Processo nº 502/2014
Relator: João Gil de Oliveira
Data: 21/Maio/2015
Assuntos:
- Demissão; aposentação compulsiva; agente do CPSP
- Ausência ilegítima ao serviço
- Princípio da proporcionalidade
- Erro grosseiro
- Artigo 240º do EMFSM
SUMÁRIO :
1. Se é certo que as questões da aposentação e as necessidades disciplinares se põem em planos diversos, também pode acontecer que o legislador, nas situações mais graves, tenha erigido em própria sanção a perda de quaisquer pensões a que o agente tivesse direito, não se contentando com a mera aplicação da pena expulsiva circunscrita à aposentação compulsiva.
2. Na perspectiva da integração da infracção como prevista no artigo 239º do EMFSM, a lei afasta-a se se verificar uma situação de aplicação da pena de demissão, como a que resulta de ausência ilegítima por mais de 5 dias seguidos, face ao disposto no artigo 240º do EMFSM, cuja expressão “é aplicável” deve ser interpretada restritivamente, no sentido de aquela sanção dever ser aplicada em princípio, mas que pode ser afastada se uma ponderada valoração de todo o circunstancialismo pessoal, familiar e circunstancialismo consentir para tal apontar.
3. O princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 5º do CPA, deve ser entendido como uma ideia de variação correlativa de duas grandezas conexionadas, ou seja, os benefícios decorrentes da decisão administrativa para o interesse público prosseguido pelo órgão decisor e os respectivos custos, medidos pelo inerente sacrifício de interesses dos particulares, seja na sua vertente de exigibilidade e adequação na prossecução do interesse público, por um lado e na relação custos-benefícios, por outro.
4. A proporcionalidade de uma pena disciplinar só pode ser impugnada com base em erro grosseiro ou manifesta violação do princípio da proporcionalidade, que decorre do princípio da culpa, devendo a pena corresponder ao grau do desvalor da conduta do infractor, tendo em conta todas as circunstâncias relacionadas com a prática da infracção, devendo ser proporcional à gravidade da conduta disciplinarmente ilícita e atendendo-se a todo o circunstancialismo atenuante.
5. Perante uma situação do número mínimo de faltas integrantes da previsão típica da pena disciplinar, um agente que nunca conheceu outra carreira, por mais de vinte anos, com dois louvores no seu currículo, acometido de doença grave e incapacitante, sofrimento, três crianças estudantes e a seu cargo, tudo a apontar para a relevância de uma situação humana carente de contemplação e reclamando compreensão, entra-se num campo muito sensível, onde não se podem misturar as emoções com os juízos de valor, em função dos diferentes interesses em jogo e das esferas de competência dos diferentes órgãos de poder, onde a intervenção dos tribunais deve ser muito cautelosa, se, por razões de humanidade, por tudo e por nada, se substituíssem aos órgãos da Administração, transmitindo a ideia de que aqueles órgãos não são também sensíveis a essas razões humanas, mas não devem deixar de intervir quando estiver em causa a aplicação da lei e se descortinar que ela própria não deixa de acolher ainda tais preocupações.
O Relator,
João Gil de Oliveira
Processo n.º 502/2014
(Recurso Contencioso)
Data : 21 de Maio de 2015
Recorrente: A
Entidade Recorrida: Secretário para a Segurança
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I - RELATÓRIO
1. A, guarda ajudante n.º... do quadro de pessoal militarizado do Corpo de Polícia de Segurança Pública de Macau, mais bem identificado nos autos,
Notificado pessoalmente no passado dia 01 de Julho de 2014 do despacho do Excelentíssimo Senhor Secretário para a Segurança N.º 18/SS/2014, datado de 17 de Junho de 2014, exarado no âmbito dos autos de Processo Disciplinar N.º 192/2013 da PSP, pelo qual lhe foi aplicada a pena disciplinar de demissão, por dele se inconformar,
Vem interpor junto do Venerando Tribunal de Segunda Instância de Macau recurso contencioso de anulação do despacho punitivo acima identificado,
O que faz, em síntese conclusiva:
1 - O presente recurso contencioso de anulação é interposto do despacho punitivo proferido pelo Senhor Secretário para a Segurança que aplicou ao recorrente a pena disciplinar de demissão.
2 - O processo disciplinar com base na qual o despacho punitivo se fundamenta foi instaurado na sequência de 5 faltas ao serviço consecutivas cometidas pelo recorrente.
3 - No âmbito do processo disciplinar instaurado, e conjugado com a prova documental constante do seu processo individual, está provado que o recorrente tem eu seu favor como atenuantes: 21 anos de serviço efectivo prestado, a atribuição de 2 louvores publicados em Ordem de Serviço, a ausência de qualquer sanção disciplinar anterior bem como a obtenção de classes de comportamento de serviço positivas ao longo da carreira, boa informação dos superiores, situação de doença grave, incurável e degenerativa ou longo de vários anos com tratamentos hospitalar, médico e medicamentoso e uma família com 3 filhos em idade escolar.
4 - Perante esse quadro fáctico e atenuativo comprovados, a entidade recorrida deveria ter aplicado ao recorrente a pena disciplinar de aposentação compulsiva, e não a de demissão.
5 - Agindo diversamente, o despacho recorrido violou o princípio de proporcionalidade e adequação consagrados no artigo 5°, n.º 1 e 2, do Código do Procedimento Administrativo em vigor, e violou as normas contidas nos artigos 238° n.º 1 e 239° n.º 1, ambos do referido Estatuto dos Militarizados das FSM, o que faz inquinar no vício de violação de lei.
6 - Correctamente interpretando os factos e a lei acima referida, a entidade recorrida deveria ter aplicado ao ora recorrente a pena de aposentação compulsiva.
NESTES TERMOS, deve o presente recurso ser admitido e, a final, ser julgado procedente, por provado, e em consequência, ser anulado o despacho recorrido pelo vício de violação de lei.
2. O Exmo Senhor Secretário para a Segurança, recorrido nos autos de recurso contencioso à margem identificado, interposto por A, contesta, dizendo:
Compulsado o processo disciplinar n.º 192/2013 do CPSP e analisados todos os elementos dele contantes, faz-se prova de que o recorrente faltou ilegitimamente ao serviço desde 14/08/2013, sem qualquer justificação, deixando de comparecer ao serviço por forma contínua, até ao momento.
Em síntese, a situação de ausência em que o recorrente permaneceu e continua a permanecer é bastante mais do que 5 dias, período delimitado pelo Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau (EMFSM), aprovado pelo DL n.º 66/94/M de 30 de Dezembro.
O recorrente invoca uma situação de doença, que também foi ponderada aquando da apreciação e determinação da decisão, ora em escrutínio, porém,
É de conhecimento comum que é à Junta de Saúde a quem cabe pronunciar-se sobre a existência da doença, a aptidão do trabalhador para o serviço, bem como a impossibilidade de continuação em funções devido a perturbação física ou psíquica.
Assim sendo, não obstante a doença de espondilite anquilosante que invoca, o recorrente não pode ausentar-se do serviço por sua iniciativa própria, sob o pretexto da doença, sem que esta seja confirmada pela entidade designada na lei, sem a qual não se vê qualquer justificação legalmente aceitável.
Importa aqui realçar que no CPSP, enquanto corporação militarizada, vigora, além do mais, o princípio do comando, o de assiduidade e o de obediência (que consiste no estrito cumprimento das leis e regulamentos). A hierarquia, a lealdade e a disciplina rígida que o CPSP tem que ter para garantir a sua administração interna e o bom funcionamento da corporação, implicam que os seus agentes devam actuar dentro o enquadramento definido na lei, e tomar uma atitude isenta, leal e de credibilidade, da qual o ora recorrente, com a sua conduta, se afastou completamente, aliás, sendo grave a respectiva circunstância.
No que concerne às circunstâncias atenuantes, alegadas pelo recorrente, é de acentuar que como relatado no despacho, ora em questão, as respectivas circunstâncias foram já analisadas aquando da tomada da decisão punitiva, não sendo estas, contudo, suficientes para justificar nem constituir a obrigação à entidade recorrida de lhe aplicar a pena de aposentação compulsiva.
Tanto mais que o artigo 240.º do EMFSM estabelece expressamente a aplicação da pena de demissão para a ausência ilegítima.
E nos termos do artigo 240.º, alínea c) do EMFSM, a pena de demissão é aplicada a quem praticou o acto previsto na alínea i) do n.º 2 do artigo 238.º
O acto controvertido constitui, em parte, acto vinculado, pelo que a entidade recorrida deve, com observância da lei, aplicar a pena de demissão ao recorrente pela sua ausência legítima por muito mais de 5 dias, sem ter o poder na escolha de outra sanção disciplinar.
Com efeito, a proporcionalidade de uma pena disciplinar só pode ser impugnada com base em erro grosseiro ou manifesto, mas, não o é no caso em apreço.
Pelo que, o acto ora recorrido não padece do vício de lei por violação do princípio da proporcionalidade.
Nestes termos, e nos melhores de direito, não se vislumbrando quaisquer dos vícios invocados nem quaisquer outros que possam inquinar a validade jurídica do acto impugnado, deve o mesmo, em homenagem ao princípio da legalidade, bem como aos de certeza e clareza jurídicas, manter-se tal como está, NEGANDO-SE provimento ao presente recurso.
3. A, apresentou a seu tempo alegações facultativas, destacando:
1 - O presente recurso contencioso de anulação é interposto do despacho punitivo proferido pelo Senhor Secretário para a Segurança que aplicou ao recorrente a pena disciplinar de demissão.
2 - O processo disciplinar com base na qual o despacho punitivo se fundamenta foi instaurado na sequência de 5 faltas consecutivas ao serviço cometidas pelo recorrente.
3 - No âmbito do processo disciplinar instaurado, conjugado com a prova documental constante do seu processo individual, provou-se que o recorrente tem a seu favor como atenuantes: 21 anos de serviço efectivo prestado, a atribuição de 2 louvores publicados em Ordem de Serviço, ausência de qualquer sanção disciplinar anterior bem como a obtenção de classes de comportamento de serviço positivas ao longo da carreira, boa informação dos superiores, situação de doença grave incurável e degenerativa contraída há vários anos com tratamentos hospitalar, médico e medicamentoso e uma família composta pela esposa e 3 filhos menores em idade escolar.
4 - Perante esse quadro fáctico e atenuativo comprovados, a entidade recorrida deveria ter aplicado ao recorrente a pena disciplinar de aposentação compulsiva, e não a de demissão.
5 - Atento a sua folha de serviço impecável e a doença incurável que o tormenta, a aplicação da pena de aposentação compulsiva seria justa, adequada, e sobretudo, Humanista e dignificante.
6 - Agindo diversamente, o despacho recorrido violou o princípio de proporcionalidade e adequação consagrados no artigo 5°, n.º 1 e 2, do Código do Procedimento Administrativo em vigor, e violou as normas contidas nos artigos 238° n.º 1 e 239° n.º 1, ambos do Estatuto dos Militarizados das FSM, o que faz inquinar a decisão em crise no vício de violação de lei.
7 - Correctamente interpretando os factos e aplicando a lei, a entidade recorrida deveria ter aplicado ao ora recorrente a pena de aposentação compulsiva.
NESTES TERMOS, nos melhores de Direito, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e em consequência, ser anulado o despacho recorrido tom fundamento no vício mima referidos.
4. Alegando nos termos do artigo 68.º do Código do Procedimento Administrativo Contencioso, a entidade recorrida, Exmo Senhor Secretário para a Segurança, no processo de recurso contencioso acima identificado e em que é recorrente, A, diz:
1. O dever de assiduidade é um dever fundamental do trabalhador que exerce funções públicas, muito especialmente quando diz respeito a um agente policial, o que desde logo se retira do facto de a formulação do tipo de infracção ser muito mais exigente no âmbito do Estatuto dos Militarizados das FSM, aprovado pelo Dec Lei n.º 66/94/M, de 30 de Dezembro do que o é no regime geral.
2. Com efeito, enquanto para o EMFSM, 5 dias de faltas injustificadas seguidas ou 10 intrepoladas fundamentam uma infracção por ausência ilegítima, para o Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública, são precisos 10 ou 30, respectivamente, para que a infracção se verifique.
3. A ausência ao serviço sem justificação por tão longo período representa um desprezo tão grande pelo cumprimento do dever, pelas relações interpessoais no serviço e para com o interesse público, que a lei sanciona com pena expulsiva (demissão).
4. Reitera-se o acerto da pena de demissão aplicada ao recorrente que, o que resulta, aliás, de forma vinculada, do disposto no artigo 240.° al. c) do EMFSM, com referência ao seu 238.° n.º 2 al. i).
5. As razões invocadas pelo recorrente como dirimentes da falta cometida, não colhem porquanto a dor física não o inibia da capacidade discernimento e de representação daquele que, pelo conteúdo das peças impugnatórias, afinal, sabia ser um dever profissional, do qual dependia o sustento da sua família.
6. O desleixo a que votou o cumprimento de obrigações mínimas, mas impreteríveis, de justificação das suas faltas ao serviço em que reiteradamente se constitui, num contexto social e geográfico de facilidades, quer de acessos, quer de transporte, e mesmo de comunicações, não é suprível pelas razões que ora, e a destempo, vem Invocar.
7. Revê-se na decisão impugnada uma boa administração da justiça disciplinar, coerente e congruente nos seus fundamentos, coerente ainda com a praxis nas Forças de Segurança de Macau
8. No demais, oferece o merecimento dos autos.
Nestes termos e nos demais de direito deve a decisão impugnada, manter-se inalterada, assim se fazendo JUSTIÇA.
5. O Exmo Senhor Procurador Adjunto oferece o seguinte douto parecer:
No petitório inicial, que mantém em alegações, assaca o recorrente e o acto - despacho do Secretário para a Segurança de 17/6/14 que, em sede disciplinar, o puniu com pena de demissão - vício de violação de lei, por atropelo de normas em que se fundou a aplicação daquela pena (artigos 238°, n.º 1 e 239°, n.º 1, ambos do EMFSM), bem como do princípio da proporcionalidade e adequação consignados no art° 5°, CPA, detectando-se, da argumentação respectiva, que o visado se mostra inconformado com o facto de, em lugar daquela pena, lhe não ter sido aplicada a aposentação compulsiva, a qual, a seu ver, plenamente se justificaria, desde logo em face da ocorrência de circunstâncias atenuativas da sua responsabilidade, como o tempo de serviço já prestado à Corporação, com informações hierárquicas positivas e ausência de registo disciplinar anterior, a atribuição de 2 louvores de serviço e a sua precária condição de saúde, dado padecer de doença (espondilite anquilosante), grave e degenerativa, a qual, em última análise, terá constituído factor determinante para a ocorrência das faltas ao serviço, motivo do procedimento disciplinar instaurado.
Como é sabido, se, no que respeita à apreciação da integração e subsunção dos factos na cláusula geral punitiva a actividade da Administração está sujeita à sindicabilidade do Tribunal, o mesmo não se pode dizer quanto à aplicação das penas, sua graduação e escolha da medida concreta, existindo, neste âmbito, ampla discricionariedade por parte da Administração, a qual passa pela opção entre emitir ou não o acto sancionatório e ainda pela escolha entre vários tipos e medidas possíveis, inexistindo neste último campo controlo jurisdicional sobre a justeza da pena aplicada dentro do escalão respectivo, em cuja fixação o juiz não pode sobrepor o seu poder de apreciação ao da autoridade investida do poder disciplinar, ficando a sua intervenção apenas reservada aos casos de erro grosseiro, gritante injustiça ou desproporção manifesta entre a sanção infligida e a falta cometida, dado não poderem ser legitimados, em nenhuma circunstância, comportamentos da Administração que se afastem dos princípios da justiça e da proporcionalidade que necessariamente devem presidir à sua actuação.
A pena de demissão é de aplicar quando a gravidade da conduta do arguido inviabiliza a manutenção da relação funcional, sendo que para a apreciação desse conceito, a Administração goza de grande liberdade de apreciação, não se devendo aquela relação manter sempre que os actos praticados pelo arguido, avaliados e considerados no seu contexto, impliquem para o desempenho da função prejuízo de tal monta que irremediavelmente comprometa o interesse público que aquele deveria prosseguir, designadamente a confiança, o prestígio e o decoro que deve merecer a actuação da Administração, de tal modo que o único meio de acudir ao mal seja a ablação do elemento que lhe deu causa.
No caso, como já se referiu, nem o recorrente verdadeiramente contesta a inviabilização da manutenção da sua relação funcional, uma vez que limita o seu inconformismo à aplicação da pena de demissão, em detrimento da pena de aposentação compulsiva.
A questão coloca-se, face ao disposto no art° 238°, EMFSM, normativo de que se colhe que a entidade com competência disciplinar, conquanto se trate de infracções que inviabilizem a manutenção da situação jurídico/funcional, detém, em abstracto, a faculdade de punir o militarizado com a pena de demissão ou com a de aposentação compulsiva, apenas podendo optar por esta última medida se aquele reunir o período mínimo de 15 anos de serviço, ou seja, se se verificar o condicionalismo para a aposentação ordinária.
É o que sucede, no caso.
Porém, a Administração não está vinculada a aplicar tal medida, pelo simples facto de o arguido preencher aquele tempo exigido pelo art° 239°, n.º 2, daquele diploma legal : a vinculação legal não reside na obrigatoriedade de aplicação da pena de aposentação compulsiva se o funcionário tiver mais de 15 anos de serviço, mas na obrigatoriedade de aplicação da pena de demissão se os não tiver completado, percebendo-se que o legislador, nas situações mais graves, tenha erigido em própria sanção a perda de quaisquer pensões a que o agente tivesse direito, não se contentando com a mera aplicação de pena expulsiva circunscrita à aposentação compulsiva.
Posto isto, cremos que no caso vertente, não poderão deixar de ser equacionadas 2 vertentes essenciais: por um lado, o facto de se tratar de um agente policial, com uma muito mais "apertada" (e, compreensível) exigência disciplinar, no âmbito do Estatuto dos Militarizados das FSM e, por outro, o circunstancialismo concreto das faltas registadas, que tudo aponta decorrerem de lastimável incapacidade física do visado para o exercício efectivo das suas funções, razão por que, verdadeiramente, (a avaliar, até, pelo constante das alegações da recorrida) a infracção disciplinar em causa se terá ficado a dever não tanto a uma atitude de faltas deliberadas ao serviço para o exercício de outras actividades, mas a puro desleixo na apresentação de justificação das mesmas, justificação essa que, tudo aparenta, existiria.
Neste contexto preciso, a que não poderão deixar de se associar as circunstâncias atenuantes registadas no procedimento e a que, de resto, o recorrente tanto apela, poderíamos ser tentados a concluir que, quiçá, no caso, se pudesse impor desfecho menos doloroso: o problema é que, "malgré tout" e face ao preceituado designadamente na al. c) do art° 240º EMFSM, não se alcança que nos confrontemos com injustiça gritante ou desproporção manifesta, a justificar intromissão e controle jurisdicional nesse domínio, pelo que, relevando aqui o princípio da separação de poderes, somos a entender não poder proceder o presente recurso.
6. Foram colhidos os vistos legais.
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito.
III - FACTOS
Com pertinência, têm-se por assentes os factos seguintes:
É do seguinte teor o despacho que integra o acto recorrido:
“O Despacho do Secretário para a Segurança n.º 18/SS/2014
Assunto: Processo disciplinar
Processo n.º 192/2013 (CPSP)
Arguido: A, guarda principal do CPSP n.º ...
Analisados os elementos constantes do presente processo disciplinar, vem suficientemente provado que o arguido A, guarda principal do CPSP n.º ..., faltou ao serviço em 5 dias seguidos a partir de 14 de Agosto de 2013, sem justificação ou autorização, e a respectiva ausência ilegítima mantém-se até ao momento.
Para efeitos do processo disciplinar e apuramento do facto, o instrutor ouviu oficiosamente o arguido, concedendo-lhe 10 dias para a apresentação da defesa escrita em relação à acusação. Também foi ouvido, a pedido do arguido, o seu superior hierárquico imediato. O arguido reconheceu o facto de infracção disciplinar na defesa escrita, mas não aceitou a qualificação jurídica deste, entendendo que, atentas as circunstâncias atenuantes, tais como a antiguidade de 21 anos, dois louvores, nenhuma pena disciplinar, a informação positiva em relação ao seu comportamento e a confissão da infracção disciplinar, etc., e a sua doença prolongada, é mais humanizada aplicar-lhe a pena de aposentação compulsiva.
Antes de mais, o facto de ausência ilegítima de que o arguido foi acusado, e que se mostra definitivamente consolidado, por provado, constitui infracção ao dever prescrito no artigo 13.º, n.º 2, al. a) do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau (EMFSM). Nos termos do artigo 238.º, n.º 2, al. i) do EMFSM, as penas que inviabilizam a relação funcional são aplicáveis quando se constituir na situação de ausência ilegítima durante 5 dias seguidos ou 10 interpolados, dentro do mesmo ano civil.
É de frisar que, ainda que o arguido tenha doença de coluna vertebral e tenha que ser sujeito permanentemente às consultas médicas e à administração de medicamentos, deveria tratar a sua doença de acordo com o vigente regime jurídico da função pública, não devendo ausentar-se do serviço sem autorização ou não se justificar. Cumpre ainda indicar que, no que tange à situação de ausência ilegítima referida no artigo 238.º, n.º 2, al. i) acima referido, a pena de aposentação compulsiva não será necessariamente aplicada, de acordo com o artigo 239.º do EMFSM, ao militarizado que reúna mais de 15 anos. Pelo contrário, a entidade competente tem um poder discricionário para decidir com base nas circunstâncias concretas.
Atento o conteúdo da acusação e as circunstâncias atenuantes, é de crer firmemente que a infracção disciplinar do arguido é grave, daí que ele deixa de possuir as condições básicas para continuar o exercício do cargo.
Nesta conformidade, após ouvidos o Conselho Disciplinar e Instrução do CPSP e o Conselho de Justiça e Disciplina, e consideradas a ausência ilegítima do arguido que, até ao momento, já ultrapassou muito mais do que os 5 dias seguidos, a censurabilidade da infracção disciplinar e o seu comportamento anterior, puno, no uso das competências conferidas na Ordem Executiva n.º 122/2009 e artigo 211.º do EMFSM, o arguido A, guarda principal do CPSP n.º ..., com a pena de demissão, nos termos do artigo 4.º, n.º 2 do Regulamento Administrativo n.º 6/1999, artigo 238.º, n.º 2, al. i) e artigo 240, al. c) do EMFSM.
Notifique o arguido da decisão e de que da mesma cabe recurso contencioso para o Tribunal de Segunda Instância.
Aos 17 de Junho de 2014.
No Gabinete do Secretário para a Segurança da RAEM.
Secretário para a Segurança
(Ass. vide o original)”
IV - FUNDAMENTOS
1. O caso
O recorrente, agente da PSP, após período de baixa concedido pela junta médica, faltou injustificadamente cinco dias consecutivos ao serviço e assim continuou até ao desfecho do processo disciplinar, na sequência do que lhe foi aplicada a pena de demissão.
O agente, guarda principal da PSP, vinha sofrendo de “espondilite anquilosante”, doença altamente incapacitante e degenerativa, doença essa que era do conhecimento dos seus superiores e já se encontrava numa situação de serviço moderado, doença essa muito dolorosa e que o obrigou a vários internamentos hospitalares.
O agente é casado, tendo a seu cargo esposa e três filhos a cargo, de 17, 16 e 5 anos de idade.
Trabalhou na Polícia por mais de 20 anos, desde os 18 de idade. Durante a sua carreira – não tendo conhecido outra na vida – foi louvado por duas vezes, uma vez em termos individuais e outra em termos colectivos e nunca foi alvo de qualquer sanção disciplinar.
Instaurado o processo disciplinar, foi punido com a pena de demissão.
Entende o recorrente que, visto todo o circunstancialismo, lhe devia ter sido aplicada a pena de aposentação compulsiva.
2. Da violação dolosa dos deveres funcionais
Entendeu a Administração que os factos praticados pelo agente integram o conceito de ausência ilegítima, nos termos do art. 238°, n.º 2, al. i) do "Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau", aprovado pelo D.L. n.º 66/94/M de 30 de Dezembro (EMFSM).
Sobre isto o que há a dizer é que não há controvérsia por ter sido apenas essa a infracção assacada à recorrente.
Na verdade, o artigo 13.° do EMFSM define o dever de assiduidade, e tem o seguinte conteúdo:
1. O dever de assiduidade consiste em comparecer regular e continuadamente ao serviço.
2. No cumprimento do dever de assiduidade, o militarizado deve, designadamente:
a) Não se constituir na situação de ausência ilegítima, deixando, injustificadamente, de comparecer ao serviço;
b) Não se ausentar do posto de serviço ou de local onde, por motivos funcionais, deva permanecer, a não ser quando devidamente autorizado, ou quando, no exercício das suas funções, deva efectuar de imediato diligências que possam conduzir ao esclarecimento de qualquer acto de natureza criminal.
4. Os deveres funcionais a que o pessoal militarizado está obrigado constam do artigo 5.° do EMFSM, que dispõe:
E no artigo 5º estabelece-se:
1. O militarizado, no exercício das suas funções, está exclusivamente ao serviço do interesse público, tal como é definido na lei, ou, com base nela, pelos órgãos competentes.
2. O militarizado regula o seu procedimento pelos ditames da honra e dedicação ao serviço, devendo enfrentar com coragem os riscos inerentes às missões que lhe são confiadas, se necessário com o sacrifício da própria vida.
3. O militarizado deve constituir exemplo de respeito pela legalidade instituída e actuar no sentido de reforçar na comunidade a confiança na acção desenvolvida pela instituição que serve, em especial no que concerne à sua imparcialidade, devendo conduzir-se permanentemente:
a) Pelo cumprimento dos deveres que a lei impõe e prevenir e opor-se rigorosamente a qualquer violação da mesma, empregando toda a sua capacidade;
b) Pelo respeito da dignidade humana e manutenção e apoio dos direitos humanos de todos os cidadãos, não podendo infligir, instigar ou tolerar qualquer acto de tortura ou outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, sobre qualquer pessoa;
c) Por uma conduta serena nas diferentes situações, usando a força somente quando estritamente necessária e na extensão requerida para o cumprimento dos seus deveres.
4. Consideram-se ainda deveres gerais do militarizado:
a) O dever de obediência;
b) O dever de isenção;
c) O dever de zelo;
d) O dever de lealdade;
e) O dever de sigilo;
f) O dever de correcção;
g) O dever de aprumo;
h) O dever de assiduidade;
i) O dever de pontualidade;
j) O dever de disponibilidade.
Os deveres de conduta dos militarizados são regras de conduta previstas na lei e são impostas pela Administração aos funcionários ou agentes, com vista à realização a mais perfeita possível dos seus fins.
Para haver infracção disciplinar é indispensável que se viole um dever, tal como decorre do art. 196.° do EMFSM:
1. Constitui infracção disciplinar o facto culposo praticado pelo militarizado, com violação de algum dos deveres gerais ou especiais a que está vinculado.
2. A violação dos deveres é punível independentemente da produção de resultados prejudiciais ao serviço, à disciplina, ao interesse geral ou a terceiro.
3. Praticados os factos que possam implicar responsabilidade disciplinar, a entidade competente que deles tenha conhecimento e como talos considere deve determinar a instauração do respectivo procedimento.
Mas a infracção disciplinar exige culpabilidade, uma série de requisitos que estabeleçam uma ligação entre o facto e a pessoa do agente, de forma a poder dizer-se que o acto é seu e que a conduta adoptada merece censura.
Não vêm postos em causa os pressupostos da punição disciplinar, mas tão-somente a pena escolhida, por não terem sido valoradas as circunstâncias atenuantes e condições de vida do agente que apontariam para uma outra pena mais adequada à situação, qual seja a da aposentação compulsiva.
3. Da Fundamentação. Factos provados e circunstâncias atenuantes
Diz o recorrente que não foram valoradas as atenuantes por si referidas: 21 anos de serviço, 2 louvores, ausência de sanção disciplinar, obtenção de classes de comportamento de serviço positivas ao longo da carreira, boa informação dos superiores, situação de doença grave, incurável e degenerativa ao longo de vários anos com tratamentos hospitalar, médico e medicamentoso e uma família com 3 filhos em idade escolar.
No fundo, não deixa de estar implícita, na sua alegação, uma falta de fundamentação, por não perceber como, perante tal quadro de alto pendor atenuativo, a entidade recorrida optou pela pena mais radical, ainda que dentro da mesma moldura abstractamente passível de aplicação, opção a fazer entre a demissão e a aposentação compulsiva.
O artigo 200.º do EMFSM dispõe:
1. São circunstâncias atenuantes da responsabilidade disciplinar as que enfraquecerem a culpabilidade do arguido ou diminuírem a gravidade do facto.
2. São circunstâncias atenuantes da responsabilidade disciplinar, nomeadamente:
a) A prestação de serviços relevantes ao Território;
b) O bom comportamento anterior;
c) O pouco tempo de serviço;
d) O constrangimento físico, se vencível;
e) A confissão espontânea da infracção ou a reparação do dano;
f) A falta de intenção dolosa;
g) A provocação;
h) Os louvores, condecorações ou outras recompensas, concedidos em razão da função e publicados em ordem de serviço;
i) A boa informação dos superiores de quem depende;
j) O acatamento bem intencionado da ordem de superior hierárquico, nos casos em que não fosse devida obediência.
3. Considera-se existir bom comportamento anterior quando o militarizado tenha prestado mais de 4 anos de serviço com exemplar comportamento, determinado pela ausência de penas, ou se encontre na 1.ª classe de comportamento, sem que tenha sido punido há mais de 5 anos.
O problema que se põe é o de saber se se a invocação das atenuantes é irrelevante face à taxatividade da norma do artigo 240º. Nos casos aí previstos é aplicável a pena de demissão, independentemente de tudo o mais.
Não vindo posta em causa a inviabilização da relação funcional a que alude o art. 238º, n.º 1do EMFSM, a falta cometida arrastará necessariamente a pena de demissão, como parece resultar do art. 240º.
Mas será exactamente assim?
Observando o despacho proferido, mesmo que se fique sem saber como as apontadas atenuantes, ainda que genericamente aí mencionadas, pudessem ter sido ponderadas de forma a chegar a um resultado diferente, o certo é que elas não foram esquecidas. Transcrevemos o excerto pertinente: “ Atento o conteúdo da acusação e as circunstâncias atenuantes, é de crer firmemente que a infracção disciplinar do arguido é grave, daí que ele deixa de possuir as condições básicas para continuar o exercício do cargo.
Não se duvida que seja “grave” e é assim que, no passo seguinte, se aponta a demissão, ficando-se sem saber se para a entidade recorrida, na sua interpretação da norma, as circunstâncias atenuantes poderiam relevar em termos da ponderação da alternativa à demissão, como é a aposentação compulsiva, tal como resulta do art.º 238º.
É certo que, não obstante o n.º 4 do art. 275.° do EMFSM - a acusação deverá conter a indicação discriminada e articulada dos factos integrantes da infracção, a indicação das circunstâncias de tempo, modo e lugar da sua prática, a enumeração das demais circunstâncias que integrem atenuantes e agravantes e ainda a referência aos preceitos legais respectivos e às penas aplicáveis -, as circunstâncias atenuantes referidas não deixaram de ser aludidas, ainda que de uma forma genérica, sem que, no despacho punitivo, se tenha referido a factualidade subjacente, circunstancialismo que, de todo o modo, ficamos sem saber se teria a virtualidade de inverter a situação.
É verdade que este Tribunal tem sido pouco exigente quanto a uma fundamentação detalhada tendente à compreensão do acto. Assim tem sido geralmente em situações em que facilmente se alcança uma motivação implícita e ela decorre com clareza dos pressupostos fácticos que estão na base do acto sob escrutínio.
Neste caso, o problema que se coloca é o de saber se a demissão, será a única sanção possível, nos casos previstos no artigo 240ª do EMFSM., pois, se assim fosse, não importaria já elucubrar sobre a escolha pela demissão em detrimento da aposentação compulsiva.
Chegados a este ponto, perante uma situação gritante e muito carente de atenção, perante toda uma situação familiar que irá sofrer com a punição de um homem que serviu a corporação por mais de vinte anos, com louvores no seu curriculum e acometido de uma doença altamente incapacitante, é esse quadro que chama a nossa atenção de forma a escrutinar se esse acervo foi ponderado e em que medida.
O acto praticado, consubstanciado no despacho proferido, ao referir que foram ponderadas as circunstâncias atenuantes, parece inculcar no sentido de que a entidade recorrida entende pela possibilidade de afastar a pena de demissão nos casos previstos e na situação em concreto.
A não ser que as atenuantes relevassem tão-somente ao nível da apreciação da inviabilização da relação funcional. Mas, se assim fosse, a norma do art. 240º já não poderia ser aplicada quando se concluísse por essa inviabilização.
Com isto, ficamos sem saber, qual a interpretação da entidade recorrida sobre a necessidade de aplicação de uma pena de demissão ás situações ali previstas, se essa norma pode ser afastada nesses casos e, assim, a que nível jogaram as atenuantes evidenciadas.
Somos, assim, a pronunciarmo-nos no sentido de não se se alcançar exactamente o processo cognoscitivo da entidade recorrida, no que ao quadro atenuativo concerne, questão que entronca na exacta delimitação do alcance da norma do artigo 240º do EMFSM.
4. Discorda o recorrente da sanção aplicada.
Alega o recorrente que houve violação do princípio da proporcionalidade.
De certa forma, esta questão já acima se mostra abordada.
O artigo 219.° do EMFSM estipula qual a escala de penas a aplicar aos militarizados pelas infracções disciplinares cometidas:
As penas aplicáveis aos militarizados pelas infracções disciplinares que cometerem são as seguintes:
a) Repreensão verbal;
b) Repreensão escrita;
c) Multa até 25 dias;
d) Suspensão de 26 a 120 dias;
e) Suspensão de 121 a 240 dias;
f) Aposentação compulsiva;
g) Demissão.
O artigo 238.° do EMFSM, declara quais os factos violadores de deveres funcionais cometidos pelo militarizado aos quais se aplicam as penas de aposentação compulsiva e demissão, assim prevendo:
1. As penas de aposentação compulsiva e de demissão são aplicáveis, em geral, por infracções disciplinares que inviabilizam a manutenção da relação funcional.
2. As penas referidas no número anterior são aplicáveis ao militarizado que, nomeadamente:
a) Agredir, injuriar ou desrespeitar gravemente superior hierárquico, colega, subordinado ou terceiro, em local de serviço ou em público;
b) Usar de poderes de autoridade não conferidos por lei ou abusar dos poderes inerentes às suas funções excedendo os limites do estritamente necessário, quando seja indispensável o uso dos meios de coerção ou de quaisquer outros susceptíveis de ofenderem os direitos do cidadão;
c) Encobrir criminosos ou prestar-lhes qualquer auxílio que possa contribuir para frustrar ou dificultar a acção da justiça;
d) Por virtude de falsas declarações causar prejuízo a terceiros ou favorecer o descaminho de armamento;
e) Praticar ou tentar praticar acto demonstrativo da perigosidade da sua permanência na instituição ou acto de desobediência grave ou de insubordinação, bem como de incitamento à desobediência ou insubordinação colectiva;
f) Praticar de forma frustrada, tentada ou consumada crime de furto, roubo, burla, abuso de confiança, peculato, concussão, extorsão, peita, suborno e corrupção, associação de malfeitores, consumo e tráfico de estupefacientes, falsificação de documentos e pertença a sociedade secreta;
g) Tomar parte ou interesse, directamente ou por interposta pessoa, em qualquer contrato celebrado ou a celebrar por qualquer serviço da Administração Pública;
h) Violar segredo profissional ou cometer inconfidência de que resulte prejuízo para o Território ou para terceiros;
í) Se constituir na situação de ausência ilegítima durante 5 dias seguidos ou 10 interpolados, dentro do mesmo ano civil;
j) Aceitar, directa ou indirectamente, dádiva, gratificação ou participação em lucros ou outras vantagens patrimoniais, em resultado do lugar que ocupa, ainda que sem o fim de acelerar ou retardar qualquer serviço ou expediente;
I) Abusar habitualmente de bebidas alcoólicas ou consumir ou traficar estupefacientes ou substâncias psicotrópicas;
m) For cúmplice ou encobridor de qualquer crime previsto nas alíneas anteriores;
n) Praticar, ainda que fora do exercício das suas funções, acto revelador de ser o seu autor incapaz ou indigno de exercer o cargo ou que implique a perda da confiança geral necessária ao exercício da função.
Por seu turno, o artigo 240º duplica a previsão de algumas daquelas infracções, estatuindo:
A pena de demissão é aplicada ao militarizado que:
a) Tiver praticado qualquer crime doloso punível com pena de prisão superior a três anos, com flagrante e grave abuso da função que exerce e com manifesta e grave violação dos deveres que lhe são inerentes;
b) Tiver praticado, ainda que fora do exercício das funções, crime doloso punível com pena de prisão superior a 3 anos que revele ser o seu autor incapaz ou indigno da confiança necessária ao exercício da função;
c) Praticar ou tentar praticar qualquer acto previsto nas alíneas c), e), f), g), i), j) e l) do n.º 2 do artigo 238.º
Verifica-se, assim, que, nos termos da al. i) do n.º 2, se considera que as referidas penas são aplicáveis ao militarizado que "se constituir na situação de ausência ilegítima durante 5 dias seguidos ou 10 interpolados, dentro do mesmo ano civil".
Integrada a materialidade objectiva da previsão típica da aplicação da referida demissão, importaria analisar se a falta cometida inviabiliza a manutenção da relação funcional, pressuposto da aplicação da pena de aposentação compulsiva e de demissão, conforme previsto no artigo 238º, nº1 do EMFSM. Só que não vem posta em causa a inviabilização da relação funcional, mas apenas a concreta pena de demissão.
Com isto estaremos a entrar na apreciação da justeza ou adequação da pena aplicada à gravidade da conduta e à censura que ela merece.
A pena de demissão ou de aposentação compulsiva não é de aplicação automática, só podendo ser cominada se os factos revelarem um carácter censurável susceptível de inviabilizar a manutenção da relação funcional - artigo 238º, nº 1 do EMFSM.
Trata-se de um conceito indeterminado que a Administração deverá preencher e concretizar através de juízos de prognose assentes na factualidade apurada e em cuja fixação goza de grande liberdade de apreciação, sendo que só os erros manifestos de apreciação na determinação de tais juízos importam violação de lei que ao tribunal cabe sindicar.1 A qualificação dos factos como infracção disciplinar e a sua integração ou subsunção na cláusula geral punitiva é contenciosamente sindicável. Só não é contenciosamente sindicável a fixação da pena disciplinar dentro do escalão respectivo, não podendo o juiz sobrepor o seu poder de apreciação ao da autoridade investida do poder disciplinar, já que, neste domínio, a intervenção do juiz fica apenas reservada aos casos de erro grosseiro, ou seja, àquelas circunstâncias em que se verifica uma notória injustiça ou desproporção manifesta entre a sanção aplicada e a falta cometida.2
O poder disciplinar é discricionário, muito embora tenha aspectos vinculados, sendo um deles o que se relaciona com a qualificação jurídica dos factos reais.3
Vem assacada ao recorrente a violação do dever de assiduidade que afecta gravemente a confiança e descredibiliza a corporação, razões que, aliás, nem se avançam no despacho, mas não deixamos de as ter por consideradas, visto o relatório do processo disciplinar.
De todo o modo, não se deixará de considerar esta análise despicienda se se vier a concluir que a pena de demissão é aquela que devia ter sido aplicada, face ao disposto no artigo 240º do EMFSM, excluindo-se a possibilidade de alternativa da aposentação compulsiva.
É aqui que está o cerne desta questão.
No caso, à primeira vista, face ao disposto no n.º 2 do art. 238º do EMFSM, a proporcionalidade da punição não deve deixar de ser equacionada, ainda que perante as penas consideradas no mesmo escalão, face à opção entre uma das alternativas possíveis aplicáveis à falta cometida: demissão ou aposentação compulsiva.
Ainda que aplicáveis à mesma falta disciplinar, não deixam de possuir natureza e gravidades bem diferentes. Assim sendo, haveria sempre que ter em conta uma relação de adequação e proporcionalidade que deve existir entre a sanção aplicada e a situação a sancionar, não fora o legislador entender que, em certos casos, já não há alternativa possível.
5. Vejamos, previamente, os princípios que devem enformar o direito disciplinar e da concatenação entre o Processo Disciplinar e o Processo Penal.
Parte-se do princípio de que o Direito Disciplinar não é um veículo de repressão mas um instrumento de recuperação da capacidade funcional da Administração, transitoriamente abalada pela violação de um dever.
Tendo uma natureza essencialmente reparadora, em parte alguma se escolhe o processo penal como tábua de regras aplicáveis ao processo disciplinar em caso de lacuna ou omissão, donde não se ter aquele como subsidiário deste, tal como acolhido, na Doutrina e Jurisprudência de Macau.4
Como padrão de referência, talvez seja prudente, como ensina o Cons. Leal-Henriques, preencher o buraco carente de regulamentação, atentando nas finalidades do expediente em que se traduza a reposição da normalidade da máquina administrativa, dentro de uma informalidade que o legislador não deixou de imprimir ao sistema, não descurando os princípios do procedimento administrativo e garantindo os direitos individuais do trabalhador envolvido.5
Podemos, pois, dizer, como já afirmado nesta sede, que o direito adjectivo penal não é subsidiário do processo disciplinar, se bem que os seus princípios enformadores devam ser acolhidos e acatados neste procedimento.6
Ora, um desses princípios não pode deixar de ser o princípio da culpa e da proporcionalidade, na exacta medida em que a sanção aplicada deve reflectir o grau de culpa e da gravidade da conduta.
Isto mesmo já foi afirmado pelo V.º TUI, enquanto se disse: “A aplicação pela Administração de penas disciplinares, dentro das espécies e molduras legais, é, em princípio, insindicável contenciosamente, salvo nos casos de erro manifesto, notória injustiça ou violação dos princípios gerais do Direito Administrativo como os da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade. A pena disciplinar fixada deve corresponder ao grau do desvalor da conduta do infractor, tendo em conta todas as circunstâncias relacionadas com a prática da infracção. Daí que a pena deve ser proporcional à gravidade da conduta disciplinarmente ilícita”, devendo a pena ser proporcional à gravidade da conduta disciplinarmente ilícita.
Nem precisamos, pois, de recorrer à abundante Jurisprudência Comparada que vai nesse mesmo sentido. Ao proceder à qualificação jurídica dos factos apurados em sede do processo disciplinar a Administração não actua no exercício de poderes discricionários, mas em “sede das penas disciplinares o princípio da proporcionalidade postula a adequação da pena imposta à gravidade dos factos apurados” e a medida punitiva a aplicar deverá, assim, ser aquela que, sendo idónea aos fins a atingir, se apresente como menos gravosa para o arguido.7
Aliás, este princípio não se deixa de extrair do próprio EMFSM, em particular do artigo 232º, que estipula: “Na aplicação das penas atender-se-á aos critérios gerais enunciados nos artigos seguintes, à natureza e gravidade da infracção, à categoria ou posto do infractor, ao grau de culpa, à sua personalidade, ao seu nível cultural e a todas as circunstâncias que militem contra ou a favor do arguido.”
6. Interpretação do artigo 240ª do EMFSM
À luz dos princípios acima enunciados há que interpretar o artigo 240º do EMFSM e aqui, confrontados com o circunstancialismo do caso concreto, vemo-nos forçados a ir mais fundo do que a análise a que procedemos anteriormente, onde enunciámos uma interpretação que apontava para a injuntividade e taxatividade da norma, isto é, nos casos ali expressamente previstos, não havia outra alternativa, senão a de aplicar a pena de demissão.8 Esta, a realidade nua e crua, perante casos sem os contornos carentes de maior atenção e a bulir com critérios de equidade, adequação e proporcionalidade, como é o caso “sub judice”.
Aquela interpretação, anteriormente suscitada, não deixa de conduzir à consagração de uma pena fixa que vai ao arrepio das normas e princípios enformadores do direito disciplinar, tal como acima visto, mas pior do que ser fixa é a não contemplação da alternatividade que a própria lei comporta.
Tal interpretação choca manifestamente com o princípio da proporcionalidade, erigido nalguns ordenamentos a foros constitucionais, mas no nosso ordenamento não deixa de se traduzir num princípio geral do direito administrativo, do direito penal, do direito disciplinar, mesmo especialmente no âmbito do direito disciplinar das Forças de Segurança.
Aliás, não se deixa de observar que não há norma semelhante no ETAPM e importa não esquecer que o artigo 256º do EMFSM não deixa de ter aquele por subsidiário:
“O processo disciplinar rege-se pelas normas constantes do presente Estatuto e, na sua falta ou omissão, pelas regras aplicáveis do regime disciplinar vigente para os trabalhadores da Administração Pública de Macau e da legislação processual penal.”
Assim sendo, duas opções se nos antolham: ou se desaplica a norma ou se busca uma interpretação mais compaginável ainda com a sua letra e o seu espírito.
Inclinamo-nos para esta segunda opção, que vai no sentido de se operar uma interpretação restritiva da expressão “é aplicável” que deve ser lida como “é especialmente aplicável” ou “em princípio aplicável”, o que permite que, em casos extremos, como é o presente, se possa não aplicar a demissão e optar por uma outra pena, aliás igualmente considerada no diploma.
Esta opção passa a ganhar algum sentido se compararmos a norma com um diploma paralelo num ordenamento que nos serviu de matriz, como é o caso português, onde o Estatuto Disciplinar da PSP, Lei n.º 7/90, de 20 de Fevereiro, no artigo 49º, utiliza a expressão “A pena de demissão é especialmente aplicável…”.
Faz tanto mais sentido, enquanto no ETAPM não existe norma semelhante, não obstante estarmos, aqui, no nosso caso, perante um direito especial próprio deste ramo de servidores.
A não dar este sentido interpretativo à norma teríamos de concluir pela inutilidade de duas disposições: a do n.º 1 do art. 238º, pois se a demissão fosse sempre aplicável, não faria sentido uma norma a dizer que ela só é possível quando ocorra inviabilização da relação funcional; a do n.º 2 do artigo 238º que prevê a possibilidade de aplicação de aposentação compulsiva às situações que vêm a ser repetidas no art. 240º.
Nem seria possível atender ao grau de culpa e a todo o circunstancialismo.
Posto isto, vamos prosseguir.
7. Terá existido erro grosseiro na aplicação da demissão, na medida em que sendo a demissão e a aposentação ambas aplicáveis ao militarizado que incorra naquela situação de ausência injustificada, dependerá a aplicação da pena de aposentação compulsiva de o militarizado reunir 15 anos de tempo de serviço, pena disciplinar esta que não lhe foi aplicada?
Concorrendo as várias circunstâncias atenuantes não devia o Comando ter-lhe aplicado a sanção mais grave, sustenta o recorrente.
Vejamos.
O artigo 239.° do EMFSM dispõe:
1. A pena de aposentação compulsiva é especialmente aplicável nos casos em que se conclua pela incompetência profissional ou falta de idoneidade moral para o exercício das funções.
2. Em qualquer caso, a pena de aposentação compulsiva só poderá ser aplicada se o militarizado reunir, pelo menos, 15 anos de tempo de serviço, sem o que lhe será aplicada a pena de demissão.
É verdade, já o afirmámos, que o recorrente preenche esta condição (bastante mais do que quinze anos de tempo de serviço), só que acontece que essa é uma possibilidade, não uma imposição, podendo a Administração optar por uma ou por outra das penas, ficando-se no domínio da discricionariedade sindicável nesse domínio, apenas ao nível do erro grosseiro, manifesto ou em função da desproporcionalidade da medida tomada.
Se observarmos os pertinentes preceitos legais logo se constata que o EMFSM, em sede das penas expulsivas, contém algo mais do que o ETAPM.
É assim que para além de uma norma geral, em que ao respectivo tipo tanto cabe a demissão como a aposentação compulsiva - cfr. art 315º do ETAPM - também o EMFSM , para além do artigo 238º, contém a norma do artigo 239º e do artigo 240º.
Será então possível à Administração optar entre a pena de demissão e a pena de aposentação compulsiva, à míngua de uma previsão típica específica para cada uma dessas sanções?
Tal questão coloca-se igualmente em face do artigo 315º do ETAPM. A este propósito, perante a previsão conjunta das duas penas, há que saber qual a pena aplicável a uma dada infracção perante um concurso de penas previstas para uma mesma conduta.
A entidade recorrida defende que se trata de uma mera faculdade, posição a que só se adere se com tal expressão se quer significar poder discricionário de escolha e não já uma mera arbitrariedade. Tal faculdade há-de ter necessariamente os limites decorrentes da adequação da sanção à responsabilidade do arguido.
Nos casos em que o agente esteja em condições de beneficiar de uma pensão, então, aí, pode ser considerada a possibilidade de se optar pela aposentação compulsiva, sempre que estejam reunidos os respectivos requisitos, designadamente o dos 15 anos de serviço contados para aquele efeito – cfr. art. 262º, nº 1, d) e 315º,nº3 do ETAPM.
Não se acompanha, assim, o entendimento de que há um direito automático à aposentação nas situações em que estejam preenchidos tais requisitos.9
Procedendo à respectiva interpretação, desde logo, a expressão poderá inculca no sentido de uma faculdade - discricionária e já não arbitrária -, enquanto a parte final significará que, na ausência dos 15 anos de serviço, será aplicada a pena de demissão por não estarem preenchidos os pressupostos da aposentação.
Se é certo que as questões da aposentação e as necessidades disciplinares se põem em planos diversos, também pode acontecer que o legislador, nas situações mais graves, tenha erigido em própria sanção a perda de quaisquer pensões a que o agente tivesse direito, não se contentando com a mera aplicação da pena expulsiva circunscrita à aposentação compulsiva.
Este é o entendimento que se colhe em termos de direito comparado, no ordenamento português, onde a lei de Macau bebeu inspiração. Na verdade a Administração não está vinculada à aplicação da pena de aposentação compulsiva pelo simples facto de o arguido preencher o requisito de tempo exigido pelo artigo 262º do ETAPM.10 E sobre o ordenamento de Macau pronunciou-se o ac. do STA, de 19/2/97, em acórdão relatado pelo Cons. Rui Pinheiro, onde se pode ler: “O poder disciplinar conferido pelo art. 315º do ETAPM comporta um momento discricionário e outro vinculado. A vinculação legal não reside na obrigatoriedade da aplicação da pena de aposentação compulsiva se o funcionário tiver mais de 15 anos de serviço, mas na obrigatoriedade da aplicação da pena de demissão se os não tiver ainda completado.”11
Aliás, o preâmbulo do Dec. Lei 41/86/M, onde se previa o regime da possibilidade de aplicação da pena de aposentação compulsiva quando o infractor detivesse pelo menos 15 anos de serviço, no seu artigo 1º, regime hoje integrado no actual artigo 239º do EMFSM, estabelecia o seguinte:
“A aplicação de pena expulsiva a funcionários ou agentes da Administração reveste-se de particular melindre, na perspectiva de acautelar os interesses do arguido sem ferir a dignidade e prestígio da Administração.
Assim, a Administração, no uso do seu poder discricionário, opta por uma das penas expulsivas, a de aposentação compulsiva ou a de demissão, atendendo, por um lado, à gravidade da infracção e, por outro, aos elementos que relevem a favor do arguido.
No entanto, aquele poder discricionário está necessariamente limitado pelo facto de o arguido não reunir o tempo de serviço legalmente exigido para que lhe seja imposta a pena de aposentação compulsiva.”
De qualquer modo, importa salientar que o regime do ETAPM é diferente do regime do EMFSM, regendo-se este por regras próprias, sendo mais exigente, com uma disciplina mais rígida e um controle mais apertado sobre os deveres impostos aos respectivos agentes
Na perspectiva da integração da infracção como prevista no artigo 239º do EMFSM, a lei afasta-a, em casos reputados mais graves, se se verificar uma situação que aponte, em princípio, para a pena de demissão, como a que resulta de ausência ilegítima durante 5 dias seguidos, face ao disposto no artigo 240º do EMFSM e dentro do quadro interpretativo do artigo 240º acima ensaiado.
8. Ainda do apontado erro grosseiro na escolha da pena.
Elegendo o artigo 256.° do EMFSM a legislação processual penal e o ETAPM, enquanto direito supletivo, ex vi art. 277º a legislação penal como subsidiariamente aplicável, sendo o direito disciplinar um direito punitivo, sancionatório, relativamente novo, sempre se entendeu por bem o recurso a ramos do direito mais acabados, como o direito penal e processual penal para o completar.
No ramo do direito penal impera o princípio geral, segundo o qual, se ao crime forem aplicáveis duas penas de gravidade diversa, permitindo a mais leve, a realização de forma adequada e suficiente das finalidades da punição, deve o julgador optar por esta última (v. como concretização do referido princípio o art. 64.° do Código Penal), donde dever ter sido aplicada a pena alternativa mais leve.
É aqui que se começa a delinear uma opção que choca com os sentimentos que apelam à consideração de um quadro atenuativo de relevo – faltas por cinco dias, situação altamente incapacitante, conhecimento superior da doença, tempo de serviço, louvores, situação da família com três filhos a estudar e que configuram erro grosseiro de ponderação e uma medida desproporcionada e desadequada a uma alternativa que era possível.
9. Com o que se vem dizendo, não deixámos de entrar já no campo da imputada violação do princípio da proporcionalidade.
O recorrente situa tal violação na desconformidade entre a demissão e o circunstancialismo atenuante, pugnando pela aposentação compulsiva.
Traduz-se este princípio na adequação dos meios utilizados em relação aos fins obtidos, impedindo-se assim a adopção de medidas desproporcionais, excessivas ou desequilibradas.
O princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 5º do CPA, deve ser entendido como uma ideia de variação correlativa de duas grandezas conexionadas, ou seja, os benefícios decorrentes da decisão administrativa para o interesse público prosseguido pelo órgão decisor e os respectivos custos, medidos pelo inerente sacrifício de interesses dos particulares, seja na sua vertente de exigibilidade e adequação na prossecução do interesse público, por um lado e na relação custos-benefícios, por outro.12
A proporcionalidade de uma pena disciplinar só pode ser impugnada com base em erro grosseiro ou manifesta violação do princípio da proporcionalidade.13
Enquanto conceito jurídico-administrativo, na medida em que corresponda a uma ideia de variação correlativa de duas grandezas, há-de traduzir os benefícios decorrentes da decisão administrativa para o interesse público prosseguido pelo órgão decisor e os respectivos custos, medidos pelo inerente sacrifício dos particulares.
Ora, no caso em apreço, descortina-se a prossecução do interesse público, a adequação do comportamento à prossecução desse interesse público, mas já não se compreende o sacrifício imposto dos interesses privados, em função da importância daquele interesse público que se procura salvaguardar.14
Pensa-se que seria de atender àquele acervo atenuativo – a doença, a incapacitação, o sofrimento, as crianças – tudo a apontar para a relevância de uma situação humana carente de contemplação e reclamando compreensão.
Entramos aí num campo muito sensível, onde não se podem misturar as emoções com os juízos de valor em função dos diferentes interesses em jogo e com as esferas de competência dos diferentes órgãos de poder, mas não podemos esquecer que é a própria lei que consente essa alternativa.
Tudo visto e ponderado, resta decidir no sentido da procedência do recurso.
V - DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em julgar procedente o presente recurso contencioso e, em consequência, em anular o acto recorrido.
Sem custas, por estar isenta a entidade recorrida.
Macau, 21 de Maio de 2015
João Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Estive presente
Mai Man Ieng
1 - Ac. STA, proc. 41159, de 24/9/98, http://www.dgsi.pt
2 - Acs STA de 11/6/86, in BMJ 362, 434; de 5/6/90, in BMJ 398,355; de 2/10/90, in BMJ 400, 712; de 23/3/95, proc. 32586; proc. 41159 de 24/9/98, entre outros
3 - Ac. do TCAS, proc. 2118/98, http//www.dgsi.pt
4 - Leal-Henriques, Manual de Direito Disciplinar, CFJJ, 44 e Ac. TSI n.º 144/00, de 22/02/01
5 - Cfr. ob. e local citados.
6 . Ac. citado, Acs. do TSI, tomo I, 64
7 - Ac. STA, de 1/7/1999, Proc. n.º 038460
8 - Ac. TSI, de 5/2/2013, Proc. n.º 1004/2012
9 - Pinheiro Torres, Relação Jurídica de Emprego Público em Macau, 2000, 164 e 165
10 -Ac do STA , proc. 5263/01,de 29/11/2001; proc.41158, de 4/11/98; proc. 41088, de 17/2/99; Parecer do Conselho Consultivo da PGR, P000071988, de 13/10/88, in http://www.dgsi.pt
11 - STA, proc.30356, http://www.dgsi.pt
12 - Int. ao Dto Adm., João Caupers, 6ª ed., 80
13 - Ac do STA de 28/9/99 – Rec. 40991, http//www.dgsi.pt
14 - João Caupers, in Int. ao Dto Administ., 2001, 80
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502/2014 41/41