Proc. nº 202/2015
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 07 de Maio de 2015
Descritores:
- Contrato de trabalho
- Remuneração
- Serviço prestado nos dias de descanso semanal
SUMÁRIO:
I. Ao abrigo do DL 24/89/M (art. 17º, n.1, 4 e 6, al. a), considera-se, que o trabalhador tem direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”).
II. Se o trabalhador nele prestar serviço, terá direito ao dobro da retribuição (salário x2), sem prejuízo do salário que receberia, mesmo sem o prestar. Para além disso, ainda terá direito a receber a remuneração correspondente ao dia compensatório a que se refere o art. 17º, nº4, se nele tiver prestado serviço.
Proc. nº 202/2015
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.
I - Relatório
A, de nacionalidade filipina, titular do passaporte filipino n.º…, emitido pela autoridade competente da República das Filipinas, em 23 de Agosto de 2011, residente na…, Macau, deduziu no Juízo Laboral do TJB (Proc. nº LB1-0065-LAC):
B - SERVIÇOS E SISTEMAS DE SEGURANÇA - LIMITADA, com sede na…, Macau,
acção de processo comum do trabalho,
pedindo a condenação desta no pagamento da quantia global de Mop$ 241.407,00, posteriormente alterada para Mop$ 196.707,00, a título de indemnização por dias de trabalho prestado em dias de descanso semanal e de falta de pagamento do dia de descanso compensatório.
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Na oportunidade, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e condenou a ré a pagar ao autor a quantia de Mop$ 131.274,00 e juros de mora legais.
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Contra essa sentença recorreu o autor, cujas alegações sintetizou do seguinte modo:
«1. Versa o presente recurso sobre a parte da douta Sentença na qual foi julgada parcialmente improcedente ao Recorrente a atribuição de uma compensação devida pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal na medida de um dia de salário em dobro.
2. Porém, ao condenar a Recorrida a pagar ao Recorrente apenas o equivalente a um dia de trabalho (em singelo) pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal, o Tribunal a quo procedeu a uma não correcta aplicação do disposto na al. a) do n.º 6 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, pelo que a decisão deve ser julgada nula e substituída por outra que condene a Ré em conformidade com o disposto na referida Lei Laboral;
3. Com efeito, resulta do referido preceito que o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser remunerado pelo dobro do salário normal, entendido enquanto duas vezes a retribuição normal, por cada dia de descanso semanal prestado;
4. Do mesmo modo, ao condenar a Recorrida a pagar ao Recorrente apenas e tão-só um dia de salário em singelo, o Tribunal a quo desviou-se da interpretação que tem vindo a ser seguida pelo Tribunal de Segunda Instância sobre a mesma questão de direito, no sentido de entender que a compensação do trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser feita em respeito à seguinte fórmula: (salário diário X n.º de dias de descanso não gozados X 2);
5. De onde, resultando que o Recorrente prestou trabalho durante todos os dias de descanso semanal durante toda a relação de trabalho, deve a Recorrida ser condenada a pagar ao Recorrente a quantia de MOP$131,410.00 a título do dobro do salário - e não só de apenas MOP$65,705.00, correspondente a um dia de salário em singelo conforme resulta da decisão ora posta em crise, acrescido de juros legais até integral e efectivo pagamento.
Nestes termos e nos de mais de Direito que V. Exas. encarregar-se-ão de suprir, deve a Sentença na parte em que condena a Recorrida a pagar ao Recorrente apenas o equivalente a um dia de retribuição em singelo, ser julgada nula e substituída por outra que atenda ao pedido tal qual supra formulado, assim se fazendo a já costumada JUSTIÇA!».
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Respondeu ao recurso a ré, sustentando o improvimento do recurso, em termos que aqui damos por integralmente reproduzidos.
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Cumpre decidir.
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II – Os Factos
A sentença deu por verificada a seguinte factualidade:
«Entre 27 de Setembro de 1996 a 31 de Maio de 2008, o Autor prestou para a Ré funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente. (alínea A) dos factos assentes)
Entre o referido período, o Autor trabalhou sobre as ordens, direcção, instruções e fiscalização da Ré. (alínea B) dos factos assentes)
A Ré sempre fixou o local, o período e o horário de trabalho do Autor de acordo com as necessidades. (alínea C) dos factos assentes)
O Autor sempre respeitou os períodos e horários de trabalho fixados pela Ré, e sempre prestou trabalho nos locais indicados pela Ré. (alínea D) dos factos assentes)
Ao longo de toda a relação laboral a Ré pagou ao Autor uma quantia fixa mensal, acrescida de uma quantia determinada em função do número de horas de trabalho extraordinário efectivamente prestadas pelo Autor. (alínea E) dos factos assentes) Durante a relação de trabalho o Autor auferiu da Ré, a título de salário anual e de salário normal diário, as quantias que abaixo se discrimina (Cfr. fls.9, Certidão de Rendimentos - Imposto Profissional, que se junta e se dá por reproduzido para todos os legais efeitos):
Ano
Salário anual
Salário normal diário
1996
9356
104
1997
46992
131
1998
55387
154
1999
50240
140
2000
51272
142
2001
53041
147
2002
47769
133
2003
46117
128
2004
45511
126
2005
45590
127
2006
56345
157
2007
93238
259
(alínea F) dos factos assentes)
Para além das referidas quantias, o Autor não auferiu quaisquer outras por parte da Ré, ou de qualquer outra entidade patronal. (alínea G) dos factos assentes)
Enquanto trabalhador não residente, o Autor apenas estava autorizado a exercer a sua actividade profissional para a Ré. (alínea H) dos factos assentes)
Entre 27 de Setembro de 1996 a 31 de Dezembro de 2007 e excepto durante o período compreendido entre 29/07/2000 a 19/04/2001, a Ré nunca atribuiu ao Autor um qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal. (alínea I) dos factos assentes)
Entre 1 de Julho de 1999 e 31 de Dezembro de 2007 e excepto durante o período compreendido entre 29 de Julho de 2000 e 19 de Abril de 2001, a Ré nunca atribuiu ao Autor, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, com excepção de 24 dias em 2000, 19 dias em 2001, 2 dias em 2002, 33 dias em 2003, 38 dias em 2004, 31 dias em 2005, 6 dias em 2006 e 3 dias em 2007. (alínea J) dos factos assentes)
Entre 27 de Setembro de 1996 a 30 de Junho de 1999, a Ré nunca fixou ao Autor, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição. (Resposta ao quesito 1 º da base instrutória)
Entre 27 de Setembro de 1996 a 30 de Junho de 1999, por solicitação da Ré, o Autor prestou trabalho todos os dias da semana, de modo a garantir o contínuo e diário funcionamento da actividade da Ré. (Resposta ao quesito 2º da base instrutória)
Entre 27 de Setembro de 1996 a 31 de Dezembro de 2007 e excepto durante o período compreendido entre 29/07/2000 a 19/04/2001, a Ré nunca fixou ao Autor um outro dia de descanso compensatório, em virtude do trabalho prestado em dia de descanso semanal. (Resposta ao quesito 3º da base instrutória)
O trabalho que prestou em dias de descanso semanal foi remunerado pela R. com o valor de um salário diário, em singelo. (Quesito 8º da base instrutória, aceite pelas partes)».
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III – O Direito
Está apenas em causa no presente recurso o valor correspondente aos dias de trabalho prestado em períodos de descanso semanal. A sentença, embora aceitando que o trabalho prestado nesses dias deveria ser compensado em dobro do salário normal, acabou por compensar o autor apenas com mais um dia de salário, uma vez que lhe descontou a quantia que efectivamente já o autor tinha recebido.
Mas, sem razão, salvo o devido respeito, como desde há muito tempo este TSI tem vindo a afirmar (por mais recentes, ver os Acs. TSI de 15/05/2014, Proc. nº 61/2014, de 15/05/2014, Proc. nº 89/2014, de 29/05/2014, Proc. nº 627/2014; 19/03/2015, Proc. nº 57/2015).
Com efeito, no que a este assunto concerne, vale o disposto no art. 17º, nºs 1, 4 e 6, al. a), do DL nº 24/89/M.
Nº1: Tem o trabalhador direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”).
Nº4: Mas, se trabalhar nesse dia, fica com direito a gozar outro dia de descanso compensatório e, ainda,
Nº 6: Receberá em dobro da retribuição normal o serviço que prestar em dia de descanso semanal.
Ora, como o trabalhador trabalhou o dia de descanso semanal terá direito ao dobro do que receberia, mesmo sem trabalhar (n.º 6, al. a)).
Numa 1ª perspectiva, se o empregador pagou o devido (pagou o dia de descanso), falta pagar o prestado. E como o prestado é pago em dobro, tem o empregador que pagar duas vezes a “retribuição normal” (o diploma não diz o que seja retribuição normal, mas entende-se que se refira ao valor remuneratório correspondente a cada dia de descanso, que por sua vez corresponde a um trinta avos do salário mensal).
Numa 2ª perspectiva, se se entender que o empregador pagou um dia de salário pelo serviço prestado, continuam em falta:
- Um dia de salário (por conta do dobro fixado na lei), e ainda,
- O devido (o valor de cada dia de descanso, que não podia ser descontado, face ao art. 26º, n.º 1).
E, em qualquer caso, sem prejuízo da remuneração correspondente ao dia de descanso compensatório a que se refere o art. 17º, nº4 - desde que peticionada, como foi o caso, - quando nele se tenha prestado serviço (neste sentido, v.g., Ac. TSI, de15/05/2014, Proc. nº 89/2014).
Ora, como o dia de descanso compensatório foi já considerado na sentença, nessa parte, ela tem que manter-se (não está, sequer, em discussão no presente recurso).
Assim sendo, não podia ter a sentença procedido ao desconto do valor pecuniário que correspondeu ao pagamento em singelo do trabalho em dia de descanso semanal. Isto significa que a este título, o autor da acção deveria ter recebido o valor de Mop$ 131.410,00 e não apenas Mop$ 65.705,00.
***
IV - Decidindo
Nos termos expostos, acordam em conceder provimento ao recurso jurisdicional da sentença interposto pelo autor da acção, no que respeita à compensação pelo trabalho prestado por si nos dias de descanso semanal.
Em consequência, revoga-se nessa parte a sentença e condena-se a ré “B” a pagar ao autor àquele título a quantia de Mop$ 131.410,00, acrescida dos juros legais, contados pela forma referida pelo TUI no seu acórdão de 2/03/2011, no processo n. 69/2010.
Custas:
Na 1ª instância:
- Pelo autor, relativamente à redução do pedido;
- Pela ré, na parte restante.
No TSI: apenas pela recorrida “B”
TSI, 07 de Maio de 2015
José Cândido de Pinho
Lai Kin Hong
Tong Hio Fong (Votei vencido quanto à fórmula adoptada na compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal, por entender que, sendo o trabalho prestado nesses dias pago pelo “dobro da retribuição”, este “dobro” é constituído por um dia de salário normal mais um dia de acréscimo.
Provado que o Autor ora recorrente já recebeu da Ré ora sua entidade patronal o salário diário em singelo, para efeitos de cálculo do valor da compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal, terá que deduzir esse montante pago em singelo, sob pena de estar o Autor a ser pago, não pelo dobro, mas pelo triplo do valor diário, ao que acresce ainda o dia de descanso compensatório, o Autor estar a ser pago pelo quádruplo do valor diário.)
202/2015 10