Processo n.º 619/2015 Data do acórdão: 2015-7-16 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– termo de identidade e residência
– obrigação de comunicação do local de contacto
– arguido julgado na ausência consentida
– desconhecimento da sentença condenatória
– revogação da pena suspensa
– art.º 54.º, n.º 1, do Código Penal
S U M Á R I O
1. Em sede da verificação judicial do requisito material exigido no art.º 54.º, n.º 1, do Código Penal, não pode relevar o argumento do arguido, julgado na sua ausência por si previamente consentida, de que ele, estando sempre em Macau, desconheceu a sentença aplicadora da pena suspensa, por cuja notificação postal ter sido enviada para a sua morada no estrangeiro declarada no termo de identidade e residência.
2. É que o desconhecimento da sentença foi um facto provocado por ele próprio, pois não agiu de acordo com a obrigação, conforme o termo de identidade e residência então assinado, de comunicar o local onde poderia ser contactado, se não fosse na morada declarada.
3. O “local onde poderia ser contactado” pode ser um local qualquer, não fixo.
4. Não havendo injustiça notória no juízo revogatório já formado pelo tribunal a quo, é de respeitá-lo, sendo mantido o recorrido despacho revogatório da pena suspensa.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 619/2015
(Recurso em processo penal)
Arguido recorrente: B
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com o despacho judicial proferido a fls. 81v a 82v dos autos de Processo Comum Singular n.o CR4-14-0008-PCS do 4.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB) que lhe revogou, nos citados termos do art.o 54.o, n.o 1, alínea b), do Código Penal (CP), a suspensão da execução da pena única de oito meses de prisão, veio o arguido condenado B, já melhor identificado nesses autos, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para pedir a revogação do despacho revogatório da pena suspensa, alegando, para o efeito, e na sua essência, que: desde a sua entrada em Macau em 2013 até agora, ele nunca se ausentou de Macau, mas como não domina o chinês, nem o inglês nem o português, quando prestou, em 17 de Setembro de 2013, consentimento da realização da audiência de julgamento na sua ausência, não sabia claramente que a ulterior sentença iria ser enviada à morada no Vietname por ele declarada, razões por que nunca ele soube que já se encontrava no período de suspensão da execução da pena de prisão, pelo que lhe deverá ser concedida mais uma oportunidade, no sentido de se manter a inicial suspensão da execução da pena, com prorrogação do período da suspensão (cfr. o teor da motivação, apresentada a fls. 92 a 95 dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso respondeu o Ministério Público (a fls. 105 a 108) no sentido de manutenção da decisão recorrida.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 127 a 128), pugnando também pelo não provimento do recurso.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos legais, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Com pertinência à solução do objecto do recurso, é de coligir dos autos os seguintes dados:
– Por sentença de 18 de Março de 2014, proferida a fls. 41 a 43v dos ora subjacentes autos de Processo Comum Singular n.º CR4-14-0008-PCS, o arguido B, aí julgado na sua ausência sob o consentimento escrito por si prestado em 17 de Setembro de 2013 (a fl. 27 dos autos), foi condenado como autor material, na forma consumada, de um crime de desobediência e de um crime de falsas declarações sobre a identidade, na pena única de oito meses de prisão, suspensa na sua execução por dois anos, sentença essa que foi objecto de notificação postal, registada em 10 de Abril de 2014 (cfr. o processado a fls. 52 a 52v), à própria pessoa do arguido, dirigida à morada no Vietname por si declarada no Termo de Identidade e Residência datado de 17 de Setembro de 2013;
– Desse Termo de Identidade e Residência assinado pelo arguido, consta que pelo arguido “foi declarado que a sua residência é … e bem assim se obriga … a não mudar de residência … nem ausentar-se dela por mais de cinco dias sem comunicar previamente a nova residência, ou o lugar onde possa ser encontrado” (cfr. o teor desse Termo, a fl. 26);
– Em 24 de Fevereiro de 2015, foi junta a fls. 57 a 61 a certidão da sentença de 27 de Janeiro de 2015 (transitada em julgado em 16 de Fevereiro de 2015) do Processo Comum Singular n.o CR4-14-0492-PCS do 4.º Juízo Criminal do TJB, por força da qual o mesmo arguido ficou condenado, como autor material, na forma consumada, de um crime de desobediência, praticado em 24 de Junho de 2014, e de um crime de consumo ilícito de estupefaciente, praticado em 6 de Outubro de 2014, na pena única de quatro meses de prisão efectiva;
– Em face dessa nova condenação penal do arguido, o M.mo Juiz titular do ora subjacente processo procedeu à audição do arguido em 5 de Maio de 2015, em sede da qual este declarou que não sabia do conteúdo da sentença outrora proferida (cfr. o auto da audição lavrado a fls. 81 e seguintes);
– Após essa audição, o M.mo Juiz acabou por decidir em revogar, nos citados termos do art.º 54.º, n.º 1, alínea b), do CP, a suspensão da execução da pena única de oito meses de prisão anteriormente imposta ao arguido (cfr. o teor desse despacho, constante de fls. 81v a 82v dos autos, cujo teor se dá por aqui integralmente reproduzido).
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cabe notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver apenas as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Na sua motivação, o recorrente preconiza nuclearmente que como ele sempre esteve em Macau, não soube do teor da sentença condenatória então proferida, já que a notificação postal dessa sentença foi enviada para a sua morada no Vietname.
Contudo, em sede da verificação judicial do requisito material exigido no art.º 54.º, n.º 1, do CP, não pode relevar este tipo de argumento, dado que o desconhecimento da dita sentença foi um facto provocado por ele próprio, pois não agiu ele de acordo com a obrigação (conforme o Termo de Identidade e Residência então assinado) de comunicar o local onde poderia ser contactado, se não fosse naquela morada.
A situação de não ter residência fixa em Macau também não é causa impeditiva do cumprimento, por ele, da dita obrigação, porque tal “local onde poderia ser contactado” pode ser um local qualquer, não fixo.
Resta conhecer do mérito da decisão recorrida, revogatória da pena suspensa.
Pois bem, tendo o arguido voltado a cometer dois crimes dolosos no pleno período da suspensão da execução da pena (cfr. os dados processuais já acima referidos na parte II do presente acórdão de recurso), e não havendo injustiça notória no juízo revogatório já formado pelo M.mo Juiz a quo em sede do art.º 54.º, n.º 1, alínea b), do CP, é de respeitá-lo integralmente, sendo, pois, de manter o ora recorrido despacho revogatório da pena suspensa, sem mais indagação por desnecessária.
IV – DECISÃO
Nos termos expostos, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas do recurso pelo recorrente, com duas UC de taxa de justiça, e duas mil e quinhentas patacas de honorários à sua Ex.ma Defensora Oficiosa.
Comunique ao Processo n.º CR3-15-0070-PCS do Tribunal Judicial de Base à ordem do qual se encontra preso actualmente o recorrente.
Macau, 16 de Julho de 2015.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)
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