especial juízo de censura sobre a culpa, mais não é, salvo o devido respeito, do que uma forma de transportar para esta sede ulteriores considerações sobre a culpa do Recorrente no cometimento dos factos típicos, o que equivale a atribuir ao acesso para fins particulares e administrativos a natureza de uma verdadeira “pena infame” ou “degradante”, operação que lhe está vedada pelo conjugadamente disposto no artigo 40.° n.° 2 do Código Penal (doravante apenas C.P.) e no artigo 27.°, n.°1 do citado Decreto-Lei.
(XII) Por seu turno, também não pode colher o argumento de que a transcrição da sentença é ainda necessária para que, se proteja a confiança da comunidade na vigência da norma violada, uma vez que tal função não é cumprida com o acesso à informação do registo criminal, pai já o tinha sido quando o tribunal determinou um mínimo de pena concretamente aplicável, e, bem assim, quando determinou a reintegração do ofendido e a reparação dos danos sofridos com o cometimento do crime.
(XIII) . O acesso à informação constante do registo criminal também não cumpre qualquer função de intimidação e de prevenção da prática de novos crimes, uma vez que tal função foi suficientemente alcançada, no caso, com a aplicação da pena de prisão, suspensa na execução.
(XIV) Na verdade, o entendimento demonstrado pelo Tribunal a quo apenas é conciliável com o entendimento de que as finalidades típicas da punição são prosseguidas pela infâmia e pelo efeito estigmatizante (indesejado) que o mesmo inelutavelmente acarreta, atribuindo-lhe o estatuto de pena, entendimento que não seria conforme ao artigo 30.° da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau.
(XV) Por outro lado, é patente que o indeferimento ora em análise resulta de uma errada interpretação do requisito vertido no n.° 1 do artigo 27.° do citado Decreto-Lei.
(XVI) O Tribunal a quo atribuiu sentido diverso ao critério previsto no artigo 27.°, n.° 1 de Decreto-Lei 37/96/M, pois o mesmo, no entendimento do Recorrente, não ordena que se faça um juízo de impossibilidade de elisão da presunção do risco do delinquente voltara cometer crimes, como fez o tribunal recorrido, mas antes que não se induza a existência de perigo de prática de novos crimes, não consagrando qualquer presunção de perigo, antes determinando que não se conceda a não transcrição somente quando houver de se fazer um juízo afirmativo de existência de perigo no caso concretamente apreciado.
(XVII) Assim, o douto tribunal a quo ateve-se a apreciar o caso sub lite para determinar a existência de elementos que permitissem afastar uma presunção de perigo que sobre o Recorrente não recaía, quando o único exercício que deveria ter feito era o de determinar a existência de evidências de perigo de cometimento de novos crimes, violando, assim as garantias que a lei lhe confere, incorrendo em erro na interpretação e aplicação da lei, e violação do disposto nos artigos 8.° do Código Civil, 1.° do C.P. e 27.°, n.°1 do Decreto-Lei 27/96/M.
(XVIII) E mesmo que fosse de conceder atai norma o sentido que o douto tribunal a quo lhe emprestou, a sua decisão foi fundada em ilegítimas considerações sobre a personalidade, hábitos e costumes do Recorrente.
(XIX) Na verdade, o tribunal não tinha qualquer elemento nos autos que permitisse motivar o seu juízo, pelo menos de acordo com um raciocínio lógico e conforme às regras de experiência comuns, constando dos autos apenas factos capazes de motivar solução diametralmente oposta.
(XX) Ora, consta dos autos, a fls. 601 a 620, relatório social elaborado sobre a personalidade, hábitos e costumes do Recorrente que bem revela a sua formação académica superior, que tem emprego, situação financeira e familiar estável, a sua completa integração na sociedade e, bem assim, a vontade deste de conduzir e orientar a sua vida conforme os valores jurídicos e sociais do ordenamento jurídico de Macau.
(XXI) O ora Recorrente não tem quaisquer hábitos próprios de delinquentes, não consome estupefacientes, não faz um consumo abusivo de bebidas alcoólicas, não participa nem está, de qualquer forma, relacionado com qualquer tipo de associações criminosas, tendo o único ilícito que cometeu durante toda a sua vida sido o crime de ofensas simples à integridade física pelo qual já foi condenado.
(XXII) Ao invés, o ora Recorrente tem uma atitude muito contributiva para a comunidade onde se encontra inserido e preenche o seu tempo com actividades socialmente adequadas que, à luz das regras de experiência, não podem ser alvo de qualquer censura ético-jurídica e muito menos associadas ao perigo de prática de crimes.
(XXIII) Ora, o juízo em apreço resulta de uma errada apreciação dos factos constantes dos autos e assim, decisivamente, de uma ilegítima desconsideração do relatório social com conclusão a fls. 603 e 604.
(XXIV) Resulta do artigo 149.°, n.°1 e 2 do CPP, que, para que o juiz possa divergir do entendimento pugnado pela perícia, tenha que fundamentar tal divergência, devendo tal fundamentação fundar-se “num juízo igualmente científico”, como entendimento pacifico na doutrina, designadamente Leal Henriques citado na motivação supra.
(XXV) No caso vertente, a divergência de entendimento sobre a personalidade, hábitos e costumes do Recorrente e, bem assim, sobre a (in)existência de perigo de cometimento de novos crimes não obedeceu ao comando do citado artigo 149.°, n.° 2, violando-o, o que em si mesmo, tem como consequência a nulidade da decisão, nos termos do conjugadamente disposto nos artigos 355.°, n.° 2 e 360.°, alínea a) do CPP.
(XXVI) Para além disto, qualquer forma de afirmação de impossibilidade de afastamento de perigo de que o Recorrente venha acometer novos crimes é, agora, tão infundada como contraditória.
(XXVII) Não é despiciendo, para os efeitos que se pretende, o facto de 7 meses de prisão estar apenas imediatamente acima do limite máximo da pena cuja não transcrição é legalmente automática, nem, muito menos, o facto de essa mesma pena ter sido suspensa na sua execução
(XXVIII) Ora, no momento de determinação da pena concretamente aplicável, o douto Tribunal a quo procedeu - e bem - à suspensão da execução da pena de prisão condicionada a cerros requisitos que já foram cumpridos, por ter feito a devida avaliação da personalidade do Recorrente, das suas condições de vida, bem como das circunstâncias anteriores e posteriores ao cometimento do facto, concluindo que, com tq) medida de suspensão condicionada, cumprir-se-iam já de forma adequada as exigências de prevenção, designadamente especial negativa (com a aplicação de uma pena de prisão) quer geral positiva (reforçada pela condição de concertação do ofendido).
(XXIX) Em tal momento, foi feito um juízo de prognose positivo quanto ao futuro comportamento do Recorrente, tendo o tribunal considerado que a simples censura do facto e ameaça de pena eram suficientes para o afastar da criminalidade. E fê-lo, como se pode ler na decisão de forma expressa, tão pouco demonstrando ter quaisquer dúvidas sobre o carácter favorável da prognose.
(XXX) Assim, não se pode vir, agora, em sede de decisão sobre a transcrição da condenação, indeferir a pretensão do Recorrente com fundamento (de todo o modo, de forma injustificada, como vimos) na impossibilidade de se afastar o perigo de, cometimento de novos crimes, quando na condenação cuja transcrição se discute já se se avaliaram todas as circunstâncias e personalidade do Recorrente expressamente se concluiu que sobre este não recai qualquer juízo de perigo de cometimento de novos crimes.
(XXXI) Tais considerações não são, na verdade, conciliáveis nem compatíveis, como defende Almeida Costa, que, referindo -se ao carácter injustificado da transcrição da sentença durante o próprio período de «suspensão» ou de «prova», escreve o seguinte: “A aplicação de tais institutos, para além das finalidades que visa satisfazer, assenta, também, no reduzido perigo que representa para a violação de bens jurídico-criminais o facto de o, delinquente permanecer em liberdade. Pelo que, se o que está em jogo é, a defesa da sociedade contra o crime, não se encontra motivo («necessidade») para a sua transcrição no certificado do registo criminal (…)”.
(XXXII) E o mesmo Mestre demonstra ainda que, do ponto de vista prático, tal também se explica uma vez que se verifica um menor número de novas condenações nos indivíduos submetidos àquelas providências, o que se deve, menos do que a quaisquer virtualidades intrínsecas das próprias sanções, à circunstância de os delinquentes a elas sujeitos, em consequência de uma pré-selecção pelo juiz, serem, já os que oferecem maiores probabilidades de êxito.
(XXXIII) De resto, julga-se, com toda a sinceridade, que recusar a não transcrição no registo criminal da presente condenação em 7 meses de pena de prisão, suspensa na sua execução, a um indivíduo primário e perfeitamente integrado na sociedade; por um crime de ofensas simples à integridade física, é fazer letra morta do artigo 27.°, n.° 1 do citado Decreto-Lei, o que não pode ser, já que os institutos que estão na lei são para serem aplicados, ainda, que com rigor e equilíbrio>>.
Ao recurso, respondeu a Digna Procuradora-Adjunta junto do Tribunal a quo no sentido de manutenção da decisão recorrida (cfr. a resposta de fls. 683 a 686v dos autos).
Subido o recurso, emitiu o Digno Procurador-Adjunto parecer (a fls. 696 a 697 dos autos), pugnando pelo provimento do recurso.
Subsequentemente, o M.mo Juiz Relator a quem foram distribuídos os presentes autos recursórios lavrou, em sede de exame preliminar a que se refere o art.º 407.º do Código de Processo Penal (CPP), o seguinte despacho liminar (a fl. 698 dos autos):
– <
Aos vistos.
Seguidamente, à conferência.>>
Já depois de corridos os vistos nos termos do art.º 408.º, n.º 1, do CPP, foi junto, em 8 de Julho de 2015, a fls. 699 e seguintes dos autos, um expediente relativo ao requerimento do 1.º arguido, de alteração do efeito devolutivo do seu recurso, então fixado pelo Tribunal a quo, para o efeito suspensivo.
Em face desse expediente, decidiu o M.mo Juiz Relator que se aguardasse pela conferência.
Na conferência hoje realizada, procedeu-se à votação sobre a solução do recurso proposta nos seguintes termos pelo M.mo Juiz Relator:
– <<[…] Veio o arguido dos autos recorrer da decisão que indeferiu o seu pedido de não transcrição no seu registo criminal da decisão que o condenou pela prática de 1 crime de “ofensa simples à integridade física”, p. e p. pelo art. 137°, n.° 1, al. b) do C.P.M., na pena de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos.
Vejamos se merece provimento o recurso.
Nos termos do art. 27° do D.L. n.° 27/96/M de 03.06 (que regula o Regime do Registo Criminal):
“1. Os tribunais que condenem em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade podem determinar na sentença ou em despacho posterior, sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, a não transcrição da respectiva sentença nos certificados a que se refere o artigo 21.º
2. No caso de ter sido aplicada qualquer interdição, apenas será observado o disposto no número anterior findo o prazo da mesma.
(…)”.
E, não obstante as dúvidas e polémicas que surgem em relação à “natureza do registo criminal”, é comum afirmar-se que o mesmo não tem qualquer intenção repressiva e que com o mesmo se procura concretizar um desejável equilíbrio entre as exigências da defesa da sociedade e da ressocialização dos criminosos; (neste sentido, cfr., v.g., António Manuel de Almeida Costa in, “O Registo Criminal”, Coimbra, 1985, pág. 246 e segs.).
Autores existem, porém, que entendem que afastada estando qualquer intenção repressiva do registo criminal, o mesmo apenas se pode legitimar “com base em considerações de prevenção especial negativa”; (cfr., F. Dias in “Dtº Processual Penal”, Coimbra, 1974, pág. 251 e segs., e o Ac. da Rel. do Porto de 22.10.2014, Proc. n.° 70/98, in www.dgsi.pt).
Também sobre este aspecto se tem considerado que “o registo criminal responde exclusivamente a finalidades preventivas especiais”, e que “através do instituto da não transcrição de uma condenação nos certificados de registo criminal pretende o legislador adequar o regime de acesso por particulares ao registo criminal às situações em que as razões de defesa social sobrelevam os riscos para a socialização do delinquente na divulgação do seu passado, permitindo vedar esse acesso em casos de pouca gravidade e de ausência de perigosidade especial”; (cfr., v.g., o Ac. do T. R. Coimbra de 26.11.2008, P. 492.05, in “www.dgsi.pt”).
Como igualmente se tem entendido, o registo criminal responde exclusivamente a finalidades preventivas especiais, pese embora persistam razões de defesa social a justificar materialmente que pessoas ou entidade particulares, exteriores ao sistema criminal ou administrativo, tenham acesso aos antecedentes criminais dos cidadãos, designadamente para efeito de avaliação de idoneidade para o exercício de profissão ou actividade.
Porém, para que a divulgação desses dados não se converta em anátema impeditivo da desejada reinserção social do condenado, negando, afinal, uma das finalidades principais da intervenção penal sancionatória, importa reduzir a disponibilização dos antecedentes criminais para fins particulares ao mínimo indispensável e avaliar qual o ponto adequado de concordância prática entre, por um lado, o interesse particular defendido no acesso ao registo criminal e, por outro, a preservação e promoção da capacidade de socialização dos delinquentes; (cfr., v.g., F. Dias in “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 653 e, no mesmo sentido, o cit. Ac. da Rel. do Porto de 22.10.2014, onde se considerou que “a publicidade em torno dos antecedentes criminais estigmatiza o condenado, sobre ele recai um anátema social e essa circunstância, está bem de ver, influencia negativamente a sua reinserção social. O fornecimento da informação do registo criminal a particulares e à Administração funda-se, apenas, em motivos de prevenção especial negativa, baseando-se na eventual «perigosidade» do delinquente, pelo que o acesso a essa informação “envolve uma problemática em tudo análoga à das medidas de segurança, devendo a sua disciplina subordinar-se aos mesmos princípios”, ou seja, aos princípios da «necessidade», da «proporcionalidade» e da «menor intervenção possível», que superintendem na esfera das medidas de segurança”).
Seja como for, e para a solução do presente recurso, importa (especialmente) atentar na redacção do transcrito preceito legal, (n.° 1), de acordo com o qual, são apenas dois os requisitos de que depende a determinação de não transcrição:
- “requisito formal”: a condenação em pena de prisão até um ano ou em pena não privativa da liberdade;
- “requisito material”: das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, (havendo assim aqui que fazer um juízo de prognose quanto ao comportamento futuro do arguido); (neste sentido, cfr., v.g., o Ac. da R. Évora de 20.05.2014, P. 56/06.2 in www.dgsi.pt, e o recente Ac. deste T.S.I. de 11.03.2015, Proc. n.° 491/2015).
No caso dos autos, (e ponderando no que se deixou exposto quanto à “natureza” e “fins” do Registo Criminal), cremos que verificados estão ambos os enunciados requisitos.
Com efeito, evidente é que preenchido está o da “pena de prisão até 1 ano”, pois que o arguido ora recorrente foi condenado na pena de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução.
Por sua vez, ponderando no tipo de crime cometido – “ofensa simples à integridade física” – atento a que provado está que o mesmo ocorreu no âmbito de um “arrufo” que surgiu no momento, em relação ao qual o ofendido não é totalmente alheio, sendo o recorrente primário antes da condenação em questão, tendo em audiência reconhecido que “não agiu de forma correcta”, considerando que se trata de pessoa com habilitações académicas de nível superior, sendo, licenciado em economia, e que o crime dos autos se apresenta como uma “situação pontual”, (que tudo indica, mais se deveu ao “calor da noite”), afigura-se-nos de concluir que verificado se pode considerar o segundo dos aludidos requisitos – no sentido de inexistir perigo da prática de novos crimes – para que se reconheça mérito à pretensão que deduziu.>> (cfr. o teor do douto Projecto de Acórdão).
Como o M.mo Juiz Relator acabou por ficar vencido na votação, cumpre ao presente Tribunal Colectivo ad quem decidir do desfecho dos presentes autos recursórios, nos termos constantes do presente acórdão definitivo, lavrado pelo primeiro juiz-adjunto nos termos do art.o 417.o, n.o 1, parte final, do CPP.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, fluem os seguintes elementos com pertinência à solução do recurso:
1. Antes de proferir o despacho ora recorrido (de fls. 622 a 622v dos autos, cujo teor se dá por aqui integralmente reproduzido), o M.mo Juiz a quo chegou a solicitar, sob promoção do Ministério Público (feita a fl. 558), ao Departamento de Reinserção Social da Direcção dos Serviços de Justiça a elaboração do relatório social do arguido requerente de não transcrição de decisão condenatória penal em certificados de registo criminal (cfr. o despacho judicial de fl. 559).
2. Na sequência, foi junto, em 10 de Abril de 2015 (a fls. 602 e seguintes dos autos), o relatório social sobre o arguido A, elaborado nesse mesmo dia pela Senhora Técnica do referido Departamento (cujo teor se dá por aqui integralmente reproduzido).
3. De acordo com a matéria de facto já dada por provada no acórdão condenatório em Primeira Instância (proferido a fls. 531 e seguintes):
– em 12 de Novembro de 2011, cerca das quatro horas da madrugada, o ofendido D, ao passar por uma zona recreativa entre duas vias públicas, viu que o 1.º arguido A, o 2.º arguido E, o 3.º arguido B e o 4.º arguido C estavam a meter-se, em esticão, com três senhoras jovens chamadas F, G e H;
– na altura, o ofendido não ligou ao caso, por pensar que se tratava de brincadeiras entre pessoas jovens;
– entretanto, mais tarde, F dirigiu-se ao ofendido a pedir ajuda, dizendo “Senhor, ajuda-me, estamos com o pudor ofendido por outrem, e já fizemos participação à Polícia”. O ofendido foi observar então a situação com miudeza e verificou que os quatro arguidos estavam a cercar e a incomodar as outras duas senhoras. Face ao que, o ofendido, de imediato, usou o inglês para mandar parar os quatro arguidos e empurrou cada um dos arguidos;
– entretanto, os quatro arguidos continuavam a incomodar as referidas senhoras;
– quando o ofendido tentou impedir isso de novo, os três arguidos A, B e C bateram no ofendido, a socos e pontapés e em conjugação de esforços, por cerca de um minuto, tendo o 1.º arguido agarrado numa placa plástica e batido com ela na cabeça e no corpo do ofendido. E só quando o ofendido não conseguiu resistir-se é que os arguidos pararam de bater e deixaram o local;
– mais tarde, como o ofendido verificou que F, G e H foram perseguir os quatro arguidos para impedir a saída destes do local, dirigiu-se o ofendido às mesmas três senhoras para pretender persuadi-las a deixarem de fazer isso;
– subsequentemente, quando os três arguidos A, B e C descobriram que o ofendido estava a perseguir por trás deles, os três voltaram e foram de imediato bater na cabeça e no corpo do ofendido, a socos e pontapés e em conjugação de esforços, até que este caiu no chão sem capacidade para se resistir, em face do que os três arguidos pararam de agredir.
4. Segundo a fundamentação do mesmo acórdão condenatório da Primeira Instância, o arguido ora recorrente A não confessou francamente na audiência de julgamento os factos imputados (cfr. o penúltimo parágrafo da página 8 do texto desse acórdão, a fl. 534v dos autos).
5. Conforme os dados de identificação do arguido recorrente constantes do mesmo acórdão condenatório da Primeira Instância, este é portador do Bilhete de Identidade de Residente Não Permanente de Macau.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Na sua motivação do recurso, o 1.º arguido chegou a alegar que o relatório social junto aos autos antes de tomada da decisão ora recorrida era uma prova pericial, à qual se aplicaria o art.º 149.º do CPP.
Entretanto, atento o teor desse relatório social, que, como tal, não foi um relatório feito por um perito médico sobre o estado psíquico de alguém, este mesmo relatório, independentemente da questão de saber se o seu conteúdo é favorável ao próprio recorrente então entrevistado pela entidade autora do relatório, não pode relevar como sendo uma perícia com juízo propriamente técnico ou científico, pelo que sem mais indagação por desnecessária, não é aplicável a esse relatório o disposto no art.º 149.º do CPP.
E agora quanto à questão nuclear de saber se se deve deferir a então pretensão do recorrente de ver não transcrita a condenação penal da Primeira Instância em certificados do seu registo criminal para fins não judiciais nos termos do art.º 27.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 27/96/M, a solução será a descontento dele, porquanto:
– esta norma jurídica reza que “Os tribunais que condenem em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade podem determinar na sentença ou em despacho posterior, sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, a não transcrição da respectiva sentença nos certificados a que se refere o artigo 21.º” (com sublinhado só agora posto), daí que mesmo que concluísse pela inexistência do perigo de prática de novos crimes, o tribunal poderia ainda não determinar a não transcrição em certificados de registo criminal para fins não judiciais, da decisão condenatória em pena de prisão até um ano ou em pena não privativa da liberdade, pelo que há que cair por terra a tese de que a determinação da não transcrição é um poder-dever do tribunal;
– no caso dos autos, ainda que se entendesse que das circunstâncias fácticas que acompanharam o crime por que ficou já condenado o recorrente em Primeira Instância (cfr. inclusivamente as circunstâncias fácticas já acima referidas na parte II do presente acórdão de recurso), não se conseguiria induzir perigo de prática de nova conduta criminal congénere por ele (traduzida em agressão feita por ele, em conjugação de esforços com outros dois arguidos, na cabeça e no corpo de uma pessoa que, apenas por realmente louvável alto espírito de altruísmo, pretendeu ajudar e ajudou, nas altas horas da madrugada em local público na cidade de Macau, senhoras jovens, incomodadas na altura pelo recorrente e por outros três arguidos do mesmo processo), o facto de o próprio recorrente não ter confessado francamente os factos acusados na audiência de julgamento (a despeito de jusprocessualmente falando não ser ele obrigado a fazer essa confissão) já seria suficiente para se indeferir a sua pretensão de não transcrição da decisão final da Primeira Instância em certificados do seu registo criminal para fins não judiciais, isto precisamente porque aos olhos do presente Tribunal de recurso, a não confissão franca dos factos acusados reflecte o não arrependimento da prática dos factos, pelo que, independentemente do demais, o recorrente não merece o benefício da não transcrição da sua decisão penal condenatória em certificados do seu registo criminal para fins não judiciais.
Naufraga, pois, o recurso, com manutenção da decisão recorrida, ainda que com fundamentação materialmente diversa da invocada pelo M.mo Juiz a quo.
Do exposto, decorre a desnecessidade da indagação, por estar logicamente prejudicada, de todo o remanescente alegado pelo recorrente na motivação do recurso (sendo de realçar que como o recurso está decidido hoje, já não é mister decidir de qual o efeito a atribuir ao recurso).
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar não provido o recurso.
Custas do recurso pelo recorrente, com seis UC de taxa de justiça.
Comunique a presente decisão ao ofendido.
Comunique o acórdão condenatório da Primeira Instância e o presente acórdão ao Senhor Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública, para os efeitos tidos por convenientes.
Macau, 9 de Julho de 2015.
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Chan Kuong Seng
(Primeiro Juiz-Adjunto)
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Tam Hio Wa
(Segunda Juíza-Adjunta)
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José Maria Dias Azedo
(Relator do processo)
(Vencido, nos exactos termos do meu projecto de acordao cujo teor foi incorporado no presente aresto.
Noto porem, que em minha opinião, dramatizou-se a factualidade dada como provada, empolgando-se a conduta dos arguidos – e, especialmente, do ora recorrente – afigurando-se me também que se sobrevalorizou a sua ausência de confissão integral,)
Processo n.º 613/2015 Pág. 24/24