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Processo nº 508/2015
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 10 de Setembro de 2015
Descritores:
-Revisão de sentença
-Divórcio

SUMÁRIO:

I. Não se conhecendo do fundo ou do mérito da causa, na revisão formal, o Tribunal limita-se a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento tanto da questão de facto como de direito.

II. Quanto aos requisitos relativos à competência do tribunal do exterior, ausência de litispendência ou de caso julgado, citação e garantia do contraditório, o tribunal verifica oficiosamente se concorrem as condições indicadas nas alíneas a) e f) do artigo 1200º, negando também oficiosamente a confirmação quando, pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, apure que falta algum dos requisitos exigidos nas alíneas b), c), d) e e) do mesmo preceito.

III. É de confirmar a decisão do Tribunal competente segundo a lei da Região Administrativa de Hong Kong que decreta o divórcio entre os cônjuges, desde que não se vislumbre qualquer violação ou incompatibilidade com a ordem pública da RAEM ou qualquer obstáculo à sua revisão.
















Processo nº 508/2015

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I - Relatório
A, do sexo feminino, casada, da nacionalidade chinesa, portadora do BIRM não permanente emitido pela DSI aos 27 de Abril de 2015 n.º XXX, residente na Rua XXX, Macau; e
B, do sexo masculino, casado, da nacionalidade chinesa, portador do BIR Hong Kong permanente emitido pelas autoridades competentes da Região Administrativa Especial de Hong Kong aos 5 de Março de 2007 n.º XXX, residente em XXX, Hong Kong, os dois,
Formulam pedido de revisão da sentença de divórcio proferida na RAEK, que identificam.
*
O digno Magistrado do MP não se opôs à revisão.
*
Cumpre decidir.
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II - Pressupostos Processuais
O Tribunal é o competente internacionalmente, em razão da matéria e da hierarquia.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária, dispondo de legitimidade ad causam.
Inexistem quaisquer outras excepções ou questões prévias de que cumpra conhecer.
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III - Os Factos
1. Os dois requerentes contraíram casamento no interior da China em 16 de Setembro de 1989.
2. No dia 19 de Janeiro de 2010, a mulher requereu divórcio (n.º FCMC 11916/2009) junto do Tribunal Distrital da RAEHK.
3. Nessa data foi decretado o divórcio provisório nos seguintes termos:
«Na presença do Mm.o Juiz Bruno Chan do Tribunal Distrital
Autorização temporária do divórcio
Aos 19 de Janeiro de 2010, foi confirmado pelo Mm.º Juiz que antes do requerimento do divórcio, a requerente e o defendente já viveram separados pelo menos por dois anos consecutivos. O Mm.º Juiz proferiu a ordenação do divórcio.
A, a requerente
e
B, o defendente
O casamento realizado entre os dois aos 16 de Setembro de 1989 no Governo Popular do Condado Zijin, Província Guangdong, República Popular da China já está de tal maneira rompido que não se pode remediar. Ordena-se dever resolver o matrimónio acima referido, a menos que se possa invocar ao Tribunal motivos suficientes pelos quais a presente decisão não se pode converter em definitiva, no prazo de 6 semanas contado a partir do proferimento da presente decisão.
Data: 19 de Janeiro de 2010
O oficial de justiça».
4. Sobre o consenso obtido entre as partes acerca da regulação do exercício do poder paternal, o tribunal decretou:
«1. Sobre os filhos das famílias em causa, nomeadamente, C, D, E, sempre serão sob a tutela da requerente, e ao defendente autoriza-se o direito de visita razoável.
Despacha-se agora o seguinte: antes de os filhos completarem 18 anos, à falta de autorização, não se pode levar os filhos para fora de Hong Kong. No entanto, se o pai ou a mãe se compromete ao tribunal, de modo geral e por escrito, de que mandará os filhos de volta para Hong Kong caso tal exigência surja, a menos que haja indicação diversa no concordo escrito da outra parte dos pais, a parte acima referida pode levar os filhos para fora de Hong Kong, durante o período especificado no concordo escrito em causa; e
2. O defendente obriga-se a entregar à requerente o alimento anual no valor de HK$1.00, a título simbólico, a partir do dia em que foi proferida a decisão definitiva do divórcio, até ao recasamento da requerente ou ao falecimento de qualquer uma das duas partes, a ter em conta aquilo que acontece antes do outro.
O Juiz mais proferiu: o juízo acredita e admite que os filhos acima identificados, C, D, E, são filhos da família aos quais é aplicável o artigo 18.º da Ordenança dos Procedimentos Matrimoniais e Propriedade (“Matrimonial Proceedings and Property Ordinance”) (Capítulo 192). Já se dispôs sobre o bem-estar deles e a disposição é satisfatória, ou a melhor tendo em conta as circunstâncias no momento.
Data: 19 de Janeiro de 2010».
5. O divórcio provisório converteu-se em definitivo em 30/03/2010, nos termos do certificado de conversão datado de 7 de Abril de 2010, com o seguinte teor:
« A, a requerente e
B, o defendente
Quanto à decisão proferida aos 19 de Janeiro de 2010 nos presentes autos, decidiu-se que, a menos que se invocassem ao Tribunal motivos suficientes pelos quais a decisão acima referida não se poderia converter em definitiva, no prazo de 6 semanas contado a partir do proferimento dela,
é de resolver o casamento realizado entre os dois aos 16 de Setembro de 1989 no Governo Popular do Condado Zijin, Província Guangdong, República Popular da China.
Como ninguém invocou tais motivos, certifico que a autorização acima referida já se converteu em decisão final e definitiva aos 30 de Março de 2010, tendo o matrimónio acima mencionado sido resolvido com base no presente.
Data: 7 de Abril de 2010 »
***
IV – O Direito
1. Prevê o artigo 1200º do C. Processo Civil:
“1. Para que a decisão proferida por tribunal do exterior de Macau seja confirmada, é necessária a verificação dos seguintes requisitos:
a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a decisão nem sobre a inteligibilidade da decisão;
b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do local em que foi proferida;
c) Que provenha de tribunal cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau;
d) Que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal de Macau, excepto se foi o tribunal do exterior de Macau que preveniu a jurisdição;
e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do local do tribunal de origem, e que no processo tenham sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
f) Que não contenha decisão cuja confirmação conduza a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública. 2. O disposto no número anterior é aplicável à decisão arbitral, na parte em que o puder ser.”
Neste tipo de processos não se conhece do fundo ou do mérito da causa, uma vez que o Tribunal se limita a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento, nem da questão de facto, nem de direito.
Vejamos, então, os requisitos.
Os documentos constantes dos autos reportam e certificam a situação invocada pelos autores. Revelam, além da autenticidade, a inteligibilidade da decisão do tribunal distrital de Hong Kong que decretou o divórcio com observância dos preceitos legais em vigor aplicáveis à situação.
Por outro lado, a decisão em apreço não conduz a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública da RAEM (cfr. art. 20º e 273º do C.C.). Com efeito, também o direito substantivo de Macau prevê a dissolução do casamento, igualmente com fundamento na cessação dos laços e convivência conjugal, bem como a atribuição dos filhos do casal a um dos ex-conjuges.
Reunidos estão, pois, os requisitos de verificação oficiosa do art. 1200º, n.1, als. a) e f), do CPC.
Além destes, não se detecta que os restantes (alíneas b) a e)) constituam aqui qualquer obstáculo ao objectivo a que tendem os autos.
Na verdade, também resulta da documentação dos autos que a sentença de divórcio já transitou.
Por outro lado, a decisão foi proferida por entidade competente face à lei em vigor na Região Administrativa e Especial de Hong Kong e não versa sobre matéria exclusiva da competência dos tribunais de Macau, face ao que consta do art. 20º do Cod. Proc. Civil.
Também não se vê que tivesse havido violação das regras de litispendência e caso julgado ou que tivessem sido violadas as regras da citação no âmbito daquele processo ou que não tivessem sido observados os princípios do contraditório ou da igualdade das partes.
Posto isto, tudo se conjuga para a procedência do pedido (cfr. art. 1204º do CPC).
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V - Decidindo
Face ao exposto, acordam em conceder a revisão e confirmar a decisão proferida pelo Tribunal Distrital da Região Administrativa Especial de Hong Kong de 19/01/2010, convertida em definitiva em 30/03/2010, que decretou o divórcio entre A e B nos exactos e precisos termos acima transcritos.
Custas pelos requerentes.
TSI, 10 de Setembro de 2015
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
508/2015 9