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Processo nº 554/2015

I

Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância da RAEM

No âmbito dos autos da acção de processo do trabalho nº LB1-14-0055-LAC, do Juízo Laboral do Tribunal Judicial de Base, proposta por A, devidamente id. nos autos, contra a B Limitada, foi proferida a seguinte sentença julgando parcialmente procedente a acção:

I – RELATÓRIO
  
  A, de nacionalidade filipina, titular do Passaporte Filipino n.º EA0043623, emitido pela autoridade competente da República das Filipinas, em 5 de Março de 2010, com residência na Estrada Governador Albano de Oliveira, n.º 781 a 362G, Edifício “Nam San”, Bloco 2, 17.º andar, “H”, Taipa, veio intentar a presente

  Acção de Processo Comum do Trabalho contra

  B - LIMITADA, com sede na Avenida XXXX, XXXX, Edifício XXXX, XXX, XX.º Andar XX, Macau.
  Concluiu pedindo que seja julgada procedente por provada a presente acção e, em consequência ser a Ré condenada a pagar ao Autor:
  a) A quantia de MOP$59,800.00, relativa à diferença remuneratória que o Autor recebeu e que deveria ter recebido da Ré ao longo da sua relação de trabalho, acrescida de juros legais até integral e efectivo pagamento;
  b) A quantia de MOP$20,662.00, relativa à diferença remuneratória que o Autor recebeu e que deveria ter recebido da Ré pelo trabalho extraordinário prestado ao longo da sua relação de trabalho, acrescida de juros legais até integral e efectivo pagamento;
  c) A quantia de MOP$27,840.00, a título de subsídio de alimentação devido e não pago, acrescido de juros legais até integral e efectivo pagamento;
  d) A quantia de MOP$22,320.00, a título de subsídio de efectividade devido e não pago, acrescido de juros legais até integral e efectivo pagamento;
  e) A quantia de MOP$71,500.00, pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal;
  f) A quantia de Mop$35,750.00, pela falta de um dia de descanso compensatório pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal;
  g) Em custas e procuradoria condigna.
  Juntou os documentos constantes de fls. 23 a 34.
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  Realizada a tentativa de conciliação pelo MP, não chegou a acordo entre as partes.
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  A Ré contestou a acção com os fundamentos constantes de fls. 52 a 74 dos autos.
  Concluiu pedindo que sejam julgados improcedentes os pedidos do Autor.
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  Realiza-se a audiência de discussão e de julgamento com observação de todo o formalismo legal.
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II – PRESSSPOSTOS PROCESSUAIS
  O Tribunal é competente em razão da matéria, hierarquia e internacional.
  O processo é próprio.
  As partes gozam de personalidade e capacidade jurídicas e são legítimas.
  Não existem excepções, nulidades ou outras questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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III – FACTO
  Discutida a causa, resultam provados os seguintes factos:
­ A Ré é uma sociedade que se dedica à prestação de serviços de equipamentos técnicos e de segurança, vigilância, transporte de valores, entre outros. (alínea A) dos factos assentes)
­ Desde o ano de 1994, a Ré tem sido sucessivamente autorizada a contratar trabalhadores não residentes para a prestação de funções de «guarda de segurança», «supervisor de guarda de segurança», «guarda sénior», entre outros. (alínea B) dos factos assentes)
­ Entre 02/04/1994 e 30/04/1999, o Autor esteve ao serviço da Ré, exercendo funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente. (alínea C) dos factos assentes)
­ Trabalhando sobre as ordens, direcção, instruções e fiscalização da Ré. (alínea D) dos factos assentes)
­ Era a Ré quem fixava o local e horário de trabalho do Autor, de acordo com as suas exclusivas necessidades. (alínea E) dos factos assentes)
­ Durante todo o período de tempo anteriormente referido, foi a Ré quem pagou o salário ao Autor. (alínea F) dos factos assentes)
­ O Autor foi recrutado pela Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda, e posteriormente exerceu a sua prestação de trabalho para a Ré ao abrigo do Contrato de prestação de serviços n.º 2/94 (Cfr. fls.23, lista nominativa anexa ao contrato de prestação de serviços n.º 2/94, celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais e se junta como fls.24 a 29). (alínea G) dos factos assentes)
­ Resulta do Contrato de prestação de serviços n.º 2/94 que o trabalhador teria o direito a auferir, no mínimo, Mop$90,00 diárias. (alínea H) dos factos assentes)
­ Acrescidas de Mop$15,00 diárias a título de subsídio de alimentação. (alínea I) dos factos assentes)
­ Que teria direito a auferir um subsídio mensal de efectividade “igual ao salário de quatro dias”, sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço. (alínea J) dos factos assentes)
­ Sendo o horário de trabalho de 8 horas diárias. (alínea K) dos factos assentes)
­ E o trabalho extraordinário remunerado de acordo com a legislação de Macau. (alínea L) dos factos assentes)
­ O contrato de prestação de serviço n.º 2/94 foi objecto de apreciação, fiscalização e aprovação por parte da Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego (DSTE). (alínea M) dos factos assentes)
­ Ao longo da relação laboral, a Ré apresentou ao Autor vários contratos individuais de trabalho que foram assinados pelo Autor. (alínea N) dos factos assentes)
­ Durante todo o período da relação laboral entre a Ré e o Autor, a prestação de trabalho pelo Autor nos dias de descanso semanal, foi remunerada com o valor de um salário diário, em singelo. (alínea O) dos factos assentes)
­ Durante a relação de trabalho o Autor auferiu da Ré a título de rendimento anual e de rendimento normal diário, as quantias que abaixo se discrimina (Cfr. fls.34, Certidão de Rendimentos – Imposto Profissional, que se junta e se dá por reproduzido para todos os legais efeitos):
Ano
Rendimento anual
Rendimento normal diário (A)
1994
26112
97
1995
40111
111
1996
45798
127
1997
54021
150
1998
62985
175
1999
20883
174
(Quesito 1º da base instrutória, aceite pelas partes)
­ Entre 2 de Abril de 1994 e 30 de Setembro de 1995, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor a quantia de MOP$1,500.00, mensais. (Quesito 2º da base instrutória, aceite pelas partes)
­ Entre 1 de Outubro de 1995 e 30 de Junho de 1997, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor a quantia de MOP$1,700.00, mensais. (Quesito 3º da base instrutória, aceite pelas partes)
­ Entre 1 de Julho de 1997 e 31 de Março de 1998, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$1,800.00 mensais. (Quesito 4º da base instrutória, aceite pelas partes)
­ Entre 1 de Abril de 1998 e 30 de Abril de 1999, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$2,000.00 mensais. (Quesito 5º da base instrutória, aceite pelas partes)
­ Entre 2 de Abril de 1994 e 30 de Junho de 1997, o Autor trabalhou 12 horas de trabalho por dia. (Resposta ao quesito 6º da base instrutória)
­ Tendo a Ré remunerado as 4 horas diárias de trabalho extraordinário à razão de MOP$8.00, por hora. (Resposta ao quesito 7º da base instrutória, aceite pelas partes quanto ao valor de remuneração à titulo de trabalho extraordinário)
­ Entre 1 de Julho de 1997 e 30 de Abril de 1999, o Autor trabalhou 12 horas de trabalho por dia. (Resposta ao quesito 8º da base instrutória)
­ Tendo a Ré remunerado as 4 horas diárias de trabalho extraordinário à razão de MOP$9.30, por hora. (Resposta ao quesito 9º da base instrutória, aceite pelas partes quanto ao valor de remuneração à titulo de trabalho extraordinário)
­ Durante todo o período da relação laboral entre a Ré e o Autor, nunca a Ré pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de alimentação. (Quesito 10º da base instrutória, aceite pelas partes)
­ Durante todo o período da relação laboral entre a Ré e o Autor, nunca o Autor – sem conhecimento e autorização prévia pela Ré – deu qualquer falta ao trabalho. (Resposta ao quesito 11º da base instrutória)
­ Porém, durante todo o período da relação laboral entre a Ré e o Autor, a Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio mensal de efectividade de montante igual ao salário de 4 dias. (Quesito 12º da base instrutória, aceite pelas partes)
­ Por solicitação da Ré, durante todo o período da relação laboral, o Autor prestou serviço em todos os seus dias de descanso semanal, durante 12 horas por dia. (Resposta ao quesito 13º da base instrutória)
­ E nunca o Autor gozou de qualquer dia a título de descanso semanal. (Resposta ao quesito 14º da base instrutória)
­ Durante todo o período da relação laboral a Ré nunca conferiu ao Autor, em troca do trabalho prestado em dia de descanso semanal, um qualquer outro dia de descanso compensatório. (Resposta ao quesito 15º da base instrutória)
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IV – FUNDAMENTO DE DIREITO
  Cumpre analisar os factos e aplicar o Direito.
  Atentas as posições tomadas pelas partes, são seguintes questões essenciais a decidir nos presentes autos:
a) Caracterização do contrato celebrado entre o Autor e a Ré;
b) Regime aplicável à presente relação laboral;
c) Qualificação jurídica do contrato celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda;
d) As diferenças salariais;
e) As diferenças remuneratórias relativas ao trabalho extraordinário;
f) Subsídio de alimentação;
g) Subsídio de efectividade;
h) Compensação pelo trabalho prestado em dias de descanso semanal e pelo descanso compensatório;
i) Juros de mora.
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  Caracterização do contrato celebrado entre o Autor e a Ré
  Nos termos do art. 1079º, n 1º do Código Civil, “Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta.”
  Desse preceito resulta que são três elementos do contrato de trabalho:
1) A prestação da actividade;
2) A retribuição;
3) A subordinação jurídica.
  No contrato de trabalho, a uma parte (trabalhador) incumbe a prestação duma actividade quer intelectual quer manual, bem como a sua disponibilidade junto de outra parte (empregador), por forma a que esta possa obter o resultado pretendido com outros meios de produção.
  Em contrapartida, o trabalhador ganha retribuição como preço do trabalho prestado por ele, sendo essa retribuição paga normalmente em dinheiro.
  A subordinação jurídica é característica mais importante do contrato de trabalho, que se traduz numa relação de dependência do trabalhador face às ordens, directivas e instruções do empregador na prestação da actividade daquele.
  Segundo os factos provados, ficou demonstrado que, o Autor esteve, entre 02/04/1994 e 30/04/1999, ao serviço da Ré para, sob as suas ordens, direcção, instruções e fiscalização e com o local e horário de trabalho fixados por ela, exercer funções de guarda de segurança, ganhando remuneração paga pela Ré como preço do trabalho seu.
  Nestes termos, dúvidas não restam em qualificar como relação laboral, a relação existente entre o Autor e a Ré.
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  Regime aplicável à presente relação laboral
  Além disso, segundo os factos provados nos autos, é o Autor, enquanto trabalhador não residente, quem foi oferecido por uma entidade fornecedora de mão-de-obra, isto é, pela Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda, através dum procedimento adminstrativo previsto no Despacho n. 12/88/M, que, para que seja concedida a importação de mão-de-obra não residente, exige a intervenção de terceira entidade de fornecedora de mão-de-obra e a celebração, apenas entre essa terceira entidade e a entidade patronal, dum denominado “contrato de prestação de serviços”.
  No entanto, verifica-se, segundo os factos provados nos autos, que as claúsulas daquele contrato se prevêm condições de trabalho mais favoráveis às convencionadas entre o Autor e a Ré e prestadas efectivamente a ele. Assim, intentou ele a presente acção pedindo o que ele entendeu ser-lhe devido conforme o referido Despacho e o contrato de “prestação de serviços” celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda.
  Mas o problema é, se ambos se integram no regime aplicável à relação laboral entre o Autor e a Ré?
  Diferente do problema sobre a qualificação do contrato entre o Autor e a Ré, é muito discutido, quanto a isso, entre as partes.
  Entende o Autor, para servir como base dos seus pedidos, que é aplicável o Despacho n. 12/GM/88 porque é ele que define imperativamente um conjunto de requisitos tidos como mínimos e indispensáveis à mesma contratação e nos termos do qual a Ré só é permitida celebrar com o Autor contrato de trabalho que contém as condições de trabalho menos favoráveis para ele. Ao mesmo tempo, o contrato celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda deve ser qualificado como contrato a favor de terceiro cujo beneficiário seja o próprio Autor, aplicável à relação laboral entre ele e a Ré.
  Por sua vez, entende a Ré que o Despacho só prevê um procedimento de importação de mão-de-obra não residente sem fixa condições de contratação específicas e por isso a violação dos seus termos só importa infracção administrativa mas não incumprimento de contrato de trabalho entre o Autor e a Ré. Quanto à qualificação do referido contrato, a Ré refuta-a como contrato a favor de terceiro com os fundamentos de que não pode ter essa qualificação quando o referido Despacho o qualifica como contrato de prestação de serviços; o referido contrato nunca confere ao Autor nenhum benefício nem atribuição patrimonial, mas sim uma contraprestação de obrigações, a qual não pode ser objecto do contrato a favor de terceiro; o referido contrato não se lhe aplica por ser inconciliável com o princípio de res inter alios acta, aliis nec nocet nec prodest e o seu incumprimento só poderia legitimar a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau a reclamar os prejuízos em que haja incorrido pelo incumprimento.
*
Perante essa controvérsia, entendemos que a questão está em saber duas coisas: 1) se é o Despacho n. 12/GM/88 fonte regulador do regime jurídico aplicável ao caso? 2) É ou não o contrato celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, por sua natureza, contrato a favor de terceiro?
Quer uma quer outra, o Venerando Tribunal de Segunda Instância já se pronunciou, nos casos semelhantes, de forma unânime em vários acórdãos no sentido de lhe aplicar o referido Despacho e considerar o dito contrato como tal, aplicável ao trabalhador (vide os Ac. do TSI n.os 557/2010, 322/2013, 372/2012, 780/2011, 655/2012, 396/2012, 432/2012, 180/2012, 441/2012, 132/2012, 376/2012, 267/2012, 131/2012, 91/2012, 282/2011, 781/2011, 746/2011, 779/2011, 491/2011, 597/2010, 297/2010, 597/2010, 757/2010, 777/2010, 573/2010, 662/2010, 69/2010, 838/2010, 779/2010, 837/2010, 780/2010, 876/2010, 774/2010 e 574/2010).
Assim, para responder a primeira questão, vale a pena citar, entre outros, e por ser convincente, o Douto Acórdão do TSI n. 574/2010:
  “A Lei de Bases da Política de Emprego e dos Direitos Laborais, Lei n.º 4/98/M, de 27 de Julho, publicada no BO de Macau n.º 30, I série, no artigo 9.° admite a contratação de trabalhadores não residentes quando se verifiquem determinados pressupostos, estatuindo que essa contratação fica dependente de uma autorização administrativa a conceder individualmente a cada unidade produtiva.
  Por sua vez, o Regime Jurídico das Relações de Trabalho estabelecido pelo Decreto-lei n." 24/89/M, de 03 de Abril, vigente até 01 de Janeiro de 2009 (altura em que entrou em vigor a Lei n." 7/2008, Lei das Relações de Trabalho) e aprovado para definir os condicionalismos mínimos que devem ser observados na contratação entre os empregadores directos e os trabalhadores residentes, tal como resulta do seu artigo 1.º, n.º 2, esclareceu ele próprio que não seria aplicável a alguns conjuntos de relações de trabalho, entre os quais as relações de trabalho entre empregadores e trabalhadores não residentes, que seriam reguladas por normas especiais que se encontrem em vigor, nos termos do artigo 3.°, n." 3, alínea d).
  Essas normas especiais foram (não se conhecem outras), até à entrada em vigor da Lei n." 21/2009 de 27.10, no dia 25 de Abril de 2010, as previstas no Despacho n." 12/GM/88 de 01 de Fevereiro…
  …
  6. Importa, então, apurar sobre o regime jurídico aplicável a este contrato de trabalho…
  Não é difícil perceber que ele deve ser iluminado por um conjunto de fontes reguladoras do regime jurídico aplicável ao caso - contratação administrativamente condicionada -, a saber:
  - o Despacho n." 12/GM/88 de 01 de Fevereiro;
  - o contrato celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda.
  - o contrato celebrado entre o A. e a Ré;
  - o RJRL ( DL24/89/M, de 3/Abril), na medida em que remissivamente aplicável.
  Tanto mais que está provado que a Ré foi autorizada a contratar trabalhadores não residentes, entre os quais o ora Autor, para a prestação de funções relacionadas com a actividade de segurança privada.
  O que foi feito ao abrigo do artigo de um contrato de prestação de mão de obra com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda, conforme previsto nos artigos 3º, 7º, 8º, 9º do Despacho n.º 12/GM/88.
  Isto é, o contrato com o A. só foi celebrado porque a Administração autorizou a celebração daquele contrato, devidamente enquadrado por um outro contrato que devia ser celebrado com uma empresa fornecedora de mão-de-obra e onde seriam definidas as condições mínimas da contratação, como flui do artigo 9º, d), d.2) do aludido despacho 12/GM/88:
  “…
  d) O contrato será remetido ao Gabinete para os Assuntos de Trabalho, a quem compete verificar e informar se se encontram satisfeitos os requisitos mínimos exigíveis para o efeito, designadamente os seguintes:
  d.1. Garantia, directa ou indirecta, de alojamento condigno para os trabalhadores;
  d.2. Pagamento do salário acordado com a empresa empregadora;
  d.3. Assistência na doença e na maternidade;
  d.4. Assistência em caso de acidentes de trabalho e de doenças profissionais;
  d.5. Repatriamento dos trabalhadores considerados indesejáveis. (Os deveres mencionados em d.3. e d.4. serão obrigatoriamente garantidos através de seguro);…”
  É assim que as condições previstas no aludido contrato ganham força, sendo, como é óbvio, vista a natureza da relação laboral e os contornos administrativos a que é sujeita, que as condições de trabalho menos favoráveis para o trabalhador, resultantes do contrato de trabalho entre este e o empregador, hão-de ceder necessariamente perante as resultantes do contrato celebrado entre o empregadora e a empresa fornecedora mão-de-obra, condição decorrente da autorização de relação laboral em causa.
  É certo que o contrato de trabalho, como negócio jurídico obrigacional, se baseia na autonomia privada, a qual engloba para além da liberdade de celebração, a liberdade de estipulação. Como ensina Pedro Romano Martinez, “como em qualquer negócio jurídico, as partes têm, liberdade de conformar as regras contratuais aos interesses que pretendem prosseguir. Todavia, no domínio laboral, a liberdade de estipulação contratual encontra-se limitada; a especial protecção do trabalhador, que o Direito do Trabalho pretende conferir, leva a que, frequentemente, se condicione a liberdade das partes na conformação das regras contratuais, até porque, não raras vezes, a situação factual de desigualdade entre as partes potenciaria o estabelecimento de regras desfavoráveis para o trabalhador”.
  Razões estas, se não apodípticas, observáveis na nota preambular do referido Despacho n.º 12/GM/88, em que para além da contemplação dos interesses protagonizados pela defesa da mão-de-obra local e dos protagonizados pelos interesses empresariais se sublinhou o seguinte:
  “Da parte do Governador há ainda a considerar um terceiro aspecto da questão, que é o de não consentir no Território situações que contendam com o padrão mínimo, ou que como tal seja aceite pela consciência social, relativamente às condições de alojamento da população trabalhadora, Entendeu-se assim que Q solução do problema passava por uma clara destrinça. entre as situações de emprego dos residentes, estas reguladas pela lei aplicável entre empregador e empregado como sujeitos autónomos de direitos e obrigações, e as situações de emprego de não-residentes, que, ao contrário das primeiras, traduzirão um vínculo de contrato de prestação de serviços com terceiras entidades. Estas tem que se responsabilizar pelo alojamento dos trabalhadores ocasionais e pelo pagamento dos salários que lhes sejam devidos, bem como pelo seu repatriamento quando os considerem dispensáveis. Fica claro, de qualquer forma, que esses trabalhadores ocasionais não têm qualquer direito de permanência em Macau. Nem de outra forma seria possível avançar, como é firme propósito do Governador, em defesa dos interesses dos trabalhadores residentes no Território. Para tal, estes hão-de constituir uma massa determinada, com peso específico próprio.
  Nesta primeira fase, tal defesa consiste na regulação das condições de oferta do mercado, pedindo que os trabalhadores sob custódia de uma terceira entidade contratados por via de contrato de prestação de serviços possam constituir-se numa pressão que resulte em prejuízo dos trabalhadores residentes, quer no que diz respeito à estabilidade do emprego, quer no que diz respeito ao nível dos salários. E trata-se, é bom que se diga, de uma solução que se aceita a titulo experimental, determinada pela extrema complexidade da matéria e pela urgência que havia em dar-lhe encaminhamento. Por isso, aliás, se introduz por via do simples despacho, aproveitando a feliz circunstância de não parecer que algum normativo de grau superior a tal se oponha.”
  Torna-se assim mais claro o enquadramento que deve presidir ao estabelecimento do regime jurídico da relação em apreço e que passa pela aplicação das normas mais favoráveis que de qualquer um dos contratos em referência resulte, até em nome do princípio do favor laboratoris, entendido este como um princípio geral do Direito do Trabalho, entendido este com assento na concepção das opções legislativas pro operario e não como derrogando as regras imperativas da interpretação das normas decorrentes do Direito Civil.”
*
  Qualificação jurídica do contrato celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda
  Quanto à natureza do contrato celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, trata-se, com razão, de contrato a favor de terceiro, que se aplica ao trabalhador que o não assinou, como assim entende unanimamente na Jurisprudência.
  Como se pode aferir da douta fundamentação dum desses acórdãos do Venerando TSI no processo n. 774/2010, que aqui nos permitimos reproduzir:
  “De qualquer modo, assentem os contratos celebrados com os trabalhadores não residentes indirectamente no Despacho nº 12/GM/88, ou derivem eles directamente do contrato firmado entre B e Sociedade de Apoio, a verdade é que ninguém se atreve a dizer que aquele instrumento contratual e o Despacho em causa são de todo inertes e indiferentes ao clausulado que viesse a integrar o contrato entre empregador e trabalhadores. A questão só se complica na medida em que se trata de pessoas que não intervieram no referido instrumento. Daí que se pergunte a que título dele nasceram direitos para a sua esfera.
  …
  E considerando não se estar perante um contrato de trabalho, um contrato de trabalho para pessoa a nomear, um contrato de cedência de trabalhadores ou um contrato de promessa – por razões que explicita e com as quais concordamos, mas que, por comodidade e desnecessidade ao desfecho decisório do recurso nos dispensamos de reproduzir – acabou por concluir que, do mesmo modo, não se estaria em presença do contrato a favor de terceiros, mas eventualmente ante um contrato de promessa de celebrar um contrato de trabalho com pessoa a nomear (sem qualquer efeito na relação laboral contratada entre empregador e trabalhador) e que apenas permitiria à beneficiária (Sociedade de Apoio) reclamar prejuízos resultantes do incumprimento.
  E para tanto concluir, arrancando da leitura do art. 437º do Código Civil, foi peremptório em afirmar que no conceito da figura do contrato a favor de terceiro avulta o requisito da “prestação”, que aqui julga não ser possível, uma vez que essa prestação apenas equivaleria à “celebração de outro contrato”. Argumento a que ainda adita o de que de um contrato a favor de terceiro não podem nascer obrigações para este. Dois obstáculos, portanto, que, em sua óptica, o impediam de preencher os elementos tipo desta espécie contratual.
  A solução a dar a ambos estes impedimentos invocados pelo Ex.mo juiz “a quo” merece um tratamento em bloco.
  Vejamos.
  Segundo o art. 437º do CC:
  “1. Por meio de contrato, pode uma das partes assumir perante outra, que tenha na promessa um interesse digno de protecção legal, a obrigação de efectuar uma prestação a favor de terceiro, estranho ao negócio; diz-se promitente a parte que assume a obrigação e promissário o contraente a quem a promessa é feita.
  2. Por contrato a favor de terceiro, têm as partes ainda a possibilidade de remitir dívidas ou ceder créditos, e bem assim de constituir, modificar, transmitir ou extinguir direitos reais”.
  No contrato a favor de terceiro, como se vê, existem três elementos pessoais a considerar: dois contraentes e um beneficiário; de um lado, o promitente, a pessoa que promete realizar a prestação e o promissário, a pessoa a quem é feita a promessa; do outro, o terceiro beneficiário, estranho à relação contratual, mas que adquire direito à prestação. Eis aqui um bom exemplo de desvio à relatividade dos contratos ou ao princípio do efeito relativo (inter-partes) dos contratos.
  Claro que se poderia alvitrar que, para valer perante um qualquer terceiro, este deveria ser designado no contrato como beneficiário, o que implicava desde logo a sua identificação. Todavia, este eventual obstáculo tomba sob o peso da norma criada pelo art. 439º, ao permitir que a prestação pode ser estipulada a favor de terceiro indeterminado, bastando que o beneficiário seja determinável no momento em que o contrato vai produzir efeitos a seu favor.
  Regra geral, portanto, do contrato nasce um direito a uma prestação, a uma vantagem, não uma obrigação. Por isso se diz que o efeito para a esfera do “beneficiário” deva ser positivo.
  A questão está, agora, em saber duas coisas:
  Uma, se esse efeito positivo ou de vantagem é incompatível com a atribuição de deveres; outra, como deve esse efeito ser conferido, isto é, qual a forma de manifestação da prestação.
  A primeira questão, é respondida com relativa facilidade. É certo que através de um contrato entre duas partes não pode impor-se apenas uma obrigação a outra pessoa que nele não tenha figurado, enquanto objecto único dos efeitos pretendidos em relação a ela. Isso contraria o espírito da relatividade contratual na sua essência mais pura e escapa, pela letra do preceito transcrito, à sua mais estrita previsão. Não é disso, porém que aqui se trata.
  Por outro lado, a imposição de deveres, num quadro mais alargado de uma posição jurídica que também envolva vantagens, não tem qualquer eficácia se o terceiro não os aceitar dentro da sua livre determinação e no quadro do exercício da sua vontade. De resto, é hoje pacífico que podem ser fixados ónus e deveres ao terceiro, sem que com isso resulte afectada a sua margem de liberdade. As partes atribuem-lhe somente vantagens, se de benefícios o negócio unicamente tratar. Mas, se a atribuição do efeito positivo carecer de uma atitude posterior do beneficiário da qual resulte a assunção de deveres, através da sua adesão por qualquer facto, não se vê em que isso contrarie o objectivo do contrato. A vantagem é, para este efeito, cindível ou autonomizável. Por conseguinte, tudo ficará cometido ao seu livre arbítrio e alto critério pessoal: o terceiro é livre de acatar ou não os deveres, sendo certo que se a sua resposta for negativa, perderá o direito à vantagem e ao efeito positivo resultantes daquele contrato.
  A segunda pode ser mais problemática, mas a solução acaba por ser pacífica, segundo se crê, se for de entender que “dar trabalho”, isto é, conceder um posto de trabalho, proporcionar emprego a alguém nas condições estipuladas no contrato-norma é uma prestação de facere ou uma prestação de facto, mesmo que incluída numa relação jurídica a constituir. O contrato a celebrar com o terceiro não seria o fim último da situação de vantagem reconhecida e prometida pelo contrato entre B e Sociedade de Apoio, mas sim e apenas o instrumento jurídico através do qual se realizaria o benefício, a vantagem, o direito.
  De resto, também se não deve negar que, para além do efeito positivo traduzido no próprio emprego prometido oferecer, qualquer cláusula que ali o promitente assumiu em benefício do trabalhador a contratar (v.g, valor remuneratório, garantia de assistência, etc.) ainda representa uma prestação positiva a que B se obrigou.
  Por conseguinte, os obstáculos erigidos na sentença a este respeito, salvo melhor opinião, não têm consistência. O que vale por dizer que, contra a tese da sentença sob censura, o contrato a favor de terceiro será aquele que melhor se adequa à situação em apreço e é nesse pressuposto que avançaremos para as consequências daí emergentes.”
*
Assim sendo, à relação laboral entre o Autor e a Ré aplica, entre outros, o Despacho n. 12/GM/88 e o contrato celebrado entre ela e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau nos termos ao Autor mais favoráveis.
  A seguir, vamos analisar se o Autor pode ou não reclamar os créditos resultantes das diferenças salariais, do trabalho extraordinário, do subsídio de alimentação, do subsídio de efectividade, do trabalho em dia de descanso semanal e do descanso compensatório.
*
  As diferenças salariais
  Vem o Autor a reclamar os créditos resultantes das diferenças salariais que recebeu durante o período entre 02/04/1994 e 30/04/1999 e o que foi estipulado nos contratos de prestação de serviços.
  Segundo as condições fixadas nos contratos de prestação de serviços, o Autor tem direito o salário, no mínimo, a quantia de MOP$90.00 por dia, por 8 horas de trabalho diárias, o que perfaz a quantia de MOP$2,700.00 por mês.
  Estão provados nos autos os salários mensais efectivamente recebidos pelo Autor nos seguintes períodos:
­ Entre 2 de Abril de 1994 e 30 de Setembro de 1995, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor a quantia de MOP$1,500.00, mensais. (Quesito 2º da base instrutória, aceite pelas partes)
­ Entre 1 de Outubro de 1995 e 30 de Junho de 1997, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor a quantia de MOP$1,700.00, mensais. (Quesito 3º da base instrutória, aceite pelas partes)
­ Entre 1 de Julho de 1997 e 31 de Março de 1998, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$1,800.00 mensais. (Quesito 4º da base instrutória, aceite pelas partes)
­ Entre 1 de Abril de 1998 e 30 de Abril de 1999, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$2,000.00 mensais. (Quesito 5º da base instrutória, aceite pelas partes)
  Está registada uma diferença entre o salário mensal efectivamente pago pela Ré ao Autor e o salário mínimo clausulado nos contratos de prestação de serviços de cada período acima referido.
  Assim, o Autor tem direito a receber as quantias calculadas segundo a fórmula: número dos meses de cada período (A) x a diferença salarial (B):
Período
Meses
(A)
Diferença salarial
(B)
Quantia indemnizatória
(A x B)
02 de Abril de 1994 a 30 de Setembro de 1995
17meses 29dias
MOP$1,200.00
MOP$21,560.00
1 de Outubro de 1995 a 30 de Junho de 1997
21
MOP$1,000.00
MOP$21,000.00
1 de Julho de 1997 a 31 de Março de 1998
9
MOP$900.00
MOP$8,100.00
Abril de 1998 a 30 de Abril de 1999
13
MOP$700.00
MOP$9,100.00
  Em suma, o Autor tem direito a receber a quantia global de MOP$59,760.00, a título de diferenças salariais.
*
  As diferenças remuneratórias relativas ao trabalho extraordinário
  O Autor vem reclamar ainda o pagamento da diferença do salário, a título de trabalho extraordinário, calculado entre o que lhe era devido de acordo com o salário clausulado nos contratos de prestação de serviços e o que lhe foi efectivamente pago pela Ré.
  De acordo com os factos assentes, o horário de trabalho do Autor é de 8 horas. Assim, o trabalho prestado para além do horário / período normal de trabalho é considerado como extraordinário.
  Conforme o teor dos referidos contratos de prestação de serviços celebrados entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, a prestação de trabalho extraordinário é remunerada de harmonia com o disposto na legislação do trabalho em vigor em Macau para os operários residentes.
  Assim, de acordo com o art. 11º, n 2º do DL n. 24/89/M, pela prestação de trabalho extraordinário, o trabalhador terá direito a um acréscimo de salário, do montante que for acordado entre o empregador e o trabalhador.
  Na falta desse acordo, não pode deixar de ter em conta o valor da remuneração normal. Aqui, permite-nos citar o Douto Acródão do Venerando TSI n. 737/2010:
  “1. O Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, não prevê sobre a forma ou o modo de fixação do acréscimo de salário pela prestação de trabalho extraordinário, nem sobre o montante mínimo desse acréscimo salarial, mas isto não representa que a “livre” fixação, em sede do art.º 11.º, n.º 2, desse diploma legal, do valor remuneratório de cada hora extra de trabalho possa nomeadamente prejudicar as condições de trabalho mais favoráveis já observadas e praticadas entre a própria sociedade comercial arguida e os trabalhadores ofendidos então ao seu serviço (cfr. A norma do n.º 1 do art.º 5.º do próprio Decreto-Lei).
   2. Na verdade, não se pode admitir, ao arrepio do senso comum das pessoas, como fosse concretamente mais favorável a esses trabalhadores o facto de o valor da remuneração de cada hora extra do trabalho ser ainda inferior ao valor da remuneração de cada hora do trabalho normal.”
  Nestes termos, sendo que a Ré se obrigava a pagar ao Autor um salário diário de MOP$90.00, a remuneração por cada hora de trabalho extraordinário devia ser calculado com base na remuneração por hora de MOP$11.25, correspondente a MOP$90.00/8horas.
  No entanto, está provada a seguinte matéria de facto a isso referida:
­ Entre 2 de Abril de 1994 e 30 de Junho de 1997, o Autor trabalhou 12 horas de trabalho por dia. (Resposta ao quesito 6º da base instrutória)
­ Tendo a Ré remunerado as 4 horas diárias de trabalho extraordinário à razão de MOP$8.00, por hora. (Resposta ao quesito 7º da base instrutória, aceite pelas partes quanto ao valor de remuneração à titulo de trabalho extraordinário)
­ Entre 1 de Julho de 1997 e 30 de Abril de 1999, o Autor trabalhou 12 horas de trabalho por dia. (Resposta ao quesito 8º da base instrutória)
­ Tendo a Ré remunerado as 4 horas diárias de trabalho extraordinário à razão de MOP$9.30, por hora. (Resposta ao quesito 9º da base instrutória, aceite pelas partes quanto ao valor de remuneração à titulo de trabalho extraordinário)
  Assim, deve calcular as diferenças remuneratórias relativas ao trabalho extraordinário com a fórmula seguinte: (a remuneração de trabalho extraordinário devida – remeração de trabalho extraordinário recebida pelo Autor) x número das horas de trabalho extraordinário em causa. Mais concretamente,
Período
Número das horas
Remuneração devida
Remuneração recebia
Diferença remuneratória relativa ao trabalho extraordinário
02 de Abril de 1994 a 30 de Junho de 1997
4744horas
(1186dias x 4horas)
11.25
8
MOP$15,418.00
1 de Julho de 1997 a 30 de Abril de 1999
2676horas
(669dias x 4horas)
11.25
9.3
MOP$5,218.20
  Em suma, o Autor tem direito a receber a quantia global de MOP$20,636.20, a título de diferenças remuneratórias relativas ao trabalho extraordinário.
*
  Subsídio de alimentação
  Segundo os factos dados provados nos autos, no contrato aprovado pela DSTE ficou expressamente estipulado que o Autor teria direito a auferir a quantia de MOP$15 diária, a título de alimentação.
  E durante todo o período da relação laboral entre a Ré e o Autor, nunca a Ré lhe pagou qualquer quantia a título de subsídio de alimentação.
  Ora, o período de trabalho prestado pelo Autor é de 5 anos e 29 dias, correspondente aos 1855 dias.
  Em suma, o Autor tem direito a receber a quantia global no montante de MOP$27,825.00 (1855 dias x MOP$15), a título de subsídio de alimentação.
*
  Subsídio de efectividade
  Segundo os factos dados provados nos autos, no contrato aprovado pela DSTE ficou expressamente estipulado que o Autor teria direito a auferir um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de quatro dias, sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço.
  Porém, durante todo o período da relação laboral entre a Ré e o Autor, nunca a Ré atribuiu ao Autor qualquer quantia a título de subsídio mensal de efectividade de montante igual ao salário de 4 dias.
  Ora, o período de trabalho alegados pelo Autor é de 5 anos e 29 dias, correspondente aos 60 meses, cada mês tem abono de 4 dias de salário diário MOP$90.
  Em suma, o Autor tem direito a receber a quantia global no montante de MOP$21,600.00 (MOP$90 x 4 dias x 60meses), a título de subsídio de efectividade.
*
  Compensação pelo trabalho prestado em dias de descanso semanal e pelo descanso compensatório
Quanto à compensação pelo trabalho prestado em dias de descanso semanal pelo Autor enquanto trabalhador não residente, não é menos certo que lhe pode aplicar, por analogia, o DL nº 24/89/M, mesmo na falta de cláusula contratual e de disposto no Despacho n. 12/GM/88 a ela referentes. Assim, como o bom ensinamento dos Doutos Acórdão do TSI n. 596/2010 e 805/2010 se escreve, “A circunstância de o próprio D. L. nº 24/89/M ter determinado a sua não aplicação às relações laborais com trabalhadores não residentes não obsta a sua aplicação analógica a essas relações laborais, uma vez que a não aplicação é condicional, isto é, só se não aplica se existirem normas especiais nesta matéria.”
Portanto, devemos aplicar por analogia o disposto no art. 17º, n. 6º do DL nº 24/89/M.
  Interpretando o referido artigo, os Doutos Acórdãos do TUI julgaram-se no sentido de que o trabalhador recebe o dobro da retribuição normal, mas como os Autores nos respectivos casos já receberam o salário normal correspondente ao trabalho nesses dias de descanso, só têm direito a outro tanto (conforme os Ac. do TUI n.os 28/2007, 29/2007, 58/2007 e 40/2009).
Aqui, vale a pena citar essa parte do douto Acórdão n. 28/2007 do Venerando TUI:
  “Na redacção original do n.º 6 do art. 17.º do RJRL o trabalho prestado em dia de descanso semanal dava sempre direito a ser pago pelo dobro da retribuição normal.
  O n.º 6 do art. 17.º do RJRL, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 32/90/M, de 9 de Julho, dispõe:
  “6. O trabalho prestado em dia de descanso semanal deve ser pago:
  a) Aos trabalhadores que auferem salário mensal, pelo dobro da retribuição normal;
  b) Aos trabalhadores que auferem salário determinado em função do resultado efectivamente produzido ou do período de trabalho efectivamente prestado, pelo montante acordado com os empregadores, com observância dos limites estabelecidos nos usos e costumes”.
  Ao caso aplica-se a alínea b), dado que o autor era remunerado, não em função do mês, mas ao dia (salário determinado em função do período de trabalho efectivamente prestado).
  O pagamento do trabalho prestado em dia de descanso semanal é pago pelo montante acordado com os empregadores.
  Não tendo havido acordo entre autor e ré sobre a forma de remunerar o trabalho em dia de descanso semanal, existe uma lacuna quanto à forma de determinar tal pagamento.
  É que a referência, na parte final da alínea b) aos “usos e costumes”, não tem por finalidade substituir o acordo entre as partes, nem pode constituir nenhum acordo tácito entre as partes, que não se vislumbra a partir dos factos provados. Os usos e costumes são apenas um limite para o montante acordado pelas partes.
  Ora, não tendo havido qualquer acordo entre as partes, há falta de previsão legal sobre o pagamento prestado em dia de descanso semanal, para aqueles que não auferem salário mensal.
  Há que integrar a lacuna, por meio da norma aplicável aos casos análogos (art. 9.º, n.º 1, do Código Civil, correspondendo ao art. 10.º, n.º 1 do Código Civil de 1966).
  Ora a norma aplicável aos casos análogos é, manifestamente, a da alínea a) do mesmo n.º 6 do art. 17.º, que se refere à remuneração em dia de descanso semanal, para os que recebem em função do mês, ou seja o dobro da retribuição, no caso, diária.
  Por outro lado, para haver lugar à remuneração do trabalho prestado em dia de descanso semanal não é necessário que o empregador tenha impedido o trabalhador de gozar tal descanso. Basta que tenha havido uma conduta do empregador a determinar o trabalho nesses dias, como não pode ter deixado de ser, pois é a ré que alega que o descanso dos trabalhadores poria em causa o funcionamento dos casinos.
  Estas considerações aplicam-se também ao trabalho nos dias feriados.
  Mas já tem razão a ré ao dizer que o autor já recebeu o salário normal correspondente ao trabalho nesses dias de descanso, pelo que, agora, só tem direito a outro tanto, e não em dobro, como se decidiu no Acórdão recorrido, que não explica, aliás, porque não levou em conta o salário já pago. É que está em causa o pagamento do trabalho em dia de descanso semanal, pelo dobro da retribuição normal, mas o autor foi pago já em singelo.”
  Salvo melhor opinião, entendo ser um bom entendimento para, mutatis mutandis, a resolução da presente causa.
  Outra coisa é a compensação de um dia de descanso compensatório não gozado. Nos termos do art. 17º, n. 4º do DL 24/89/M também por analogia, “nos casos de prestação de trabalho em período de descanso semanal, o trabalhador tem direito a um outro dia de descanso compensatório a gozar dentro dos trinta dias seguintes ao da prestação de trabalho e que será imediatamente fixado.”
  Assim, segundo os factos considerados como provados nos autos, sendo ao Autor já pago salário diário em singelo referente à prestação do trabalho nos dias de descanso semanal, ele tem direito receber a outro tanto, também em singelo, e uma compensação correspondente aos dias de descanso compensatório não gozado, a saber:
Período
N.os do dia de trabalho em descanso semanal (A)
N.os do dia de descanso compensatório não gozado (B)
Salário diário(C)
Compensações
(A x C x 1) + (B x C)
02 de Abril de 1994 a 30 de Abril de 1999
265
265
90
MOP$47,700.00
Em suma, o Autor tem direito a receber o montante de MOP$47,700.00, a título de compensação pelo trabalho em dia de descanso semanal e pelo descanso compensatório.
*
  Juros de mora
  Sendo os créditos supra mencionados ilíquidos, às quantias a eles referentes acrescerão, nos termos do art. 794º, n 4º do Código Civil que se conjuga com a jurisprudência fixada no Douto Acórdão do TUI, de 2 de Março de 2011, no processo n. 69/2010, juros a partir da data da decisão judicial que fixa o respectivo montante.
*
V - DECISÃO
  Pelo exposto, julga-se a acção parcialmente procedente e em consequência condena-se, absolvendo do restante pedido, a Ré a pagar ao Autor as seguintes quantias:
a) MOP$59,760.00, a título de diferenças salariais;
b) MOP$20,636.20, a título de diferenças remuneratórias relativas ao trabalho extraordinário;
c) MOP$27,825.00, a título de subsídio de alimentação;
d) MOP$21,600.00, a título de subsídio de efectividade;
e) MOP$47,700.00, a título de compensação pelo trabalho em dia de descanso semanal e pelo descanso compensatório;
f) A todas as quantias supra mencionadas (MOP$177,521.20) acrescerão os juros de mora, à taxa legal a contar da data da presente sentença até o efectivo e integral pagamento.
  As custas serão a cargo do Autor e da Ré na proporção do decaimento.
  Registe e notifique.
  

Não se conformando com essa sentença, vieram o Autor e a Ré recorrer dela para este Tribunal de Segunda Instância.

O Autor alegou concluindo e pedindo:

1. Versa o presente recurso sobre a parte da douta Sentença na qual foi julgada parcialmente improcedente ao Autor, ora Recorrente, a atribuição de uma compensação devida pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal na medida de um dia de salário em dobro.
2. Salvo melhor opinião, a douta Sentença enferma de um erro de aplicação de direito quanto aos montantes da “retribuição normal” e à concreta forma de cálculo a ter em conta no apuramento da quantia devida ao Recorrente pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal e, neste sentido, se mostra em violação ao disposto no artigo 17.° do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril;
3. Com efeito, a determinação da quantia devida pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal deveria ter sido determinada tendo em conta os valores relativos concretamente auferidos pelo Recorrente a título de "retribuição normal do trabalho", e não apenas ao valor mínimo de Mop$90.00 constante do Contrato de Prestação de Serviços ao abrigo do qual o Recorrente prestou trabalho para a Recorrida;
4. Ao não entender assim, o Tribunal a quo terá procedido a uma interpretação menos correcta do disposto no art. 17.°, n.º 6, al. a) e 26.° do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, porquanto não teve em conta o valor da "retribuição normal" efectivamente auferida pelo Recorrente, pelo que a decisão deve ser julgada nula e substituída por outra que condene a Recorrida em conformidade com o disposto na referida Lei Laboral;
Ao que acresce que,
5. Resultando do art. 17.°, n.º 6, al. a) e n.º 4 do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, que o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser remunerado pelo dobro do salário normal, tal significa que o Recorrente deverá receber da Recorrida o correspondente a duas vezes a “retribuição normal do trabalho” por cada dia de trabalho prestado em dia de descanso semanal, acrescido de um dia de salário em singelo em consequência da falta de gozo de um dia de descanso compensatório;
6. Trata-se, de resto, da interpretação que tem vindo a ser seguida de forma uniforme pelo Tribunal de Segunda Instância, onde se entende que a fórmula correcta para compensar o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser a seguinte: (remuneração normal diária X n.º de dias de descanso semanal devidos e não gozados X 2);
7. Neste sentido, ao proceder ao desconto do valor pago em singelo, o Tribunal a quo terá procedido a uma interpretação menos correcta do disposto no art. 17.°, n.º 6, al. a) do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, a decisão proferida pelo Tribunal a quo deve ser julgada nula e substituída por outra que condene a Recorrida em conformidade com o disposto na referida Lei Laboral;
8. Em suma, resultado provado que, durante o período da relação laboral, o ora Recorrente não gozou de dias de descanso semanal, deve a Recorrida ser condenada a pagar ao Recorrente a quantia de Mop$71,500.00 (e não só de Mop$23,850.00) a título de trabalho prestado em dia de descanso, acrescido de MOP$35,872.00 (e não só0 de Mop$23,850.00) a título de falta de gozo de dia de descanso compensatório, o que perfaz o montante total de Mop$107,250.00, acrescido de juros legais até efectivo e integral pagamento.
  
Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. encarregar-se-ão de suprir, deve a douta Sentença posta em crise ser julgada nula e substituída por outra que atenda ao pedido tal qual formulado pelo Recorrente, assim se fazendo a já costumada JUSTIÇA!

Por sua vez a Ré formulou as seguintes conclusões e pedidos:
a) O Despacho consagra um procedimento de importação de mão-de-obra nos termos do qual é imposta a utilização de um intermediário com o qual o empregador deve celebrar um contrato de prestação de serviços;
b) A decisão recorrida perfilha o entendimento de que o Despacho se reveste de imperatividade e estabelece condições mínimas de contratação de mão-de-obra não residente;
c) Contrariando tal entendimento, o Despacho em parte alguma estabelece condições mínimas de contratação ou até cláusulas-tipo que devessem integrar o contrato de trabalho a celebrar entre a entidade empregadora e o trabalhador;
d) É patente que o Despacho não fixa de forma alguma condições de contratação específicas e que, ainda que o fizesse, a violação dos seus termos importaria infracção administrativa, e não incumprimento de contrato de trabalho;
e) Assim, contrariamente ao que se propugna na decisão recorrida, nada permite concluir pela natureza imperativa do Despacho;
f) Decidindo em sentido inverso, o Tribunal recorrido fez errada aplicação do Despacho, nomeadamente dos seus arts. 3° e 9°;
g) Os Contratos são configurados na decisão a quo como contratos a favor de terceiro, nos termos do art. 437° do Código Civil;
h) Nesta lógica, o A. apresentar-se-á como terceiro beneficiário de uma promessa assumida pela R. perante a Sociedade, com o direito de exigir daquela o cumprimento da prestação a que se obrigou perante esta;
i) As partes nos Contratos, assim como o próprio Despacho 12/GM/88, qualificaram-nos como "contratos de prestação de serviços";
j) Deles é possível extrair que a Sociedade "contratou" trabalhadores não residentes, prestando o serviço de os ceder, subsequentemente, à R.;
k) Tais Contratos são pois efectivos contratos de prestação de serviços, não podendo ser qualificados como contratos a favor de terceiros;
I) Por outro lado, é unânime que a qualificação de um contrato como sendo a favor de terceiro exige que exista uma atribuição directa ou imediata a esse terceiro;
m) Tem-se entendido que o conceito de contrato a favor de terceiro implica a concessão ao terceiro de um benefício ou de uma atribuição patrimonial, e não apenas de um direito a entrar numa posição jurídica em que se tem a hipótese de auferir uma contraprestação de obrigações;
n) A obrigação da ora R. é assumida apenas perante a Sociedade, não havendo intenção ou significado de conferir qualquer direito, pelo contrato de prestação de serviços, a qualquer terceiro;
o) Igualmente não existe nos Contratos qualquer atribuição patrimonial directa a qualquer terceiro;
p) Sendo pacífico que o contrato a favor de terceiro exige que a prestação a realizar seja directa e revista a natureza de atribuição, é incorrecto o entendimento de que a contratação do A. pela R. é uma prestação à qual a R. ficou vinculada por força do contrato de prestação de serviços;
q) Não pode considerar-se que a remuneração do contrato de trabalho constitua essa atribuição, porque tal afastaria o requisito de carácter directo da prestação no contrato a favor de terceiro;
r) Como tal, é patente que não resulta dos Contratos nenhuma atribuição patrimonial directamente feita ao A., que este possa reivindicar enquanto suposto terceiro beneficiário;
s) Os Contratos ficam pois completamente no domínio do princípio da eficácia relativa dos contratos, vertido no art. 400º, nº 2 do Código Civil (princípio res inter alios acta, aliis neque nocet neque prodest);
t) Por fim, a figura do contrato a favor de terceiro pressupõe que o promissário tenha na promessa um interesse digno de protecção legal;
u) Não consta dos autos qualquer facto que consubstancie um tal interesse;
v) Assim, admitindo que dos Contratos resultará qualquer direito a favor do A., sempre ficou por demonstrar que a Sociedade tivesse interesse nessa promessa, o que impede a qualificação dos Contratos como contratos a favor de terceiro;
w) Assim, arredada a aplicação do mecanismo do contrato a favor de terceiro, nenhum outro sobreleva que possa suportar a produção, na esfera jurídica do A., de efeitos obrigacionais emergentes dos Contratos;
x) Ao decidir como o fez, o Tribunal recorrido violou o disposto nos arts. 400º, nº 2 e 437º do Código Civil;
y) Em função do correcto entendimento do Despacho e dos Contratos, conclui-se que nenhum direito assiste ab initio ao A. para reclamar quaisquer "condições mais favoráveis" emergentes destes contratos;
z) Pelo que não deverá ser-lhe atribuída qualquer quantia a título de putativas diferenças salariais.
aa) Do mesmo correcto entendimento do Despacho e dos Contratos deverá decorrer a absolvição da R. também quanto ao pedido formulado a título de trabalho extraordinário;
bb) Do correcto entendimento do Despacho e dos Contratos resulta a sua ineficácia para atribuir ao A. qualquer direito a título de subsídio de alimentação;
cc) Acresce que, como é entendimento unânime na jurisprudência e na doutrina, o pagamento de subsídio de alimentação depende da prestação efectiva de trabalho;
dd) Não se provou nos autos qual o número de dias de trabalho efectivo prestados pelo A. à R.;
ee) A decisão recorrida parece ter acolhido o entendimento de que os dias em que o A. não trabalhou para a R. em nada relevam para aferição do subsídio de alimentação que lhe será devido;
ff) Ao decidir nesse sentido, o Tribunal recorrido fez errada interpretação da estipulação dos Contratos sobre o subsídio de alimentação, violando o art. 228º, nº 1 do Código Civil;
gg) O devido entendimento quanto à ineficácia obrigacional do Despacho e dos Contratos deve igualmente conduzir à absolvição da R. do pedido formulado a título de subsídio de efectividade;
hh) Acresce que, nos termos dos Contratos, o subsídio de efectividade é um mecanismo destinado a premiar a efectiva prestação de trabalho;
ii) Nesse sentido, é para o empregador irrelevante que o empregado, faltando, o faça por motivo atendível e justificado, ou até sob autorização prévia;
jj) Assim, ao decidir no sentido de que as faltas justificadas ou autorizadas não devem ser tidas em conta para a aferição do subsídio de efectividade, a decisão a quo violou uma vez mais o disposto no art. 228º, nº 1 do Código Civil.

Nestes termos, e nos mais de Direito, revogando a decisão recorrida nos termos e com as consequências expostas supra, farão V. Exas a costumada
JUSTIÇA


Notificados o Autor e a Ré das alegações apresentadas pela contra parte, ambos responderam pugnando pela improcedência do recurso interposto pela contra-parte.

II

Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.

Antes de entrar no mérito do recurso, temos de nos debruçar sobre a questão prévia da tempestividade das contra-alegações apresentadas pela Ré.

Compulsados os autos, verifica-se que as alegações do recorrente A foram notificadas à Ré por carta registada expedida em 30MAR2015, considerando-se, assim, a Ré notificada no período de férias judiciais e as contra-alegações da Ré foram apresentadas em 17ABR2015.

O prazo de 10 dias contínuos iniciou-se 07ABR2015 (apesar de ser tolerância de ponto, é 1º dia útil após as férias judiciais) e terminou em 16ABR2015.


A Ré só juntou contra-alegações em 17ABR2015 que é o primeiro dia útil após o termo do prazo, sem que houvesse sido feito o requerimento simultâneo do pagamento imediato de multa devida pela prática dos actos fora do prazo, nos termos do disposto no artº 95º do CPC.

Sendo portanto extemporâneas, as contra-alegações apresentadas pela Ré ao recurso do Autor não serão atendidas e devem ser desentranhadas e restituídas à Ré.

Arrumada esta questão prévia, passemos então à apreciação do recurso de mérito.

Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).

Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.

Em face das conclusões tecidas na petição dos recursos, são as seguintes questões que constituem o objecto da nossa apreciação:

1. Da qualificação jurídica do acordo celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada;

2. Das diferenças salariais e das horas extraordinárias;

3. Do subsídio de alimentação;

4. Do subsídio de efectividade;

5. Do valor da retribuição base para efeito do cálculo da compensação do trabalho prestado nos dias de descanso semanal; e

6. Do multiplicador para o cálculo da compensação pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal.

Passemos então a apreciá-las.


1. Da qualificação jurídica do acordo celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada

Em primeiro lugar, é de frisar que não foi impugnada a qualificação jurídica, feita pelo Tribunal a quo, do acordo celebrado entre o Autor e a Ré como contrato individual de trabalho.

Sobre a questão da qualificação jurídica do contrato de prestação de serviço celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada, este Tribunal de Segunda Instância já se pronunciou de forma unânime em vários acórdãos, concluindo que se trata de um contrato a favor de terceiro – Cfr. nomeadamente os Acórdãos do TSI tirados em 12MAIO2011, 19MAIO2011, 02JUN2011 e 16JUN2011, respectivamente nos proc. 574/2010, 774/2010, 876/2010 e 838/2011.

Não se vê portanto razão para não manter a posição já por este Tribunal assumida de forma unânime.

Ora sinteticamente falando, in casu, o Autor veio reivindicar os direitos com base num contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Limitada.

Ficou provado nos autos que no contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Limitada, foram acordadas as condições de trabalho, nomeadamente o mínimo das remunerações salariais, os direitos ao subsídio de alimentação e ao subsídio mensal de efectividade, e o horário de trabalho diário, que deveriam ser oferecidos pela Ré aos trabalhadores a serem recrutados pela Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Limitada e a serem afectados ao serviço da Ré.

E o Autor é um desses trabalhadores recrutados pela Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Limitada e afectados ao serviço da Ré que lhe paga a contrapartida do seu trabalho.

Segundando a nossa jurisprudência unânime, o Tribunal a quo qualifica o contrato de prestação de serviços, celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Limitada como um contrato a favor de terceiro, regulado nos artºs 437º e s.s. do Código Civil.

Ora, reza o artº 437º do Código Civil que:
1. Por meio de contrato, pode uma das partes assumir perante outra, que tenha na promessa um interesse digno de protecção legal, a obrigação de efectuar uma prestação a favor de terceiro, estranho ao negócio; diz-se promitente a parte que assume a obrigação e promissário o contraente a quem a promessa é feita.
2. Por contrato a favor de terceiro, têm as partes ainda a possibilidade de remitir dívidas ou ceder créditos, e bem assim de constituir, modificar, transmitir ou extinguir direitos reais.
O Prof. Almeida Costa define o contrato a favor de terceiro como “aquele em que um dos contraentes (promitente) se compromete perante o outro (promissário ou estipulante) a atribuir certa vantagem a uma pessoa estranha ao negócio (destinário ou beneficiário)” – Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 7ª ed., p.297 e s.s..
In casu, foi celebrado um contrato de prestação de serviços entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Limitada, em que se estipula, entre outros, o mínimo das condições remuneratórias a favor dos trabalhadores que venham a ser recrutados por essa sociedade e afectados ao serviço da Ré.

Assim, estamos perante um contrato em que a Ré (empregadora do Autor e promitente da prestação) garante perante a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Limitada (promissária) o mínimo das condições remuneratórias a favor do trabalhador (beneficiário) estranho ao contrato, que enquanto terceiro beneficiário, adquire, por efeito imediato do contrato celebrado entre aquelas duas contraentes, o direito ao “direito a ser contratado nessas condições mínimas remuneratórias”.

Reunidos assim todos os requisitos legais previstos no artº 437º/1 do Código Civil, obviamente estamos em face de um verdadeiro contrato a favor de terceiro, pois é imediata e não reflexamente que a favor do trabalhador foi assumida pela Ré a obrigação de celebrar um contrato de trabalho em determinadas condições com o Autor.

2. Das diferenças salariais e das horas extraordinárias

Apoiando-se a recorrente na sua tese de que o contrato de prestação de serviço não é um contrato a favor de terceiro, defende que é forçoso concluir que nenhum direito assiste ab initio ao Autor para reclamar quaisquer condições mais favoráveis emergentes daquele contrato, referentes às diferenças salariais e ao trabalho extraordinário.

Todavia, tendo em conta o decidido supra na questão nº 1, isto é, o Autor, enquanto terceiro beneficiário, adquiriu o direito ao “direito a ser contratado nessas condições mínimas remuneratórias”, por efeito imediato do contrato a favor de terceiro celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Limitada, cai por terra toda a tese defendida pela Ré para não reconhecer as peticionadas diferenças salariais entre aquilo que recebeu e aquilo que deveria ter recebido e o direito ao subsídio da efectividade.

3. Do subsídio de alimentação

A Ré recorrente questiona a decisão recorrida na parte que reconhece ao Autor o direito ao subsídio de alimentação com vários fundamentos, deduzidos numa relação de subsidiariedade.

O fundamento principal reside na sua tese de que o contrato de prestação de serviço não é um contrato a favor de terceiro. Defende portanto que é forçoso concluir que ao Autor não assiste o o direito de reclamar o subsídio de alimentação com base naquele contrato celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Limitada.

Mais uma vez, tal como vimos supra, cai por terra a tese da Ré e é de reconhecer ao Autor o direito ao subsídio de alimentação com base naquele contrato de prestação de serviço celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Limitada.

Como argumento subsidiário, a recorrente defende que, mesmo que se trate de um contrato a favor de terceiro o celebrado entre ela e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Limitada, o montante de subsídio de alimentação arbitrado pelo Tribunal a quo se mostra incorrectamente calculado, uma vez que o Tribunal arbitrou a favor do Autor o subsídio de alimentação mesmo nos dias em que não trabalhou.

Trata-se da questão de saber se o subsídio de alimentação é devido nos dias em que o Autor efectivamente trabalhou ou é sempre devido em todos os dias enquanto durou a relação de trabalho.

Então vejamos.

Nota-se que, in casu, o “quando” deve ser pago o subsídio de alimentação não foi objecto de estipulação quer no contrato de prestação de serviço celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada, quer no contrato individual celebrado entre o Autor e a Ré, nem na lei vigente na constância de relação de trabalho em causa, para a qual o próprio contrato individual de trabalho remete.

Ou seja, na falta de disposições legais que impõem à entidade patronal a obrigação de pagar ao trabalhador o subsídio de alimentação, a sua regulação quer quanto à sua existência quer quanto aos termos em que é pago deve ser objecto da negociação entre as partes.

In casu, foi apenas estipulada no contrato de prestação de serviço a obrigação de pagar ao trabalhador um subsídio de alimentação no valor de MOP$15,00 por dia.

Para resolver esta questão, temos de averiguar a natureza do tal subsídio.

Ora, inquestionavelmente o subsídio de alimentação não é a retribuição do trabalho nem parte integrante dessa retribuição, dado que não é o preço do trabalho prestado pelo trabalhador.

Como foi dito supra, na falta de disposições expressas na lei, só há lugar ao pagamento do subsídio de alimentação se assim for estipulado entre o trabalhador e a entidade patronal.

Ficou provado que in casu foi estipulado no contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda. que o trabalhador tinha direito ao subsídio de alimentação no valor de MOP$15,00 por dia.

Mas ficamos sem saber se era devido enquanto a relação de trabalho se mantinha ou apenas nos dias em que houve prestação efectiva de trabalho.

Não obstante o D. L. nº 24/89/M, vigente no momento dos factos dos presentes autos, não ser aplicável à contratação dos trabalhadores não residentes, por força do disposto no próprio artº 3º/3-d), por o Autor não ser trabalhador residente, o certo é que, por conhecimento que temos por virtude do exercício de funções, por remissão expressa do contrato individual de trabalho celebrado entre a Ré e os seus trabalhadores, o mesmo diploma é aplicável ao caso sub judice.

Assim, vamos tentar procurar a solução para a questão em apreço na mens legislatoris subjacente ao regime jurídico definido no citado D. L. nº 24/89/M.

Como se sabe, no âmbito desse diploma, existem prestações por parte da entidade patronal a favor do trabalhador independentemente da prestação efectiva de trabalho.

É o que se estabelece nos artºs 17º, 19º e 21º daquele decreto-lei, nos termos dos quais é devido o salário nos dias de descansos semanal e anual e de feriados obrigatórios remunerados.

Isto é, é devido o salário a favor do trabalhador independentemente da prestação efectiva de trabalho.

Então urge saber se é também devido o subsídio de alimentação independentemente da prestação efectiva de trabalho.

E assim é preciso saber qual é a razão que levou ao legislador a obrigar a entidade patronal a pagar salário ao trabalhador mesmo nos dias de folga e averiguar se existe uma razão paralela justificativa da atribuição ao trabalhador do subsídio de alimentação nos dias em que não trabalha.

Face ao regime de descansos e feriados definido no decreto-lei, sabemos que a razão de ser de assegurar ao trabalhador o direito ao salário nesses dias de descanso é porque o legislador quis estabelecer, como o mínimo das condições de trabalho, o direito ao descanso sem perda de vencimento.

Ou seja, é o direito ao descanso que justifica o pagamento de salário nos dias de descanso e feriados.

Mas já nenhum direito, como mínimo das condições de trabalho ou a qualquer outro título, estabelecido na lei, a favor do trabalhador, tem a virtualidade de obrigar a entidade patronal a pagar o subsídio de alimentação quer nos dias em que trabalha quer nos dias em que não trabalha.

Assim, parece que nos não é possível resolver a questão no âmbito do D. L. nº 24/89/M e temos de virar a cabeça tentando encontrar a solução para o presente caso concreto tendo em conta as características do serviço que o Autor prestava.

Da matéria de facto provada resulta que o Autor exercia as funções de guarda de segurança, trabalhando sob as ordens, direcção, instruções e fiscalização da Ré e era a Ré quem fixava o local e horário de trabalho do Autor, de acordo com as suas exclusivas necessidades.

As tais condições de trabalho, nomeadamente a mobilidade do local e horário de trabalho, a total disponibilidade do trabalhador, mostram-se evidentemente pouco compatíveis com a possibilidade de o Autor, nos dias em que efectivamente trabalhava, preparar e tomar as refeições em casa, que lhe normalmente acarretariam menores dispêndios.

Assim, compreende-se que nos dias em que efectivamente trabalhava, por ter de comer fora, o Autor viu-se obrigado a suportar maiores despesas nas refeições do que nos dias de folga.

Com esse raciocínio, cremos que o subsídio de alimentação, acordado no contrato de prestação de serviço celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada, de que é beneficiário, visa justamente para compensar ou aliviar o Autor das despesas para custear as refeições nos dias em que se tendo obrigado a colocar a sua força laboral ao dispor da Ré, lhe não era possível preparar e tomar refeições em casa.

Assim sendo, é de concluir que o subsídio de alimentação só é devido nos dias em que o trabalhador efectivamente trabalha.

Ora, ficou provado que “Durante todo o período da relação laboral entre a Ré e o Autor, nunca o Autor, sem conhecimento e autorização prévia pela Ré, deu qualquer falta ao trabalho”.

Bom, este facto, de per si, não afirma nem infirma que, enquanto durou a relação laboral entre o Autor e a Ré, o Autor já chegou a faltar ao serviço, com motivos justificativos.

Assim, ante a matéria de facto assim provada, entendemos que o Autor não logrou demonstrar o número exacto dos dias em que efectivamente trabalhou.

Assim sendo, não nos resta outra alternativa que não seja a revogação da sentença recorrida nesta parte, reconhecer ao Autor o direito de receber o subsídio de alimentação em todos os dias em que trabalhou e condenar a Ré a pagar a compensação a título de subsídio de alimentação no valor a liquidar em execução de sentença – artº 564º/2 do CPC.

4. Do subsídio da efectividade

A recorrente faz apoiar a impugnação da decisão que determinou a atribuição ao Autor do subsídio de efectividade na sua tese de que o contrato de prestação não é um contrato a favor de terceiro e na procedência do pedido da impugnação da matéria de facto.

Todavia, conforme decidimos supra, já por nós demonstrada a insubsistência desses argumentos.

Além disso, para a recorrente, como ficou estipulado no contrato de prestação de serviço que “…… cada trabalhador terá direito a um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de 4 dias, sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço.”, o Autor só tem direito se se demonstrar que nem faltou ao serviço mesmo com conhecimento e autorização prévia da Ré.

Para nós a boa interpretação deve ser no sentido de que a falta a que se refere a cláusula deve ser entendida como abrangendo só a falta injustificada, e não também a falta justificada e/ou a previamente autorizada pela Ré, pois se trata de um incentivo para que os trabalhadores não faltem ao serviço sem justificação ou sem que para tal estejam autorizados, por forma a assegurar na medida do possível a continuidade das actividades a que se dedica a Ré, nomeadamente a prestação dos serviços de segurança, vigilância.

In casu, ficou provado que “Durante todo o período da relação laboral entre a Ré e o Autor, nunca o Autor – sem conhecimento e autorização prévia pela Ré – deu qualquer falta ao trabalho”.

Este facto, de per si, já afirma que o Autor não chegou a faltar ao serviço injustificadamente, enquanto durou a relação laboral entre o Autor e a Ré.

Para reclamar o alegado direito ao subsídio de efectividade, ao Autor cabe demonstrar os factos constitutivos do seu direito, isto é, o facto de não ter faltado ao serviço injustificadamente – artº 335º do CC.

Tendo sido demonstrada pelo Autor a verificação desse pressuposto de que depende a atribuição do subsídio de efectividade, é de manter a sentença na parte que atribuiu ao Autor o subsídio de efectividade.

5. Do valor da retribuição base para efeito do cálculo da compensação do trabalho prestado nos dias de descanso semanal

O Autor pede, inter alia, a condenação da Ré a pagar-lhe a compensação do trabalho prestado nos dias de descanso semanal e a compensação dos dias compensatórios dos descansos semanais não gozados.

O Tribunal a quo deu-lhe razão e acabou por reconhecer ao Autor esses direitos.

De acordo com o mapa de apuramento dos quantitativos das tais compensações constante da pág. 28 da sentença ora recorrida, cremos que o quantitativo diário tido em conta para o efeito do cálculo é o resultante das remunerações salariais fixadas no contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Limitada.

Por sua vez, o recorrente defende que o quantitativo diário para o tal efeito deve ter sido apurado com base nos rendimentos anuais auferidos pelo Autor durante estes anos, conforme se vê na resposta ao quesito 1º da base instrutória, que tem o seu teor:

­ Durante a relação de trabalho o Autor auferiu da Ré a título de rendimento anual e de rendimento normal diário, as quantias que abaixo se discrimina (Cfr. fls.34, Certidão de Rendimentos – Imposto Profissional, que se junta e se dá por reproduzido para todos os legais efeitos):
Ano
Rendimento anual
Rendimento normal diário (A)
1994
26112
97
1995
40111
111
1996
45798
127
1997
54021
150
1998
62985
175
1999
20883
174

Cremos que o recorrente não tem razão.

Pois uma coisa é o salário-base diário, outra coisa é o quantitativo diário apurado com base no rendimento anual total efectivamente auferido pelo trabalhador.

Ora, não resultando demonstrado nos autos que durante estes anos todos, tenha sido estipulada, no contrato individual de trabalho celebrado entre o Autor e a Ré, uma retribuição-base em valor superior ao da estipulada naquele contrato entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Limitada e de per si justificativo daqueles valores indicados na resposta ao quesito 1º da base instrutória, é de concluir que nestes rendimentos auferidos pelo Autor integraram necessariamente prestações de outra natureza, v.g. o pagamento das horas extraordinárias.

Portanto, entendemos que tão só estes argumentos avançados pelo recorrente estão longes de ter a virtualidade de nos levar a alterar esta parte da sentença recorrida nos termos pretendidos.

Assim, improcede esta parte do recurso do Autor.

6. Do multiplicador para o cálculo da compensação pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal

Aqui, já tem razão o recorrente.

Pois no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, a lei regula as condições do trabalho prestado em dias de descanso semanal e as diferentes formas de compensações desse trabalho consoante as variadas circunstâncias que o justificam.

Diz o artº 17º deste diploma que:

1. Todos os trabalhadores têm direito a gozar, em cada período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, calculada nos termos do disposto sob o artigo 26º.
2. O período de descanso semanal de cada trabalhador será fixado pelo empregador, com devida antecedência, de acordo com as exigências do funcionamento da empresa.
3. Os trabalhadores só poderão ser chamados a prestar trabalho nos respectivos períodos de descanso semanal:
a) Quando os empregadores estejam em eminência de prejuízos importantes ou se verifiquem casos de força maior;
b) Quando os empregadores tenham de fazer face a acréscimos de trabalho não previsíveis ou não atendíveis pela admissão de outros trabalhadores;
c) Quando a prestação de trabalho seja indispensável e insubstituível para garantir a continuidade do funcionamento da empresa.

4. Nos casos de prestação de trabalho em período de descanso semanal, o trabalhador tem direito a um outro dia de descanso compensatório a gozar dentro dos trinta dias seguintes ao da prestação de trabalho e que será imediatamente fixado.
5. A observância do direito consagrado no nº 1 não prejudica a faculdade de o trabalhador prestar serviço voluntário em dias de descanso semanal, não podendo, no entanto, a isso ser obrigado.
6. O trabalho prestado nos termos do número anterior dá ao trabalhador o direito a ser pago pelo dobro da retribuição normal.

Em face dos factos que ficaram provados nos presentes autos, não se mostrando que o trabalho em dias de descanso semanal foi prestado em qualquer das situações previstas no nº 3 e na falta de outros elementos fácticos, a compensação deve processar-se nos termos consagrados no nº 6, isto é, o trabalhador tem direito a ser pago pelo dobro da retribuição normal.

Assim, no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, para cálculo de quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso semanal, a fórmula é:

2 X o salário diário médio X número de dias de prestação de trabalho em descanso semanal, fora das situações previstas no artº 17º/3, nem para tal constrangido pela entidade patronal.

Como, por um lado, a sentença recorrida adoptou o multiplicador X 1 para o cálculo da quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso semanal, em vez de o multiplicador X 2 que defendemos, e por outro lado não foram objecto da impugnação quer o número dos dias de descanso semanal em que trabalhou quer o quantitativo diário do salário, é de alterar a sentença recorrida e passar a aplicar nela o multiplicador X 2 para o cálculo da compensação pelo trabalho prestado nos descansos semanais, o que nos leva a atribuir ao Autor, a título da compensação do trabalho prestado nos dias de descanso semanal e a título da compensação do descanso compensatório, o valor total de MOP$71.550,00 ($23.850,00X2 + 23.850,00).


Tudo visto resta decidir.

III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conferência conceder provimento parcial ao recurso interposto pela Ré B Limitada e ao recurso interposto pelo Autor A, determinando:

* O desentranhamento das contra-alegações apresentadas pela Ré ao recurso do Autor e a sua restituição à Ré;

* A revogação da sentença recorrida na parte que diz respeito ao subsídio de alimentação, passando a condenar a Ré a pagar a compensação a título de subsídio de alimentação no valor a liquidar em execução de sentença nos termos acima consignados;

* A revogação da sentença recorrida na parte que diz respeito à compensação pelo trabalho prestado nos dias de descanso semanal e pela falta do gozo do descanso compensatório, passando a atribuir ao Autor, a título da compensação do trabalho prestado nos dias de descanso semanal e a título da compensação do descanso compensatório, o valor total de MOP$71.550,00; e

* Manter na íntegra todas as restantes condenações feitas pelo Tribunal a quo na sentença recorrida.

Custas pelos recorrentes/recorridos, na proporção do decaimento.
Custas pela Ré recorrente, por desentranhamento das suas contra-alegações, fixadas em 1UC.

Notifique.

RAEM, 23JUL2015

Lai Kin Hong
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
Ac. 554/2015-1