Processo n.º 399/2015
(Recurso Laboral)
Relator: João Gil de Oliveira
Data : 25/Junho/2015
ASSUNTOS:
- Contrato de trabalho de não residentes
- Regime mais favorável decorrente de um contrato celebrado entre empregador e uma empresa agenciadora de mão- de- obra
- Contrato a favor de terceiro
- Subsídio de alimentação
- Subsídio de conduta e de guarda de casino
SUMÁRIO :
1. É de aplicar a uma dada relação de trabalho, para além do regulado no contrato celebrado directamente entre o empregador e o trabalhador, o regime legal mais favorável ao trabalhador e que decorre de um contrato celebrado entre o empregador e uma Sociedade prestadora de serviços, ao abrigo do qual o trabalhador foi contratado e ao abrigo do qual, enquanto não residente, foi autorizado a trabalhar em Macau, regime esse devidamente enquadrado por uma previsão normativa constante do Despacho 12/GM/88, de 1 de Fevereiro.
2. A Lei de Bases da Política de Emprego e dos Direitos Laborais, Lei n.º 4/98/M, de 27 de Julho, publicada no BO de Macau n.º 30, I série, no artigo 9.° admite a contratação de trabalhadores não residentes quando se verifiquem determinados pressupostos, estatuindo que essa contratação fica dependente de uma autorização administrativa a conceder individualmente a cada unidade produtiva.
3. O Despacho 12/GM/88 cuida tão somente do procedimento administrativo conducente à obtenção de autorização para a contratação de trabalhadores não residentes e não do conteúdo concreto da relação laboral a estabelecer entre os trabalhadores não residentes e as respectivas entidades patronais
4. O trabalhador só foi contratado porque a Administração autorizou a celebração daquele contrato, devidamente enquadrado por um outro contrato que devia ser celebrado com uma empresa fornecedora de mão-de-obra e onde seriam definidas as condições mínimas da contratação, como flui do artigo 9º, d), d.2) do aludido despacho 12/GM/88.
5. Estamos perante um contrato a favor de terceiro quando, por meio de um contrato, é atribuído um benefício a um terceiro, a ele estranho, que adquire um direito próprio a essa vantagem.
6. Esta noção está plasmada no artigo 437º do CC, aí se delimitando o objecto desse benefício que se pode traduzir numa prestação ou ainda numa remissão de dívidas, numa cedência de créditos ou na constituição, transmissão ou extinção de direitos reais.
7. O subsídio de alimentação, vista a natureza e os fins a que se destina, deve estar dependente do trabalho efectivamente prestado.
8. Os subsídios de alimentação, de conduta e de guarda de casino, devem ser pagos a partir do momento em que expressamente previstos em anexo integrante do contrato que rege a relação laboral em presença.
O Relator,
João A. G. Gil de Oliveira
Processo n.º 399/2015
(Recurso Civil)
Data : 25/Junho/2015
Recorrente : B (Macau) – Serviços e Sistemas de Segurança, Lda.
Recorrido : C
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I – RELATÓRIO
1. B (Macau) – Serviços e Sistemas de Segurança, Lda., R. nos autos em epígrafe, em que é A. C, tendo sido notificada da sentença de fls. 137 e seguintes e não se conformando com a mesma, vem dela interpor recurso para este Tribunal de Segunda Instância, alegando em síntese conclusiva:
a) O Despacho consagra um procedimento de importação de mão-de-obra nos termos do qual é imposta a utilização de um intermediário com o qual o empregador deve celebrar um contrato de prestação de serviços;
b) A decisão recorrida perfilha o entendimento de que o Despacho se reveste de imperatividade e estabelece condições mínimas de contratação de mão-de-obra não residente;
c) Contrariando tal entendimento, o Despacho em parte alguma estabelece condições mínimas de contratação ou até cláusulas-tipo que devessem integrar o contrato de trabalho a celebrar entre a entidade empregadora e o trabalhador;
d) É patente que o Despacho não fixa de forma alguma condições de contratação específicas e que, ainda que o fizesse, a violação dos seus termos importaria infracção administrativa, e não incumprimento de contrato de trabalho;
e) Assim, contrariamente ao que se propugna na decisão recorrida, nada permite concluir pela natureza imperativa do Despacho;
f) Decidindo em sentido inverso, o Tribunal recorrido fez errada aplicação do Despacho, nomeadamente dos seus arts. 3° e 9°;
g) Os Contratos são configurados na decisão a quo como contratos a favor de terceiro, nos termos do art. 437º do Código Civil;
h) Nesta lógica, o A. apresentar-se-á como terceiro beneficiário de uma promessa assumida pela R. perante a Sociedade, com o direito de exigir daquela o cumprimento da prestação a que se obrigou perante esta;
i) As partes nos Contratos, assim como o próprio Despacho 12/GM/88, qualificaram-no como "contratos de prestação de serviços";
j) Deles é possível extrair que a Sociedade "contratou" trabalhadores não residentes prestando o serviço de os ceder, subsequentemente, à R.;
k) Tais Contratos são pois efectivos contratos de prestação de serviços, não podendo sei qualificados como contratos a favor de terceiros;
l) Por outro lado, é unânime que a qualificação de um contrato como sendo a favor de terceiro exige que exista uma atribuição directa ou imediata a esse terceiro;
m) Tem-se entendido que o conceito de contrato a favor de terceiro implica a concessão ao terceiro de um benefício ou de uma atribuição patrimonial, e não apenas de um direito a entrar numa posição jurídica em que se tem a hipótese de auferir uma contra prestação de obrigações;
n) A obrigação da ora R. é assumida apenas perante a Sociedade, não havendo intenção ou significado de conferir qualquer direito, pelo contrato de prestação de serviços, a qualquer terceiro;
o) Igualmente não existe nos Contratos qualquer atribuição patrimonial directa a qualquer terceiro;
p) Sendo pacífico que o contrato a favor de terceiro exige que a prestação a realizar seja directa e revista a natureza de atribuição, é incorrecto o entendimento de que a contratação do A. pela R. é uma prestação à qual a R. ficou vinculada por força do contrato de prestação de serviços;
q) Não pode considerar-se que a remuneração do contrato de trabalho constitua essa atribuição, porque tal afastaria o requisito de carácter directo da prestação no contrato a favor de terceiro;
r) Como tal, é patente que não resulta dos Contratos nenhuma atribuição patrimonial directamente feita ao A., que este possa reivindicar enquanto suposto terceiro beneficiário;
s) Os Contratos ficam pois completamente no domínio do princípio da eficácia relativa dos contratos, vertido no art. 400º, n.º 2 do Código Civil (princípio res inter alios acta, aliis neque nocet neque prodest);
t) Por fim, a figura do contrato a favor de terceiro pressupõe que o promissário tenha na promessa um interesse digno de protecção legal;
u) Não consta dos autos qualquer facto que consubstancie um tal interesse;
v) Assim, admitindo que dos Contratos resultará qualquer direito a favor do A., sempre ficou por demonstrar que a Sociedade tivesse interesse nessa promessa, o que impede a qualificação dos Contratos como contratos a favor de terceiro;
w) Assim, arredada a aplicação do mecanismo do contrato a favor de terceiro, nenhum outro sobreleva que possa suportar a produção, na esfera jurídica do A., de efeitos obrigacionais emergentes dos Contratos;
x) Ao decidir como o fez, o Tribunal recorrido violou o disposto nos arts. 400º, n° 2 e 437º do Código Civil;
y) Em função do correcto entendimento do Despacho e dos Contratos, conclui-se que nenhum direito assiste ab initio ao A. para reclamar quaisquer "condições mais favoráveis" emergentes destes contratos;
z) Pelo que não deverá ser-lhe atribuída qualquer quantia a título de putativas diferenças salariais;
aa) Do mesmo correcto entendimento do Despacho e dos Contratos resulta a sua ineficácia para atribuir ao A. qualquer direito a título de subsídio de alimentação ou de guarda de casino;
bb) Por outro lado, o contrato de prestação de serviços aprovado pelo Despacho n.º 00830/IMO/SEF/2005 não contém qualquer estipulação que confira ao A. o direito a receber tais subsídios, remetendo estes para o acordo individual entre as partes, sobre o qual nada foi alegado ou provado;
cc) Ao que acresce que a lista junta ao contrato em causa não passa de uma descrição exemplificativa de subsídios, alguns deles de valor variável, e que não tem a virtualidade de derrogar o que no clausulado daquele contrato se estipula sobre esta matéria.
Nestes termos, e nos mais de Direito, revogando a decisão recorrida nos termos e com as consequências expostas supra, farão V. Exas a costumada JUSTIÇA.
2. C contra-alega, em suma:
1. É entendimento pacífico na doutrina e jurisprudência de Macau que o Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, era um diploma com natureza e intencionalidade assumidamente normativa imperativa, destinado a definir um conjunto de requisitos tidos como mínimos e indispensáveis à contratação de trabalhadores não residentes;
2. A Recorrente tão-só poderia celebrar contratos com trabalhadores não residentes desde que o fizesse ao abrigo do respectivo «despacho de autorização governamental», tendo por base as condições tidas por mínimas constantes do Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, as quais, por seu turno, se deveriam incorporar no clausulado do «contrato de prestação de serviços» a celebrar entre a entidade interessada (in casu a Recorrente) e uma entidade fornecedora de mão de obra não residente (in casu, a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda.);
3. O Recorrido nunca poderia ter sido admitido como trabalhador da Recorrente (ou de qualquer outro empregador na RAEM) por via de um contrato que não tivesse obedecido ao disposto nos números 2, 3 e 9 do Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, maxime por via de um «contrato individual de trabalho», porquanto a contratação de trabalhadores não residentes estava sujeita a um regime especial e imperativo que em caso algum poderia ser derrogado pelas partes, excepto para consagrar condições de trabalho mais favoráveis ao trabalhador.
4. Por outro lado, constitui igualmente jurisprudência assente ao nível do Tribunal de Segunda Instância que os Contratos de Prestação de Serviços concluídos entre a Recorrente e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Limitada, e ao abrigo dos quais os trabalhadores não residentes (e, in casu, o ora Recorrido) eram autorizados a prestar trabalho, juridicamente se configuram como contratos a favor de terceiros.
5. Basta ver que do próprio conteúdo literal dos referidos contratos resulta que os mesmos - na sua grande totalidade - não se destinavam a regular as relações jurídicas dos outorgantes mas antes de terceiros, maxime dos trabalhadores que seriam recrutados pela Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda. e que posteriormente eram cedidos à Recorrente (de entre os quais se inclui o ora Recorrido);
6. Assim, tratando-se de um «contrato a favor de terceiro» e repercutindo-se o mesmo na relação jurídico-laboral existente entre a Recorrente e o Recorrido é, pois, mais do que líquido que o beneficiário da promessa (in casu, o Recorrido) adquire o(s) direito(s) _ ou parte dele(s) - constantes do mesmo contrato independentemente de aceitação (art. 438.°, n.º 1 do C Civil de Macau) e, em consequência, pode exigir o seu cumprimento directamente do obrigado (in casu, da Recorrente), tal qual acertadamente concluiu o Tribunal a quo.
7. De onde, concluído que o Contrato de Prestação de Serviço celebrado entre a Recorrente e a Sociedade de Apoio Limitada juridicamente se qualifica como sendo um Contrato a favor de terceiros e, deste modo, repercutindo-se na relação jurídico-laboral existente entre a Recorrente e o Recorrido é, pois, forçoso concluir que o Recorrido terá direito a reclamar todas as condições que se mostrem mais favoráveis dos mesmos emergentes e, em concreto, reclamar e receber os montantes devidos a título de diferenças salariais, subsídio de alimentação e de guarda de casino tal qual, aliás, acertadamente concluiu o Tribunal a quo.
Nestes termos e nos de mais de Direito, e sempre com o douto suprimento de V. Exas., devem as presentes Alegações de Resposta serem aceites e o Recurso apresentado pela Recorrente ser julgado totalmente improcedente, assim se fazendo JUSTIÇA.
3. Foram colhidos os vistos legais.
II – FACTOS
Vêm provados os factos seguintes:
1) A Ré é uma sociedade que se dedica à prestação de serviços de equipamentos técnicos e de segurança, vigilância, transporte de valores. (A)
2) Desde o ano de 1992, a Ré tem sido sucessivamente autorizada a contratar trabalhadores não residentes para a prestação de funções de «guarda de segurança», «supervisor de guarda de segurança», «guarda sénior», entre outros. (B)
3) Entre 09/05/2005 a 20/08/2007, o Autor esteve ao serviço da Ré, exercendo funções de "guarda de segurança em Casino (Casino Security Guard)", enquanto trabalhador não residente. (Cfr, doc. 1). (C)
4) O Autor foi recrutado pela Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., e posteriormente exerceu a sua prestação de trabalho para a Ré ao abrigo do Contrato de Prestação de Serviços n.º 1/1 : (D)
- aprovado pelo Despacho n.º 00830/IMO/SEF/2005, de 08/02/2005, com efeitos a partir de 18/03/2005 a 31/01/2006 (Cfr. Doc. 2) ;
- foi substituído pelo Despacho n.º 00751/IMO/DSAL/2006, de 24/01/2006, com efeitos a partir de 15/03/2006 a 31/03/2007 (Cfr. Doc. 3) ;
- foi substituído pelo Despacho n." 09S01/IMO/DSAL/2007, de 29/0S/2007, aprovado em 12/06/2006 e válido até 31/0S/2008 (Cfr. Doc. 4).
5) Durante todo o tempo da relação de trabalho o A. auferiu da Ré, a título de salário anual e de salário normal diário, as quantias que abaixo se discriminam: (E)
Ano
Salário anual
Salário normal diário
2005
40092
178
2006
59431
165
2007
45351
126
2008
54250
126
6) O Autor exerceu a sua prestação de trabalho para a Ré, ininterruptamente, ao abrigo dos contratos aludidos em D). (1º)
7) Entre 09/05/2005 a 31/03/2007 a Ré nunca pagou ao Autor uma qualquer quantia a título de subsídio de alimentação. (3°)
8) Entre 09/05/200S a 15/03/2006 a Ré nunca pagou ao Autor uma qualquer quantia a título de subsídio de "guarda de casino". (5º)
9) Nos termos do Contrato de Prestação de Serviços n.º 1/1, aprovado pelo Despacho n.º 00830/IMO/SEF/2005, com entrada em vigor em 15/03/2005, seria "(...) sempre garantido (ao Autor) o pagamento durante um período de 30 dias, actualmente correspondente a MOP$3,500.00 (três mil e quinhentas patacas), conforme as funções e salários do Mapa II e dos anexos". (6°)
10) Entre Maio de 2005 a Março de 2006, a Ré pagou ao Autor a título de salário de base a quantia de Mop$2,100.00. (7º)
11) Nos termos do Contrato de Prestação de Serviços n.º 1/1, aprovado pelo Despacho n.º 00751/IMO/DSAL/2006, de 24/01/2006, válido até 31/03/2007 (mas que se manteve em vigor até Maio de 2007), foi acordado que seria "(...) sempre garantido (ao Autor) o pagamento mensal correspondente a MOP$4,000.00 (quatro mil patacas), conforme as funções e salários do Mapa II". (8°)
12) Entre Abril de 2006 a Dezembro de 2006, a Ré pagou ao Autor a título de salário de base a quantia de Mop$2,288.00. (9°)
13) Entre Janeiro de 2007 a Maio de 2007, a Ré pagou ao Autor a título de salário de base a quantia de Mop$2,704.00. (10°)
14) Nos termos do Contrato de Prestação de Serviços n.º 1/1, aprovado pelo Despacho n.º 09501/IMO/DSAL/2007, de 29/05/2007, aprovado em 12/0612007 e válido até 31/05/2008, seria sempre garantido (ao Autor) o pagamento mensal correspondente a MOP$5,070.00 (cinco mil e setenta mil patacas), conforme as funções e salários do Mapa II. (11°)
15) Entre Junho a Agosto de 2007, a Ré pagou ao Autor a título de salário de base a quantia de Mop$2,704.00. (12°)
16) Durante todo o período da relação de trabalho entre a Ré e o Autor, nunca o Autor gozou de qualquer dia a título de descanso semanal. (13°)
17) Durante todo o período da relação de trabalho entre a Ré e o Autor, nunca a Ré atribuiu ao Autor um qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal. (14°)
18) A Ré nunca fixou ou conferiu ao Autor o gozo de um outro dia de descanso compensatório em virtude do trabalho prestado em dia de descanso semanal. (16°)
III – FUNDAMENTOS
1. O objecto do presente recurso passa pela análise das seguintes questões:
- Configuração jurídica do contrato celebrado;
- Análise das diferentes compensações.
2. Do regime aplicável à relação laboral em presença, da imperatividade do Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro e da configuração de um contrato a favor de terceiros
2.1. Sobre esta questão é conhecida a posição dominante nos Tribunais de Macau no sentido de que o Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, era um diploma com natureza e intencionalidade assumidamente normativa imperativa, destinado a definir um conjunto de requisitos tidos como mínimos e indispensáveis à contratação de trabalhadores não residentes.
Assim, qualquer entidade interessada - e in casu a recorrente - tão só poderia celebrar contratos com trabalhadores não residentes desde que o fizesse ao abrigo do respectivo «despacho de autorização governamental», tendo por base as condições tidas por mínimas constantes do Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, as quais, por seu turno, se deveriam incorporar no clausulado do «contrato de prestação de serviços» a celebrar entre a entidade interessada (in casu a recorrente) e uma entidade fornecedora de mão-de-obra não residente (in casu, a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda.).
Daí que o recorrido nunca poderia ter sido admitido como trabalhador da recorrente (ou de qualquer outro empregador na RAEM) por via de um contrato que não tivesse obedecido ao disposto nos números 2, 3 e 9 do Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, máxime por via de um «contrato individual de trabalho», porquanto a contratação de trabalhadores não residentes está, como já se deixou dito, sujeita a um regime especial e imperativo que em caso algum poderá ser derrogado pelas partes, excepto para consagrar condições de trabalho mais favoráveis ao trabalhador.
2.2. Vamos repetir o que já noutros acórdãos aqui se tem afirmado.1
Importa atentar no regime da contratação dos não residentes.
Não sem que se observe que, em princípio, só em relação aos residentes há liberdade negocial. A contratação dos não residentes está condicionada a uma autorização administrativa e se é assim actualmente, também o foi no passado.
Esta nota é muito importante para a abordagem do caso vertente, na medida em que os termos e condicionamentos de uma contratação como a presente não dependem ou não podem depender pura e simplesmente da vontade dos contratantes, empregador e trabalhador.
Ora, na lógica do defendido pela recorrente este condicionalismo é marginalizado.
A Lei de Bases da Política de Emprego e dos Direitos Laborais, Lei n.º 4/98/M, de 27 de Julho, publicada no BO de Macau n.º 30, I série, no artigo 9.° admite a contratação de trabalhadores não residentes quando se verifiquem determinados pressupostos, estatuindo que essa contratação fica dependente de uma autorização administrativa a conceder individualmente a cada unidade produtiva.
Por sua vez, o Regime Jurídico das Relações de Trabalho estabelecido pelo Decreto-lei n.º 24/89/M, de 03 de Abril, vigente até 01 de Janeiro de 2009 (altura em que entrou em vigor a Lei n.º 7/2008, Lei das Relações de Trabalho) e aprovado para definir os condicionalismos mínimos que devem ser observados na contratação entre os empregadores directos e os trabalhadores residentes, tal como resulta do seu artigo 1.º, n.º 2, não seria aplicável a alguns conjuntos de relações de trabalho, entre os quais as relações de trabalho entre empregadores e trabalhadores não residentes, que seriam reguladas por normas especiais que se encontrem em vigor, nos termos do artigo 3.°, n.º 3, alínea d).
Essas normas especiais foram (não se conhecem outras), até à entrada em vigor da Lei n.º 21/2009 de 27.10, no dia 25 de Abril de 2010, as previstas no Despacho n.º 12/GM/88 de 01 de Fevereiro, considerando que o Dec.-Lei n.º 101/84/M, de 25 de Agosto, onde no capítulo VII se previa a contratação de trabalhadores estrangeiros, apátridas e no capítulo VIII a de cidadãos chineses provenientes da RPC, aí se regulando os pressupostos de contratação e, em relação ao primeiro grupo ainda um conjunto de princípios que deviam enformar essa contratação, em particular a não discriminação baseada na nacionalidade (artigo 51º), foi revogado pelo já referido Decreto-lei n.º 24/89/M, de 03 de Abril.
Convém aqui fazer um parêntesis e analisar uma pretensa invalidade desse Despacho n.º 12/GM/88 de 01 de Fevereiro.
Esse Despacho foi proferido pelo então Governador no âmbito das suas funções executivas (art. 16º, n.º 2 do estatuto Orgânico de Macau - EOM - então em vigor), que a função legislativa que ao governador então incumbia e devia ser exercida por Decreto-Lei, conforme dispunha o artigo 13º e que a regulamentação das relações laborais, ainda que com não residentes não podiam caber dentro das funções executivas e ser regulada por um simples Despacho.
O Despacho 12/GM/88 cuida tão-somente do procedimento administrativo conducente à obtenção de autorização para a contratação de trabalhadores não residentes e não do conteúdo concreto da relação laboral a estabelecer entre os trabalhadores não residentes e as respectivas entidades patronais.
Não se trata de um regime jurídico de determinadas relações laborais, antes de um prontuário procedimental a que devem obedecer as contratações de um determinado grupo de trabalhadores, traduzindo-se muitas das normas em condicionamentos e instruções dirigidas aos respectivos Serviços, não tendo a natureza normativa instituidora de direitos e obrigações para os sujeitos da relação laboral.
As normas específicas, constantes desse Despacho normativo, vigente enquanto esteve em execução o contrato de trabalho junto aos autos, regulam o procedimento para admissão em Macau de mão-de-obra não residente, impondo, nomeadamente, à Ré, enquanto empresa empregadora as condições mínimas de contratação que estava disposta a conceder ao trabalhador não residente, para obter a necessária aprovação do Gabinete do Secretário-Adjunto para os Assuntos Económicos, mas esse Despacho nada refere quanto aos princípios, às condições, aos direitos, deveres e garantias a que fica sujeita essa relação de trabalho.
Esta questão não se coloca na actualidade uma vez que o artigo 20.° da Lei n.º 21/2009 de 27/Out. (Lei da contratação de trabalhadores não residentes) estabelece a aplicação subsidiária do regime geral das relações de trabalho aos contratos com trabalhadores não residentes (aplicação subsidiária essa que já é consentânea com a redacção do artigo 3.°, n.º 3, 1) da Lei n.º 7/2008, Lei das Relações de Trabalho), mas no âmbito do Despacho n.º 12/GM/88 de 01 de Fevereiro, não existia qualquer remissão para o Regime Jurídico das Relações de Trabalho estabelecido pelo Decreto-lei n.º 24/89/M, de 03 de Abril, sendo certo que este último diploma referia, como supra se consignou, que os contratos de trabalho celebrados entre empregadores e trabalhadores não residentes não seriam por ele abrangidos por estarem reguladas pelas normas especiais que se encontrem em vigor, como já acima dito.
Perante este quadro, não temos grande dificuldade em superar as críticas quanto a uma pretensa ineficácia por invalidade formal do dito Despacho, uma vez que não se trata de um diploma legislativo - no sentido estrito e formal da lei, enquanto disposição genérica provinda do órgão competente no limite da sua competência legislativa2 - e não tem razão quem pretende ver nele força bastante para coarctar a liberdade negocial dos cidadãos pois que tal argumento não colhe pela razão simples de que a limitação e condicionamento do trabalho de não residentes em Macau resulta de diplomas legislativos próprios, sob pena de ter de se considerar que como não se podia limitar a liberdade contratual dos empregadores por essa via seria franqueada a porta de Macau para qualquer pessoa não residente que aqui pretendesse trabalhar. Ou seja, não é esse Despacho que condiciona a admissão de não residentes. Estes não podem trabalhar, em princípio, pela razão simples de que aqui não podem residir.
2.3. Temos, por conseguinte, por inabalada a eficácia do Despacho n." 12/GM/88 de 01 de Fevereiro.
Importa, então, apurar sobre o regime jurídico aplicável ao contrato de trabalho em presença.
Não é difícil perceber que ele deve ser iluminado por um conjunto de fontes reguladoras do regime jurídico aplicável ao caso - contratação administrativamente condicionada -, a saber:
- o Despacho n." 12/GM/88 de 01 de Fevereiro;
- o contrato celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda.
- o contrato celebrado entre o A. e a Ré;
- o RJRL ( DL24/89/M, de 3/Abril), na medida em que remissivamente aplicável.
Tanto mais que se sabe que a Ré foi autorizada a contratar trabalhadores não residentes, entre os quais o ora Autor, para a prestação de funções relacionadas com a actividade de segurança privada.
O que foi feito ao abrigo do artigo de um contrato de prestação de mão de obra com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda, conforme previsto nos artigos 3º, 7º, 8º, 9º do Despacho n.º 12/GM/88.
Isto é, o contrato com o A. só foi celebrado porque a Administração autorizou a celebração daquele contrato, devidamente enquadrado por um outro contrato que devia ser celebrado com uma empresa fornecedora de mão-de-obra e onde seriam definidas as condições mínimas da contratação, como flui do artigo 9º, d), d.2) do aludido despacho 12/GM/88:
“9. O procedimento para a admissão de mão-de-obra não-residente observará os trâmites seguintes:
a) O requerimento da entidade interessada será presente no Gabinete do Secretário-Adjunto para os Assuntos Económicos que despachará, mandando ouvir sobre o mesmo o Gabinete para os Assuntos de Trabalho e a Direcção dos Serviços de Economia, ou determinará a prestação dos esclarecimentos que julgue convenientes;
b) O Gabinete para os Assuntos de Trabalho e a Direcção dos Serviços de Economia pronunciar-se-ão sobre o pedido no prazo de 10 dias úteis;
c) Obtidos os pareceres referidos na alínea anterior, será proferido despacho que decidirá da admissão solicitada, determinando à requerente que, em caso afirmativo, faça presente o contrato de prestação de serviços com entidade habilitada como fornecedora de mão-de-obra não-residente, tal como previsto no n.º 7;
d) O contrato será remetido ao Gabinete para os Assuntos de Trabalho, a quem compete verificar e informar se se encontram satisfeitos os requisitos mínimos exigíveis para o efeito, designadamente os seguintes:
d.1. Garantia, directa ou indirecta, de alojamento condigno para os trabalhadores;
d.2. Pagamento do salário acordado com a empresa empregadora;
d.3. Assistência na doença e na maternidade;
d.4. Assistência em caso de acidentes de trabalho e de doenças profissionais;
d.5. Repatriamento dos trabalhadores considerados indesejáveis. (Os deveres mencionados em d.3. e d.4. serão obrigatoriamente garantidos através de seguro);
e) Fornecidos os elementos de informação referidos na alínea anterior será proferido despacho que decidirá da aprovação das condições de contratação dos trabalhadores não-residentes, fazendo remeter o processo ao Comandante das Forças de Segurança de Macau;
f) O Comandante das Forças de Segurança de Macau proferirá despacho, determinando lhe seja presente a lista nominativa dos trabalhadores a recrutar, e decidindo, posteriormente, sobre a sua entrada e permanência no Território.”
2.4. É assim que as condições previstas no aludido contrato ganham força, sendo, como é óbvio, vista a natureza da relação laboral e os contornos administrativos a que é sujeita, que as condições de trabalho menos favoráveis para o trabalhador, resultantes do contrato de trabalho entre este e o empregador, hão-de ceder necessariamente perante as resultantes do contrato celebrado entre o empregadora e a empresa fornecedora mão-de-obra, condição decorrente da autorização de relação laboral em causa.
É certo que o contrato de trabalho, como negócio jurídico obrigacional, se baseia na autonomia privada, a qual engloba para além da liberdade de celebração, a liberdade de estipulação. Como ensina Pedro Romano Martinez, “como em qualquer negócio jurídico, as partes têm, liberdade de conformar as regras contratuais aos interesses que pretendem prosseguir. Todavia, no domínio laboral, a liberdade de estipulação contratual encontra-se limitada; a especial protecção do trabalhador, que o Direito do Trabalho pretende conferir, leva a que, frequentemente, se condicione a liberdade das partes na conformação das regras contratuais, até porque, não raras vezes, a situação factual de desigualdade entre as partes potenciaria o estabelecimento de regras desfavoráveis para o trabalhador”.
Razões estas, se não apodícticas, observáveis na nota preambular do referido Despacho n.º 12/GM/88, em que para além da contemplação dos interesses protagonizados pela defesa da mão-de-obra local e dos protagonizados pelos interesses empresariais se sublinhou o seguinte:
“Da parte do Governador há ainda a considerar um terceiro aspecto da questão, que é o de não consentir no Território situações que contendam com o padrão mínimo, ou que como tal seja aceite pela consciência social, relativamente às condições de alojamento da população trabalhadora, Entendeu-se assim que a solução do problema passava por uma clara destrinça entre as situações de emprego dos residentes, estas reguladas pela lei aplicável entre empregador e empregado como sujeitos autónomos de direitos e obrigações, e as situações de emprego de não-residentes, que, ao contrário das primeiras, traduzirão um vínculo de contrato de prestação de serviços com terceiras entidades. Estas tem que se responsabilizar pelo alojamento dos trabalhadores ocasionais e pelo pagamento dos salários que lhes sejam devidos, bem como pelo seu repatriamento quando os considerem dispensáveis. Fica claro, de qualquer forma, que esses trabalhadores ocasionais não têm qualquer direito de permanência em Macau. Nem de outra forma seria possível avançar, como é firme propósito do Governador, em defesa dos interesses dos trabalhadores residentes no Território. Para tal, estes hão-de constituir uma massa determinada, com peso específico próprio.
Nesta primeira fase, tal defesa consiste na regulação das condições de oferta do mercado, pedindo que os trabalhadores sob custódia de uma terceira entidade contratados por via de contrato de prestação de serviços possam constituir-se numa pressão que resulte em prejuízo dos trabalhadores residentes, quer no que diz respeito à estabilidade do emprego, quer no que diz respeito ao nível dos salários. E trata-se, é bom que se diga, de uma solução que se aceita a título experimental, determinada pela extrema complexidade da matéria e pela urgência que havia em dar-lhe encaminhamento. Por isso, aliás, se introduz por via do simples despacho, aproveitando a feliz circunstância de não parecer que algum normativo de grau superior a tal se oponha.”
Torna-se assim mais claro o enquadramento que deve presidir ao estabelecimento do regime jurídico da relação em apreço e que passa pela aplicação das normas mais favoráveis que de qualquer um dos contratos em referência resulte, até em nome do princípio do favor laboratoris, entendido este como um princípio geral do Direito do Trabalho, com assento na concepção das opções legislativas pro operario e não como derrogando as regras imperativas da interpretação das normas decorrentes do Direito Civil.3
2.5. Face à defesa, por banda da empregadora, aqui recorrente, da exclusão, em termos de caracterização do contrato entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda., da natureza ínsita a qualquer dos contratos-tipo como contrato a favor de terceiro não nos eximiremos a algumas poucas palavras sobre o assunto.
Antes de mais, reafirmamos que a força da vinculação a tal regime resulta das normas condicionantes da autorização de trabalho, administrativamente contempladas. Isto é, só o trabalho prestado naquele condicionalismo seria autorizado. Donde, tais cláusulas, previstas nesse contrato serem condição de concessão de autorização de trabalho para aquela situação em concreto.
Daqui cai por terra o argumento avançado na douta alegação da recorrente quanto à falta do interesse atendível na celebração de um contrato a favor de terceiro por parte da Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, sendo evidente que a sua intervenção na importação de mão-de-obra é um instrumento de condicionamento das regras a aplicar à mão de obra não residente, só assim sendo admitida a tal importação.
Não se pode proceder a uma análise desgarrada desse enquadramento e desse condicionalismo, donde o regime jurídico aplicável resultar desse acervo clausulado.
Não poucas vezes a realidade da vida é mais rica do que a realidade conceptualizada e, assim, as soluções do legislador não são bastantes para abarcar toda a factualidade.
Isto, para enfatizar que, por isso mesmo, os institutos previstos pelo legislador não são o bastante para regular toda a realidade negocial e daí que se devam conjugar, até em nome da liberdade contratual, diferentes contratos, surgindo-nos as situações de negócios mistos ou inominados.
É a partir desta constatação que nos damos a perguntar a nós próprios o que impede, em termos meramente de autonomia privada e de liberdade contratual, que alguém assuma perante outrem a obrigação de dar trabalho a um terceiro, mediante certas condições e estipulações. Sinceramente que não nos ocorre nenhum obstáculo.
Estamos perante um contrato a favor de terceiro quando, por meio de um contrato, é atribuído um benefício a um terceiro, a ele estranho, que adquire um direito próprio a essa vantagem.4
Esta noção está plasmada no artigo 437º do CC, aí se delimitando o objecto desse benefício que se pode traduzir numa prestação ou ainda numa remissão de dívidas, numa cedência de créditos ou na constituição, transmissão ou extinção de direitos reais.
O objecto imediato do contrato a favor de terceiro pode ter, na verdade, diversa natureza jurídica e os mais diferentes conteúdos económicos, bastando que a aquisição pelo terceiro seja de um benefício ou de uma vantagem.5
A Ré compromete-se com uma dada Sociedade a dar trabalho ao A. e assume o compromisso de o fazer em determinadas condições.
Sinceramente que não vemos onde não exista aqui a assunção de uma prestação, qual seja a de dar trabalho à A, a de contratar com ele e a de lhe pagar X.
Prestação é a conduta a que o devedor está obrigado ou seja o comportamento devido, na expressão lapidar do Prof. Pessoa Jorge.6
Ora o facto de a Ré ter assumido a obrigação de dar trabalho, tal não é incompatível com uma prestação de contratar, relevando aí a modalidade de uma prestação de facere. Uma prestação de facto, na verdade, pressupõe o desenvolvimento, em prol do credor, de determinada actividade e pode até traduzir-se numa prestação de um facto jurídico quando as actividades desenvolvidas são jurídicas.7
As coisas, postas assim, tornam-se agora mais claras e o instituto em referência mais se encaixa no nosso caso.
Nem o facto de a Ré se ter comprometido a celebrar um contrato exclui o enquadramento que se persegue.
O benefício para o terceiro está, como bem se alcança, não só na chance de obter trabalho (para mais enquanto não residente) e das utilidades e vantagens materiais que daí decorrem para o trabalhador, parte terceira nesse contrato, bem como das condições que a Ré se compromete a observar em benefício do trabalhador.
Aliás, esta possibilidade de acoplação entre o contrato primitivo e o contrato de trabalho posteriormente celebrado entre A. e Ré resulta como uma decorrência das obrigações primitivamente assumidas. É a primeira relação contratual, a relação de cobertura, que origina e modela a segunda relação, a relação entre o promitente e o terceiro.8
Ora, nada obsta que desta relação entre o promitente e o terceiro, para além do assumido no primitivo contrato entre o promitente e o promissário, nasçam outras obrigações como decorrentes de um outro contrato que seja celebrado entre o promitente (Ré, empregadora) e o terceiro (A., trabalhador).9
Esta aproximação encontramo-la também em Pires de Lima e A. Varela, enquanto anotam que “o artigo 443º(leia-se 437º do C.C.) trata não só dos casos em que todo o contrato estabelecido a favor de terceiro, como daqueles em que o contrato ou negócio a favor de terceiro se insere no contexto de um outro contrato, ao lado dele, sem prejuízo de um e outro se integrarem unitariamente na mesma relação contratual. É o que sucede, por exemplo, na doação ou no legado com encargo a favor de terceiro que pode ser um direito de preferência sobre a coisa doada ou legada, ou ainda na instituição de uma fundação com encargo a favor de pessoa ou pessoas determinadas.”10
Quanto ao argumento que do contrato a favor de terceiros não podem nascer obrigações para o terceiro beneficiário, como está bem de ver, elas não resultam desse contrato, mas sim do contrato de trabalho entre o patrão e o empregado.
2.6. Nem se diga que esta posição contraria o sufragado por este Tribunal quando chamado a decidir sobre a excepção relativa à competência do Tribunal, nos termos da qual a ré propugnava pelo cometimento ao tribunal arbitral.
Como nessas decisões já se afirmou, configurar uma ou mais cláusulas do referido contrato, estranho ao trabalhador, como estipuladas a favor de terceiro (neste caso o A.), daí não decorre que essa qualificação se projecte, sem mais, sobre todo o contrato (cfr. art. 400.°, n.º 2 e 437º, n.º 1 do Código Civil).
O Código Civil, no artigo 438.°, n.º 1, dispõe que "O terceiro a favor de quem for convencionada a promessa adquire direito à prestação, independentemente de aceitação"
Ora o direito que se estabelece traduz-se num concreto direito à prestação, independentemente de aceitação; nada mais.
Nem outros direitos a favor de outrem estabelecidos no contrato, muito menos deveres, encargos ou sujeições integrarão a esfera jurídica do terceiro a favor de que tenha sido concretamente instituído um determinado direito.
Para além de que será de entender que essa cláusula compromissória de competência abrange apenas a relação de cobertura ou de provisão entre o promitente e o promissário e não já relação provisionada entre o promitente e o terceiro, ou a relação de valuta entre o promissário e o terceiro.
Posto isto, somos a sufragar o entendimento acolhido na douta sentença recorrida.
3. Das diferenças salariais
Face à posição acima assumida, as diferenças salariais levadas em conta na sentença recorrida não merecem qualquer reparo.
4. Do subsídio de alimentação
Não se abalando a matéria dada como provada, de que o trabalhador prestou serviço todos os dias por que perdurou a relação laboral, ainda aqui não merece qualquer censura o que foi decidido, reafirmando-se a posição já anteriormente assumida neste TSI de que o subsídio de alimentação só é devido quando o trabalhador presta serviço11 e já não assim com o serviço de efectividade12.
O subsídio de alimentação ou de refeição depende da prestação efectiva de trabalho, fazendo todo o sentido que assim seja, tendo até em vista a sua natureza e os fins a que se propõe. Destinar-se-á a fazer face a um custo suplementar a suportar por quem trabalha e por quem tem de comer fora de casa ou com custos acrescidos por causa do trabalho.
É esta a Jurisprudência deste Tribunal, concretizada no acórdão n.º 376/2012, de 14/6.
Diz a recorrente que esse subsídio não está previsto no contrato de prestação de serviços n.º 1/1, aprovado pelos Despachos nºs 00830/IMO/SEF/2005.
O Mmo Juiz a quo considerou que esse subsídio estava previsto em termos muito cuidadosos, a tal ponto que observou que, entre 15 de Março de 2006 a 31 de Março de 2007, analisadas as cláusulas do contrato de prestação de serviços, disse não ter encontrado qualquer previsão a esse respeito, nem em anexo que tivesse sido junto, pelo que o ali decidido não merece qualquer censura.
Há que ver o que resulta dos documentos. O que se observa é que nos anexos, referidos na douta sentença, em particular de fls 20 a 25, fazem parte integrante do contrato e aí se estipula, expressamente a existência desse subsídio.
Não merece, pois censura o decidido quanto à atribuição desse subsídio.
5. Subsídio de conduta e de guarda de casino
Vale aqui quanto acima se acaba de dizer quanto à previsão expressa desses subsídios nos anexos integrantes dos aludido contrato, facto que a recorrente pretende ignorar nas suas alegações..
Poder-se-ia argumentar que a atribuição deste subsídio estaria dependente de um juízo sobre a conduta do trabalhador, mas não é isso que resulta do texto do anexo, “allallowances are varied from post to post except conduct allowance”.
Se alguma condição obstasse à atribuição desse subsídio caberia à Ré comprová-la, enquanto facto impeditivo do direito do A. que se mostra comprovado, em face da documentação junta.
Nesta conformidade, o recurso não deixará de improceder.
IV - DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando, assim, a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Macau, 25 de Junho de 2015,
(Relator)
João A. G. Gil de Oliveira
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Ho Wai Neng
(Segundo Juiz-Adjunto)
José Cândido de Pinho
1 - V.g., A. do TSI, Proc. 574/2010, de 12/5/2011
2 - Cfr. art. 1º do CC; Oliveira Ascensão, IAED, AAFDL, 1970, 241
3 - Pedro Romano Martinez, ob. cit., 220
4 - Diogo Leite Campos, Contrato a favor de terceiro, 2ª ed., 1991, 13
5 - Leite de Campos, ob. cit., 17
6 - Obrigações, 1966, 55
7 - Menezes Cordeiro, Dto Obrig., 1980, 1º, 336 e 338
8 - Leite de Campos, ob. cit.27
9 - Leite Campos, ob. cit. 79 e 115
10 - CCAnot. 4ª ed.,1987, vol I, 426
11 - Ac. 376/2012, 322/2013, 78/2012 e 414/2012
12 - Ac. 322/2013
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