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Processo nº 682/2013
Data do Acórdão: 28MAIO2015


Assuntos:

Impugnação da matéria de facto
Responsabilidade contratual


SUMÁRIO

1. Pretendendo o recorrente impugnar a matéria de facto sem que tenha cumprido o ónus de especificação a que se refere o artº 599º/1 do CPC, é de rejeitar o recurso nesta parte.

2. Quem não é parte contraente não fica contratualmente vinculado pelo contrato.


O relator


Lai Kin Hong


Processo nº 682/2013


Acordam em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I

No âmbito dos autos da acção ordinária, registada sob o nº CV1-10-0092-CAO, do 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base, foi proferida a seguinte sentença:

Empresa de Investimento A Limitad, sociedade registada em Macau, melhor identificada na petição inicial (doravante designada por AUTORA – A.) intentou neste Tribunal Judicial de Base a presente acção ordinária contra B, do sexo masculino, titular do Bilhete de Identidade de Residente de Hong Kong, e C, do sexo masculino, residente de Macau, ambos melhor identificados nos autos (doravante designados por 1º e 2º RÉUS – RR.), com os fundamentos consignados na petição inicial de fls. 2 e seguintes, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
*
Concluindo, pede, a final, que seja a presente acção julgada procedente, e se condene os RR. a pagar-lhe a quantia de MOP$18.000.000,00, a título de indemnização, e devolver-lhe o montante de HKD$2.200.000,00, por causa do não cumprimento do acordado, ambas as quantias serão acrescidas de juros legais até integral e efectivo pagamento.
*
Citados os RR., apresentou o 2º R. contestação, tendo o mesmo invocado excepções peremptórias e impugnado os factos articulados pelo A., pugnando pela improcedência da acção com a consequência absolvição do R. dos pedidos.
Por o 1º R. se encontrar em parte incerta, foi o mesmo citado editalmente, e representado pelo Digno Magistrado do Ministério Público para todos os efeitos legais.
*
Oportunamente, realizou-se a audiência de discussão e julgamento com observância das formalidades legais.
***
II) FUNDAMENTOS DE FACTO E DE DIREITO
  Face aos documentos e à prova produzida na audiência, resulta provada a seguinte matéria fáctica com interesse para a decisão da causa:
  A A. “Empresa de Investimento A Limitada”, encontra-se registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis de Macau sob o n.º…, SO, fls…, livro…, e tem sede social na…, Freguesia da Sé, em Macau, em conformidade com a certidão de registo comercial junta a fls. 11 a 14 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. (A)
  O 2º R. C encontra-se registado como empresário comercial, pessoa singular, n.º…, pela AP…., sob a firma C E.I, nome de empresa Agência Comercial E Macau, em conformidade com a certidão de registo comercial junta a fls. 136 a 138 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. (B)
  O 1º R. B foi titular das licenças, emitidas pela Capitania dos Portos de Macau, até 21/12/2008, para exploração comercial da ponte cais n.º..., situada na Avenida de Demétrio Cinatti (Porto Interior), Macau, em conformidade com os documentos junto aos autos a fls. 78, 143 a 156, cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzidos. (C)
  O 2º R. é titular de uma licença anual, emitida pela Capitania dos Portos de Macau, com prazo de validade de 01/01/2011 até 31/12/2011, para exploração comercial da aludida ponte cais n.º..., em conformidade com o documento junto aos autos a fls. 81, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. (D)
  Em 23 de Agosto de 2006, D e o 2º R. celebraram o acordo escrito constante dos autos a fls. 53 e 54, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. (E)
  A Ponte-Cais n.º... é composta fisicamente por um edifício com o total de quatro andares, isto é, rés-do-chão com as lojas A, B, C, D, E e F, 1º, 2º e 3º andares, e ancoradouro ou lugar de atracação. (F)
  Por acordo escrito, celebrado em 14 de Abril de 1988, entre o 1º R. e D, este em representação da A., os direitos de exploração e os interesses comerciais do ancoradouro da ponte cais n.º... foram transferidos para a segunda. (1º)
  As partes no negócio aludido em 1º acordaram que o preço da transferência de tais direitos de exploração e interesses comerciais para a A. seria de HKD$2.200.000,00. (2º)
  Quantia que a A. entregou naquela data ao 1º R. (3º)
  Acordaram as partes que a partir daquela data, a A. ficava com todos os direitos de exploração sobre o ancoradouro da ponte cais n.º.... (4º)
  E ficava com a responsabilidade de pagar todas as taxas ao Governo, relacionadas com a respectiva exploração. (5º)
  Ficou acordado entre A. e 1º R. que os registos relacionados com a Licença de Exploração na Capitania dos Portos de Macau seriam transferidos oportunamente para a primeira. (6º)
  A. e 1º R. acordaram ainda que a primeira se obrigava a dividir o seu capital social em duas quotas, cabendo 70% para o sócio “D” e 30% para o sócio “B”. (7º)
  Posteriormente, por documento escrito assinado em 5 de Maio de 1989, o 1º R. declarou ceder a D mais 20% das suas quotas na A. (8º)
  Ficou acordado entre as partes, que os lucros da A. na direcção e exploração do ancoradouro da ponte cais n.º... passariam a ser repartidos considerando a nova divisão de quotas. (9º)
  Ficou ainda acordado entre as partes que seria D a assumir a gestão e administração da A. quanto aos negócios relacionados com o ancoradouro da ponte cais n.º.... (10º)
  A A. deteve ao longo dos anos a direcção e a gestão efectivas do ancoradouro da ponte cais n.º..., até 31/12/2008. (11º)
  Antes de 30/08/2008, o 2º R. propôs a D a compra de todo o negócio comercial que envolve tal local. (13º)
  O 2º R., em carta enviada ao legal representante da A., D, declarou desistir da aquisição de tal negócio pelo valor de HKD$3.000.000,00 (três milhões de dólares de Hong Kong). (14º)
  Em 7 de Dezembro de 2009, os RR. enviaram à Capitania dos Portos de Macau, dois documentos, assinado por ambos, manifestando a vontade de transmitir a Licença da ponte cais a favor do 2º R. e a requerer a desistência da transferência da Licença para a A. (17º)
  Provado apenas o teor da resposta dada ao quesito 13º. (18º)
  O 2º R. através da sua empresa comercial, exerce a sua actividade comercial na Ponte-Cais n.º..., há mais de 10 anos. (20º)
  O 1º R. outorgou uma procuração a favor do 2º R. conforme o doc. de fls. 342 e 343 junto aos autos, e uma outra procuração conforme o doc. de fls. 226 a 228. (21º)
  *
  O Tribunal é o competente e o processo o próprio.
  As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas, e têm interesse processual.
  Não existe outras nulidades, excepções nem questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
  *
  Em sede do enquadramento jurídico, cumpre analisar os factos e aplicar o direito.
  1) Violação do contrato
  No caso vertente, a A. intenta a presente acção contra os RR. B e C, alegando que por acordo celebrado com o primeiro, aquele cedeu os direitos de exploração e os interesses comerciais do ancoradouro da ponte cais nº…, prometendo aquele ora 1º R. que iria transferir ainda para o nome da A. a Licença de exploração da dita ponte cais junto à Capitania dos Portos de Macau, mas referindo que o 1º R. violou o contratualmente acordado, tendo actuado em conjugação de esforços com o 2º R. no sentido de formalizar a mudança da Licença a favor deste último, causando à A., em consequência, prejuízos patrimoniais no montante de MOP$18.000.000,00.
  Por ser mais fácil, começamos pelo 2º R. C.
  Estatui-se nos termos do artigo 335º, nº 1 do Código Civil de Macau que “àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.”
  Nos presentes autos, vem pedir a A. que sejam os RR. condenados a pagá-la a quantia de MOP$18.000.000,00, a título de indemnização, e devolvê-la a quantia de HKD$2.200.000,00 que foi paga ao 1º R.
  In casu, por um lado, provado que os acordos escritos e referidos nos autos foram outorgados pela A. e 1º R., e por outro, provado não está qualquer actuação ou comportamento indevido do 2º R., daí que, por não lograr a A. provar os factos constitutivos por si alegados, sem necessidade de delongas considerações, não resta outra solução senão julgar improcedente a acção em relação ao 2º R. C.
  *
  Quanto à responsabilidade do 1º R. B, salvo o devido respeito por melhor opinião, julgo que a A. tem alguma razão.
  Senão vejamos.
  Resulta da matéria dada como provada que entre A. e 1º R. foram celebrados dois acordos, nos termos dos quais este cedeu àquela os direitos de exploração e os interesses comerciais do ancoradouro da ponte cais n.º..., tendo as partes acordado que o preço da transferência de tais direitos era de HKD$2.200.000,00, acordando ainda as partes que a partir daquela data, a A. ficava com todos os direitos de exploração sobre o ancoradouro da ponte cais n.º..., ficando o 1º R. obrigado a transferir para aquela os registos relacionados com a Licença de exploração na Capitania dos Portos de Macau.
  Segundo o princípio da liberdade contratual previsto no artigo 399º do Código Civil de Macau, “Dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste Código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver”.
   Uma vez celebrado o contrato, este deve ser pontualmente cumprido, sob pena de o devedor faltoso vir a tornar-se responsável pelos prejuízos causados ao credor (artigos 400º, nº 1 e 787º do Código Civil).
  O devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado (artigo 752º, nº 1 do Código Civil de Macau).
  No caso em apreço, provado está que embora o 1º R. tenha cedido à A. os direitos de exploração e os interesses comerciais do ancoradouro da ponte cais n.º..., e prometido transferir para a A. os registos relacionados com a Licença de exploração na Capitania dos Portos de Macau, mediante o preço de HKD$2.200.000,00, mas deixou com a sua conduta de cumprir o acordo firmado com a A., precisamente tendo apresentado requerimento junto à Capitania dos Portos de Macau, para requerer a desistência da transferência da Licença para a A., e em simultâneo, requerer a transmissão da Licença da ponte cais a favor do 2º R.
  Assim, uma vez provado que a Licença se encontra registada em nome do 2º R., salvo melhor opinião, estamos perante uma situação de impossibilidade de cumprimento prevista nos termos do artigo 790º do Código Civil.
  Aí se consigna que “1. Tornando-se impossível a prestação por causa imputável ao devedor, é este responsável como se faltasse culposamente ao cumprimento da obrigação. 2. Tendo a obrigação por fonte um contrato bilateral, o credor, independentemente do direito à indemnização, pode resolver o contrato e, se já tiver realizado a sua prestação, exigir a restituição dela por inteiro.”
  Cita-se, em termos de direito comparado, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13 de Julho de 2004, em que se refere que “de qualquer modo, a resolução do contrato fundada na lei pressupõe que uma das partes falte culposamente ao seu cumprimento e a outra o tenha cumprido ou diligenciado pelo seu cumprimento. Assim, pode incluir-se na falta de cumprimento ou inexecução obrigacional lato sensu, para além da impossibilidade de cumprimento, o incumprimento definitivo propriamente dito, o incumprimento definitivo oriundo da conversão da situação de mora e a recusa categórica de cumprir.”
  No caso concreto, verificada a falta de cumprimento da obrigação a que o 1º R. ficou adstrito, e resultando tal obrigação dum acordo bilateral, salvo melhor opinião, entendemos que para além do direito à indemnização, a A. pode pedir a resolução do contrato e exigir a restituição por inteiro da prestação que realizou.
  Ora, provado nos autos que na altura da outorga dos acordos entre A. e 1º R., aquela pagou e este recebeu, a título de preço, a quantia de HKD$2.200.000,00, portanto, é este valor que o 1º R. fica obrigado a restituir à A.
*
Finalmente, no tocante à indemnização invocada pela A., salvo o devido respeito por melhor opinião, julgo que aquela não logrou provar os pressupostos legais de que depende o exercício do respectivo direito.
Nos termos do artigo 477º do Código Civil de Macau, prevê-se que “1. Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação. 2. Só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei.”
Por outras palavras, o lesante só terá o dever de indemnizar quando se encontrarem verificados em simultâneo os pressupostos da responsabilidade civil previstos na disposição legal acima descrita, a saber, a ilicitude da conduta, culpa, dano, e nexo causal entre o facto e o prejuízo.
No caso sub judice, dúvidas de maior não existe de que o 1º R. violou os acordos por si firmados com a A., mas não deixa de ser verdade que não se logrou provar a existência de qualquer dano sofrido pela A. em virtude dessa falta de cumprimento por parte do 1º R., razão pela qual se julga improcedente a acção nesta parte.

*
  2) Juros
  Vem pedir ainda a A. a condenação dos RR. no pagamento dos juros.
  Prevê-se no artigo 787º do Código Civil de Macau que caso a obrigação não seja cumprida o devedor faltoso torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor.
  No caso de simples mora, “constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor”, e “o devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efectuada no tempo devido” (artigo 793º do Código Civil de Macau).
  Assim, o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir (artigo 794º, nº 1 do Código Civil) ou quando tiver verificado alguma das situações previstas nos termos do artigo 794º, nº 2 do mesmo Código, a saber, se a obrigação tiver certo prazo, se provier de facto ilícito ou se o próprio devedor impedir a interpelação.
  Na obrigação pecuniária a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora (artigo 795°, n° 1 do Código).
  Os juros devidos são os juros legais, salvo se antes da mora for devido um juro mais elevado ou as partes houverem estipulado um juro moratório diferente do legal (artigo 795º, nº 2).
  No caso vertente, provado está que o 1º R. só foi interpelado para pagar com o acto de citação, daí que só se contabilizam os juros de mora a partir de citação até efectivo e integral pagamento, nos termos dos artigos 794º, nº 1 e 795º, nº 1 e 2 do Código Civil de Macau.
***
III) DECISÃO
  Tudo exposto e nos fundamentos acima descritos, julgo parcialmente procedente a presente acção ordinária intentada pela A. Empresa de Investimento A Limitad contra o 1º R. B, condenando este a pagar à A. a quantia de HKD$2.200.000,00 (dois milhões e duzentos mil dólares de Hong Kong), convertível em MOP$2.269.300,00 (dois milhões duzentas e sessenta e nove mil e trezentas patacas), acrescida de juros de mora à taxa legal a contar de citação até integral e efectivo pagamento.
  No demais, absolvo os RR. dos restantes pedidos.
  Custas da acção pelos A. e 1º R., na proporção do decaimento.
  Registe e notifique.
  Transitada, remeta os autos à Secção Central para elaboração da conta final.

Não se conformando com o decidido, veio a Autora recorrer da mesma concluindo e pedindo:

1. A A. ora recorrente considera que a douta sentença proferida pelo Tribunal "AD QUO" Não teve em consideração quer a prova produzida pelos documentos que constam na certidão junta aos autos como Doc.nº2, nem a prova testemunhal em relação à qual agora se requer a V. Exas Venerandos Juizes "AD QUEM" que reapreciem em nova audição, ao abrigo do nº6 do artigo 613° do Código de Processo Civil.
2. O Tribunal "AD QUO", por considerar não haver prova suficiente, entendeu não haver lugar à indemnização pedida pela A. ora recorrente, quando, quer a prova documental, quer a prova testemunhal, são concludentes e apontam em sentido contrário.
3. Bem sabe a A. ora recorrente que o Tribunal "AD QUO", com base no art°558°do Código Civil, "Aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto."
Mas perante prova feita por documentos em certidão e perante a prova testemunhal feita, não pode a A. ora recorrente deixar de submeter à douta apreciação de V. Exas venerandos juízes, toda a prova produzida, em nome da verdade dos factos e da protecção do seu interesse pessoal.
4. É que, é difícil compreender como é que se decide que não há envolvimento do 2ºR no incumprimento do lºR, quando acompanhou todo este processo ao longo dos anos e quando assina em conjunto a carta enviada à Capitania dos Portos de Macau a requerer que a licença não seja transferida para a A. Ca A Lda.
5. E quando é O 2ºR que assina o contrato de arredamento com o Sr, D em representação da A. Cª A Lda e seu sócio maioritário, e não assinou esse mesmo contrato com o 1ºR B, pois sabia perfeitamente que o dono do negócio e representante da A.(Ca A Lda) era precisamente o Sr. D.
6. Com todo este envolvimento do 2ºR, em todas as fases dos factos relatados, "Apesar da apreciação livre dos mesmos" Não se pode concluir pelo não envolvimento e desconhecimento dos mesmos, por parte do 2ºR.
Antes pelo contrário, a conclusão deve ser pelo conhecimento dos mesmos factos, com actuação culposa e mesmo dolosa de ambos os R.R, o que os torna responsáveis e solidários pelo pagamento da indemnização pedida pela A. Ora recorrente.
Por tudo o que fica dito e mais com o douto suprimento de V. Exas Venerandos Juízes, vem a A. requerer a V. Exas a reapreciação da prova produzida, quer por documentos, quer pelas testemunhas, com a audição do que ficou dito em sede de julgamento, devendo ser alterada a douta sentença do Tribunal AD QUO para que em responsabilidade solidária o 1º e o 2ºR sejam condenados à devolução da quantia de HKD$2,2000,000.00 (Dois milhões e duzentos mil dólares de Hong Kong)- a que correspondem MOP$2.269.300,00 (Dois milhões duzentos e sessenta e nove mil e trezentas patacas) mais a indemnização de MOP.18,000,000.00(MOP Dezoito milhões), acrescidas de juros de mora à taxa legal, a contar da citação até integral e efectivo pagamento.
Assim decidindo, farão V. Exas Venerandos Juízes, a desejada e esperada justiça!

Ao recurso não responderam os Réus.
II

Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.

Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).

Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.

Em face das conclusões tecidas na petição do recurso, são as seguintes questões que constituem o objecto da nossa apreciação:


1. Da reapreciação da prova;

2. Da condenação solitária do 2º Réu; e

3. Da indemnização.


Na sentença ora recorrida, foi tida por assente a seguinte matéria de facto:

A A. “Empresa de Investimento A Limitada”, encontra-se registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis de Macau sob o n.º…, SO, fls…, livro…, e tem sede social na…, Freguesia da Sé, em Macau, em conformidade com a certidão de registo comercial junta a fls. 11 a 14 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. (A)
O 2º R. C encontra-se registado como empresário comercial, pessoa singular, n.º…, pela AP…, sob a firma C E.I, nome de empresa Agência Comercial E Macau, em conformidade com a certidão de registo comercial junta a fls. 136 a 138 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. (B)
O 1º R. B foi titular das licenças, emitidas pela Capitania dos Portos de Macau, até 21/12/2008, para exploração comercial da ponte cais n.º..., situada na Avenida de Demétrio Cinatti (Porto Interior), Macau, em conformidade com os documentos junto aos autos a fls. 78, 143 a 156, cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzidos. (C)
O 2º R. é titular de uma licença anual, emitida pela Capitania dos Portos de Macau, com prazo de validade de 01/01/2011 até 31/12/2011, para exploração comercial da aludida ponte cais n.º..., em conformidade com o documento junto aos autos a fls. 81, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. (D)
Em 23 de Agosto de 2006, D e o 2º R. celebraram o acordo escrito constante dos autos a fls. 53 e 54, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. (E)
A Ponte-Cais n.º... é composta fisicamente por um edifício com o total de quatro andares, isto é, rés-do-chão com as lojas A, B, C, D, E e F, 1º, 2º e 3º andares, e ancoradouro ou lugar de atracação. (F)
Por acordo escrito, celebrado em 14 de Abril de 1988, entre o 1º R. e D, este em representação da A., os direitos de exploração e os interesses comerciais do ancoradouro da ponte cais n.º... foram transferidos para a segunda. (1º)
As partes no negócio aludido em 1º acordaram que o preço da transferência de tais direitos de exploração e interesses comerciais para a A. seria de HKD$2.200.000,00. (2º)
Quantia que a A. entregou naquela data ao 1º R. (3º)
Acordaram as partes que a partir daquela data, a A. ficava com todos os direitos de exploração sobre o ancoradouro da ponte cais n.º.... (4º)
E ficava com a responsabilidade de pagar todas as taxas ao Governo, relacionadas com a respectiva exploração. (5º)
Ficou acordado entre A. e 1º R. que os registos relacionados com a Licença de Exploração na Capitania dos Portos de Macau seriam transferidos oportunamente para a primeira. (6º)
A. e 1º R. acordaram ainda que a primeira se obrigava a dividir o seu capital social em duas quotas, cabendo 70% para o sócio “D” e 30% para o sócio “B”. (7º)
Posteriormente, por documento escrito assinado em 5 de Maio de 1989, o 1º R. declarou ceder a D mais 20% das suas quotas na A. (8º)
Ficou acordado entre as partes, que os lucros da A. na direcção e exploração do ancoradouro da ponte cais n.º... passariam a ser repartidos considerando a nova divisão de quotas. (9º)
Ficou ainda acordado entre as partes que seria D a assumir a gestão e administração da A. quanto aos negócios relacionados com o ancoradouro da ponte cais n.º.... (10º)
A A. deteve ao longo dos anos a direcção e a gestão efectivas do ancoradouro da ponte cais n.º..., até 31/12/2008. (11º)
Antes de 30/08/2008, o 2º R. propôs a D a compra de todo o negócio comercial que envolve tal local. (13º)
O 2º R., em carta enviada ao legal representante da A., D, declarou desistir da aquisição de tal negócio pelo valor de HKD$3.000.000,00 (três milhões de dólares de Hong Kong). (14º)
Em 7 de Dezembro de 2009, os RR. enviaram à Capitania dos Portos de Macau, dois documentos, assinado por ambos, manifestando a vontade de transmitir a Licença da ponte cais a favor do 2º R. e a requerer a desistência da transferência da Licença para a A. (17º)
Provado apenas o teor da resposta dada ao quesito 13º. (18º)
O 2º R. através da sua empresa comercial, exerce a sua actividade comercial na Ponte-Cais n.º..., há mais de 10 anos. (20º)
O 1º R. outorgou uma procuração a favor do 2º R. conforme o doc. de fls. 342 e 343 junto aos autos, e uma outra procuração conforme o doc. de fls. 226 a 228. (21º)

Então apreciemos.

1. Da reapreciação das provas

A Autora, ora recorrente, pretende, com a reapreciação de todas as provas produzidas, ver alterada a parte da matéria de facto com vista à alteração da decisão de direito no sentido de passar a condenar solidariamente ambos os Réus a pagar-lhe a indemnização pelos danos causados no valor de MOP$18.000.000,00, para além da quantia já arbitrada na sentença ora recorrida.

Vejamos.

Se é verdade que, por força do princípio da livre apreciação das provas consagrado no artº 558º do CPC, como regra geral, o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, não é menos certo que a matéria de facto assente de primeira instância pode ser alterada nos termos e ao abrigo do disposto no artº 629º do CPC.

Diz o artº 629º/1-a) do CPC que a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pelo Tribunal de Segunda Instância, se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artº 599º, a decisão com base neles proferida.

Reza, por sua vez, o artº 599º, para o qual remete o artº 629º/1-a), ambos do CPC, que:
(Ónus do recorrente que impugne a decisão de facto)
1. Quando impugne a decisão de facto, cabe ao recorrente especificar, sob pena de rejeição do recurso:
a) Quais os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo nele realizado, que impunham, sobre esses pontos da matéria de facto, decisão diversa da recorrida.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação da prova tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar as passagens da gravação em que se funda.
3. Na hipótese prevista no número anterior, e sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe à parte contrária indicar, na contra-alegação que apresente, as passagens da gravação que infirmem as conclusões do recorrente.
4. O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 590.º

Para o efeito, alegou a recorrente na petição do recurso que:

……

31º. Pela prova testemunhal gravada, cuja audição por esse venerando Tribunal, se requer no presente recurso, nos termos do nº 6 do artº 613º do Código de Processo Civil, podemos verificar que a actividade comercial desenvolvida na ponte cais nº… é considerada de valor elevado e com lucros diários volumosos.
32º. Quer a actividade comercial desenvolvida nos quatro pisos do edifício, quer o movimento de embarcações que trabalham na carga e descarga do peixe, representam diariamente um volume financeiro de valor elevado.
O afastamento da A. ora recorrente, de todo este negócio diário, durante vários anos, representa um prejuízo bastante considerável e que está na base do pedido de indemnização formulado.
33º. Assim não entendeu o Tribunal AD QUO que na sua sentença, apesar do que é dito pelas testemunhas no seu depoimento em sede de julgamento (Ex: testemunha “F” 3a testemunha)- ao ser-lhe perguntado quem faz a gestão da Ponte Cais nº…? R. D fazia a gestão como representante da Cª A Lda....E afirma depois que pelo facto de não poder fazer a gestão da Ponte Cais nº…, A Ca A Lda perdeu no mínimo o rendimento básico mensal, mas não tem a certeza do montante total que a A.Ca A Lda perdeu.
34º. A segunda testemunha da A. ora recorrente G, reconhece no seu depoimento, o envolvimento do 1ºR.B na gestão da Ca A Lda, mediante procuração desta e apenas para tratar de questões relacionadas com o pagamento de taxas ao governo e da respectiva licença.
Na verdade o 2°R, manifestou a sua vontade em celebrar um contrato com a A. ora recorrente para adquirir a exploração comercial da Ponte Cais nº…, chegando mesmo a trocar com esta minutas contratuais, através do escritório do seu mandatário.
35º. A 5º testemunha da A. ora recorrente afirma claramente no seu depoimento em julgamento “...() Sr. B(1ºR) só tinha a responsabilidade para pagar as taxas e licenças”.
Para de seguida afirmar que “...as despesas de reparação da Ponte Cais nº... também foram pagas pela sociedade A.”
E ...“Antes de arrendar a Ponte Cais nº... o Sr. C(2ºR.) conhecia bem a divisão das quotas da Ca A Lda, entre o Sr. HO e o Sr. CHAN.”
Ao ser questionada quanto ao prejuízo efectivo da Sociedade A Lda referiu“... Mais ou menos 18.000.000,00...” os assuntos da Sociedade de Macau foram tratados por mim “E os prejuízo foram calculados” “....Segundo o cálculo dos sócios da Sociedade para calcular os prejuízo com base nas rendas comerciais que recebiam incluindo as do Sr. Sou” (2º R.).

……

Ora, os meios probatórios que, na óptica da recorrente, impunham decisão diversa são o documento nº 2 que se juntou com a petição inicial e os depoimentos prestados na audiência de julgamento pelas 2ª, 3ª e 5ª testemunhas arroladas pela Autora.

De acordo com o teor documentado na acta da audiência de julgamento, todas estas testemunhas depuseram sobre toda a matéria da base instrutória do saneador – vide a fls. 380 a 381v dos p. autos.

Ou seja, estas testemunhas não só depuseram sobre a matéria referente aos alegados danos causados no valor de MOP$18.000.000,00 e ao “envolvimento” do 2º Réu no incumprimento do contrato pelo 1º Réu, como também sobre outra matéria constante da base instrutória.

Assim sendo, cremos que a forma como foi alegado quer nos pontos 31º a 35º das alegações de recurso quer nas conclusões, integralmente transcritas supra no relatório do presente Acórdão, está longe de ter a virtualidade de dar cumprimento ao estatuído no artº 599º/2 do CPC, à luz do que a recorrente que pretende a reapreciação dos depoimentos gravados tem o ónus de indicar, sob pena de rejeição, as passagens da gravação em que se funda o alegado erro na apreciação da prova cometido pela 1ª instância.

Não o tendo observado o estatuído nesse artº 599º/2 do CPC, não nos resta outra solução que não seja a de rejeitar o pedido de reapreciação da prova nessa parte.

Quanto à prova documental, ora constante das fls. 15 a 42 dos autos, invocada pela recorrente para tentar comprovar as alegadas vicissitudes do “envolvimento” do 2º Réu no incumprimento por parte do 1º Réu do contrato celebrado entre este e a Autora, verificamos que a prova consiste numa certidão extraída de um conjunto de documentos arquivados na Capitania dos Portos, respeitantes aos procedimentos administrativos para a concessão e as sucessivas renovações da licença para a ocupação temporária da ponte-cais nº... do Porto Interior, assim como dois pedidos para a modificação subjectiva da titularidade da licença e o pedido de desistência de um daqueles pedidos.

Ora, em vez de indicar, conforme imposto pelo acima citado artº 599º/1 do CPC, dentre os variados documentos integrantes do teor dessa certidão, quais são as peças concretas que, na óptica da recorrente, podem impor decisão diversa da recorrida sobre o envolvimento do 2º Réu, a recorrente limitou-se a remeter para a certidão no seu todo.

Evidentemente, com a simples remissão para a tal certidão, a recorrente incumpriu o seu ónus, imposto pelo acima citado artº 599º/1 do CPC, o que implica igualmente rejeição da sua pretensão de ver reapreciada a matéria de facto em causa.

De qualquer maneira, para nós, mesmo que a tal certidão pudesse demonstrar a alegada “instigação” por parte do 2º Réu e o alegado “envolvimento” do 2º Réu no incumprimento do contrato celebrado entre a Autora e o 1º Réu, a tal matéria é inócua e portanto a sua reapreciação constituirá a prática de um acto inútil, pois conforme iremos expor infra na questão da condenação solitária do 2º Réu, tal “instigação” ou “envolvimento” são matéria totalmente irrelevantes à boa decisão quer do pedido da acção quer do pedido do presente recurso.

2. Da condenação solidária do 2º Réu

Pela sentença ora recorrida, foi condenado o 1º Réu e absolvido do pedido o 2º Réu.

Para a recorrente, é preciso que se condenem solidariamente ambos os Réus.

Ora, a causa de pedir invocada pela Autora é o alegado incumprimento culposo pelo 1º Réu de um contrato bilateral, celebrado entre eles, nos termos do qual o 1º Réu se obrigou a transferir para a Autora os direitos de exploração e os interesses comerciais do ancoradouro da ponte-cais nº...º e a Autora se obrigou a pagar-lhe o preço de MOP$2.200.000,00.

E 1º Réu recebeu o preço mas acabou por transferir para o 2º Réu os direitos de exploração e os interesses comerciais do ancoradouro da ponte-cais nº...º.

O tal contrato foi celebrado entre a Autora e o 1º Réu.

O que veio a Autora reivindicar é a responsabilidade contratual pelo incumprimento culposo do mesmo contrato.

Não sendo parte contraente do contrato, o 2º Réu não fica contratualmente vinculado pelo contrato.

Naturalmente o 2º Réu não pode “incumprir” um contrato de que não é parte contraente, sem prejuízo da eventual responsabilidade civil extracontratual a que haja lugar.

É portanto totalmente ilógica a pretensão da recorrente de fazer responsabilizar o 2º Réu, com fundamento no incumprimento culposo desse contrato pelo 1º Réu.

Sem mais delonga, é de concluir que improcede esta parte do recurso.

3. Da indemnização

Para além da condenação na restituição do preço do contrato no valor de MOP$2.200.000,00, já pago ao 1º Réu, pretende a Autora que lhe seja atribuída a indemnização no valor de MOP$18.000.000,00, pelos danos alegadamente causados pelo incumprimento do contrato pelo 1º Réu.

A tal indemnização não ficou comprovada na primeira instância.

Pediu por via do presente recurso a reapreciação da matéria de facto nessa parte com vista à comprovação da tal indemnização.

Todavia, conforme decidimos supra, o pedido da reapreciação da prova foi rejeitado.

Ficando assim inalterada a matéria de facto impugnada, isto é, permanecendo não comprovada a alegada indemnização, não nos resta outra alternativa que não seja a de julgar improcedente o recurso nesta parte.

Tudo visto, é de concluir que bem andou o Exmº Juiz a quo e que nada temos a censurar a sentença recorrida.

Resta decidir.
III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam julgar improcedente o recurso interposto pela Autora, mantendo na íntegra a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

Registe e notifique.

RAEM, 28MAIO2015
Lai Kin Hong
João Gil de Oliveira
Ho Wai Neng