Processo nº 589/2015 Data: 25.06.2015
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Liberdade condicional.
Pressupostos.
SUMÁRIO
1. A liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão.
2. É de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social.
O relator,
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José Maria Dias Azedo
Processo nº 589/2015
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. B (B), com os restantes sinais dos autos e ora preso no Estabelecimento Prisional de Macau (E.P.M.), vem recorrer da decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, motivando para, a final, concluir, imputando à decisão recorrida o vício de violação do disposto no artº 56º do C.P.M.; (cfr., fls. 90 a 94 que como as que adiante se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os legais efeitos).
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Em resposta, considera o Exm° Magistrado do Ministério Público que se deve negar provimento ao recurso; (cfr., fls. 96 a 97).
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Em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:
“Na Motivação de fls.90 a 94 dos autos, o recorrente requereu a revogação do despacho recorrido e a concessão da liberdade condicional, assacando-lhe o vício de violar o disposto nas alíneas a) e b) do n.° 1 do art.56° do CPM, por entender reunir todos os pressupostos.
Antes de mais, subscrevemos inteiramente as cabais e criteriosas explanações do ilustre Colega na douta Resposta (cfl. fls.96 a 97 dos autos), no sentido do não provimento do recurso em apreço.
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No dia de hoje, constitui jurisprudência firme que a concessão da liberdade condicional depende do preenchimento cumulativo de todos os pressupostos, quer formais quer substanciais, consignados no art.56° do CPM, bastando a não verificação de qualquer um para se negar o pedido da liberdade condicional (a título exemplificativo, Acórdão do TSI no Processo n.°195/2003).
Importa recordar que a liberdade condicional não é uma medida de clemência ou de recompensa por mera boa conduta prisional, e serve na política do C.P.M. um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o recluso possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão. (Acórdão do TSI no Processo n.°50/2002)
Daí decorre que se, não obstante um comportamento prisional adequado, pelo passado do recluso e perspectivas de reintegração se não se formula um juízo de prognose favorável a uma regeneração e se teme pelas razões de prevenção geral. (Acórdãos do TSI nos Processos n.°225/2010)
Ainda se inculca reiteradamente que cada situação deve ser observada em concreto e caso a caso, num circunstancialismo de modo, tempo e lugar próprios, analisando de forma crítica a personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo se vai reinserir na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo ainda constituir matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social. (Acs. do TSI nos Processos n.°25/2010 e n.°404/2011)
Envolvendo conceitos indeterminados de prognose, as alíneas a) e b) do n.°l do referido art.56° dota aos julgadores certa margem de livre apreciação na interpretação e na valorização, pelo que a convicção de não verificação dos pressupostos subjectivos só poderia ser neutralizado se houvesse uma exemplar e excelente evolução activa da personalidade do recluso durante a execução da prisão, e não um mero comportamento passivo cumpridor das regras básicas de conduta prisional. (Acórdãos do TSI nos Processos n.°9/2002)
No caso sub judice, a MMa Juiz a quo refere prudentemente: 正如尊敬的助理檢察長 閣下所言,被判刑人包頭內存有足夠金錢支付法院所判處的賠償,但卻在來函中表示沒有能力支付。由此可見,被判刑人對於法院的判決不予重視,反映其未有真誠悔悟之意。因而,法庭尚未能確信其一旦獲釋將能以對社會負責任的方式生活而不再犯罪。
De outro lado, 本案涉及的犯罪行為近年有增加的趨勢,被判刑人在公共運輸工具上實施盜竊行為,嚴重影響本澳旅遊城市的形象,同時對社會治安構成嚴重影響,判刑人所服刑期,顯然尚未能抵銷其犯罪行為所造成的惡害,提早釋放被判刑人將對法律的威攝力構成負面影響,同時,亦令潛在的犯罪份子認為刑責不重而減低其犯罪成本,從而危及社會安寧。
Ora bem, não obstante se militarem, nos autos, umas circunstâncias favoráveis ao recorrente, mas, na esteia das persuasivos jurisprudências supra citadas, aderimos, sem reserva, à posição da MMa Juiz a quo, no sentido de aquele ainda não reunir, por ora, os pressupostos consagrados do n.°1 do art.56° do CPM.
Com efeito, como bem observou a MMa Juiz a quo, é seriamente duvidoso que uma vez em liberdade, o recorrente conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, e a colocação do recorrente em liberdade não é compatível com a paz social. O que nos permite a prever, a jusante, que não se verificam, nesta altura, os dois pressupostos consagrados no n.°1 do art.56° do CPM.
Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso”; (cfr., fls. 104 a 105-v).
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Corridos os vistos legais dos Mmºs Juízes-Adjuntos, e nada obstando, vieram os autos à conferência.
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Passa-se a decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Flui dos autos a factualidade seguinte (com relevo para a decisão a proferir):
– por Acórdão do T.J.B. de 05.11.2014, foi B, ora recorrente, condenado pela prática como autor de 1 crime de “furto qualificado”, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão e no pagamento ao ofendido do montante de MOP$653,00.
– o mesmo recorrente, deu entrada no E.P.M. em 28.04.2014, e em 27.04.2015, cumpriu dois terços da referida pena, vindo a expiar totalmente a mesma pena em 27.10.2015;
– se lhe vier a ser concedida a liberdade condicional, irá regressar a Guanxi, R.P.C, de onde é natural, vivendo com os pais tencionando retomar o seu trabalho no restaurante de um seu familiar.
Do direito
3. Insurge-se o ora recorrente contra a decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, afirmando, em síntese, que se devia considerar que reunidos estão todos os pressupostos do artº 56º do C.P.M. para que tal libertação antecipada lhe fosse concedida.
Vejamos.
— Preceitua o citado artº 56º do C.P.M. (que regula os “Pressupostos e duração” da liberdade condicional) que:
“1. O tribunal coloca o condenado a pena de prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses, se:
a) For fundamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
2. A liberdade condicional tem duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, mas nunca superior a 5 anos.
3. A aplicação da liberdade condicional depende do consentimento do condenado”; (sub. nosso).
Constituem, assim, “pressupostos objectivos” ou “formais”, a condenação em pena de prisão superior a seis (6) meses e o cumprimento de dois terços da pena, num mínimo de (também) seis (6) meses; (cfr. nº 1).
“In casu”, atenta a pena que ao recorrente foi fixada, e visto que se encontra ininterruptamente preso desde 28.04.2014, expiados estão já dois terços de tal pena, pelo que preenchidos estão os ditos pressupostos formais.
Todavia, e como é sabido, tal “circunstancialismo” não basta, já que não sendo a liberdade condicional uma medida de concessão automática, impõe-se para a sua concessão, a verificação cumulativa de outros pressupostos de natureza “material”: os previstos nas alíneas a) e b) do nº 1 do referido artº 56º.
Com efeito, importa ter em conta que a liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão; (cfr., v.g., J. L. Morais Rocha e A. C. Sá Gomes in “Entre a Reclusão e a Liberdade – Estudos Penitenciários”, Vol. I, em concreto, “Algumas notas sobre o direito penitenciário”, IV cap., pág. 41 e segs.).
Na esteira do repetidamente decidido nesta Instância, a liberdade condicional “é de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir óbviamente matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 11.04.2013, Proc. nº 177/2013, de 25.04.2013, Proc. nº 213/2013 e o de 20.06.2013, Proc. n.° 350/2013).
Assim, detenhamo-nos na apreciação de tais pressupostos de natureza material.
Ponderando na factualidade atrás retratada, poder-se-á dizer que é fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, mostrando-se a pretendida liberdade condicional compatível com a defesa da ordem jurídica e paz social?
Cremos que de sentido positivo deve ser a resposta.
De facto, sendo o recorrente primário antes da condenação na pena que ora cumpre, tendo um comportamento prisional pelo Director do E.P.M. considerado como adequado, demonstrando arrependimento pela sua conduta, e presentes se apresentando as condições para a sua reinserção social, uma vez que vai voltar a viver com a sua família, tendo perspectivas de trabalho, possível se mostra o necessário juízo de prognose favorável.
Por sua vez, em causa estando um crime de “furto”, tendo em conta o bem jurídico com o mesmo protegido, o período da pena que cumpriu (14 meses), o que falta cumprir, (4 meses), e sendo que irá regressar à sua terra natal, afigura-se de considerar igualmente verificado o pressuposto da alínea b) do n.° 1 do art. 56° do C.P.M., se ao ora recorrente for fixado o dever de, no período de liberdade condicional, pagar a indemnização em que foi condenado.
Assim, em face das expostas considerações, há que revogar a decisão recorrida.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam conceder provimento ao recurso, concedendo-se a pretendida liberdade condicional e fixando-se ao recorrente o dever de, durante esta, pagar a indemnização em que foi condenado.
Sem custas.
Passem-se os competentes mandados de soltura.
Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.
Macau, aos 25 de Junho de 2015
(Relator)
José Maria Dias Azedo
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Chan Kuong Seng
(Segunda Juiz-Adjunta)
Tam Hio Wa (Vencido por entender que a colocação do recorrente em liberdade não é compatível com a paz social, atendendo ao facto de ser frequente a prática de crime de furto nos autocarros.)
Proc. 589/2015 Pág. 14
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