--- Decisão Sumária nos termos do art.º 407º, n.º 6 do C.P.P.M. (Lei n.º 9/2013). ---------
--- Data: 18/05/2015 --------------------------------------------------------------------------------------
--- Relator: Dr. Dias Azedo ----------------------------------------------------------------------------
Processo nº 392/2015
(Autos de recurso penal)
(Decisão sumária – art. 407°, n.° 6, al. b) do C.P.P.M.)
Relatório
1. A e B, (1a e 2°) arguidos com os sinais dos autos, vieram recorrer do Acórdão em 06.03.2015 prolatado pelo Colectivo do T.J.B., e com o qual se decidiu:
- condenar a (1a) arguida A, pela prática em autoria material e na forma consumada de 1 crime de “tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas”, p. e p. pelo n.° 1 do art. 8° da Lei n.° 17/2009, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão, e um crime de “consumo ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas”, p. e p. pelo art. 14° do mesmo diploma, na pena de 2 meses de prisão, fixando-se-lhe, em cúmulo jurídico, a pena única de 4 anos e 7 meses de prisão; e,
- condenar o (2°) arguido B, pela prática em autoria material e na forma consumada de 1 crime de “consumo ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas”, p. e p. pelo art. 14° da Lei n.° 17/2009 na pena de 2 meses e 15 dias de prisão; (cfr., fls. 606 a 622 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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No seu recurso, pedem – em síntese – os arguidos a “redução da pena”, considerando também a (1°) arguida A que incorreu o T.J.B. em “erro notório na apreciação da prova”; (cfr., fls. 633 a 641 e 642 a 645-v).
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Respondendo, diz o Ministério Público que os recursos não merecem provimento, devendo ser rejeitados; (cfr., fls. 652 a 656).
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Admitindo o recurso com efeito e modo de subida adequadamente fixados, vieram os autos a este T.S.I., onde, em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:
“Recurso de A
Começa este recorrente por esgimir com ocorrência de vício de erro notório na apreciação da prova, fundando-se na circunstância de, tendo alegado que o seu envolvimento com as drogas decorreu, além do mais, do facto de, na altura, fruto de acidente de viação, se encontrar com sérias lesões, em convalesceça, “mergulhada em intensas dores, desgosto e sofrimento”, o tribunal “a quo” não ter dado como comprovada tal matéria, quando a mesma resultava quer de certidão de sentença judicial, quer de relatórios médicos juntos aos autos.
Pois bem:
Ninguém põe em questão que a recorrente tenha sofrido um grave acidente de viação e que, na sequência das lesões dele decorrentes, a mesma tenha padecido das dores e sofrimentos que menciona: porém, para o que no caso conta, não se provou que “ao tempo” da prática dos factos delituosos aqui em questão, a visada se encontrasse de convalescença, sofresse de dores intensas e estivesse, ainda, a ser medicada ou medicamente acompanhada por força de sequelas daquele acidente. E, isto foi o que no douto aresto em crise se consignou na matéria, conclusão assente especificamente em depoimentos, em audiência, de dois médicos, não se descortinando, em abono da verdade, que, da prova documental junta, designadamente da que a recorrente apela, se possa colher prova vinculada em sentido contrário, ou que a diferente conclusão houvesse, forçosamente que chegar em termos do sendo comum ou das regras da experiência, dado, até, o valor do imediatismo da prova em questão, denotando-se, assim, que o inconformismo na matéria se atém a uma mera discordância no quadro do julgamento da matéria de facto, questão do âmbito da livre apreciação da prova, não competindo, pois, a este tribunal censurar os julgadores por terem formado a sua convicção no sentido em que o fizeram.
Aliás, será conveniente frisar que a matéria ora em questão sempre se apresentaria irrelevante face à circunstância de o tribunal “a quo” se não ter esquivado a concluir que, de todo o modo, não foi por causa dos alegados padecimentos que a recorrente começou a consumir drogas.
No que tange à dosimetria da pena, esgrime esta interessada com demasiada severidade da mesma, almejando pena única de 3 anos de prisão, apelando a falta de consideração das suas condições pessoais (nas quais inclui a situação a que acima nos reportámos), não tendo também sido relevado o tipo e quantidade de droga detectados.
Não faz, como é óbvio, qualquer sentido tal alegação.
A quantidade e tipo de droga apreendida encontram-se devida e minuciosamente analisados, o facto de a recorrente ser primária não deixou de ser equacionado e, quanto à “motivação” para a prática delituosa em questão, não se mostrando a mesma comprovada, mal se vê como pudesse deter o carácter atenuativo pretendido.
Atenta a moldura penal abstracta dos ilícitos imputados, os factores a que se reporta a lei, designadamente os constantes do art° 65°, C.P. e o circunstancialismo concretamente apurado, afigura-se-nos que a pena concreta alcançada relativamente a esta recorrente se mostra justa e adequada, a não mercer reparo.
Recurso de B
Cinge-se o inconformismo deste recorrente apenas à medida concreta da pena - 2 meses e 15 dias de prisão - a qual considera excessiva, mas apenas, tanto quanto apreendemos, pelo facto de não ter sido suspensa na sua execução.
Ora, pese embora as circunstâncias pessoais que anuncia, as quais, aliás, na medida em que se mostraram comprovadas, não deixaram de ser sopesadas, a verdade é que o “recheado” passado criminal deste recorrente, de resto bem expresso nos termos do douto acórdão, com, pelo menos, 6 condenações, não é, de forma alguma, de molde à permissão de formulação de juízo de prognose favorável quanto ao seu comportamento futuro, não se vendo que a mera censura do facto e a ameaça de prisão possam realizar, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição e afastem o agente de voltar a delinquir.
Daí que, pese embora se aceite que, em muitos casos, nomeadamente nos consumidores “patológicos”, a suspensão, com obrigatória submissão a tratamento de desintoxicação, se possa revelar adequada e não sendo, por outra banda, em princípio, aconselhável o cumprimento efectivo de penas de curta duração, atentos os “malefícios” colaterais daí decorrentes, se nos afigure que, no caso presente, em face das sucessivas oportunidades concedidas e sempre desperdiçadas, se imporá, de facto, a efectividade da prisão, havendo, pois, que manter o decidido.
Donde, entendermos não merecer provimento qualquer dos recursos.”; (cfr., fls.714 a 717).
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Em sede de exame preliminar constatou-se da manifesta improcedência do presente recurso, e, nesta conformidade, atento o estatuído no art. 407°, n.° 6, al. b) e 410°, n.° 1 do C.P.P.M., (redacção dada pela Lei n.° 9/2013, aplicável aos presentes autos nos termos do seu art. 6°, n.° 1 e 2, al. 2), passa-se a decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão provados os factos seguintes:
“1º
Por volta das 1.30 horas do dia 28 de Maio de 2014, à porta do …, guardas da P.S.P. interceptaram para investigações os arguidos A, B e C.
2º
Na altura, o arguido B atirou para o chão três pacotes com produto cristalino esbranquiçado embrulhados com lenço de papel.
3º
Feito o exame laboratorial, o referido produto cristalino esbranquiçado continha a substância de ketamina, produto constante da tabela II C anexa à Lei nº17/2009, com o peso total de 7.832 gramas. Feita a análise quantitativa, a componente de ketamina era de 69.49%, com o peso de 5.442 gramas.
4º
O produto referido no item anterior foi adquirido para seu consumo pelos arguidos B e C à arguida A, mediante o pagamento por aqueles a esta da quantia de MOP$1.500 tendo o arguido B contribuído com MOP$1.000,00 e o arguido C com MOP$500,00.
5º
Na posse da arguida A foram encontrados MOP$1500 e um telemóvel.
6º
O numerário referido no item anterior foi o dinheiro obtido pela arguida A por ter vendido estupefaciente aos arguidos B e C e o telemóvel é o aparelho de telecomunicações que a arguida A utilizava na actividade de tráfico de estupefacientes para os contactos.
7º
Na residência da arguida A, sita no ... foram encontrados em cima de uma mesinha de café num quarto: 7 pacotes de produto cristalino esbranquiçado, 1 papel vermelho com pó branco, 2 pacotes de produto cristalino transparente, um pote metálico com líquido (na parte de cima do pote tinha um tubo de vidro que fazia ligação a um recipiente de vidro, ao lado do pote tinha um conjunto de tubos de plástico ligados), 1 palhinha, 1 balança electrónica e 1 isqueiro; numa gaveta de um roupeiro num quarto encontraram um recipiente ligado a um recipiente de vidro com tampa de borracha, 1 isqueiro, 1 tubo de vidro com 1 tubo de plástico, 3 tubos de plástico, 1 garrafa para gás e um saco com 42 saquinhos de plástico.
8º
Feito o exame laboratorial, os 7 pacotes de produto cristalino esbranquiçado continham a substância de ketamina, produto controlado na tabela II C anexa à Lei nº17/2009, com o peso total de 25.636 gramas. Feita a análise quantitativa, a componente de ketamina era de 70.11%, com o peso de 17.973 gramas; o pó branco também continha a substância de ketamina, com o peso total de 0.191 gramas. Feita a análise quantitativa, a componente de ketamina era de 61.83%, com o peso de 0.118 gramas; os 2 pacotes de produto cristalino transparente continham a substância de metanfetamina, produto controlado pela tabela II B anexa à mesma Lei, com o peso total de 2.549 gramas. Feita a análise quantitativa, a componente de metanfetamina era de 74.17%, com o peso de 1.891 gramas; os vestígios encontrados no pote metálico, no tubo de vidro, no recipiente de vidro e no conjunto de tubos de plástico continham as substâncias de metanfetamina, anfetamina e N-N dimetanfetamina, o líquido do pote continha a substância de metanfetamina, anfetamina e N-N dimetanfetamina, com o peso líquido de 41 ml; os vestígios da palhinha continham a substância de metanfetamina, controlada pela tabela IIB; os vestígios encontrados na balança eram de matanfetamina e ketamina; os vestígios encontrados no recipiente de vidro, na tampa de borracha branca e no recipiente continham as substâncias de metanfetamina, anfetamina e N-N dimetanfetamina.
9º
Esses estupefacientes foram adquiridos pela arguida A junto de pessoa cuja identidade não foi possível apurar, com a finalidade de vender a maior parte a terceiros e uma pequena parte para o seu próprio consumo.
10º
O pote metálico, recipiente de vidro e a palhinha são os utensílios que a arguida A detinha para o seu consumo de estupefacientes.
11º
A balança electrónica e os saquinhos de plástico são os utensílios para a arguida A pesar e empacotar os estupefacientes.
12º
Os arguidos A, B e C agiram livre, voluntára e conscientemente ao praticarem as condutas supra referidas bem sabendo que as mesmas eram proibidas e punidas por lei.
13º
Os arguidos A, B e C sabiam perfeitamente a natureza dos referidos estupefacientes.
- Mais se provou que:
14º
Conforme o CRC, a arguida A é primária.
15º
O arguido B aufere mensalmente cerca de MOP$15.000,00 a MOP$18.000,00, tem como habilitações literárias o ensino primário completo, vive com os pais e o irmão e ajuda os pais.
16º
No âmbito dos autos CR3-09-0117-PSM, o arguido B, por sentença 26/04/2009, por prática de dois crimes p.p. pelo artº 23º alínea a) e artº 12º do Decreto-Lei nº 5/91/M, foi condenado numa pena de um mês de prisão por cada um dos crimes. Em cúmulo jurídico, foi condenado numa pena de 45 dias de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano com a condição de submeter ao tratamento médico à sua toxicodependência durante o período de execução da pena. Por despacho de 28/05/2010, foi prorrogado a suspensão por um ano até 08/05/2011 e posteriormente revogada a suspensão por despacho de 26/11/2010. Por despacho de 07/01/2011, o arguido B foi concedida liberdade no dia 07/01/2011 por ter atingido o termo de pena.
No âmbito dos autos CR2-12-0076-PSM, o arguido B, por sentença 25/04/2012, por prática de um crime de consumo ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas p.p. pelo artº 14º da Lei nº 17/2009, foi condenado numa pena de 2 meses e 15 dias de prisão cuja execução se suspende por um período de 2 anos e 6 meses, com a condição de submeter ao tratamento médico à sua toxicodependência durante o período de execução da pena. Por despacho de 16/09/2013, foi prorrogado o período de suspensão até 5 anos.
No âmbito dos autos CR1-12-0344-PCS, o arguido B, por sentença 07/12/2012, por prática de um crime p.p. pelo nº 2 do artº 90º da Lei nº 3/2007, foi condenado numa pena de 4 meses de prisão efectiva e ainda punido na inibição de condução pelo período de 1 ano e 3 meses.
No âmbito dos autos CR1-12-0434-PCS, o arguido B, por sentença 26/04/2013, por prática de um crime p.p. pelo nº 2 do artº 90º da Lei nº 3/2007, foi condenado numa pena de 5 meses e 15 dias de prisão efectiva e ainda punido na inibição de condução pelo período de 1 ano e 8 meses a contar da data de concessão de liberdade.
Penas aplicadas nos processos nºs CR1-12-0344-PCS e CR1-12-0434-PCS foram cumpridas no dia 08/03/2014.
No âmbito dos autos CR1-14-0001-PCS, o arguido B, por sentença 14/03/2014, por prática de crime p.p. pelo artº 14º da Lei nº 17/2009 e um crime p.p. pelo nº 2 do artº 90º da Lei nº 3/2007, foi condenado numa pena de 2 meses de prisão e 4 meses de prisão respectivamente. Em cúmulo jurídico, foi condenado numa pena de 5 meses de prisão efectiva e ainda punido na inibição de condução pelo período de 1 ano e 6 meses a contar de data de concessão de liberdade.
17º
O arguido C, aufere mensalmente MOP$20.000,00, tem como habilitações literárias o ensino primário completo, vive com os pais a quem ajuda.
18º
No âmbito dos autos CR4-14-0488-PCS, o arguido C, por despacho de 27/01/2015, por prática de um crime de consumo ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas p.p. pelo artº 14º da Lei nº 17/2009, foi condenado numa pena de 45 dias de multa à razão de MOP$100 por dia, o que perfaz o montante de quatro mil e quinhentas patacas (MOP$4.500,00), substituída por 30 dias de prisão em caso de não pagamento”.
Consta também no Acórdão do T.J.B. que:
“- Não se provaram outros factos com interesse relevante para a matéria da acusação e objecto destes autos, nomeadamente que a arguida A se encontrava em convalescença do acidente que tinha sofrido e que sofria dores intensas, bem como que foi por ter namorado com um individuo de nome Pun e das dores que começou a consumir drogas e que haja sido esse Pun quem deu o numero de telefone da arguida a terceiros para vender droga e quem dava instruções à arguida para vender droga, tudo factos que constam da contestação.
A convicção do tribunal relativamente aos factos dados por assentes resultou da apreciação crítica das provas, nomeadamente, os documentos de folhas 7, 12, 22, 90/91, 240/246 e 283/288 e as declarações dos três arguidos e dos depoimentos das testemunhas ouvidas.
Relativamente à matéria da acusação a mesma não foi dada por assente uma vez que dos depoimentos dos médicos ouvidos em audiência resulta o contrário, sendo certo que ao tempo a arguida não estava a ser medicada nem acompanhada pelas sequelas do acidente, sem prejuízo de já depois de se encontrar detida ter reincidido um problema de pele que teve também depois do acidente mas de que ao tempo dos factos não há noticia que padecesse”; (cfr., fls. 609-v a 614).
Do direito
3. Dois sendo os recursos trazidos a esta Instância, e, ponderando nas questões neles colocadas, entende-se de começar, como se mostra lógico, pela suscitada pela (1ª) arguida A, quanto ao imputado vício de “erro notório na apreciação da prova”.
–– Pois bem, sobre a questão, diz a arguida que:
“Em sede de contestação apresentada, a recorrente tentou demonstrar documentadamente que o seu envolvimento em drogas deveu-se pela nefasta companhia de seu então namorado, e da situação de lesionada em convalescença em que se encontrava, mergulhada em intensas dores, desgosto e sofrimento, o que a fê-la vulnerável à tentação da droga.
Para tal, juntou aos presentes autos uma certidão de sentença judicial proferido em 21/11/2014 no âmbito do processo CR4-14-0080-PCC onde comprova a ocorrência do acidente que sofrera bem como as lesões, ferimentos e sequelas daí resultantes.
Fez, ainda, chegar aos presentes autos, a fls. 341 e 345, dois relatórios médicos subcritos por médicos especialistas sobre a sua situação clínica da qual resultou um novo internamento hospitalar em 31/7 /2014.
Tais provas documentais, porquanto autênticas, comprovam os factos alegados de que a recorrente estava em convalescença, com dores e sofrimento à altura do cometimento dos factos.
Correctamente apreciados os documentos e provas acima referidas, deveria o Tribunal “à quo” ter concluído por comprovado o quadro de circunstancialismo fáctico alegado pela recorrente em sua contestação, quadro esse que, embora não ilibasse a culpa, fá-lo porém atenuar de forma especial.
Atenuação essa que se reflectiria necessariamente na busca da medida de cada uma das penas parcelares a aplicar, e, bem assim, da pena global resultante da operação de cúmulo jurídico
Agindo diversamente, o acórdão recorrido, nessa parte, incorreu no vicio de erro notório na apreciação da prova, nos termos do artigo 400° n.° 2, alínea c) do CPPM”; (cfr., concl. 2ª a 8ª, fls. 639 a 640).
Porém, e como já se deixou adiantado, evidente é que não lhe assiste razão, sendo de subscrever, na íntegra o entendimento assumido pelo I.P.A., que aqui se dá como reproduzido para todos os efeitos legais.
Seja como for, não se deixa de consignar o que segue.
Como repetidamente temos afirmado: “o vício de erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores”.
De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal”; (cfr., v.g., Ac. de 12.05.2011, Proc. n° 165/2011, e mais recentemente de 29.01.2015, Proc. n.° 13/2015 do ora relator).
Como também já tivemos oportunidade de afirmar:
“Erro” é toda a ignorância ou falsa representação de uma realidade. Daí que já não seja “erro” aquele que possa traduzir-se numa “leitura possível, aceitável ou razoável, da prova produzida”.
Sempre que a convicção do Tribunal recorrido se mostre ser uma convicção razoavelmente possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve a mesma ser acolhida e respeitada pelo Tribunal de recurso.
O princípio da livre apreciação da prova, significa, basicamente, uma ausência de critérios legais que pré-determinam ou hierarquizam o valor dos diversos meios de apreciação da prova, pressupondo o apelo às “regras de experiência” que funcionam como argumentos que ajudam a explicar o caso particular com base no que é “normal” acontecer.
Não basta uma “dúvida pessoal” ou uma mera “possibilidade ou probabilidade” para se poder dizer que incorreu o Tribunal no vício de erro notório na apreciação da prova; (cfr., v.g., Ac. de 22.05.2014, Proc. n.° 284/2014 e de 29.01.2015, Proc. n.° 13/2015).
Assente que cremos ter ficado o sentido e alcance do vício de “erro notório”, cabe dizer que, in casu, face ao alegado pela ora recorrente, patente é que inexiste tal vício, pois que os invocados documentos não provam – nem vinculam o Tribunal a dar como provados – os factos relativos à pretendida justificação da conduta da arguida em relação aos “actos por si praticados” e que integram os crimes de “tráfico” e “consumo” pelos quais foi condenada.
Poderiam, (quiçá), provar “questões da sua saúde”, mas nada mais que isso, pois que de forma alguma justificam ou permitem considerar assente uma situação de facto que possa integrar um qualquer “estado de necessidade”…
Por sua vez, e seja como for, importa atentar que nos termos do art. 149° do C.P.P.M.:
“1. O juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador.
2. Sempre que a convicção do julgador divergir do juízo contido no parecer dos peritos, deve aquele fundamentar a divergência”.
E, no caso, como atrás de deixou retratado, o Colectivo a quo fundamentou a “divergência” com o depoimento dos (2) médicos inqueridos em audiência de julgamento, (cfr., fls. 582-v e 583), sendo aqui de dar (obviamente) relevo aos princípios da oralidades imediação.
Dest’arte, e visto estando que não-se incorreu no assacado “vício”, passemos para a questão da(s) pena(s).
Como sabido é, ao crime de “tráfico”, p. e p. pelo art. 8° da Lei n.° 17/2009, cabe a pena de 3 a 15 anos de prisão.
Por sua vez, ao crime de “consumo ilícito de estupefacientes”, p. e p. pelo art. 14° da mesma Lei cabe a pena de prisão até 3 anos ou multa até 60 dias.
Ora, nos termos do art. 40° do C.P.M.:
“1. A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
3. A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente”.
E, como temos vindo a entender, “na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites”; (cfr., v.g., o Ac. de 03.02.2000, Proc. n° 2/2000, e, mais recentemente, de 13.01.2015, Proc. n° 13/2015).
Por sua vez, e como recentemente também decidiu o Tribunal da Relação de Évora:
“I - Também em matéria de pena o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico, pelo que o tribunal de recurso deve intervir na pena (alterando-a) apenas e só quando detectar incorrecções ou distorções no processo de determinação da sanção.
II – Por isso, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de apreciação livre reconhecida ao tribunal de 1ª instância nesse âmbito.
III - Revelando-se, pela sentença, a selecção dos elementos factuais elegíveis, a identificação das normas aplicáveis, o cumprimento dos passos a seguir no iter aplicativo e a ponderação devida dos critérios legalmente atendíveis, justifica-se a confirmação da pena proferida”; (cfr., Ac. de 22.04.2014, Proc. n.° 291/13, in “www.dgsi.pt”, aqui citado como mera referência, e decisão sumária do ora relator de 03.07.2014, Proc. n.° 433/2014, de 10.07.2014, Proc. n.° 369/2014 e Ac. de 10.07.2014, Proc. n.° 414/2014).
E, atento o que se expôs, ao tipo e quantidade de estupefaciente em causa no crime de “tráfico”, aos restantes instrumentos com o mesmo relacionados, (a balança electrónica e saquinhos de plástico, o que fazem crer que não se trata de um “crime pontual”), ao dolo directo e intenso da (1ª) arguida A, assim como às necessidades de prevenção criminal, (em especial, deste tipo de crime), afigura-se-nos manifesto que excessiva não é a pena de 4 anos e 6 meses de prisão, (que até se mostra passível de ser considerada benevolente).
Quanto às penas ambos os (1ª e 2°) arguidos fixadas pelo crime de “consumo”, evidente se nos mostra também que censura não merecem, já que, atento também ao tipo e efeitos do mesmo crime, motivos não existem para se optar por uma pena de multa (cfr., art. 64° do C.P.M.), apresentando-se as mesmas em perfeita sintonia com os art°s 40° e 65° do C.P.M., (reflectindo, adequadamente, a necessidade de prevenção geral e especial, nomeadamente, em relação ao (2°) arguido B, dado os seus “antecedentes criminais”, a reclamar uma pena, efectiva, acima do meio da sua moldura, como foi o caso).
Tudo visto, e manifesta sendo a improcedência dos recursos, à vista está a solução.
Decisão
4. Em face do exposto, decide-se rejeitar os recursos.
Pagarão os recorrentes as custas do recurso, com taxa de justiça que se fixa em 4 UCs para a (1ª) arguida A, e 3 UCs para o (2°) arguido B, suportando ainda os mesmos o equivalente a 3 UCs, como sanção pela rejeição dos recursos.
Registe e notifique.
Macau, aos 18 de Maio de 2015
José Maria Dias Azedo
Proc. 392/2015 Pág. 24
Proc. 392/2015 Pág. 23