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Processo nº 813/2014
(Recurso Contencioso)

Relator: João Gil de Oliveira
Data: 23/Julho/2015


Assuntos:
- Renovação de autorização de residência por investimento
- Alteração da situação jurídica relevante para efeitos de concessão de autorização de residência
- Princípio da proporcionalidade
- Princípio da Justiça

SUMÁRIO :
    
    1. Tem-se como não verificado o vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto se um determinado prédio que serviu de base à concessão da autorização de residência, no momento da renovação daquela autorização, se mostra penhorado e se o interessado não comunicou esse facto à Administração.
    
    2. É irrelevante que tenha sido penhorado todo o prédio, quando devia ter sido penhorada apenas a meação, não tendo sido levado em linha de conta o regime de bens do casal, pois tanto uma situação jurídico-patrimonial, como outra, são distintas com ou sem penhora.
    
    3. Nem relevante se mostra o facto de o interessado dizer que o valor remanescente do prédio ou a sua meação, descontado o valor da dívida, ainda cobre o valor considerado para a relevância do investimento, pois o que conta aqui não é o mero cálculo aritmético do deve e haver, mas sim uma situação que inspire certeza e estabilidade da situação patrimonial relevante.
    
    4. Não há desrazoabilidade se se descortina a prossecução do interesse público, a adequação do comportamento à prossecução desse interesse público e compreende-se ainda o sacrifício dos interesses privados em função da importância do interesse público que se procura salvaguardar.
    
    5. Também não ocorre violação do princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 5º do CPA, entendido este como uma ideia de variação correlativa de duas grandezas conexionadas, se são ponderados os benefícios decorrentes da decisão administrativa para o interesse público prosseguido pelo órgão decisor e os respectivos custos, medidos pelo inerente sacrifício de interesses dos particulares, seja na sua vertente de exigibilidade e adequação na prossecução do interesse público, seja na relação custos-benefícios.
    
    6. O princípio da justiça prende-se com o acatamento das regras basilares que informam a consciência, e o sentido, jurídico da comunidade, também não se perfila qualquer incumprimento em termos de ferir o núcleo de um direito fundamental.
    
    7. Se a prossecução do interesse público terá estado na mira da decisão proferida, não se deixa de se compreender a sua prevalência sobre interesses particulares, donde, se imbuída de imparcialidade, de racionalidade, de adequação, de proporção, se configura ainda como materialmente justa, alcançando-se que as razões de segurança, desenvolvimento e estabilidade da economia podem levar a que não se renove a autorização a quem tem os bens que serviram de base à concessão da autorização de residência penhorados no âmbito de uma situação de insolvência.

O Relator,





















Processo n.º 813//2014
(Recurso Contencioso)

Data : 23 de Julho de 2015

Recorrente : A

Entidade Recorrida : Secretário para a Economia e Finanças

    
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
    1. A (1XX8 0XX8 2XX8), mais bem identificado nos autos,
    Vem, ao abrigo do disposto nos artigos 25.º e 28.º do Código do Processo Administrativo Contencioso (doravante CPAC), interpor Recurso Contencioso
    do Despacho de Indeferimento de Renovação do Pedido de Fixação de Residência Temporária n.º P0264/2007/02R, do Exmo. Sr. Secretário para a Economia e Finanças, proferido em 14/10/2014,
    O que faz, alegando, no essencial e em síntese conclusiva:
    I. Nos termos do n.º 1 do artigo 3.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, foi concedida ao recorrente e seu agregado familiar autorização de residência temporária com fundamento na aquisição de bens imóveis, por cumulativamente se verificarem os requisitos legalmente exigíveis.
    II. O recorrente tem mantido inalterada, durante todo o período de residência temporária autorizada, a situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão dessa autorização, conforme determina o artigo 18.º e o n.º 2 do artigo 19.º, do Regulamento Administrativo n.º 3/2005.
    III. Acontece que, aquando da renovação dessa autorização e perante os documentos apresentados pelo recorrente, foi considerado pelo IPCIM que o imóvel que faz parte do investimento, estaria onerado sem que, alegadamente, estivesse salvaguardado o valor de 1 milhão de patacas, não tendo o recorrente comunicado tal facto ao IPCIM, obrigação imposta por lei.
    IV. Daí o IPCIM ter proposto o indeferimento ao pedido de renovação da autorização de residência temporária, formulado pelo recorrente ao abrigo do n.º 1, do artigo 19º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, proposta que obteve a concordância do Exmo. Senhor Secretário para a Economia e Finanças.
    V. Não obstante as justificações legais apresentadas pelo recorrente, de que o bem se encontra penhorado ou apreendido ilegalmente, não constituindo, como aparentemente se possa afigurar, encargo ou ónus que possa consubstanciar alteração da "situação juridicamente relevante" que fundamentou a concessão da autorização de residência temporária e, como tal, não se aplicando nem tão pouco a obrigação imposta pelo n.º 3 do artigo 18.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005.
VI. Isto porque:
    a) A "B" beneficia de uma penhora registada ilegalmente sobre o bem imóvel;
    b) A "C" beneficia da apreensão do mesmo imóvel, relativamente ao qual só poderia ter sido apreendido o direito à meação do insolvente, e o mesmo não pode ser objecto de garantia real sobre o imóvel em causa (Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, Processo: 1260/12.0TBGRD-A.C1).
    VII. Tudo isto devido a, por lapso, ter estado exarado no registo da Conservatória do Registo Predial, o recorrente A e a cônjuge D, como casados no regime da separação de bens e não, como correctamente, no regime da comunhão de adquiridos.
    VIII. O cancelamento desta situação ilegal está em curso, mas obedece a procedimentos judiciais e administrativos morosos, correndo para o efeito termos o processo judicial n.º CV2-12-0001-CFI, 2º Juízo Cível, no Tribunal Judicial de Base de Macau.
    IX. No entanto, em 11 de Setembro de 2014, já foi rectificado o registo na Conservatória do Registo Predial, tendo passado a constar que A e a cônjuge D, à data da aquisição do imóvel adquirido para os efeitos do n.º 1, do artigo 3.º, do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, eram, e são, casados no "Regime da Comunhão de Adquiridos", e não como casados no "Regime da Separação", como por lapso estava exarado (cfr. doc. 3).
    X. Como também, na conferência de interessados realizada no passado dia 23 de Setembro e conforme despacho judicial datado de 29 de Outubro último, no âmbito do processo judicial citado, já foi decidido que a meação de A e da cônjuge D será preenchida na fracção para habitação objecto deste processo, respectivamente, pela metade indivisa, na proporção de 1/2, por ter sido um bem adquirido na constância de matrimónio em regime da comunhão de adquiridos (cfr. docs. 4 e 5).
    XI. Consequentemente, já se pode concluir que se tratou de uma penhora ilegal e que, ainda que a mesma tivesse incidido sobre o direito à meação do reclamante, o que legalmente poderia ter sido efectuado mas que não foi, sempre estaria salvaguardado o valor-limite previsto no artigo 4º, n.º 1, do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, por o valor da meação da cônjuge não ser inferior a um milhão de patacas, aliás, o que poderá ser confirmado pela Comissão de Avaliação de Imóveis prevista no artigo 13.º do citado Regulamento.
    XII. Daí se poder também concluir que o recorrente e o seu agregado familiar têm tido e mantido, de forma contínua, o investimento imobiliário exigido por lei porque, não obstante a penhora e o facto do bem continuar apreendido a favor da massa falida, tal não alterou a situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão de autorização de residência temporária e, traduzindo-se o ónus ou encargo numa ilegalidade, ao recorrente não lhe era legalmente exigível a sua comunicação ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 18º, do Regulamento Administrativo n.º 3/2005.
    XIII. O recorrente aguarda apenas os ulteriores termos do processo judicial para usar da prerrogativa legal de efectuar concordata com os seus credores, ao abrigo do artigo 1194º, do Código do Processo Civil, e assim dar por finda a respectiva demanda judicial com a Sociedade C JOGOS (MACAUL S.A., e com a Sociedade B MACAU, S.A., o que lhe permitirá ultrapassar quaisquer condicionalismos legais que possam ainda ser colocados no referente à meação do reclamante, relativamente ao bem em causa.
    XIV. Assim, é inaceitável perante as normas legais aplicáveis, que o exposto possa consubstanciar alteração que constitua uma "situação juridicamente relevante" que possa fundamentar o indeferimento da respectiva autorização de residência temporária, ao abrigo do disposto no artigo 18.º conjugado com o n.º 2 do artigo 19.º, do Regulamento Administrativo n.º 3/2005.
    XV. Isto porque se mantêm na esfera jurídica do recorrente e seu agregado familiar, os requisitos legais que determinaram a concessão do pedido de autorização de residência temporária, não tendo a penhora ou a apreensão do bem, implicado como aparentemente se possa afigurar, a constituição de ónus ou encargo que, perante o direito aplicável prejudique os seus deveres ou obrigações.
    XVI. Mais, a natureza jurídica do processo de insolvência e a sua repercussão no caso concreto não é, nem poderá vir a ser susceptível de produzir efeitos de direito que se traduzam ou possam vir a traduzir-se na constituição, modificação ou extinção do direito à renovação da residência temporária do recorrente e seu agregado familiar.
    XVII. Além de que, a declaração de insolvência não produz até à sentença da reclamação de créditos, efeitos jurídicos que alterem ou sejam susceptíveis de alterar a situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão da autorização de residência temporária, nem tão pouco os irá produzir, porque o recorrente pretende usar, assim que a lei lho permitir, da prerrogativa prevista no artigo 1194º do C.P.C.
    XVIII. A este propósito, atenda-se ao Acórdão do Tribunal de Última Instância no processo n.º 74/2013, quando se refere à verificação do 'facto hipoteizado na facti-species' dever consistir numa situação jurídica legal, o que não se verifica no caso concreto, porque o facto jurídico concretizado na penhora ou apreensão do bem não se traduzem em "facti-species legais" que possam resultar na constituição de uma situação jurídica nova, ou tão pouco na modificação ou na extinção de situações jurídicas preexistentes.
    XIX. Pelo exposto, o despacho recorrido faz uma aplicação errónea do disposto nos artigos 18.º e 19.º, conjugado com o disposto no n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 e, consequentemente, faz também uma errada interpretação do n.º 4 do artigo 18.º, ao considerar inexistir justa causa para o não cumprimento da obrigação de comunicação prevista no n.º 3 do mesmo diploma, pondo em causa os princípios da proporcionalidade e da justiça previstos no artigo 5.º n.º 2 e 7.º do Código de Procedimento Administrativo.
    XX. Tanto mais que, a "justa causa" é toda a ocorrência fáctica que retira censurabilidade à acção ou omissão e lhe confere desculpabilidade (cfr. acórdão do Tribunal de Última Instância no processo n.º 801/2012).
    XXI. Desta forma, o acto administrativo que se impugna enferma do vício de violação de lei que o torna inválido por desconformidade entre os pressupostos em que o mesmo se fundou e a realidade concreta, sendo como tal anulável (cfr. artigo 124.º do C.P.A).
    XXII. In casu, verifica-se uma divergência entre os pressupostos de que o autor do acto partiu para proferir a decisão final e a sua efectiva verificação na situação em concreto, visto que os fundamentos da motivação do acto em causa não existiam ou não tinham a dimensão suposta pelo Exmo. Sr. Secretário para a Economia e Finanças.
    XXIII. Ora, o erro nos pressupostos de facto constitui uma das causas de invalidade do acto administrativo, consubstanciando um vício de violação de lei que configura uma ilegalidade de natureza material, visto que em tal caso é a própria substância do acto administrativo, isto é, a decisão em que o acto consiste, que contraria a lei.
    XXIV. Sendo o recurso contencioso o meio processual adequado para obter o reconhecimento judicial da existência de todos os vícios que possam inquinar um acto administrativo lesivo, onde se inclui o vício de violação de lei resultante do erro nos pressupostos de facto, para dessa forma obter a sua anulação contenciosa (cfr. artigo 21.º do C.P.A.C.).
    TERMOS EM QUE, nos melhores de direito e sempre com o mui Douto suprimento de V. Ex.ª, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado e ser anulado o despacho recorrido por erro dos pressupostos de facto, com todas as consequências legais.
    Requer-se a notificação da entidade recorrida para responder, querendo, e enviar o competente processo administrativo, nos termos legais.
    2. O Exmo Senhor Secretário para a Economia e Finanças contesta, dizendo, em suma:
I. O despacho recorrido aderiu apenas aos factos constantes do despacho do Presidente do IPIM de 30.09.2014, e não a todos os factos mencionados no parecer que o antecede, da autoria de um técnico daquele instituto;
    II. Consequentemente, o regime de bens do casamento não se encontra entre os pressupostos de facto do acto recorrido;
    III. O recorrente reconhece e confessa a veracidade dos dois factos que fundamentaram a decisão, a saber: o facto de terem sido constituídos encargos sobre o imóvel em causa, e o facto de não ter sido feita a comunicação prevista no art. 18°, n° 3, do RA 3/2005;
    IV. É intenção do RA 3/2005 que os imóveis adquiridos para fins de autorização temporária de residência se mantenham livres de encargos, excepto nos estritos termos admitidos pelo art. 4° desse diploma;
    V. Toda a constituição de encargos sobre o imóvel que extravase dos limites fixados pelo art. 4° do RA 3/2005 tem de se considerar como uma alteração da situação jurídica relevante;
    VI. A renovação da autorização temporária de residência depende da manutenção da situação jurídica relevante;
    VII. Quando o requerimento do recorrente foi apreciado pela Administração verificava-se uma óbvia e profunda alteração da situação jurídica relevante, pois o imóvel em questão encontrava-se penhorado e apreendido;
    VIII. Os interessados são obrigados a comunicar ao IPIM toda e qualquer alteração da situação jurídica relevante;
    IX. O recorrente, no entanto, não comunicou atempadamente ao IPIM a alteração da situação jurídica relevante;
    X. E também não apresentou o recorrente justa causa para a omissão da comunicação ao IPIM;
    XL Ainda que - por mera hipótese - a penhora e a apreensão tenham resultado de erro cometido pelos tribunais, relativo ao regime de bens do casamento do recorrente, a verdade é que os referidos encargos sobre o imóvel foram efectivamente constituídos, por decisões judiciais;
    XII. O órgão recorrido não podia afastar as decisões judiciais e as consequentes inscrições no registo predial, ignorando a penhora e a apreensão do imóvel;
    XIII. Além disso, ainda que - por hipótese - se tenha verificado um erro quanto ao regime de bens do casamento do recorrente, não é seguro que, se esse erro não tivesse ocorrido, a penhora não se teria verificado, pois o art. 709°, n° 1, do Código de Processo Civil permite a penhora de bens comuns em processo de execução movido contra apenas um dos cônjuges.
    XIV. A aplicação dos princípios da proporcionalidade e da justiça pela Administração, quando no uso de poderes discricionários, só é judicialmente sindicável quando haja erro manifesto ou total desrazoabilidade;
    XV. A aplicação do princípio da proporcionalidade pressupõe, logicamente, que a Administração tenha ao seu dispor um leque de opções para decidir o caso concreto, o que não acontecia na situação do recorrente, onde só restava ao órgão recorrido deferir ou indeferir.
    Parece-nos pois, por todas estas razões, que terá de ser negado provimento ao presente recurso.
    3. A (1XX8 0XX8 2XX8), Recorrente nos autos à margem referenciados, apresentou alegações facultativas, dizendo, em suma:
    A. O despacho recorrido faz uma aplicação errónea do disposto nos artigos 18.º e 19.º, conjugado com o disposto no n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 e, consequentemente, faz também uma errada interpretação do n.º 4 do artigo 18.º, ao considerar inexistir justa causa para o não cumprimento da obrigação de comunicação prevista no n.º 3 do mesmo diploma, pondo em causa os princípios da proporcionalidade e da justiça previstos nos artigos 5.º, n.º 2 e 7.º do Código de Procedimento Administrativo.
    B. Tanto mais que, "justa causa" é toda a ocorrência fáctica que retira censurabilidade à acção ou omissão e lhe confere desculpabilidade (cfr. acórdão do Tribunal de Última Instância no processo nº 801/2012).
    C. Desta forma, o acto administrativo que se impugna enferma do vício de violação de lei que o torna inválido por desconformidade entre os pressupostos em que o mesmo se fundou e a realidade concreta, sendo como tal anulável (cfr. artigo 124.º do C.P.A).
    D. Na medida em que, sempre esteve salvaguardado o valor-limite previsto no artigo 4º, nº 1, do Regulamento Administrativo nº 3/2005, por o valor da meação da cônjuge não ser inferior a um milhão de patacas e, consubstanciando “in casu” justa causa, ao Recorrente não era legalmente exigível comunicação ao abrigo do disposto no nº 4 do artigo 18º, do Regulamento Administrativo nº 3/2005.
    E. Assim, verifica-se uma divergência entre os pressupostos de que o autor do acto partiu para proferir a decisão final e a sua efectiva verificação na situação em concreto, visto que os fundamentos da motivação do acto em causa não existiam ou não tinham a dimensão suposta pelo Exmo. Sr. Secretário para a Economia e Finanças.
    F. Isto porque, somente em 11 de Setembro de 2014, foi rectificado o registo na Conservatória do Registo Predial, tendo passado a constar que A e a cônjuge D, à data da aquisição do imóvel comprado para os efeitos do n.º 1, do artigo 3.º, do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, eram, e são, casados no "Regime da Comunhão de Adquiridos", e não como casados no "Regime da Separação", como por lapso estava exarado.
    G. Como também, só agora foi registada a meação de A e da cônjuge D na fracção para habitação objecto deste processo, respectivamente, pela metade indivisa, na proporção de 1/2, para cada um, incidindo os ónus existentes apenas sobre uma metade indivisa (cfr. doc. 3 e 4 ).
    H. Ora, o erro nos pressupostos de facto constitui uma das causas de invalidade do acto administrativo, consubstanciando um vício de violação de lei que configura uma ilegalidade de natureza material, visto que em tal caso é a própria substância do acto administrativo, isto é, a decisão em que o acto consiste, que contraria a lei.
    I. O acto recorrido violou, assim, todos os preceitos acima identificados pelo que deverá ser reconhecida judicialmente a existência destes vícios, onde se inclui o vício de violação de lei resultante do erro nos pressupostos de facto, para dessa forma se obter a sua anulação contenciosa (cfr. artigo 21.º do Código do Processo Administrativo Contencioso).
    TERMOS EM QUE, conforme requerido na Petição de Recurso, deve ser dado provimento ao presente recurso, com base na ilegalidade do acto recorrido, nos termos do artigo 124.º do Código de Procedimento Administrativo e, em consequência ser o mesmo anulado por erro dos pressupostos de facto e de direito, com todas as consequências legais.
    Assim se fazendo a costumada Justiça!
4. O Exmo Senhor Procurador Adjunto oferece o seguinte douto parecer:
    Vem A impugnar o despacho do Secretário para a Economia e Finanças de 14/10/14, que indeferiu pedido seu de renovação de residência temporária na RAEM, assacando-lhe vícios de violação de lei, seja por ofensa do disposto nos arts. 18° e 19° do R.A. 3/2005, seja por erro nos pressupostos de facto, seja por atropelo dos princípios da proporcionalidade e justiça, esgrimindo, fundamentalmente, com o facto de entender ter mantido inalterada, durante todo o período de residência autorizada, a situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão dessa autorização, na medida em que sempre esteve salvaguardado o valor-limite previsto no art. 4°, n.º 1 do R.A. citado, por, no real regime de bens em que se encontrava casado (comunhão de adquiridos e não separação de bens), o valor da meação do cônjuge, a não poder ser onerada pela penhora e apreensão registadas, não ser inferior a um milhão de patacas, consubstanciando-se, assim, no seu critério, ''justa causa" para a não comunicação a que se reporta o n.º 4 do art. 18° do mesmo diploma.
    Cremos, porém, não lhe poder assistir razão.
    Vejamos:
    Da mera leitura do parecer do presidente do IPIM, em que se estribou e a que anuiu o acto sob escrutínio, constatar-se-à ter-se este fundado no facto de o imóvel em cuja aquisição o recorrente motivou o seu requerimento por investimento, ter sido penhorado, não mantendo, pois, o interessado o pressuposto em que se baseara o deferimento do pedido inicial, não tendo, além disso, cumprido a obrigação da comunicação escrita dessa alteração.
    Ora, tal factualidade essencial -penhora do imóvel e falta de comunicação do facto - não é, sequer, contestada pelo recorrente, que, aliás, a admite expressamente.
    Donde, não se descortinar onde possa ocorrer o pretenso erro nos pressupostos de facto da decisão.
    A situação que terá dado aso a tal penhora, as motivações que terão levado o interessado à falta de comunicação da mesma e as circunstâncias anunciadas pelo recorrente, atinentes, designadamente, ao lapso quanto à indicação do regime de bens do seu casamento, são questões "laterais" que, podendo, porventura, fazer questionar as consequências jurídicas a extrair, não têm a virtualidade de colidir ou molestar a realidade, a veracidade dos factos em que o despacho controvertido se fundou : a ocorrência da penhora do imóvel e a falta de comunicação dessa alteração.
    Nestes parâmetros, mesmo dando de barato que:
    - ocorreu, relativamente à penhora e apreensão, lapso quanto à informação sobre o regime de bens do casamento do recorrente, sendo este o de comunhão de adquiridos;
    - nessa situação, a meação do seu cônjuge não seria, nos termos legais, afectada e
    - tal meação seria de valor superior a um milhão de patacas,
    ainda assim, não se descortina que não tenha ocorrido, através daquela penhora, alteração da situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão, nomeadamente no que tange aos encargos do imóvel (ali) do n.º 1 do art. 3°, do R.A. a que nos vimos reportando) e que tal alteração não tenha sido, como reconhecidamente não foi, comunicada ao IPIM, não podendo, em nosso critério, nos termos configurados, aquela divergência quanto ao regime de bens do casamento configurar "justa causa" para o "silêncio" registado.
    Donde, pressupondo a renovação de autorização de residência a manutenção, na pessoa do interessado, dos pressupostos que fundamentaram o deferimento do pedido inicial e, registando-se, de facto, alteração juridicamente relevante quanto a esses pressupostos, designadamente no que tange aos encargos do imóvel, alteração essa não comunicada, sem justa causa, não se descortinar o atropelo de qualquer das normas referidas - artigos 18° e 19° do R.A. 3/2005.
    Finalmente, tendo a Administração agido no uso de poderes discricionários e tendo-se, de todo o modo, limitado a extrair dos factos comprovados a consequência jurídica adveniente dos dispositivos legais aplicáveis, mal se vê como vàlidamente esgrimir com a justiça ou proporcionalidade da medida, já que, para além de se não descortinar, como se viu, a ocorrência de erro (e, muito menos, manifesto ou grosseiro), a perspectiva da decisão, perante o requerido, se limitaria ao pequeno "leque" de duas opções (o deferimento da pretensão, ou o seu inverso), sem possibilidade de gradação.
    Donde, entender-se que, por não ocorrência de qualquer dos vícios assacados, ou de qualquer outro de que cumpra conhecer, sermos e entender não merecer provimento o presente recurso.
    
5. Foram colhidos os vistos legais.

II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito.

    III - FACTOS
    Com pertinência, têm-se por assentes os factos seguintes:
    - Em 29 de Janeiro de 2007, o reclamante A pediu por si e pelo seu agregado familiar, composto pela cônjuge D e pelas filhas E e F, ao Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau, autorização de residência temporária.
    - Em 09 de Novembro de 2007, por despacho de Sua Excelência o Chefe do Executivo, foi concedida autorização de residência temporária ao recorrente e seu agregado familiar, por preencherem os requisitos exigidos pelo n.º 1 do artigo 3.º, do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 nomeadamente, por terem adquirido bem imóvel, por preço não inferior a um milhão de patacas e preencherem todos os demais requisitos exigíveis.
- À data, o valor de mercado do imóvel adquirido pelo recorrente estava avaliado, de acordo com o relatório da "G (Macau) Limited" (cfr. relatório junto ao processo), em HKD$1.960.000,00, equivalente a mais de MOP$2.000.000,00 (dois milhões de patacas).
- Durante o período de residência temporária o recorrente, que tem como casa de morada de família o imóvel em causa, centrou a sua vida, com o seu agregado familiar composto pela cônjuge e as citadas filhas, na RAEM, não obstante a doença de foro oncológico de que padece a cônjuge cujo tratamento, actualmente, decorre no Hospital "H", ter implicado a necessidade de algumas ausências prolongadas de Macau.
- Em Janeiro de 2012, o recorrente entrou em conflito com a Sociedade B MACAU, S.A. e com a C JOGOS (MACAUL S.A., por razões que são ainda objecto de apreciação judicial, correndo para o efeito no Tribunal Judicial de Base de Macau, o Processo nº CV2-12-0001-CFI, 2º Juízo Cível, com diversos apensos.
- Donde resultou que primeiro, a "B" penhorou a fracção autónoma P17, imóvel então adquirido para os efeitos do n.º 1, do artigo 3.º, do Regulamento Administrativo n.º 3/2005.
- Mais tarde, em 25 de Julho de 2013 a "C", apreendeu o mesmo bem, recorrendo à figura jurídica da declaração de insolvência.
- O que desencadeou que, em 4 de Junho de 2013, quando o recorrente procedia ao último pedido de renovação de autorização de residência temporária junto do Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau "IPCIM", o mesmo ficasse suspenso para análise, de modo a ser aquilatado se o recorrente e seu agregado familiar continuavam a reunir os requisitos legais exigidos pelo Regulamento Administrativo n.º 3/2005.
- Esta situação deu lugar ao procedimento designado por Audiência de Interessados, nos termos dos artigos 93.º e segs. do Código do Procedimento Administrativo e, consequentemente, foi averiguado se “a situação juridicamente relevante" se alterara.
- Nesse âmbito e ao abrigo da Audiência Escrita, o recorrente veio ao processo juntar prova de forma a justificar que o bem imóvel em causa foi indevidamente penhorado e apreendido por estar, por lapso, exarado no registo da Conservatória do Registo Predial, o recorrente A e a cônjuge D, como casados no regime da separação de bens e não, como correctamente, no regime da comunhão de adquiridos.
- E que, consequentemente, ainda que a penhora tivesse apenas incidido sobre o direito à meação do recorrente, mesmo assim, o que legalmente poderia ter sido efectuado mas que não foi, sempre estaria salvaguardado o valor-limite previsto no artigo 4º, n.º 1, do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, por o valor da meação da cônjuge, à data da aquisição do imóvel, não ser inferior a um milhão de patacas.
- Nestes termos e ao longo da citada Audiência, o recorrente insistiu ter tido e mantido, de forma contínua, o investimento imobiliário exigido por lei porque, não obstante o facto jurídico da penhora e do bem continuar apreendido a favor da massa falida, tal não alterou a situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão de autorização de residência temporária, tendo até o processo de insolvência, como que "consumido" e "prejudicado" a penhora que, pelas razões referidas, foi efectuada ilegalmente.
- Isto porque, estando o recorrente A, à data da aquisição do imóvel em causa, casado no regime da comunhão de adquiridos com D, tem a cônjuge do recorrente direito à separação do bem, processo que segue as normas adjectivas próprias do inventário, com as especificidades dos artigos 1028.º a 1030.º do Código de Processo Civil, já em curso.
- O recorrente, em 7 de Outubro, juntou prova documental no IPCIM, por só nessa data ter reunido a documentação comprovativa, da rectificação operada em 11 de Setembro de 2014 no registo na Conservatória do Registo Predial, por forma a constar no registo do imóvel em causa que são casados no "Regime da Comunhão de Adquiridos" e não no "Regime da Separação", como por lapso estava exarado.
- Na conferência de interessados realizada no passado dia 23 de Setembro e do despacho datado de 29 de Outubro último, ficou decidido que a meação de cada um será preenchida na fracção para habitação objecto deste processo, respectivamente pela metade indivisa, na proporção de 1/2, por ter sido um bem adquirido na constância de matrimónio em regime da comunhão de adquiridos (cfr. docs. 4 e 5 que aqui se dão por reproduzidos na íntegra e para todos os legais efeitos, documentos já juntos ao processo).
- No entanto e não obstante o exposto, por parecer do IPCIM datado de 30 de Setembro de 2014, foi proposto ao Exmo. Sr. Secretário para a Economia e Finanças, o indeferimento da autorização de renovação do pedido de residência temporária ao recorrente e seu agregado familiar.
- Invocando-se como fundamento determinante para sustentar o indeferimento, que se verificou uma alteração da "situação juridicamente relevante" do pedido inicial de concessão de autorização de residência temporária e, consequentemente, a violação do determinado no artigo 18.º e no n.º 2 do artigo 19.º, ambos do Regulamento Administrativo n.º 3/2005.
- Vindo em 14 de Outubro de 2014, a proposta de indeferimento a obter a concordância do Exmo. Sr. Secretário para a Economia e Finanças, o que culminou no despacho ora recorrido de indeferimento da renovação do pedido de fixação de residência temporária do recorrente e seu agregado familiar.
- São do teor seguinte o despacho, informações e pareceres que consubstanciam o acto sob apreciação:

“Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau
proposta n.º 0264/residência/2007/02R requerimento de residência por investimento de imóvel-renovação
requerente - A é aplicável o Regulamento Administrativo n.º 3/2005

Assunto: Revisão do requerimento da residência por investimento
Comissão Executiva:

1. A identificação dos interessados e a validade de residência temporária autorizada proposta:


N.º
Nome
Relação
Documentos/n.º
Prazo de validade de documento até
Prazo de validade de título de residência temporária até
1
A
Requerente
Passaporte da RPC n.ºXXXXXX763
12/10/2019
01/07/2013
2
D
cônjuge
Passaporte da RPC n.º XXXXXX766
12/10/2019
01/07/2013
3
F
descendente
Passaporte da RPC n.º XXXXXX764
12/10/2019
01/07/2013
4
E
descendente
Passaporte da RPC n.º XXXXXX765
12/10/2014
01/07/2013

2. Foi autorizada, pela primeira vez, a residência temporária do requerente em 9 de Novembro de 2007.
Para verificar mais rigorosamente a relação de filiação entre o requerente e os descendentes, o requerente apresentou o relatório de exame para efeito de paternidade no mesmo dia de requerimento, assim, através do exame de ADN, verifica-se a relação de filiação entre o requerente e os seus descendentes F e E (vide fls. 32 a 35).
3. Para o efeito de renovação, o requerente apresentou o seguinte documento de imóvel, verificando que continua a possuir o investimento de imóvel previsto na lei:
N.º de descrição: 22794-II
XXº-andar-XX, Edf. XX, Rua de XX, n.º XX, Taipa
Valor: MOP$1.492.050,00
Data de registo: 05(06)/12/2006
4. O requerente apresentou o documento comprovativo de depósito a prazo emitido pela instituição de crédito de Macau, provando que mantém a possuir o depósito a prazo no valor não inferior a MOP$500.000,00:
Instituição de crédito: Banco da China
Conta bancária n.º 11-X8-X0-1XXXX4
Capital: HKD$530.863,90, sendo, aproximadamente, equivalente a MOP$546.789,82
Prazo: 19/01/2007 a 28/01/2014
Forma de tratamento no dia de vencimento: renovação de depósito de capital e de respectivos juros
Natureza: sem encargo
Data de emissão: 23/04/2013
5. Aliás, do documento de imóvel apresentado pelo requerente resulta que o imóvel supracitado que fundamentou o requerimento já foi penhorado pelo Tribunal e a penhora foi registada em 27 de Março de 2012, fazendo com que modifique a situação jurídica autorizada anteriormente, pelo que, não é favorável ao requerimento da renovação da autorização de residência temporária do requerente dos seus agregados familiares (vide fls. 68).
6. Face ao assunto supracitado, este Instituto notificou o requerente, através do ofício n.º 03155/GJFR/2014, de que deve apresentar a contestação por escrito e os documentos complementares sobre o assunto supracitado no prazo de 10 dias, de modo que este Instituto prossiga o requerimento da renovação da autorização de residência temporária do requerente (vide fls. 73).
7. O requerente constituiu advogado em 25 de Março de 2014 e posteriormente este apresentou a contestação por escrito ao presente Instituto, na qual indicou que uma vez que o requerente tinha disputa económica com a B MACAU, S.A. e a C JOGOS (MACAU), a seguir, a B MACAU, S.A. pediu a penhora sobre o imóvel que fundamentou o investimento do requerente e a C JOGOS (MACAU) pediu a apreensão sobre o mesmo imóvel em 25 de Julho de 2013 e apresentou a declaração de insolvência e por consequência, a penhora da B MACAU, S.A. foi anulada, além disso, entendeu que a metade das quotas do respectivo imóvel foi penhorada indevidamente, por isso já apresentou a reclamação ao TJB para levantar a penhora desta metade das quotas da compropriedade e pediu a divisão das quotas dos bens para a insolvência, e alegou que o acordo de transacção estava em curso, pelo que, entendeu que a situação do requerente satisfaz os dispostos do direito de residência por investimento e consequentemente, pediu assim a concessão da autorização da renovação de residência temporária do requerente (vide fls. 76 a 84).
8. Face à contestação por escrito apresentado pelo advogado constituído pelo requerente, este Instituto emitiu a resposta através do ofício n.º 004587/GJFR/2014 (vide fls. 71 a 72).
9. É de indicar que, o TJB, para averiguar a situação do imóvel do requerente, tinha exigido o documento comprovativo de casamento do requerente, através do ofício n.º 1777/2013/CV2-AGP18/06/2013, mas até hoje o respectivo caso concreto ainda obtém um resultado de julgamento (vide fls. 74 a 75), ao passo que a penhora do imóvel que fundamentou o requerimento do requerente foi registada em 27 de Março de 2012 e o registo desta penhora ainda está válido até hoje (vide fls. 68).
10. Ademais, nos termos do art.º 3.º n.º 1 al. 1) e do art.º 19.º n.º 2 do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, o interessado pediu autorização de residência temporária com fundamento da compra de imóvel, e este imóvel deve ser imóvel adquirido em Macau, não onerado de crédito e quaisquer encargos, por preço não inferior a um milhão de patacas. E a renovação pressupõe a manutenção dos pressupostos que fundamentaram o deferimento do pedido inicial.
11. De facto, nos termos do art.º 4.º n.º 1 do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, o requerente que solicite autorização de residência temporária pode constituir garantia sobre o imóvel adquirido quando o valor pecuniário da obrigação a garantir não faz com que o valor de investimento efectivo do requerente fique a ser inferior a um milhão de patacas. Além disso, nos termos dos art.ºs 807.º e ss do Código Civil de Macau, não sendo a obrigação cumprida, tem o credor o direito de exigir judicialmente o seu cumprimento e de executar coercivamente o património do devedor, pelo que, o património do devedor constitui a garantia geral da obrigação. A penhora é uma das medidas coercivas para garantir a satisfação de direito de credor. A penhora não depende da disposição do devedor sobre os respectivos bens, os actos de disposição ou oneração feitos pelo devedor sobre os bens já penhorados não produzem efeitos em relação ao credor, o credor continua a gozar a garantia resultante da penhora já constituída. A penhora tem por efeito a garantia real, mas esta garantia, no caso concreto do requerente, já excede o limite imposto pelo art.º 4.º n.º 1 do Regulamento Administrativo supracitado.
12. Além disso, nas notas constantes da notificação da autorização emitida pelo presente Instituto ao requerente, indica-se expressamente que nos termos do art.º 18.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, o Sr. deve manter, durante todo o período de residência temporária autorizada, a situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão dessa autorização. O Sr. deve comunicar ao Instituto a extinção ou alteração dos fundamentos no prazo de 30 dias, sob pena de cancelamento da autorização de residência temporária.
13. Neste caso concreto, o imóvel que fundamentou o requerimento do requerente já foi penhorado pelo Tribunal por registo em 27 de Março de 2012, e dos documentos de imóvel resultam que o regime matrimonial de bens adoptado pelo requerente é o de separação, o requerente tem assim pleno direito de propriedade sobre o imóvel em apreço, não sendo a situação invocada pelo advogado no ponto n.º 7 supracitado (metade das quotas do imóvel indevidamente penhoradas), além disso, o requerente não apresentou os documentos complementares suficientes no prazo legal para provar que mantém, durante todo o período de residência temporária autorizada, a situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão dessa autorização ou constitui uma nova situação jurídica atendível, ademais, através da notificação da autorização emitida pelo presente Instituto ao requerente e folhetos sobre as leis vigentes, o requerente deve saber que tem obrigação de comunicação oportuna ao presente Instituto sobre a alteração da situação jurídica nos termos legais, sendo assim, não se pode dar consideração favorável ao requerimento da renovação do requerente.
14. Através da análise, como o imóvel que fundamentou o requerimento já foi penhorado, o requerente não mantém o pressuposto que fundamentou o deferimento do pedido inicial, nem comunicou por escrito este Instituto sobre a alteração da situação jurídica no prazo legal, através do processo de audiência, a nova situação jurídica não preenche os dispostos relativos à renovação da autorização da residência temporária, pelo que, nos termos do art.º 18.º e do art.º 19.º n.º 2 do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, sugere-se indeferimento do requerimento da renovação da autorização de residência temporária dos seguintes interessados.
N.º
Nome
Relação
1
A
Requerente
2
D
cônjuge
3
F
descendente
4
E
descendente

  À consideração superior.
O técnico superior
I
Aos 22 de Setembro de 2014

*
Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau

proposta n.º 0264/residência/2007/02R requerimento de residência por investimento de imóvel-renovação
requerente - A é aplicável o Regulamento Administrativo n.º 3/2005

Despacho do Secretário para a Economia e Finanças
Autorizo a proposta.

Ass.: vide o original
14/10/2014


Parecer da Comissão Executiva do Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau

Exm.º Sr.º Secretário para a Economia e Finanças:
  Em conformidade com a análise da presente proposta, uma vez que, o imóvel do requerente que fundamentou o requerimento por investimento já foi penhorado e o requerente não mantém o pressuposto que fundamentou o deferimento do pedido inicial, nem cumpriu a obrigação da comunicação escrita da alteração da situação jurídica ao presente Instituto no prazo legal, através do processo de audiência, a sua nova situação jurídica não satisfaz os dispostos da renovação da autorização da residência temporária, pelo que, emito o parecer desfavorável à concessão da autorização de residência temporária dos seguintes interessados e sugiro que seja indeferido o respectivo requerimento.
n.º
nome
relação
1
A
requerente
2
D
cônjuge
3
F
descendente
4
E
descendente
  
  À consideração superior.

Ass.: vide o original
J/Presidente
30/09/2014



Parecer do Chefe do Gabinete Jurídico e de Fixação de Residência:
  Concordo com a proposta.

O Director-Adjunto
K
Ass.: vide o original
29/09/2014


    IV – FUNDAMENTOS
    1. O objecto do presente recurso concretiza-se na apreciação dos diferentes vícios assacados ao acto recorrido:
    
    a) Erro nos pressupostos de facto,
    b) Violação do disposto nos artigos 18° e 19° do RA 3/2005,
    c) Violação do princípio da proporcionalidade e
    d) Violação do princípio da justiça.
    2. Dos pressupostos de facto
    2.1. O recorrente diz que o acto é ilegal porquanto a violação da obrigação do recorrente de dever manter, durante todo o período de residência temporária autorizada, a situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão dessa autorização, sob pena de cancelamento da autorização e do dever de comunicar a alteração ou extinção da situação, no prazo de 30 dias a contar da data da extinção ou alteração não se verificaram.
    O espírito da lei, isto é, a intenção do legislador, foi a necessidade de se manter estável, durante todo o período de residência temporária autorizada, a situação juridicamente relevante que esteve na base da concessão dessa mesma autorização.
    Ora, no caso dos autos, o recorrente possuiu, de forma permanente, contínua e estável, o investimento que fez em bem imóvel de Macau, daí não ter comunicado ao IPCIM qualquer alteração da situação jurídica em causa, por os factos ocorridos não consubstanciarem alteração da "situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão dessa autorização", nos precisos termos determinados pelo espírito da norma do n.º 1 do artigo 18.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005.
    A situação concreta do recorrente, de ter o bem imóvel onerado quando pediu a renovação da autorização de residência, não consubstancia, em sua opinião, alteração da situação relevante que fundamentou a autorização inicial, sob pena de se frustrarem os objectivos da lei e o espírito legislativo do Regulamento Administrativo n.º 3/2005.
    Tanto mais que nunca deixou, em qualquer momento, de estar salvaguardado o valor-limite previsto no artigo 4º, nº 1, do Regulamento Administrativo nº 3/2005.
    Assim e consequentemente, o recorrente não efectuou a comunicação de extinção ou alteração dos fundamentos juridicamente relevantes que fundamentaram a concessão de autorização de residência temporária, nem teria obrigação de o fazer, uma vez que não se verificou a alteração da situação juridicamente relevante a que a lei se reporta, mas sim e, apenas, factos juridicamente insusceptíveis de produzir qualquer alteração da situação jurídica.
    
    2.2. Vejamos as normas pertinentes do citado Regulamento Administrativo:

Artigo 1.º
Âmbito pessoal de aplicação
Podem requerer autorização de residência temporária na Região Administrativa Especial de Macau, nos termos do presente diploma, as seguintes pessoas singulares não residentes:
1) Os titulares de projectos de investimento, em apreciação nos competentes serviços da Administração, que sejam considerados relevantes para a Região Administrativa Especial de Macau;
2) Os titulares de investimentos que sejam considerados relevantes para a Região Administrativa Especial de Macau;
3) Os quadros dirigentes e técnicos especializados contratados por empregadores locais que, por virtude da sua formação académica, qualificação ou experiência profissional, sejam considerados de particular interesse para a Região Administrativa Especial de Macau;
4) Os adquirentes de bens imóveis que cumpram os requisitos previstos no artigo 3.
Artigo 3.º
Requisitos na aquisição de imóveis
1. Os interessados que pretendam pedir autorização de residência temporária com fundamento na alínea 4) do artigo 1.º devem, no momento do pedido, cumprir cumulativamente os seguintes requisitos:
1) Ter adquirido na Região Administrativa Especial de Macau, sem recurso ao crédito e livres de quaisquer encargos, bens imóveis por preço não inferior a um milhão de patacas e cujo valor de mercado, no momento da aquisição, não seja igualmente inferior a um milhão de patacas;
2) Ter fundos de valor não inferior a quinhentas mil patacas depositados a prazo em instituição de crédito autorizada a operar na Região Administrativa Especial de Macau e livres de quaisquer encargos;
3) Ser titulares do grau académico de bacharelato ou equivalente.
2. Aqueles que possuam apenas o ensino secundário-complementar ou equivalente podem igualmente pedir autorização de residência temporária, nos termos deste artigo desde que, além dos requisitos previstos nas alíneas 1) e 2) do número anterior, satisfaçam ainda uma das seguintes condições:
1) Sejam parentes, em linha recta ou até ao 3.º grau da linha colateral, de um titular de direito de residência permanente na Região Administrativa Especial de Macau;
2) Comprovem experiência, não inferior a dois anos, na exploração ou gestão, ao nível superior, de uma empresa comercial;
3) Detenham uma empresa comercial estabelecida na Região Administrativa Especial de Macau ou, quando a mesma revista a forma de sociedade comercial, pelo menos cinquenta e um por cento do respectivo capital.
3. Tem-se por valor de mercado dos bens imóveis adquiridos o preço declarado pelo interessado, excepto quando haja indícios de que este último era superior àquele valor no momento da aquisição, caso em que o Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau, por iniciativa própria ou do órgão competente para a decisão, solicitará a avaliação dos bens em causa pela Comissão de Avaliação de Imóveis prevista no artigo 13.º
4. É equiparada à aquisição a promessa de compra acompanhada de promessa de venda, bem como a aquisição onerosa, por outra forma, do direito de adquirir.
5. Tratando-se de coisa futura, o pedido só será considerado se o requerente comprovar que os seus direitos estão garantidos por garantia bancária.
6. O requerente que não tenha pago ainda a totalidade do preço declarado depositará o montante em falta numa instituição de crédito autorizada a operar na Região Administrativa Especial de Macau.
Artigo 4.º
Limitações à constituição de garantias
1. O interessado que solicite, ou obtenha, autorização de residência temporária nos termos do artigo anterior só pode constituir garantia sobre o imóvel adquirido se o valor pecuniário da obrigação a garantir não for superior à diferença entre o valor de mercado do imóvel no momento da aquisição, determinado nos termos deste diploma, e o montante mínimo estabelecido na alínea 1) do n.º 1 do artigo 3.º
2. Não é admitida a constituição de quaisquer ónus sobre o depósito bancário referido na alínea 2) do n.º 1 do artigo anterior.

Artigo 18.º
Alteração da situação
1. O interessado deve manter, durante todo o período de residência temporária autorizada, a situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão dessa autorização.
2. A autorização de residência temporária deve ser cancelada caso se verifique extinção ou alteração dos fundamentos referidos no número anterior, excepto quando o interessado se constituir em nova situação jurídica atendível no prazo que lhe for fixado pelo Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau* ou a alteração for aceite pelo órgão competente.
3. Para efeitos do disposto no número anterior, o interessado deve comunicar ao Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau a extinção ou alteração dos referidos fundamentos no prazo de 30 dias, contados desde a data da extinção ou alteração.
4. O não cumprimento sem justa causa da obrigação de comunicação prevista no número anterior, dentro do respectivo prazo, poderá implicar o cancelamento da autorização de residência temporária.
Artigo 19.º
Renovação da autorização de residência temporária*
1. A renovação de autorização de residência temporária deve ser requerida ao Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau nos primeiros 60 dias dos 90 que antecedem o termo do respectivo prazo.
2. A renovação, que é concedida por período igual ao da autorização inicial, pressupõe a manutenção, na pessoa do interessado, dos pressupostos que fundamentaram o deferimento do pedido inicial, com as seguintes excepções:
1) A renovação das autorizações de residência temporária concedidas com fundamento em aquisição de bens imóveis não exige nova prova dos requisitos previstos na alínea 3) do n.º 1 e nas alíneas 1) e 2) do n.º 2 do artigo 3.º, nem do preço pago ou do valor de mercado dos bens relevantes, mas o interessado deve provar que os direitos respectivos continuam na sua titularidade e que os imóveis e depósitos bancários continuam livres dos encargos vedados pelo artigo 4.º
2) A renovação das autorizações de residência temporária dos técnicos especializados e quadros dirigentes não está dependente da manutenção do vínculo contratual que fundamentou o pedido inicial, desde que seja feita prova de novo exercício profissional por conta de outrem e do cumprimento das respectivas obrigações fiscais.
3. É aplicável à renovação, com as devidas adaptações, o disposto nos artigos 16.º e 17.º

2.3. Entende o recorrente que os factos que fundamentaram a decisão foram: O facto de o imóvel em causa ter sido onerado; o facto de o interessado não ter procedido à comunicação prevista no art. 18°, n° 3, do RA 3/2005; o facto de o IPIM ter entendido, erradamente, que o recorrente e o seu cônjuge se encontravam casados em regime de separação de bens, em vez de ter entendido que estavam casados em regime de comunhão de adquiridos.
    Mas, na verdade, só os dois primeiros constituíram fundamento para o indeferimento ora impugnado.
    De todo o modo, a questão do regime de bens mostra-se irrelevante, não obstante, como anota a entidade recorrida, no dia 5/11/2014 ser ainda o regime da separação que constava do registo.
    
    2.4. Observa-se que não houve erro nos pressupostos de facto relevantes, quais sejam o facto de ter sobrevindo uma penhora sobre o bem que integrou a situação patrimonial relevante e que levou à concessão da autorização e a não comunicação desse facto.
    Não há dúvida que estes factos ocorreram.
    Como é por demais evidente, é completamente diferente uma situação patrimonial com penhora ou sem penhora.
    Se dizemos que se mostra irrelevante o facto de a penhora incidir sobre a totalidade do bem ou apenas sobre a meação, não é menos certo que tal questão também não se colocou aquando da concessão da autorização de residência, aí não se tendo equacionado a divisibilidade jurídica do prédio que foi considerado para a decisão tomada.
    Ou seja, tome-se o prédio na sua totalidade ou a meação, e não é difícil verificar que, tanto uma como outra situação patrimonial, é distinta se a considerarmos livre de ónus, penhoras ou encargos ou não.
    Quanto ao facto de não ter havido comunicação, é óbvio que não houve comunicação da penhora e o recorrente não deixa de o admitir.
    Não se observa, pois, erro nos pressupostos de facto.
    
    3. Violação de lei
    3.1. Diferente é a alegada violação de lei referente à interpretação dos artigos 18° e 19° do RA 3/2005.
    Das normas acima transcritas decorre muito claramente que o prédio índice aferidor da situação relevante não pode estar penhorado, isto até independentemente do valor.
    Pretende o recorrente dizer que o valor do prédio, excluída a penhora, se situa a um nível que preenche ainda os requisitos iniciais.
    Com todo o respeito, não é isso que diz a lei e compreende-se que assim seja, pois um encargo, como é uma penhora, pode fazer baixar em muito o seu valor real, mesmo se matematicamente se excluir o valor do crédito garantido por essa penhora.
    3.2. É verdade que, nos termos do art. 3º e 4º do citado RA 3/2005, o interessado em obter autorização de residência com base na aquisição de imobiliário, teria de adquirir "sem recurso ao crédito e livres de quaisquer encargos, bens imóveis por preço não inferior a um milhão de patacas e cujo valor de mercado, no momento da aquisição, não seja igualmente inferior a um milhão de patacas e o interessado só podia constituir garantia sobre o imóvel adquirido se o valor pecuniário da obrigação a garantir não for superior à diferença entre o valor de mercado do imóvel no momento da aquisição, determinado nos termos deste diploma" e um milhão de patacas, mas essas situações referem-se à constituição voluntária de uma garantia e não já à imposição de uma garantia forçada como é a penhora.
     É diferente a constituição de uma hipoteca, em que a garantia, se voluntária, resulta de um contrato em que tudo está determinado à partida, das situações em que a garantia é imposta, à revelia da vontade do executado, não se sabendo o que está por detrás do acto determinante da penhora, podendo o respectivo título não dar a total dimensão da situação do passivo existente.
     Não é pacífico que a intenção relativa à manutenção da situação jurídica se prenda tão somente com o valor de um activo patrimonial e isso resulta exactamente do facto, independentemente disso, dever ser comunicada a alteração da situação jurídico-patrimonial relevante. Será o caso, por exemplo, da venda de uma casa e aquisição de outra até de valor muito superior. Compreende-se que assim seja, pois a Administração deve conferir e verificar se assim é de facto.
    De todo o quadro normativo resulta a clara intenção legislativa de preservar os pressupostos, a situação jurídica relevante, em que assentou a concessão da autorização de residência, ficando a renovação dessa autorização sujeita à verificação dos mesmos.
    De entre tais pressupostos destaca-se a aquisição "sem recurso ao crédito e livres de quaisquer encargos", ressalvando-se apenas a situação prevista no artigo 4º.
    Tal como vem referido, quando a Administração apreciou o pedido de renovação da autorização de residência do recorrente, deparou-se com uma profunda alteração da situação jurídica relevante, ou seja, o imóvel, cuja aquisição tinha fundado a concessão do direito temporário de residência, encontrava-se penhorado, para garantia de uma dívida de mais de seis milhões de patacas contraída perante uma concessionária do jogo, e, simultaneamente, apreendido no âmbito de um processo de insolvência instaurado por outra concessionária.
    Não se vê como se pode defender que não houve aqui uma alteração de uma situação jurídica relevante.
    A falta de comunicação é, também ela, um facto relevante e indesmentido.
    3.3. Quanto ao regime de bens referimos já a sua irrelevância. Tanto dá que tenha sido penhorada a meação como imóvel, que este tenha sido bem ou mal penhorado, sequer que a dívida exista e seja exequível.
    Admitamos até que a penhora devia incidir apenas sobre a meação. Não há aí uma oneração do imóvel, sendo passível de execução logo que decorrida a moratória respectiva ou partilhado o bem, tudo conforme o disposto no art. 709º do CPC?
    Pelo que a rectificação ao regime de bens não faz inverter a situação relativa ao registo de uma penhora incidente sobre o imóvel e rectificado atempadamente o regime de bens não teria sido, por si só, obstáculo à penhora do imóvel.
    Ora o interessado está obrigado a comunicar ao IPIM, nos termos do art. 18° do RA 3/2005, todas e quaisquer alterações da situação jurídica relevante, mas nem o fez, nem apresentou justa causa.
4. Do princípio da proporcionalidade
    Não se vê qualquer desproporção entre a medida tomada, as opções que se abriam e os interesses em presença.
    Claro, que a modificação e alteração da vivência, instalação e modo de vida de toda uma família se traduz num valor de forma alguma desprezível. Mas por outro lado há o interesse geral e as razões subjacentes às leis, visando-se a prossecução do interesse geral, da colectividade e da Sociedade.
    Aqueles valores individuais não deixam de ceder perante estes últimos.
    As opções seriam autorizar ou não autorizar a residência, sendo que a lei diz que verificados certos pressupostos a Administração pode não autorizar.
    Quando se fala em proporcionalidade, não se pode deixar de considerar que a Administração actua dentro de poderes discricionários, o que no caso, se traduziria em poder deferir ou indeferir a autorização de residência. Em boa verdade, se os referidos pressupostos fossem condição sine qua non da decisão de indeferimento, isto é, se verificado tais pressupostos fácticos a Administração estivesse vinculada a indeferir o seu pedido de renovação de fixação de residência, então pouca margem lhe restaria para discutir a bondade do acto praticado.
    A entidade recorrida actuou, no exercício de poderes discricionários, sendo que tal exercício só fica sujeito a escrutínio judicial, em sede de recurso contencioso, nos casos extremos em que haja "total desrazoabilidade" (CPAC, art. 21º, n.º 1, d).
    Convirá rememorar, a propósito da discricionariedade, alguns conceitos, acolhendo a lição de Freitas do Amaral1:
   “Em rigor, não há actos totalmente vinculados, nem actos totalmente discricionários. Todos os actos administrativos são em parte vinculados e em parte discricionários. Assim, quando na linguagem corrente se fala em actos vinculados, está-se no fundo a pensar em actos predominantemente vinculados (ou então está-se a pensar nos aspectos em que tais actos são vinculados); e quando se fala em actos discricionários, está-se no fundo a pensar em actos predominantemente discricionários (ou então está-se a pensar nos aspectos em que tais actos são discricionários)
   (...)
   Para haver discricionariedade é necessário que a lei atribua à Administração o poder de escolha entre várias alternativas diferentes de decisão, quer o espaço de escolha esteja apenas entre duas decisões contraditoriamente opostas (v.g., conceder ou não uma autorização), quer entre várias decisões à escolha numa relação disjuntiva (v. g., nomeação de um funcionário para um determinado posto de uma lista nominativa de cinco).”
   E tal escolha será livre?
   Responde aquele Autor da seguinte forma:
   “Porém, hoje, reponderando a questão, entendemos que se deve responder negativamente à questão posta.
   Efectivamente, o processo de escolha a cargo do órgão administrativo não está apenas condicionado pelo fim legal – em termos de se poder afirmar serem indiferenciadamente admissíveis à face da lei todas as soluções que o respeitem. A realidade dos nossos dias demonstra, antes, que tal processo é ainda e sobretudo condicionado e orientado por ditames que fluem dos princípios e regras gerais que vinculam a Administração Pública (designadamente, igualdade, proporcionalidade e imparcialidade), estando assim o órgão administrativo obrigado a encontrar a melhor solução para o interesse público – demonstra, noutros termos, que o poder discricionário não é um poder livre, dentro dos limites da lei, mas um poder jurídico.
   Em sentido próximo, diz Vieira de Andrade, na esteira de Rogério Soares, que «a discricionariedade não é uma liberdade (...), mas sim uma competência, uma tarefa, corresponde a uma função jurídica. A Administração não é remetida para um arbítrio, ainda que prudente, não pode fundar na sua vontade as decisões que toma. A decisão administrativa tem de ser racional, porque não pode ser fruto de emoção ou capricho, mas, mais que isso, tem de corresponder à solução que melhor sirva o interesse público que a lei determinou. A discricionariedade não dispensa, pois, o agente de procurar uma só solução para o caso: aquela que considere, fundadamente, a melhor do ponto de vista do interesse público».
   Em suma, na discricionariedade, a lei não dá ao órgão administrativo competente liberdade para escolher qualquer solução que respeite o fim da norma, antes o obriga a procurar a melhor solução para a satisfação do interesse público de acordo com princípios jurídicos de actuação.”
   Para salientar ainda que certas situações que antes considerava ser de discricionariedade imprópria (tais situações eram três: a liberdade probatória, a discricionariedade técnica e a justiça burocrática) – em geral, aquelas em que um poder jurídico conferido por lei à Administração houvesse de ser exercido em termos tais que o seu titular não se devia considerar autorizado a escolher livremente entre várias soluções possíveis, mas antes era obrigado a procurar a única solução adequada que o caso comportava – representavam exemplos de verdadeira autonomia por parte da Administração, entende agora que a Administração pode exorbitar dos seus poderes e sair abertamente do campo da discricionariedade para entrar no da pura e simples ilegalidade, motivo por que o tribunal administrativo pode anular a decisão tomada pela Administração – embora não possa nunca substituí-la por outra que repute mais adequada. Pelo que as hipóteses de erro manifesto de apreciação correspondem, dogmaticamente, a situações de desrespeito do princípio da proporcionalidade, na sua vertente da adequação.
    Face a isto, que dizer? No caso sub judice estamos perante uma situação em que cabia à Administração escolher uma conduta condicionada ao preenchimento de um pressuposto aferidor da possibilidade de permanência que não se mostra verificado – manutenção da situação jurídica relevante –, dele resultando claramente a finalidade de salvaguarda dos interesses imanentes a um condicionamento de tal índole.
    Pode-se dizer – o recorrente não deixa de o afirmar – que esse fundamento se mostra desproporcionado aos fins em vista, que uma outra decisão não poria em causa os valores que urge preservar na admissão de não residentes ao convívio com a sociedade da RAEM.
    Mas não foi esse entendimento e a decisão tomada e opção não choca de forma minimamente afrontosa com os interesses em jogo.
    A ideia de proporcionalidade prende-se com a falta de conformidade e adequação da medida em função de uma graduação de opções possíveis, em função de diferentes graus de grandeza, opções que aqui apenas seriam a de deferir ou indeferir, pelo que não se vê como em bom rigor se possa falar em desproporcionalidade. A outra opção possível seria então o deferimento da residência, mas a querer-se ponderar aquele factor, também não seria possível nessa óptica graduar fosse o que fosse.
    A questão transpor-se-á então mais para a adequação daquele pressuposto em preencher a previsão ínsita aos valores que devem ser prosseguidos com os actos de autorização de permanências na RAEM.
    Bom, sobre isto diremos apenas que é o legislador que erige a não observância das leis de Macau como fundamento para a denegação de tais pedidos.
    Entra-se assim num domínio em que não cabe mais aos Tribunais sindicar a actuação da Administração, competindo a esta fazer um juízo baseado na sua experiência e nas suas convicções, que não é determinado, mas apenas enquadrado por critérios jurídicos, em que o espaço de conformação da Administração não se cinge à fixação dos efeitos da decisão, antes se alarga igualmente à determinação das próprias condições da decisão considerados na perspectiva do interesse público.2
   
   De todo o modo, no caso em apreço, não se deixa de descortinar a prossecução do interesse público, a adequação do comportamento à prossecução desse interesse público e compreende-se ainda o sacrifício dos interesses privados em função da importância do interesse público que se procura salvaguardar.3
    Na verdade, a jurisprudência dos tribunais superiores da RAEM tem sido unânime, no entendimento de que a intervenção do juiz na apreciação do respeito do princípio da proporcionalidade só deve ter lugar quando as decisões administrativas, de modo intolerável, o violem.4
    Como tem repetidamente afirmado o Tribunal de Última Instância, a aplicação que a Administração faça do princípio da proporcionalidade, no uso de poderes discricionários, só é judicialmente sindicável quando haja erro manifesto ou total desrazoabilidade:5 "Nos casos em que a Administração actua no âmbito de poderes discricionários, não estando em causa matéria a resolver por decisão vinculada, a decisão tomada pela Administração fica fora do controlo jurisdicional, salvo em casos excepcionais. [...] O Tribunal de Última Instância tem entendido que a intervenção do juiz na apreciação do respeito do princípio da proporcionalidade, por parte da Administração, só deve ter lugar quando as decisões, de modo intolerável, o violem."
    No caso concreto, à Administração deparavam-se apenas duas opções - deferir ou não deferir o pedido de autorização de residência -, sendo que a opção tomada não se mostra desconforme com as razões que lhe subjazem, estando o sacrifício imposto ainda em conformidade com as razões prevalecentes que terão optado a actuação da Administração.
5. Do princípio da justiça
   Quanto ao princípio da justiça, que se prende com o acatamento das regras basilares que informam a consciência, e o sentido, jurídico da comunidade, também não se perfila qualquer incumprimento em termos de ferir o núcleo de um direito fundamental. 6
Quanto a este princípio, a prossecução do interesse público terá estado na mira da decisão proferida e não se deixa de compreender a sua prevalência sobre interesses particulares, donde por imbuída de imparcialidade, de racionalidade, de adequação, de proporção, se configurar ainda como materialmente justa, na esteira de que não é difícil configurar que as razões de equilíbrio da economia, crescimento, investimento e estabilidade da sociedade podem levar a que não se renove uma autorização de permanência numa situação em que desaparecem os pressupostos de uma situação clara de liquidez, investimento, património a coberto de uma situação de incerteza que a todo o momento o pode dissipar.
     É verdade que os actos administrativos discricionários são atacáveis por desrazoabilidade, o que pode contender com aquela ideia de justiça acima referida, todavia não se trata de uma qualquer desrazoabilidade apreciada com qualquer grau de subjectividade.
    Por norma, esta afronta pressupõe a violação dos princípios de adequação e proporcionalidade na decisão proferida.
    E quanto a isto, dir-se-á tão somente que, não se atacando a eventual incorrecta aplicação da lei, concretamente objectivada no acto recorrido, constituindo tais princípios índices aferidores do controle da discricionariedade, em vista da conformação da decisão com a prossecução do interesse público, afastada estará a desrazoabilidade no exercício dos poderes discricionários conferidos à Administração no caso concreto.
   No caso em apreço, descortina-se a prossecução do interesse público, a adequação do comportamento à prossecução desse interesse público e compreende-se ainda o sacrifício dos interesses privados em função da importância do interesse público que se procura salvaguardar.7
    Na verdade, eventuais interesses económicos, familiares e emocionais invocados pela recorrente serão estimáveis, mas haverão sempre que ceder face ao manifesto interesse público na salvaguarda da economia, crescimento e estabilidade da Região.
    Em face do exposto o recurso não deixará de improceder.
    V - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em julgar improcedente o presente recurso contencioso.
    Custas pelo recorrente, com 6 UC de taxa de justiça.
               Macau, 23 de Julho de 2015,
               

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João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira Vitor Manuel Carvalho Coelho
(Presente)
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Ho Wai Neng
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José Cândido de Pinho
               
1 - Curso de Dto Administrativo, 2002, 78 e segs
2 - Freitas do Amaral, ob. cit., 111 e 112
3 - João Caupers, in Int. ao Dto. Administ., 2001, 80
4 - Acs do TUI, Proc. n.º 32/2013 de 31/7/2013; Proc. n.º 38/2012, de 1/7/.2012
5 - Ac. do TUI de 31/07/2013, Proc. n.º 30/2013
6 - Ac. do TSI, Proc. n.º 1284, de 11/4/2002
7 - João Caupers, in Int. ao Dto. Administ., 2001, 80
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813/2014 46/46