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Processo nº 618/2015/A
(Autos de suspensão de eficácia)

Data: 7/Agosto/2015

Assuntos: Suspensão de eficácia de acto administrativo
Cancelamento de autorização de residência temporária

SUMÁRIO
     1. São três os requisitos de que depende a procedência da providência de suspensão de eficácia de acto administrativo: um positivo traduzido na existência de prejuízo de difícil reparação que a execução do acto possa causar, e dois negativos respeitantes à inexistência de grave lesão do interesse público e à não verificação de fortes indícios de ilegalidade do recurso.
     2. O requisito sobre o prejuízo de difícil reparação previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 121º do CPAC terá que ser valorado caso a caso, consoante as circunstâncias de facto invocadas pelo requerente.
     3. Provado indiciariamente nos autos que o requerente se encontra a frequentar em instituição universitária da RAEM, a execução imediata do acto administrativo implica necessariamente a interrupção dos seus estudos, representando desta forma um verdadeiro prejuízo para a sua formação educacional, sendo assim, preenchido está o requisito da alínea a) do nº 1 do artigo 121º do CPAC.
     
     4. Não havendo contestação por parte da entidade requerida, nem foi alegado por qualquer forma de que a suspensão de eficácia do acto venha causar grave lesão do interesse público, para além de não se descortinar que a lesão seja manifestamente ostensiva ou notória, ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 129º do CPAC, dá-se por verificado o requisito previsto na alínea b).
     5. Também dá-se por verificado o requisito previsto na alínea c) do nº 1 do artigo 121º do CPAC, por não se vislumbrar que o recurso contencioso a interpor em sede própria possa estar enfermado de ilegalidade do ponto de vista processual.
     6. Face à verificação de todos os requisitos previstos no nº 1 do artigo 121º do CPAC, é deferida a suspensão de eficácia do acto que determinou o cancelamento da autorização de residência temporária anteriormente concedida ao requerente.
     
     
O Relator,

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Tong Hio Fong

Processo nº 618/2015/A
(Autos de suspensão de eficácia)

Data: 7/Agosto/2015

Requerente:
- A

Entidade requerida:
- Secretário para a Economia e Finanças

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
A, portador do Bilhete de Identidade de Residente Não Permanente da RAEM, melhor identificado nos autos, vem, nos termos do artigo 120º e seguintes do Código de Processo Administrativo Contencioso, requerer a suspensão de eficácia do despacho do Exmº. Secretário para a Economia e Finanças, de 28.2.2015, que determinou o cancelamento da autorização de residência temporária anteriormente concedida ao requerente.
Invocou que o acto em causa lhe causa prejuízo de difícil reparação, que inexiste grave lesão para o interesse público caso seja decretada a suspensão, nem há fortes indícios de ilegalidade do recurso.
Citada a entidade requerida para, querendo, contestar, ofereceu o merecimento dos autos.
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Aberta vista ao Digno Magistrado do Ministério Público, opinou no sentido de deferimento do pedido de suspensão (cfr. fls. 103 a 105 dos autos cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
Cumpre decidir.
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O Tribunal é o competente e o processo o próprio.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas, e têm interesse processual.
Não existe outras nulidades, excepções e questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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II) FUNDAMENTAÇÃO
Resulta provada dos elementos constantes dos autos e do processo administrativo, a seguinte matéria de facto com pertinência para a decisão do procedimento:
O pai do requerente, B, e o seu agregado familiar constituído pela esposa C e dois filhos D e A (ora requerente) são titulares de autorização de residência temporária na RAEM, concedida ao abrigo do regime de aquisição de bens imóveis, cujo pedido foi concedido em 6.5.2008. (fls. 48 e 49 do P.A.)
As autorizações de fixação de residência supra referidas foram sendo sucessivamente renovadas junto do IPIM. (fls. 41 a 47 do P.A.)
A concessão da autorização de fixação de residência temporária a favor do pai do requerente teve por base a aquisição de uma fracção autónoma para habitação sita na Taipa (Macau), pelo preço de MOP$2.468.028,00. (fls. 136 a 138 do P.A.)
Em 26.8.2011 e 18.2.2014, respectivamente, o pai do requerente constituiu hipoteca sobre a supra fracção autónoma a favor do Banco Tai Fung. (fls. 29 e 30 do P.A.)
Por despacho de 28.2.2015, o Secretário para a Economia e Finanças proferiu despacho, tendo confirmado a proposta do IPIM de 9.2.2015 com o nº 01700/GJFR/2014, em que se sugeriu o cancelamento da autorização de residência temporária do pai do requerente e do seu agregado familiar, nele estando incluído o ora requerente A, basicamente com os seguintes fundamentos: “em 30 de Agosto de 2011, o requerente (leia-se B) constituiu o registo de hipoteca a favor do Banco Tai Fung sobre a propriedade que fundamentou a concessão da autorização, no valor de HKD$1.203.000,00, equivalente a MOP$1.239.090,00, a seguir, em 20 de Fevereiro de 2014, pediu novamente o empréstimo da fracção supracitada ao mesmo Banco, no valor de HKD$2.000.000,00, equivalente a MOP$2.060.000,00, daí que o valor de investimento do requerente não corresponde ao valor previsto na lei e consequentemente, a situação jurídica que fundamentou a concessão da autorização extinguiu-se.” (fls. 23 a 25 do P.A.)
Em 2014, o ora requerente completou na China o curso do ensino secundário complementar e inscreveu-se no exame de admissão a universidade.
E foi admitido pela universidade “長春理工大學” da China. (fls. 19 do processo principal)
Entretanto, o requerente decidiu escolher a Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau, inscrevendo-se no curso de licenciatura em Gestão de Empresas. (fls. 20 do processo principal)
O ora requerente inscreveu-se no curso da Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau na qualidade de residente não permanente de Macau, durante o curso terá que manter essa qualidade de residente não permanente, sob pena de não poder continuar a estudar naquela Universidade.
O período de exame de admissão a universidade da China do novo ano lectivo já terminou.
O requerente residia no dormitório da Universidade e regressava à China nas férias escolares.
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A prova dos factos resulta dos documentos juntos ao processo administrativo, sobretudo despachos proferidos pelas autoridades administrativas, cópia dos ofícios, documentos emitidos pelas respectivas universidades, escrituras públicas, etc.
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O caso
Foi concedida, em 2008, autorização de residência temporária na RAEM a favor do pai do requerente e do seu agregado familiar.
Essa concessão teve por base a aquisição de bem imóvel.
As autorizações de residência do requerente e do seu agregado familiar foram sucessivamente renovadas junto do IPIM.
Contudo, por despacho de 28.2.2015 do Exmº. Secretário para a Economia e Finanças, foi determinado o cancelamento das autorizações de residência temporária do pai do requerente e do seu agregado familiar (nele estava incluído o ora requerente A).
Pede agora o requerente a suspensão de eficácia do referido despacho.
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Acto de conteúdo positivo
Em regra, a interposição de recurso contencioso de acto administrativo visando a declaração da sua invalidade não tem efeito suspensivo, ao abrigo do artigo 22º do Código do Processo Administrativo Contencioso.
Mas há situações em que a imediata execução do acto administrativo pode trazer efeitos desfavoráveis ao requerente.
Precisamente para evitar a produção de tais resultados ou efeitos, foi criada pelo legislador a possibilidade de suspender a eficácia do acto.
Preceitua o artigo 120º do Código do Processo Administrativo Contencioso que há lugar a suspensão de eficácia “quando os actos tenham conteúdo positivo, ou tendo conteúdo negativo, apresentem uma vertente positiva e a suspensão seja circunscrita a esta vertente”.
Para Diogo Freitas do Amaral, são actos positivos “aqueles que produzem uma alteração na ordem jurídica”, enquanto actos negativos “aqueles que consistem na recusa de introduzir uma alteração na ordem jurídica”.1
Assim, o pedido de suspensão de eficácia só é admissível quando o acto for de conteúdo positivo ou, sendo negativo, apresentar uma vertente positiva.
No caso vertente, é de verificar que o acto administrativo em causa consiste no cancelamento da autorização de residência temporária do requerente, o qual consubstancia um acto de conteúdo positivo cuja eficácia é susceptível de ser suspensa em sede de procedimento cautelar, desde que sejam verificados os respectivos requisitos legais.
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Do preenchimento dos requisitos previstos no artigo 121º, nº 1 do Código de Processo Administrativo Contencioso
Analisaremos, em seguida, se estão verificados os requisitos para a concessão da providência requerida pelo requerente.
Prevê-se no artigo 121º, nº 1 do Código de Processo Administrativo Contencioso o seguinte:
“1. A suspensão de eficácia dos actos administrativos, que pode ser pedida por quem tenha legitimidade para deles interpor recurso contencioso, é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos:
a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
2. Quando o acto tenha sido declarado nulo ou juridicamente inexistente, por sentença ou acórdão pendentes de recurso jurisdicional, a suspensão de eficácia depende apenas da verificação do requisito previsto na alínea a) do número anterior.
3. Não é exigível a verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 para que seja concedida a suspensão de eficácia de acto com a natureza de sanção disciplinar.
4. Ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1, a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente.
5. Verificados os requisitos previstos no n.º 1 ou na hipótese prevista no número anterior, a suspensão não é, contudo, concedida quando os contra-interessados façam prova de que dela lhes resulta prejuízo de mais difícil reparação do que o que resulta para o requerente da execução do acto.”
No fundo, para ser concedida a suspensão de eficácia do acto, não importa apreciar o mérito da questão, traduzido nos eventuais vícios subjacentes à decisão impugnada, mas limita-se a saber se estão verificados cumulativamente os três requisitos de que depende a procedência da providência: um positivo traduzido na existência de prejuízo de difícil reparação que a execução do acto possa causar, e dois negativos respeitantes à inexistência de grave lesão do interesse público e à não verificação de fortes indícios de ilegalidade do recurso, atendendo aos elementos carreados ao processo.
Bastará a falta de algum deles para que a providência requerida seja indeferida.
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Comecemos por este último requisito negativo – da não ilegalidade do recurso.
Conforme se decidiu no Acórdão deste TSI, no Processo 92/2002, “Só ocorre a acenada manifesta ilegalidade, quando se mostrar patente, notório ou evidente que, segura e inequivocamente, o recurso não pode ter êxito (v.g. por se tratar de acto irrecorrível; por ter decorrido o prazo de interposição de recurso de acto anulável) e não já quando a questão seja debatida na doutrina ou na jurisprudência”.
No caso vertente, não se nos afigura, pelo menos nesta fase processual, que o recurso contencioso a interpor em sede própria possa estar enfermado de ilegalidade do ponto de vista processual, assim entendemos estar verificado o requisito negativo previsto na alínea c) do nº 1 do artigo 121º do Código de Processo Administrativo Contencioso.
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Em segundo lugar, passemos a analisar o requisito da inexistência de grave lesão de interesse público pelo facto da suspensão de eficácia do acto (requisito negativo previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 121º do Código de Processo Administrativo Contencioso).
Trata-se de um requisito negativo que deve ter em conta as circunstâncias do caso concreto e o interesse público envolvido nele. Deve apreciar-se até que ponto a suspensão agride o interesse público em causa, por exemplo, da saúde, da segurança, da ordem pública, etc.2
Toda a actividade administrativa visa prosseguir o interesse público, por isso só pode ser deferida a suspensão de eficácia do acto se não se verificar lesão grave do interesse público prosseguido pelo acto.
Refere o Acórdão deste TSI, no Processo 84/2014/A, que “a expressão «grave lesão do interesse público» constitui um conceito indeterminado que compete ao Juiz integrar em face da realidade factual que se lhe apresenta. Essa integração deve fazer-se depurada da interferência de outros requisitos, tendo apenas em vista a salvaguarda da utilidade substancial da sentença a proferir no recurso”.
No vertente caso, não cremos que a suspensão de execução do acto praticado pelo Exmº. Secretário para a Economia e Finanças possa determinar grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto, aliás nem a entidade recorrida logrou contestar ou alegar essa circunstância, razão pela qual entendemos também estar preenchido este requisito negativo.
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Por último, compete ao requerente alegar e demonstrar o requisito de existência de prejuízo de difícil reparação que a execução do acto possa, previsivelmente causar ao requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso (requisito positivo previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 121º do Código de Processo Administrativo Contencioso).
Nas palavras de José Cândido de Pinho, “cumpre ao requerente caracterizar de modo credível, ou seja, conveniente e convincentemente os prejuízos, expondo as razões fácticas que se integrem no conceito, devendo para isso ser explícito, específico e concreto, não lhe sendo permitido recorrer a expressões vagas, genéricas e irredutíveis a factos que não permitam o julgador extrair aquele juízo. Não bastam, assim, alegações conclusivas. É necessário alegar factos que permitam estabelecer um nexo de causalidade ou de causa-efeito entre a execução do acto e o invocado prejuízo, ficando cometido ao tribunal o juízo de prognose acerca dos danos prováveis”.3
Também entende a jurisprudência da RAEM que o requisito do prejuízo de difícil reparação exigido pela lei terá que ser valorado caso a caso, consoante as circunstâncias de facto invocadas pelo requerente.
A título exemplificativo, cita-se o Acórdão deste TSI, proferido no âmbito do Processo nº 328/2010/A, em que se refere:
“Quanto ao requisito positivo, tem vindo a constituir jurisprudência constante, o facto de, no incidente de suspensão de eficácia do acto administrativo, incumbir ao requerente o ónus de alegar factos concretos susceptíveis de formarem a convicção de que a execução do acto causará provavelmente prejuízo de difícil reparação, insistindo permanentemente tal jurisprudência no ónus de concretização dos prejuízos tidos como prováveis, insistindo-se também que tais prejuízos deverão ser consequência adequada, directa e imediata da execução do acto”.
No presente caso, defende o requerente que se encontra a estudar na Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau, e se não puder ficar em Macau, terá que abandonar o referido curso, e não terá hipóteses de prosseguir de imediato tais estudos em qualquer outro local, uma vez que desistiu da sua inscrição na Universidade “長春理工大學”e não há hipóteses de voltar a inscrever neste momento naquela instituição educativa.
Julgamos ter razão o requerente.
De facto, a jurisprudência tem entendido que a interrupção dos estudos, a meio do respectivo ano lectivo, seja a nível primário, secundário ou universitário, evidencia um prejuízo de difícil reparação.
A título exemplificativo, cita-se um recente Acórdão deste TSI, no Processo 824/2014/A, o qual afirmou que há prejuízo relevante e de difícil reparação para efeitos do preenchimento dos requisitos de suspensão de eficácia do acto de revogação de autorização de residência, se o filho do interessado tiver que interromper os estudos a meio do ano escolar.
Ainda que se entenda que o requerente poderia inscrever-se em outra instituição universitária, mas não deixa de ser verdade que a execução imediata do acto vai obrigar a que o requerente se veja forçado a abandonar os seus estudos, em virtude de já ter terminado o período de exame de admissão a universidade da China do novo ano lectivo.
Ora bem, provado indiciariamente nos autos que o requerente encontra-se a frequentar a Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau, a execução imediata do acto administrativo implica necessariamente a interrupção dos seus estudos, representando desta forma um verdadeiro prejuízo para a sua formação educacional, sendo assim, preenchido está o requisito da alínea a) do nº 1 do artigo 121º do CPAC.
Nesta conformidade, uma vez lograda a verificação cumulativa de todos os requisitos para o efeito, julgamos procedente o pedido de suspensão de eficácia do acto em causa.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em deferir o pedido de suspensão de eficácia do acto que ordenou o cancelamento da autorização de permanência temporária do requerente A.
Sem custas, dada a isenção subjectiva da entidade requerida.
Registe e notifique.
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RAEM, 7 de Agosto de 2015
(Juízes de turno)
Tong Hio Fong
Kan Cheng Ha
Shen Li

Foi presente
Chan Tsz King
1 Diogo Freitas do Amaral, in Lições de Direito Administrativo, vol III, Lisboa, 1989, pág 155
2 José Cândido de Pinho, in Manual de Formação de Direito Processual Administrativo Contencioso, CFJJ, 2013, pág 299
3 Obra citada, pág 294
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