Processo n.º 42/2015 Data do acórdão: 2015-5-28 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– erro notório na apreciação da prova
– art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do Código de Processo Penal
– confissão integral e sem reservas dos factos
– crime de desobediência
– art.º 121.º, n.º 7, da Lei do Trânsito Rodoviário
– atraso em poucos dias na entrega da carta de condução à Polícia
– parto da esposa
– suspensão da execução da pena de prisão
S U M Á R I O
1. Como o arguido já confessou integralmente e sem reservas, na audiência de julgamento do tribunal recorrido, os factos imputados no libelo acusatório, e, para além desses factos, esse tribunal já deu também por provado o declarado pelo próprio arguido acerca da sua situação pessoal, familiar e económica, e referenciou, por fim, também na fundamentação da sentença condenatória, os dados constantes do registo criminal do arguido, este não pode vir preconizar na motivação do recurso da sentença a existência do vício, aludido no art.º 400.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Penal, de erro notório na apreciação da prova.
2. Condenado pelo tribunal a quo como autor de um crime de desobediência, p. e p. conjugadamente pelo art.º 121.º, n.º 7, da Lei do Trânsito Rodoviário e pelo art.º 312.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na pena de dois meses de prisão efectiva, o arguido só se atrasou em poucos dias na entrega da carta de condução à Polícia de Segurança Pública, por ter sido ocupado por a sua esposa estar na altura prestes a dar parto, pelo que é de dar ao arguido uma oportunidade, suspendendo-lhe, por dezoito meses, a execução da dita pena de prisão.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 42/2015
(Autos de recurso penal)
Arguido recorrente: A
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por sentença proferida a fls. 189 a 192 do Processo Comum Singular n.° CR3-14-0314-PCS do 3.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB), o arguido A, aí já melhor identificado, ficou condenado como autor material de um crime consumado de desobediência, p. e p. conjugadamente pelo art.º 121.º, n.º 7, da Lei do Trânsito Rodoviário (doravante abreviada por LTR) e pelo art.º 312.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal (CP), na pena de dois meses de prisão efectiva.
Inconformado, veio o arguido recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para pedir, a título principal, a absolvição do dito crime com fundamento no alegado erro notório na apreciação da prova cometido pelo Tribunal recorrido (como vício referido na alínea c) do n.º 2 do art.º 400.º do Código de Processo Penal (CPP)), e rogar, fosse como fosse, a aplicação da pena de multa em detrimento da pena de prisão à luz do art.º 64.º do CP, ou a substituição da pena de prisão por igual tempo de multa em sede do art.º 44.º, n.º 1, do CP, e, em última hipótese, a suspensão da execução da pena de prisão nos termos do art.º 48.º, n.º 1, do CP (cfr. com mais detalhes, o teor da motivação do recurso apresentada a fls. 213 a 226 dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso respondeu (a fls. 235 a 239 dos autos) a Digna Delegada do Procurador, no sentido de manutenção do julgado.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 255 a 256v), pugnando pela suspensão da execução da pena de prisão.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se o seguinte:
1. Da acta da audiência de julgamento realizada perante o Tribunal ora recorrido (lavrada a fls. 187 a 188 dos autos), consta que o arguido ora recorrente confessou integralmente e sem reservas os factos delinquentes imputados, pelo que foi decidida judicialmente a implicação da renúncia à produção da prova, com passagem de imediato às alegações orais.
2. Do teor da sentença ora posta em crise (constante de fls. 189 a 192, com lapsos de escrita rectificados por ordem dada no despacho judicial de fl. 204), decorre que o Tribunal recorrido já deu materialmente por provada toda a factualidade então imputada ao arguido no libelo acusatório, em sintonia com a qual:
– em 15 de Abril de 2011, o arguido ficou condenado no Processo Contravencional n.º CR3-11-0102-PCT do 3.º Juízo Criminal do TJB, por condução de veículo automóvel sob influência da alcoolemia de 0,8 grama por litro de sangue, na pena de inibição de condução por três meses, suspensa na execução por um ano, decisão essa transitada em julgado em 4 de Maio de 2011;
– em 25 de Agosto do mesmo ano, o arguido ficou condenado no Processo n.º CR1-11-0155-PSM do 1.º Juízo Criminal do TJB, por condução de veículo automóvel sob influência da alcoolemia de 1,33 gramas por litro de sangue, nomeadamente na pena de inibição de condução por um ano;
– devido à prática do crime durante o período de suspensão da execução da pena, foi decidido judicialmente, em 6 de Julho de 2012, naquele processo do 3.º Juízo Criminal do TJB, revogar a suspensão da execução da pena, com consequente execução da inibição de condução do arguido por três meses, e ordenação do arguido no sentido de ter ele que entregar a carta de condução ao Corpo de Polícia de Segurança Pública no prazo de cinco dias contado do trânsito em julgado da decisão revogatória da suspensão da pena, sob pena da correspondente sanção legal;
– no dia 9 desse mesmo mês, o arguido foi notificado do teor dessa decisão judicial, pelo que soube claramente as consequências legais de não acatamento dessa decisão;
– essa decisão transitou em julgado no dia 19 do mesmo mês;
– o arguido só chegou no Posto de Trânsito da Taipa do Corpo de Polícia de Segurança Pública em 27 de Julho de 2012, às 17:15 horas, para entregar a carta de condução;
– o arguido, de modo consciente e voluntário, não acatou a ordem emanada pela Autoridade Judicial de acordo com a lei;
– o arguido soube claramente que a sua conduta era proibida por lei, e como tal sancionada por lei.
3. O Tribunal recorrido descreveu também como provado na sua sentença que o arguido possui como habilitações académicas o curso secundário complementar, não está empregado e precisa de sustentar a esposa e um filho, para além de ter referido o seguinte registo criminal do arguido, na sua essência:
– o arguido, por ter cometido um crime de detenção de estupefaciente para consumo pessoal, ficou condenado, em 20 de Outubro de 2008, no Processo n.o CR1-08-0260-PSM (n.º CR4-08-0151-PSM), na pena de seis mil patacas de multa, já paga;
– o arguido, por ter cometido um crime de consumo ilícito de estupefaciente e um crime de detenção indevida de utensílio, ficou condenado, em 7 de Janeiro de 2011, no Processo n.o CR3-11-0004-PSM, com trânsito da decisão em julgado em 17 de Janeiro de 2011, na pena única de dois meses de prisão, suspensa na execução por um ano, sob condição de aceitação do tratamento da sua toxicodependência e de prestação de cinco mil patacas de contribuição a favor da Região Administrativa Especial de Macau no prazo de noventa dias, período de suspensão da execução da pena esse que veio a ser prorrogado por um ano, por decisão judicial de 4 de Novembro de 2011, transitada em julgado em 14 de Novembro de 2011;
– o arguido, por ter cometido uma contravenção especial consistente em condução de veículo automóvel sob influência de álcool, ficou condenado, em 15 de Abril de 2011, no Processo n.o CR3-11-0102-PCT, com trânsito da decisão em julgado em 4 de Maio de 2011, na pena de inibição de condução por três meses, suspensa na execução por um ano;
– o arguido, por ter cometido um crime de condução em estado de embriaguez, ficou condenado, em 25 de Agosto de 2011, no Processo n.o CR1-11-0155-PSM, com trânsito da decisão em julgado em 12 de Setembro de 2011, na pena de quatro meses de prisão, suspensa na execução por dois anos, para além da inibição de condução por um ano;
– o arguido, por ter cometido um crime de consumo ilícito de estupefaciente e um crime de detenção indevida de utensílio, ficou condenado, no Primeiro de Julho de 2014, no Processo n.o CR4-14-0223-PCS, na pena única de três meses de prisão efectiva, decisão condenatória essa actualmente na fase de recurso.
4. O Tribunal ora recorrido chegou a referir na fundamentação probatória da sua sentença que: o arguido, na audiência de julgamento, confessou integralmente e sem reservas os factos, e declarou que chegou a lembrar, no período para a entrega da carta de condução, que tinha que entregar a carta de condução, mas como estava muito ocupado por a esposa estar prestes a dar parto, não teve tempo para ir entregá-la.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, é de notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Nesses parâmetros, conhecendo:
Desde já, julga-se que como o arguido já confessou integralmente e sem reservas, na audiência de julgamento do Tribunal recorrido, os factos imputados no libelo acusatório, por um lado, e, por outro, para além desses factos, o Tribunal já deu também por provado o declarado pelo próprio arguido acerca da sua situação pessoal, familiar e económica, e referenciou, por fim, também na fundamentação da sentença, os dados constantes do registo criminal do arguido, este não pode vir preconizar agora na sua motivação de recurso a tese de existência do vício, aludido no art.º 400.º, n.º 2, alínea c), do CPP, de erro notório na apreciação da prova.
No que à escolha da pena do crime de desobediência (por falta de entrega da carta de condução no prazo fixado na sentença aplicadora da sanção de inibição de condução) diz respeito, este crime por que vem condenado o arguido nesta vez em primeira instância é punível, nos termos conjugados do art.o 121.º, n.º 7, da LTR e do art.º 312.º, n.º 1, alínea a), do CP, com pena de prisão ou pena de multa. Contudo, realiza o presente Tribunal ad quem que andou bem o Tribunal recorrido ao decidir em impor ao arguido a pena de prisão, e não a pena de multa, visto que atentas as condenações penais anteriores (com decisões já transitadas em julgado) do arguido, a multa já não é suficiente para prosseguir as finalidades da punição, sobretudo na vertente da prevenção especial (cfr. o critério material vertido no art.º 64.º do CP para efeitos de decisão da escolha entre a prisão e a multa).
Outrossim, embora nos termos do art.º 44.º, n.º 1, do CP a pena de dois meses de prisão desta vez seja susceptível de ser substituída por igual tempo de multa, não se pode realmente lançar mão a essa substituição, uma vez que, consideradas as condenações penais anteriores (com decisões já transitadas em julgado) do arguido, a multa não dá efectivamente para prevenir, de modo adequado, o arguido da prática de novo delito no futuro.
Por fim, quanto ao pedido de suspensão da pena formulado nos termos do art.º 48.º, n.º 1, do CP, já é de decidir a contento do arguido, porquanto tal como entendeu a Digna Procuradora-Adjunta no seu judicioso parecer emitido na presente lide recursória, o arguido só se atrasou em poucos dias na entrega da carta de condução à Polícia de Segurança Pública, por ter sido ocupado por a sua esposa estar na altura prestes a dar parto, pelo que é de dar ao arguido uma oportunidade, suspendendo-lhe, por dezoito meses, a execução da pena.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar parcialmente provido o recurso, passando a ordenar a suspensão, por dezoito meses, da execução da pena de dois meses de prisão aplicada na sentença recorrida.
Pagará o arguido 3/4 das custas do seu recurso (com seis UC de taxa de justiça correspondente a esse seu decaimento). E fixam em quatro mil e oitocentas patacas os honorários da Ex.ma Defensora Oficiosa do arguido, ficando 3/4 desse montante a cargo do arguido, e o restante 1/4 a ser pago pelo Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância.
Comunique a presente decisão aos Processos n.os CR3-11-0004-PSM, CR1-11-0155-PSM e CR4-14-0223-PCS do Tribunal Judicial de Base.
O presente acórdão é irrecorrível nos termos do art.º 390.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal.
Macau, 28 de Maio de 2015.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)
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